segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

VIRUS NAZIFASCISTA

Nazifascismo. Neologismo que reúne as marcas comuns ao fascismo e ao nazismo no pensamento e na ação dos indivíduos, grupos e partidos políticos. No Brasil, mostram-se infectados pelo vírus nazifascista: o presidente da república, ministros, parlamentares, juízes e tribunais federais, banqueiros, empresários, fazendeiros, profissionais liberais, artistas, pastores e crentes evangélicos. Em breve, o Supremo Tribunal Federal será presidido por nazifascista, caso seja obedecida a praxe. Como direito e praxe são distintos, talvez a escolha recaia sobre ministro democrata. Pureza doutrinária não se encontra no mundo dos fatos. Ideias e práticas conjugam-se nos propósitos dos detentores do poder político. Daí, o nazifascista ser qualificado ora de fascista, ora de nazista. Na ação governamental estão implicados: (i) visão de mundo do governante (ii) programa do partido (iii) ambições pessoais (iv) pressões dos grupos. O atual clima político ameaça a democracia. 
Fascismo. Movimento político iniciado em Milão quando Benito Mussolini fundou o Fasci Combatimento núcleo do futuro Partido Nacional Fascista (1919/1920). Hibernou depois da guerra. Revigorou-se neste século XXI. Sustentado pelo capital financeiro, apresenta as seguintes características: contrário ao socialismo, à democracia e à liberdade; favorável à censura, ao ódio ao adversário, ao uso da força, da violência, da mentira, injúria, difamação e calúnia. Segundo a doutrina fascista: [1] o governo do estado cabe à elite civil/militar (autoritarismo) [2] a nação com alma e vida próprias é senhora do seu destino (nacionalismo) [3] o intelecto subordina-se à vontade e ao sentimento (romantismo) [4] a fé mística, o sacrifício, o heroísmo e a força são necessários para solucionar os problemas nacionais; a guerra enobrece o homem e regenera os povos (militarismo) [5] a economia deve ser regulada e controlada pelo estado; capital e trabalho harmônicos (corporativismo) [6] o estado engloba os interesses individuais e coletivos; nada acima, fora ou contra o estado; pensamento homogêneo, um só partido, uma só imprensa, uma só educação (totalitarismo). 
Nazismo. Movimento político iniciado em Munique por sete operários ferroviários que fundaram o Partido Operário Alemão (1919). Do programa constavam as propostas de rejeitar o Tratado de Versalhes, extinguir o sistema parlamentar, fortalecer o poder central, distribuir os lucros das grandes indústrias, aumentar os benefícios aos necessitados, punir a usura com pena de morte, cassar a cidadania dos judeus. Sangue e solo, chaves da doutrina. Judeus considerados comunidade fechada de semitas determinada pelo sangue e não pela religião. Deviam ser punidos pelo martírio de Jesus. Sob grave crise política, social e econômica, o povo alemão ansiava mais por segurança do que por liberdade (1919/1930). A moeda desvalorizou. Inflação disparou atingindo níveis estratosféricos. Setor privado em ruína. Esse contexto facilitou a entrada em cena do nazismo com as seguintes características: apoio do capital financeiro, autocracia, romantismo (predomínio da vontade e do sentimento em relação ao intelecto), racismo, expansionismo, censura. Ódio, intolerância e violência convivem com misticismo e pretensão messiânica (dogmatismo, ritualismo, cruz gamada). 
Ascensão de Hitler. Filiou-se ao Partido Operário Alemão. Por sugestão sua, o partido passou a chamar-se Partido Operário Alemão Nacional-Socialista (Nazi, 1920). Influíram no seu bom conceito junto à massa popular: a origem humilde, o fato de ter sido preso ao liderar rebelião contra o governo e o seu vigoroso discurso demagógico em que [1] exaltava o III Reich [2] prometia vingar-se da humilhação imposta pelo Tratado de Versalhes à nação germânica [3] mostrava disposição para: (i) enfrentar qualquer nação que oferecesse resistência à expansão da soberania teutônica (ii) esmagar o inimigo sem concessões, com raiva, bravura e heroísmo (iii) purificar a sociedade mediante a exclusão dos judeus, ciganos, negros e outras pessoas estranhas à raça ariana. Nos 10 anos seguintes à fundação, o partido nazi cresceu e conquistou cadeiras no Parlamento. Pressionado por deputados, industriais e banqueiros, o Presidente Paul von Hindenburg (chefe de estado) nomeou Adolf Hitler para o cargo de Chanceler (chefe de governo, 1933). Após a morte do Presidente no ano seguinte, o povo foi consultado, mediante plebiscito, se o Chanceler devia acumular o cargo de Presidente da República. A resposta foi positiva. Com apoio popular, Hitler assumiu as chefias do Estado e do Governo. No intuito de debelar a crise, o Parlamento concedeu amplos poderes a Hitler. Desse modo, implantou-se a ditadura no país (1934/1945). 
