quinta-feira, 30 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 6



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

James Mill (1773 a 1836), economista, reformador inglês, integra o chamado grupo dos filósofos radicais. Em seus “Elementos de Economia Política” ele expõe o seu pensamento com fulcro nos seguintes princípios: (1) o crescimento muito rápido da população deve ser evitado tendo em vista que a riqueza utilizável na produção cresce mais lentamente; (2) o valor das utilidades depende inteiramente do montante de trabalho necessário para produzi-las; (3) o aumento do preço da terra que não provém do trabalho, ou o aumento do valor da terra que resulta exclusivamente de causas sociais (como a construção de nova fábrica nas vizinhanças) deverá ser fortemente taxado pelo Estado. Mill foi o propulsor do movimento utilitarista na Europa. Acreditava na eficácia da educação como essencial fator do desenvolvimento político, social e econômico. 

Nassau William Sênior (1790 a 1864), advogado, professor em Oxford, encarou a Economia como ciência dedutiva. Na opinião dele, todas as verdades econômicas podem ser deduzidas de grandes princípios abstratos. Apoiava o laissez-faire dos liberais, mas admitia também a necessária intervenção do governo em assuntos como saúde, educação e moradia. A parcimônia condiz com a riqueza. Os instrumentos primários do valor são o trabalho e os recursos naturais. O instrumento secundário do valor é a parcimônia. O capitalista parcimonioso que emprega a sua poupança em novos negócios adquire direito ao lucro respectivo. O capitalista sofre com a parcimônia o mesmo que o operário sofre com o trabalho. Ambos merecem recompensa. A luta das uniões trabalhistas {sindicatos de operários} por menor jornada de trabalho não merece apoio. Da última hora de trabalho resulta o lucro líquido da empresa industrial. Se reduzir a jornada, esse lucro será eliminado e a fábrica terá de fechar as portas.    

Friedrich List (1789 a 1846), economista alemão, após estagiar sete anos na América do Norte se deixou influenciar pelo que lá observou e por algumas idéias americanas. A sua teoria econômica não agasalha o laissez-faire e nem a liberdade no comercio internacional. A riqueza da nação é determinada mais pela força do trabalho dos cidadãos e menos pelos recursos naturais. O governo deve incrementar a arte e a ciência e incentivar o cidadão a empregar o máximo da sua capacidade na cooperação em prol do bem da coletividade. O desenvolvimento nacional é de suma importância e, por isso mesmo, não deve ser travado por eventuais efeitos positivos ou negativos sobre as fortunas particulares. Tendo em vista a essencialidade das manufaturas para a economia nacional, o Estado deve criar tarifas protetoras até que a indústria nacional reúna condições para competir com a indústria estrangeira. A produção e a distribuição da riqueza devem ser protegidas – quando não promovidas – pelo Estado. O interesse nacional está acima do interesse individual do trabalhador. Ao Estado cabe impor tarifas protetoras, regular e planejar o desenvolvimento econômico visando ao equilíbrio entre a produção e o consumo. [A teoria econômica de List e dos seus adeptos serviu, no século XX, aos propósitos do governo nazista alemão].

A sintonia entre o liberalismo econômico e o liberalismo político na Europa ocorreu melhor na Inglaterra do que nos países do continente onde a tradição autocrática era forte. Entretanto, houve nuances nesse liberalismo. O economista e filósofo inglês John Stuart Mill (1806 a 1873) apresenta algumas dessas nuances em sua obra “Princípios de Economia Política”. Ele rejeita a universalidade da lei natural. Há leis imutáveis que governam a produção, todavia, a distribuição da riqueza é passível de regulamentação pela sociedade {convenção humana} a fim de beneficiar a maioria dos seus membros {justiça social}. O Estado pode intervir na distribuição da riqueza mediante tributação da herança e apropriação da indevida valorização da terra. Sob determinadas condições, ao Estado cabe reduzir a jornada de trabalho. O sistema de salário pode ser substituído pelo sistema cooperativo em que o operário é dono da fábrica e escolhe os diretores. O operário deve participar dos frutos do seu trabalho.  

Nessa quadra da história, o socialismo se opõe ao liberalismo. Ambas as correntes têm a mesma fonte: o iluminismo. Alguns pensadores privilegiaram a liberdade e outros a igualdade nas suas respectivas teorias. Houve a terceira corrente que tentou conciliar os dois pólos e introduzir a fraternidade como elemento sentimental moderador. Assim como há nuances no liberalismo, também as há no socialismo. Nas duas correntes há posições moderadas e posições radicais. No socialismo, a idéia de justiça social prepondera. Em cooperativas, os trabalhadores executariam tarefas que lhes fossem apropriadas e compartilhariam dos resultados. O homem deve libertar-se dos vícios e das estruturas sociais que o escravizam. Esta libertação o fará feliz. Comunidades típicas devem ser organizadas para se bastarem a si mesmas, de modo que os instrumentos da produção a todos pertençam.

Robert Owen (1771 a 1858), natural do País de Gales, viveu o socialismo primeiro como operário aprendiz e depois como proprietário e gerente de uma fábrica de algodão na Escócia. Construiu casas para os operários, reduziu a jornada de trabalho de 17 para 10 horas e instalou escola gratuita para os filhos dos trabalhadores. No seu entender, o regime de lucro gera as perturbações que culminam em guerra. O operário fica impedido de comprar o que produz. Owen demonstrou através do exemplo que era possível pagar um salário decente ao trabalhador sem excessivas horas de trabalho. Ele obteve do Parlamento algumas leis fabris embora sem a extensão pretendida. A partir daí, os seus seguidores são tratados de socialistas. Crises periódicas e desemprego derivam do regime de lucro por ele denunciado. Owen sugeriu a organização da sociedade em cooperativas. Cada membro receberia pagamento proporcional às horas efetivamente trabalhadas. Fracassaram as comunidades criadas com tais propósitos e características, porém, floresceram as cooperativas e os sindicatos de operários.      

Alguns pensadores viam apenas filantropia na teoria e na prática de Owen. Os operários devem conquistar seus direitos por si mesmos. Para tanto, devem adquirir o domínio da máquina política e econômica. A força e arregimentação dos liberais também devem ser utilizadas pelos socialistas. A organização socialista se faz em bases nacionais com o Estado. Louis Blanc (1811 a 1882) revolucionário francês foi o expoente desse socialismo proletário. Na opinião dele, o individualismo e a livre concorrência fazem morrer de fome aquele que não nasceu afortunado. O Estado deve se apoderar do sistema econômico a fim de garantir trabalho e justiça para todos. Cada fábrica deve ser um estabelecimento nacional de trabalho; o governo deve ser o proprietário; o operário deve ser o dirigente. As pessoas devem trabalhar de acordo com a sua capacidade e devem consumir de acordo com a sua necessidade. [Esta última proposição foi assumida pelos revolucionários marxistas: “cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”].

terça-feira, 28 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 5


EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

A tecelagem exigia algo mais eficiente e rápido do que as rocas de fiar tendo em vista o aumento da procura de roupas de algodão. Prêmios foram oferecidos por instituições científicas e comerciais a quem inventasse métodos que aumentassem a produção do fio. Desse esforço resultaram: a máquina de fiar, o tear hidráulico e o tear mecânico, precursores de outros aperfeiçoamentos na indústria têxtil. A indústria servia-se cada vez mais de máquinas. A produção agrícola foi beneficiada com os adubos artificiais e a mecanização da lavoura (1800 a 1870). Criou-se a cadeia sem fim (produtos exigem novos produtos que exigem novos produtos e assim por diante) e a montagem de veículos em linha (diversas secções num trabalho continuado e especializado até o produto final. Henry Ford, 1906). A revolução industrial conheceu nova fase a partir de 1860: (1) desenvolvimento do processo de fabricação do aço (1856); (2) aperfeiçoamento do dínamo (1873); (3) invenção do motor de combustão interna (1876); (4) interação entre ciência e tecnologia. A termodinâmica propiciou aos engenheiros o conhecimento necessário para construir máquinas cada vez mais eficientes. A industrialização se estende da Inglaterra para a Alemanha, França, Rússia, EUA e Japão. A organização capitalista se diversifica: monopólios, sociedades anônimas, cadeias de lojas, multiplicação de empregos, caracterizam o gigantismo econômico. Formam-se cartéis na produção do ferro, aço e carvão para evitar competição ruinosa. Ante o excesso de produção buscam-se formas de controle. A classe média compõe-se de pequenos comerciantes, profissionais liberais, escriturários, técnicos, vendedores, contadores.