Queda de Hitler. O estrondoso e incrível sucesso da sua administração arrebatou-lhe o bom senso, o equilíbrio emocional e mental necessário a um estadista. Hitler passou a se considerar messias. O território da Alemanha agora lhe parecia acanhado. Afirmava necessitar de espaço vital. Invadiu países vizinhos. Provocou a segunda guerra mundial. Inglaterra, Rússia e EUA se aliaram e derrotaram a poderosa  Alemanha. Hitler suicidou-se (1945).      
Hitler e Bolsonaro. Dois artistas. O alemão pintava quadros e paredes. O brasileiro faz brincadeiras para outros rirem. Diz e faz asneiras. Ambos foram soldados. O alemão, cabo do exército, foi condecorado por bravura na primeira guerra mundial. O brasileiro, capitão do exército, foi expulso por falta de decoro. Na chefia do governo, o alemão tirou o país do caos, zerou a taxa de desemprego e domou a inflação. Transformou a Alemanha na maior potência estratégica e econômica do planeta antes de destruí-la. Na chefia do governo, o brasileiro submete-se à política e aos interesses dos EUA e adula o governo nazifascista de Israel. Adepto do militarismo, apoia o terrorismo de estado praticado pelo governo dos EUA. Provocou o governo da Venezuela e de outros países. Tudo em frontal violação do artigo 4º da Constituição da República. Enquanto o povo se divertia com as palhaçadas, o país tornou-se caótico, regrediu 50 anos, rebaixado da 8ª para a 10ª economia do planeta, colocado entre os países mais corruptos do mundo. O chefe alemão era contido nos gastos pessoais. O chefe brasileiro gastou uma fortuna com o cartão corporativo. Viajou pelo mundo em turismo oficial sem trazer benefício algum para o Brasil. Prejudicou os trabalhadores, a educação e a cultura. Injuriou intelectuais, perseguiu os homossexuais e as comunidades negras e indígenas. Foi condescendente com a grilagem de terras e o avanço das pastagens e das plantações ilegais na Amazônia. Incompetente no combate aos incêndios da floresta. Negligente com os assuntos ecológicos. Deficiente intelectual e moral diante da jovem sueca de 17 anos de idade defensora do meio ambiente. No seu governo, aumentaram a inflação, o desemprego, a miséria e a fome no país. 

sábado, 18 de janeiro de 2020

JUÍZO DAS GARANTIAS - 2


Duas associações de magistrados e dois partidos políticos ingressaram com ações judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dos dispositivos da lei que instituiu o juízo das garantias (13.964/2019). Houve pedido de medida cautelar para suspender a vigência da lei tendo em vista o periculum in mora. O STF está em recesso (dez/2019-jan/2020). Ad referendum do tribunal pleno, o presidente examinou o caso, como permite o regimento interno.
A monocrática decisão presidencial [i] respeitou o princípio constitucional da separação dos poderes e manteve a data da vigência da lei [ii] refutou com clareza e bons fundamentos as arguições de inconstitucionalidade [iii] mencionou legislação e experiência nessa matéria de países europeus e latino-americanos [iv] buscou amparo nos ensinamentos de tratadistas nacionais e estrangeiros, nas normas constitucionais e legais e na jurisprudência da casa [v] adotou o método da interpretação sistemática para suspender por 180 dias a eficácia dos dispositivos referentes ao juízo das garantias [vi] baixou regras de transição do modelo atual para o novo modelo processual.
O ministro intitulou de “Microssistema” o modelo resultante das mudanças introduzidas pela denominada “lei anticrime”. Dentro do prazo assinado, os tribunais deverão implementar o novo órgão judiciário. Ao negar que a nova lei tenha criado um novo órgão judiciário e ao afirmar que a nova lei apenas estabeleceu uma divisão de competências no bojo do processo penal, o ministro entra em rota de colisão com a evidência dos fatos e com os conceitos da ciência jurídica.