A Inglaterra tornou-se a principal nação capitalista no século XIX. O Banco da Inglaterra existia desde 1694 e embora inteiramente privado, atuava em sintonia com o governo. A Inglaterra tinha um dos melhores sistemas bancários da Europa. O desencadeamento da revolução industrial na Europa foi contemporâneo da monarquia constitucional, da intervenção do governo na economia e sofreu a influência religiosa e pragmática dos protestantes. A nobreza hereditária cedeu lugar à riqueza dos burgueses (aristocracia do berço x aristocracia do patrimônio). Independente da origem social, o homem comum podia ser par do reino se tivesse sucesso econômico. A partir de 1890, o capitalismo financeiro sobrepuja o capitalismo industrial com as seguintes características: (1) dominação da indústria pelas inversões bancárias; (2) formação de imensas acumulações de capital; (3) separação entre propriedade particular e direção do empreendimento; (4) criação e expansão das companhias holding. Verificou-se no plano dos fatos que o sistema capitalista era suscetível de crises periódicas. A concentração da renda na parte menor da população despertou o sentimento de justiça social na parte maior. O proletariado se organizou, adquiriu força, desafiou a burguesia e conquistou direitos: salário base, horário máximo, folga semanal, férias remuneradas.         

No final do século XIX, o fato de os gabinetes do poder executivo se submeterem ao parlamento e de os cidadãos estarem habilitados a votar pareceu de pouca importância enquanto os operários estavam à mercê de um sistema industrial selvagem. Democracia econômica era formalmente entendida como igualdade de oportunidade a todos concedida para revelar capacidades latentes. Irônico, Anatole France assim explicava o conceito liberal de igualdade: “o pobre e o rico têm igual direito de dormir sob pontes e de mendigar o pão de cada dia. O laissez-faire entrou em declínio ante a democracia econômica caracterizada pela intervenção do Estado na economia e proteção dos produtos nacionais. Na Alemanha do ministro Bismarck foi elaborada legislação social programática com duplo objetivo: atender aos cidadãos na doença e na velhice e impedir a expansão do socialismo no meio proletário.

As teorias econômicas repercutiram nos acontecimentos sociais e políticos dos séculos XIX e XX. Houve influência das idéias sobre os fatos e dos fatos sobre as idéias não apenas em solo europeu como também nos outros rincões do planeta. Adam Smith (1723 a 1790) é considerado o fundador da economia política moderna. Na defesa do liberalismo econômico prosseguem os seus discípulos: Thomas Maltus, David Ricardo, James Mill e Nassau Sênior. Os pontos principais da teoria exposta por esses estudiosos podem ser assim sumariados: (1) Individualismo econômico: cada pessoa tem o direito de usar livremente em proveito próprio ou alheio os bens que herdou ou adquiriu por meio lícito, devendo apenas respeitar igual direito do outro; considerando que cada indivíduo sabe o que é melhor para sua felicidade, a sociedade mais se beneficiará se cada um dos seus membros seguir suas próprias inclinações. (2) Laissez-faire: o Estado deve cuidar apenas da segurança pública sem interferir no processo econômico. (3) Lei natural: o setor econômico obedece a leis naturais como a da oferta e da procura, dos lucros decrescentes, da renda. (4) Liberdade de contrato: os indivíduos devem celebrar contratos segundo os seus interesses, sem coação alguma; empregador e empregado devem combinar as relações de trabalho sem intervenção do Estado ou de entidades sindicais. (5) Concorrência e comércio livres: a concorrência mantém baixos os preços, afasta produtores ineficientes, assegura produção compatível com a procura dos consumidores; monopólios ou tabelamento de preços não são tolerados; tarifas protetoras devem ser abolidas de modo que o país se empenhe na produção dos bens para a qual está mais capacitado.

Thomas Malthus (1766 a 1834), clérigo da igreja anglicana, reitor de paróquia, afirmou que a natureza limitava o progresso da humanidade quanto à felicidade e à riqueza. Publicou “Ensaio Sobre a População”, primeiro como panfleto e depois como livro em virtude da sensação causada (1798). Devido à voracidade do apetite sexual, a população tende naturalmente a crescer mais rapidamente do que os meios de subsistência. Enquanto a população cresce em escala geométrica o estoque de alimentos cresce em escala aritmética. O crescimento populacional não se interrompe, embora possa ser freado pela guerra, pela fome, pela doença, pelo vício, que só aumentam a miséria humana. A dor e a pobreza são inevitáveis. Ainda que a riqueza fosse distribuída equitativamente, a situação de pobreza retornaria após a constituição de famílias numerosas. Retardar o matrimônio é um remédio que pode ser eficaz ou simples paliativo. Malthus aconselha o controle natural da natalidade tolerado pela religião. Os homens deviam ser educados para limitar o crescimento demográfico. Condorcet aconselhava o controle artificial da natalidade. Malthus replicou: esse tipo de controle é pecaminoso.   

David Ricardo (1772 a 1823), inglês, economista, judeu convertido ao cristianismo, casado com mulher cristã da seita quacre, espírito arguto, jogou na bolsa de valores, fez fortuna e se tornou um dos homens mais ricos da Europa. A sua teoria exposta nos “Princípios de Economia Política e Tributação”, livro publicado em 1817, tem por base a teoria de Malthus. Na opinião de Ricardo, os salários devem se manter em nível de subsistência de modo que não haja aumento demográfico nem diminuição. Acima desse nível, o salário facilita a constituição de família numerosa. A conseqüência é a acirrada competição por empregos, o que empurra o nível do salário para baixo. A renda é determinada pelo custo de produção das terras mais pobres que devem ser cultivadas. Quando um país alcança maior densidade demográfica, porção maior da renda social ficará retida com os proprietários rurais. Na determinação do valor da produção concorrem o trabalho e o capital. O valor de troca de uma mercadoria depende da quantidade de trabalho nela despendido. {Daí, a ilação de que o trabalhador tinha o direito de participar dos valores que produzia}.    

domingo, 26 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 4



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Diante do imperialismo europeu sobre os outros continentes e do crescimento da Rússia e dos EUA, o primeiro-ministro britânico Lorde Salisbury notou e afirmou que o mundo estava dividido entre potências vivas e potências agonizantes (1898). Na esteira do darwinismo então em voga, as vitórias e as derrotas nos conflitos entre as nações foram comparadas à evolução dos animais e interpretadas como prova da teoria da sobrevivência do mais capaz no âmbito da sociedade humana. “Os mais capazes” na época eram: Rússia, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Áustria/Hungria, Itália, Japão e EUA (1900). Predominava nas elites civis e militares a opinião de que a competição, o uso da força, a organização e o aumento dos recursos nacionais, fortaleciam o poder estatal e asseguravam a ordem mundial. Quanto maior a base industrial, a criatividade tecnológica e o conhecimento científico, maior a probabilidade de uma nação se qualificar como potência. O poder da nação inclui a organização social, política e econômica; as virtudes, habilidades e energia da sua gente; os costumes, as crenças e os mitos da sua cultura.            

O progresso na indústria, no comércio, nos serviços, nas artes, nas ciências, nas técnicas, ocorreu na Europa e na América, tanto nas monarquias como nas repúblicas. O ritmo das mudanças na cultura européia aumentou a partir da revolução francesa, apesar da morte do latim como língua dos sábios e da dificuldade de se conhecer os diferentes idiomas dos escritores, cientistas e filósofos franceses, alemães, ingleses, italianos, espanhóis, russos e escandinavos. Avanços tecnológicos tipificam autêntica revolução industrial: fundição de minério, obtenção do cobre, bomba hidráulica aspirante, motor a vapor, torno de fiar, máquina de fazer meias, termômetro, telégrafo, imprensa rotativa, tear mecânico para produzir simultaneamente várias fitas. Este invento mencionado por último reduzia a mão-de-obra. Em represália, os mestres das corporações assassinaram o inventor em Danzig. Com o crescimento populacional aumentou a demanda por produtos industrializados (roupas de algodão). A floresta européia foi devastada para suprir de carvão as fundições de ferro. O carvão vegetal foi substituído pelo carvão mineral (coque) descoberto por Abraham Darby (1709). A acumulação de água nas minas exigiu uma fonte de energia para mover as bombas de sucção. Isto levou à invenção da máquina a vapor. Essa máquina foi aperfeiçoada por James Watt, construtor de aparelhos científicos da Universidade de Glasgow (1782). Até o século XVIII, a Inglaterra era pobre. A industrialização começou na região setentrional desse país e se expandiu. No século XIX, a Inglaterra foi pioneira na industrialização e se tornou o mais rico e influente país da Europa. 