A competência do juiz ordinário para cuidar dos atos e fatos da investigação criminal anteriores à instauração do processo passou para o juiz das garantias. Distintos órgãos com distintas funções, cada qual dentro da sua competência. O juiz das garantias atua nos procedimentos prévios. O juiz ordinário atua no processo. Nenhum deles participa da produção de provas, o que se coaduna com a imparcialidade. Ao juiz das garantias compete: [i] conhecer e resolver questões atinentes à investigação criminal que antecede a instauração do processo [ii] deferir ou indeferir petição inicial (denúncia ou queixa-crime). A relação processual somente se instaura se o juiz deferir a petição inicial. A partir daí, o juiz ordinário assume a direção do processo. Antes disto, não há processo e sim procedimentos. 
Juízo de direito é órgão do Poder Judiciário, tal como tribunal do júri, tribunal de justiça, supremo tribunal. O juízo das garantias, inclusive com secretaria própria, é juízo de direito com jurisdição na esfera criminal, cuja competência vem traçada na lei que o criou. A competência legal limita a jurisdição do órgão judiciário. Após a entrada em vigor da nova lei, o juízo das garantias passará a integrar a estrutura do Poder Judiciário. Os tribunais têm o prazo de 180 dias para implementá-lo.    
A função jurisdicional exige órgão julgador, assim como a função legislativa exige órgão legislador e a função executiva exige órgão executor. Essa terminologia os juristas tomaram de empréstimo às ciências biológicas. Órgãos compõem organismo biológico no interior do qual exercem determinadas funções. Órgãos compõem organismo público ou privado no interior do qual exercem determinadas funções. Órgãos estatais são constituídos de pessoas encarregadas de manifestar a vontade do ente público e de, em nome deste, exercer funções públicas. 
O Poder Judiciário é um organismo estatal composto de vários órgãos com funções jurisdicionais e administrativas. O juízo de direito é um desses órgãos constituído de pessoa natural investida de poder do estado cuja função é prestar tutela jurisdicional no devido processo jurídico. O juízo das garantias é um juízo de direito que veio preencher lacuna no sistema penal acusatório. Demorou 70 anos  para essa lacuna ser colmatada!        
No regular e legítimo exercício da sua constitucional e privativa competência, o Congresso Nacional legislou sobre direito penal e direito processual, como reconhece o ministro em sua decisão. Mais do que um órgão jurisdicional, o legislador criou uma instituição democrática em defesa da liberdade e dos direitos individuais. O juízo das garantias foi instituído para proteger essa liberdade e esses direitos contra as arbitrariedades e os abusos praticados no curso da investigação criminal por delegados, agentes do ministério público e magistrados. Os nefastos episódios de operações do tipo lava-jato convenceram o legislador da necessidade de colocar um paradeiro a essas ilegalidades.
A decisão da maioria dos parlamentares e a decisão do presidente do STF adquirem maior relevo neste momento em que o nazismo instala-se nos altos escalões da república. Assim como o fascismo, do seu berço na Itália, espraiou-se para outros países, também o nazismo, do seu berço na Alemanha, espraiou-se. O Brasil foi um dos hospedeiros. Nazistas e fascistas em maior número aglomerados no Sul do país (SP, PR, SC, RS). Neste século XXI (2001/2100) o fascismo italiano e o nazismo alemão foram revigorados na América e na Europa.
Ironia da História. Em 1943, o governo Vargas criou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e enviou à Itália cerca de 25 mil soldados para combater o fascismo e o nazismo. A participação brasileira durou 9 meses (set/1944-mai/1945). Morreram cerca de 500 soldados. e 3.000, aproximadamente, voltaram feridos. Os defensores da democracia devem redobrar os cuidados porque os nazifascistas são atuantes, fanáticos, violentos, cultuam a força física e a alvura da pele, odeiam os socialistas, os mestiços, os mendigos, os indígenas, os homossexuais, seduzem a massa popular, têm ojeriza aos direitos humanos e colocam o estado acima das liberdades públicas.     


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A JUÍZA O PAPA E DEUS

Texto da lavra de uma juíza de direito sobre dois episódios por ela testemunhados, ocorridos no Leblon, outrora aprazível bairro da Zona Sul da Capital do Estado do Rio de Janeiro, provocou saudável debate entre os membros da minha família no whatsapp e motivou o presente artigo.  
Primeiro episódio. Garoto pobre, negro, vendia cartelas de chiclete, foi escorraçado de estabelecimento comercial. O menino chora. Lamuria-se: “estou só tentando trabalhar”. A juíza consolou o menino e adquiriu uma cartela. Diante do valor que lhe foi pago, o menino quis entregar todas as cartelas. A juíza recusou. Com a venda das cartelas restantes ele aumentaria a renda naquele dia. O menino agradeceu e abençoou a juíza: “Deus te proteja”.   