Houve mudanças radicais nos transportes e nas comunicações. A tração animal das diligências foi substituída pela tração a vapor (1800). A locomotiva foi inventada. Estradas de ferro foram construídas para a circulação de passageiros e cargas (1825). A navegação fluvial e marítima passou a ser em barcos e navios movidos a vapor (1875). A invenção do motor de combustão interna marca o começo da era do automóvel (1876). O francês Levassor adapta esse tipo de motor a uma carruagem com transmissão da tração ao eixo traseiro por cabo transmissor, engrenagem redutora e diferencial de marchas (1887). Nascia o primeiro automóvel, veículo de pequena produção e uso exclusivo de pessoas ricas. Com a sua produção em série, o número de usuários aumentou. O automóvel e suas ampliações (ônibus, caminhão) passam a trafegar na cidade e entre cidades. O petróleo natural, como combustível, foi substituído por um derivado: gasolina. O motor a gasolina foi aperfeiçoado com o carburador e a faísca elétrica para queimar o fluído (Karl Benz). O motor movido a óleo cru foi inventado e utilizado em caminhões, locomotivas e navios (Rudolf Diesel, 1897).

As comunicações foram facilitadas pela invenção do telégrafo e pelo aperfeiçoamento dos processos de impressão gráfica. O físico francês Ampére descobrira que o eletromagnetismo podia ser utilizado para transmissão de mensagens entre pontos distantes por meio de um fio (1820). Procurou-se, então, construir o instrumento para esse fim. O alemão Karl Steinheil, o inglês Charles Wheatstone e o americano Samuel Morse, separada e simultaneamente, inventaram o sistema elétrico de telégrafo (1837). Tal invenção foi amplamente utilizada no mundo civilizado, inclusive por meio de cabo transatlântico (1866). O mesmo ocorreu com o telefone, cuja invenção é atribuída a Alexandre Graham Bell e a Elisha Gray, separadamente (1876). Guglielmo Marconi inventa o telégrafo sem fio a partir das descobertas de Henrique Hertz e outros sobre a transmissão das ondas eletromagnéticas através do ar (1899). Esta invenção abriu caminho para o rádio, o telefone sem fio e a televisão. Esta última (TV) resultou do trabalho do escocês J.L. Baird (1926). A imprensa rotativa facilitou a publicação dos jornais em maior quantidade. Na França, em 1836, Emile Girardin funda “La Presse”, jornal moderno, barato, linguagem atraente visando ao amplo leque de leitores, objetivando ganhos com anúncios, contendo fofocas, novelas e matéria política. Todas estas invenções revolucionaram os meios de comunicação.

A eletricidade foi de notável importância para o conforto e a segurança do homem moderno. Atribui-se a sua descoberta ao inglês Sir Humphrey Davy (1820). Com a invenção do dínamo a energia mecânica podia ser convertida em energia elétrica (1873). O dínamo inicialmente movido a vapor passou a utilizar força hidráulica. A lâmpada de filamento incandescente foi inventada pelo americano Thomas Edison. A luz elétrica era privilégio de poucos (1879). O seu uso generalizou-se após o trabalho de Nikola Tesla com a corrente alternada que permitiu instalar o sistema de iluminação das casas, das ruas e da cidade inteira (1888). Poderosas firmas alemãs com mais de 140 mil empregados, como a Siemens, dominavam a indústria elétrica européia. A refrigeração artificial aperfeiçoada por J. J. Coleman e outros, a máquina de escrever, a máquina fotográfica e a cinematográfica, além de encorparem a indústria e o comércio, contribuíram para o trabalho profissional, o conforto e o lazer das pessoas. A agricultura recebeu contribuição da química e da metalurgia: adubos artificiais, arados, grades aperfeiçoadas, máquina debulhadora, segadeira mecânica.

Desenvolveu-se o processo de fabricação do aço com a eliminação do carbono existente no ferro. Henry Bessemer descobriu que a introdução de um jato de ar no ferro em fusão na fornalha de uma fundição eliminava toda a percentagem de carbono e convertia o ferro em aço (1856). O aço substitui o ferro como material industrial básico. A máquina a vapor, a mais nova fonte de energia da época, foi de grande importância na produção de carvão, ferro e teve inúmeras utilidades, além de revolucionar os transportes. Caldeiras a carvão produziam o vapor de modo mais eficiente. O carvão se valorizou e a sua mineração se intensificou. O serviço postal orgulhava-se de suas carruagens correrem dia e noite e percorrerem 200 quilômetros em apenas 24 horas. A máquina a vapor foi adaptada às diligências e algumas delas percorreram estradas. A tração animal em vagões sobre trilhos usados para transportar carvão foi substituída pela tração a vapor. A primeira locomotiva atingiu a espetacular velocidade de 24 quilômetros por hora. Modelos posteriores dobraram essa velocidade. Inúmeras estradas de ferro foram construídas para transporte de carga e de passageiros (dez mil quilômetros por volta de 1848, na Inglaterra). Aumentou a fabricação de locomotivas e vagões. A máquina a vapor no transporte fluvial e marítimo incrementou a indústria naval.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 3