Segundo episódio. Garoto pobre, negro, caminhava pelo calçadão da praia. Portava cartaz com os dizeres: “chega de racismo”. A juíza viu esperança naquele ato.  
Choque de realidade. Fora do gabinete de trabalho e do mundo de papel, talvez sob o influxo do espírito natalino e da esperançosa passagem do ano (2019/2020), a juíza se deparou com ocorrências que despertaram sua reflexão sobre desigualdade social, maldade humana e ausência de Deus. 
A presença do garoto incomodou o dono da loja e/ou o gerente do shopping, o que não justifica a expulsão violenta. O menino diz querer trabalhar. Muito bom. Sem prejuízo do estudo, melhor ainda. Poderá trabalhar em local público sem perturbar a ordem e os bons costumes. Em local privado, deve obter autorização do proprietário ou do preposto. Vontade e direito de trabalhar não significam permissão para invadir propriedade alheia, nem para assediar pessoas de modo insistente e constrangedor. Assim é o direito vigente no estado do qual somos cidadãos. Quem maltrata animal merece a punição prevista em lei. Se o animal maltratado for humano e estiver na infância, a lei deve ser aplicada com essa circunstância agravante. Ao invés de dar voz de prisão ao agressor, a juíza preferiu socorrer o menino. O vestido cobriu a toga. O coração materno ofuscou a mente julgadora. 
Ponto sensível. Menino pobre e negro abençoa mulher branca desconhecida e caridosa. Bênção de agradecimento. Quando feita por criança de modo espontâneo, sincero e comovido, a bênção não encontra paralelo neste mundo, seja em relação à benção que vem dos pais e avós, seja em relação à que vem do Papa. Algo sublime há também no espontâneo abraço de saudade e/ou de alegria dado por uma criança. Momentos que marcam a alma das pessoas e suavizam o peso dos pecados.  
Questionamento. A juíza pergunta: onde encontrar Deus? Segundo o seu pensamento, respeito, amor e igualdade são atributos de Deus que não se encontram nos humanos; Deus é o fim e os humanos são o meio; não fizemos o suficiente para que Ele esteja no meio de nós.
Comentário – 1. Respeito foi o que faltou à mulher que segurou com força o Papa, puxou-o de modo violento e quase o derrubou. O pontífice reagiu instintivamente em legítima defesa ao bater nas mãos da agressora para se livrar do aperto. Os adversários internos e os inimigos externos do Papa e da Igreja aproveitaram o incidente para escandalizar. Todavia, muito pior do que o gesto aflito de Francisco, foi a conduta agressiva de Jesus, violência física, verbal e moral que os cristãos chamam de “ira santa” ou "ira divina".
No seu ministério na Galileia, Jesus: [1] Humilhou sua mãe e seus irmãos que aguardavam do lado de fora da reunião, impedidos de entrar. Avisado, ele se omitiu. Tal e qual um demagogo, ele aproveitou o ensejo para formular pergunta retórica: Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos? Olha ao seu redor, indica o auditório e diz: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. [2] Mostrou-se  magoado por ser alvo da descrença dos seus conterrâneos (galileus) e dos seus familiares (pais e irmãos): É só em sua pátria e em sua família que um profeta é desprezado. [3] Afrouxou laços familiares e aventou discórdia: Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer, não a paz, e sim a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra e os inimigos do homem serão as pessoas de suas próprias casas
No seu ministério na Judeia, Jesus: [1] Ofendeu os judeus (fariseus + saduceus – essênios): hipócritas, insensatos, cegos, sepulcros caiados, raça de víboras, raça perversa e adúltera. [2] Derrubou mesas, cadeiras e chicoteou os negociantes no templo: Não está porventura escrito: "A minha casa chamar-se-á casa de oração para todas as nações"? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões. [3] Rogou pragas (a figueira secou, Jerusalém foi destruída).
Comparado com esse comportamento de Jesus, o ato defensivo e humano do Papa Francisco é perfeitamente compreensível e incensurável.
Comentário – 2. A juíza parte do pressuposto de que deus existe. Entretanto, nessa questão metafísica só há crença e nenhuma certeza. Deus pode ser produto da debilidade, da credulidade e da imaginação humanas. Ante a magnitude e a beleza do cosmos e a descoberta das leis da natureza, focados na coesão, na atração e na afetividade naturais, os humanos são levados a crer na existência de uma inteligência superior que tudo criou e a tudo abarca e governa amorosamente. Na concepção dos místicos, “deus é vida” (energia criadora e transformadora), “deus é luz” (inteligência e sabedoria), “deus é amor” (affectio tenendi sine conditio). Deus está presente nas dimensões física e espiritual do universo (panteísmo). Possível sentir a sua presença. Impossível enxerga-lo, pois, deus não tem forma e nem substancia material. Quanto aos humanos, são seres do acaso cósmico. Inteligentes e pretensiosos, os humanos civilizados se consideram semelhantes à divindade. No entanto, a nossa relevância circunscreve-se ao mundo da cultura do qual somos os criadores e no qual somos [i] a fonte de todos os valores [ii] a medida de todas as coisas [iii] fundadores de religiões [iv] organizadores da vida social [v] produtores: (a) de arte (b) de conhecimento técnico, científico e filosófico (c) de bens necessários, úteis e interessantes. 
Comentário – 3. Atribuir virtudes a deus não significa que ele as tenha. Deus pode não ser bom e nem mau, justo e nem injusto, misericordioso e nem severo. Bondade e maldade, justiça e injustiça, misericórdia e severidade, resultam da natureza bipolar dos humanos (angelical & demoníaca). Deus não interfere na vida dos animais, quer dos racionais, quer dos irracionais. Disto cuidam a lei da causalidade em nível físico e a lei do karma em nível espiritual. Psicopatas na liderança das nações podem provocar guerra e até hecatombe nuclear. Deus nada tem a ver com isto. 
Comentário final. Desigualdade é inerente à natureza e à sociedade. No mesmo galho, uma folha não é igual a outra, apesar da semelhança. Entre os humanos selvagens, prevalece o mais forte, o mais experiente e/ou o mais astuto. Há divisão de tarefas e hierarquia. As necessidades básicas (água, alimento, abrigo) são satisfeitas de modo solidário. Uso social dos bens da comunidade. Entre os humanos civilizados [i] os que têm, podem mais, comem mais, vestem-se melhor e habitam casas confortáveis [ii] os que não têm, podem menos, comem menos, trajam-se mal e moram em barracos ou dormem ao relento. A mesma cor de pele e o mesmo nível de riqueza ensejam amizade entre aqueles que possuem. A miséria enseja solidariedade entre aqueles que nela estão mergulhados.     
Imbuídos do espírito de justiça e estribados na ideia de igualdade, os humanos civilizados tentam compensar as desigualdades naturais e culturais.

sábado, 4 de janeiro de 2020

JUÍZO DAS GARANTIAS

O Congresso Nacional votou e o Presidente da República sancionou a lei 13.964/2019, com o demagógico nome de “lei anticrime”, que altera a legislação penal. O legislador [i] refugou a regra que constava do projeto, sobre execução da pena de prisão antes de a sentença transitar em julgado e [ii] incluiu regra que não constava do projeto, instituindo o juiz das garantias com secretaria própria. A criação desse órgão judiciário e a vigência da lei estão sendo questionadas.
A lei anticrime harmoniza-se com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve íntegro o inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição da República: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, que tem por base o artigo XI da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
Precavido contra a parcialidade dos juízes, escaldado na caldeira ditatorial e determinado a proteger a liberdade do cidadão contra erros e abusos na esfera judiciária, o legislador constituinte de 1987/1988 estendeu o limite da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em consequência, a sentença só poderá ser executada depois de o processo percorrer os seus trâmites, do piso à cúpula do Poder Judiciário. Os nefastos episódios das operações do tipo “mensalão” e “lava-jato” demonstraram o acerto da decisão do legislador constituinte e mostraram a temeridade de se executar pena privativa da liberdade antes de a sentença transitar em julgado. A nova lei também sintoniza com a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados de não colocar em pauta a proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre mudança na citada garantia constitucional. A PEC está viciada na raiz, posto que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. [CR 60, §4º, IV].
Regras não autoaplicáveis devem ser regulamentadas pelo chefe do Poder Executivo, titular do poder de regulamentar as leis. Os chefes do Legislativo e do Judiciário não dispõem desse poder. Adição, redução, substituição, revogação, só por lei posterior. Compete ao legislador fixar o período da vacatio legis. A lei anticrime já foi promulgada e publicada. Entrará em vigor a partir de 24/01/2020. [Art. 20]. Suspender vigência de lei por ordem judicial sem violar o princípio da separação dos poderes só é admissível se houver vício de inconstitucionalidade. Ao STF compete examinar a constitucionalidade da lei. [CR 96, II, b + d; 102, I, a].
A lei anticrime introduz mudanças não só no código de processo penal como também no código penal e em leis esparsas. Portanto, impugnar a criação do órgão judiciário não justifica suspender a vigência da lei. Afigura-se mais adequado ao caso e consentâneo com o direito, suspender parcialmente a eficácia e não a vigência da lei.
Em sendo a criação do órgão judiciário matéria de relevante interesse público e de urgência ante a iminência da entrada em vigor da lei, impõe-se tratamento imediato, porém, dentro das balizas constitucionais, legais e regimentais. Estribada na harmonia dos poderes, a solução está nas mãos de quem votou a lei e de quem a sancionou. Primeira vertente: o Presidente do Congresso Nacional, “ad referendum” dos congressistas, suspenderá a eficácia do dispositivo da nova lei que criou o juízo das garantias e respectiva secretaria [ii] assinará prazo (90 dias?) para a estruturação e o funcionamento do novo órgão judiciário, missão mais fácil do que a implantação dos juizados especiais [iii] convocará sessão extraordinária do Congresso Nacional para deliberar sobre essa matéria. Segunda vertente: o Presidente da República: [i] expedirá medida provisória suspendendo a eficácia do dispositivo da nova lei que criou o referido órgão [ii] assinará prazo (90 dias?) para a necessária implantação [iii] regulamentará por decreto, o mencionado dispositivo legal. Terceira vertente: o Presidente do Conselho Nacional de Justiça, conformando-se às decisões dos chefes dos outros poderes nessa emergência, baixará instruções à justiça federal e à justiça estadual para implantação do novo órgão. Duas ou mais comarcas de baixa densidade demográfica situadas na mesma região geográfica podem ser reunidas em circunscrição única para serem atendidas por um só juiz de garantias. As grandes capitais podem ser divididas, para fins de organização judiciária, em duas ou mais regiões, cada qual com um juiz de garantias. 
A lei anticrime atenua eventuais efeitos sociais negativos decorrentes do extenso limite constitucional da presunção de inocência. A prisão em flagrante e a prisão cautelar foram mantidas. Procedimento judicial foi introduzido na fase extrajudicial da investigação criminal (anterior à instauração do processo). A função do juiz das garantias limita-se ao controle da legalidade do inquérito policial no que concerne aos direitos individuais. A sua competência legal inclui: [i] concessão de habeas corpus anterior ao oferecimento da denúncia [ii] trancamento do inquérito [iii] exame da prisão em flagrante [iv] audiência de custódia [v] homologação de acordos [vi] instauração do incidente de sanidade mental [vii] requisição ao delegado de informações, laudos e documentos [viii] apreciação dos requerimentos relativos a:  prisão cautelar, prova, acesso aos dados da investigação, prorrogação de prazos, meios de obtenção de prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.
A função supervisora do juiz das garantias não inclui a produção de prova, tarefa que cabe exclusivamente ao delegado e ao agente do ministério público. Apesar disto e dependendo das suas qualidades pessoais, o juiz pode contribuir para a redução da politicagem nos inquéritos e para a celeridade na investigação criminal.
O juízo de admissibilidade da denúncia ou da queixa-crime cabe ao juiz das garantias, ponto final das suas atribuições. Os autos desse procedimento judicial prévio ficam arquivados na secretaria própria desse juízo. O processo criminal será instaurado se a petição inicial do ministério público (denúncia) ou do ofendido (queixa-crime) for deferida pelo juiz (recebida). A partir daí, entra em cena o juiz ordinário que presidirá o processo. O juiz que atuar no procedimento judicial prévio fica impedido de atuar no processo. [Na processualística, o conceito de procedimento (sequência de atos ordenados segundo a forma e o modo estabelecidos em lei) não se confunde com o conceito de processo (relação jurídica orientada para obtenção da tutela jurisdicional)].
O procedimento judicial prévio ora instituído não afasta a eventualidade de abuso, arbitrariedade e conluio entre o juiz das garantias, o delegado e o agente do ministério público, tal como aconteceu na operação lava-jato. O juiz das garantias pode ser do tipo Moro, principalmente no âmbito da justiça federal. As características humanas estão presentes nos magistrados e nem todos têm a mesma fortaleza de espírito  para suportar os necessários freios éticos e jurídicos. Na parcela dos deficientes morais, além do caráter mal formado e da vulgaridade, nota-se linguagem sofrível e indigência cultural.