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Na Alemanha, frustra-se o movimento revolucionário para instituir um governo liberal (1848). Sob a batuta do ministro Bismarck a Alemanha se unifica (Prússia + Hanôver + Brandenburgo + Saxônia + Pomerânia + Westphalia + Silesia). O imperador personificava a confederação alemã (1871). Sem poder de veto, ele dividia o governo com um Parlamento bicameral: câmara baixa (Reichstag) e câmara alta (Bundesrat) cujos membros eram eleitos pelo voto popular. O sufrágio era universal masculino. A política de Bismarck contra o clero expressa no programa luta pela cultura durou de 1872 até 1886. O partido católico aliou-se ao partido socialista, formou a democracia social, obteve maioria no Parlamento e revogou a legislação discriminadora. Decorridos 30 anos da unificação, a Alemanha tinha a segunda maior população da Europa (a primeira era da Rússia), a maior renda per capita, triplicou a produção de carvão, reduziu o analfabetismo (de cada 1000 soldados apenas 1 era analfabeto), fundou escolas técnicas e universidades, criou previdência social de alto nível, organizou a segunda maior marinha do mundo (a primeira era da Inglaterra), exército bem equipado e treinado, desenvolveu uma economia pujante que superou as demais potências.

A França, portadora também da febre nacionalista, cuja temperatura era mantida alta pela imprensa e pelas escolas, aguardava revanche da derrota sofrida diante da Prússia (1870). Pretendia reaver os territórios perdidos (Alsácia + Lorena). Os socialistas franceses reagiam contra essa pretensão. A manutenção de navios e exércitos numa escala maior do que a necessária à simples defesa nacional colocava na ofensiva alguns países como a Rússia, França, Alemanha, Inglaterra. O preparo para a guerra incluiu o serviço militar obrigatório (conscrição), sistema criado pela França em 1793 e ampliado pela Prússia em 1807. Outras nações do continente europeu seguiram o exemplo prussiano. Disseminou-se por estas nações a crença de que a guerra revigorava a raça: na guerra e no direito à guerra, o homem possui algo que o coloca acima da religião, da indústria e dos confortos sociais; a essência da guerra é a violência; a moderação na guerra é imbecilidade; atacar primeiro, violentamente, onde quer que seja. A vocação imperialista das nações que atingem um poderio maior do que as outras é fato historicamente verificável. Basta lembrar os impérios antigos, desde o egípcio até o romano. O imperialismo decorrente da revolução comercial foi decaindo junto com o mercantilismo. Esse imperialismo centrava-se na América e visava o engrandecimento do Estado e da dinastia reinante (Portugal, Espanha, França, Holanda, Inglaterra). Além dos produtos tropicais e exóticos, buscava-se ouro e prata para sustentar exércitos e o luxo das cortes. No início do século XIX difundiu-se em alguns países europeus a idéia de que os custos não compensavam adquirir e manter colônias. Todavia, a partir de 1870, houve um surto imperialista visando à posse de territórios na África e na Ásia.

O novo imperialismo visava ao enriquecimento individual de negociantes e aventureiros das metrópoles européias. Além de mercado para os seus produtos e da aplicação do capital excedente, os europeus buscavam territórios produtores de trigo e ricos em ferro, manganês e petróleo. As colônias também serviam para solucionar ou amenizar o problema do excesso de população nas metrópoles. A emigração para as colônias era incentivada. A industrialização provocou a competição entre os países europeus por mercados e matérias-primas. A produção em massa gerou excesso de bens a exigir mercados estrangeiros. Atividade missionária das igrejas contribuiu para a expansão do domínio europeu nos outros continentes. Até o século XVIII havia algum equilíbrio econômico em nível planetário porque a agricultura era o fator principal da riqueza das nações. Entretanto, no século XIX, a revolução industrial rompeu esse equilíbrio. A Europa se tornou hegemônica e eclipsou a economia do resto do planeta. A Inglaterra era o centro comercial do mundo. Palavras do economista Jevons em 1865: “As planícies da América do Norte e da Rússia são nossos campos de trigo; Chicago e Odessa, nossos celeiros; Canadá e Báltico são nossas florestas madeireiras; a Australásia contém nossas fazendas de carneiros e na Argentina e nas pradarias ocidentais da América do Norte estão nossos rebanhos de gado; o Peru nos manda sua prata e o ouro da África do Sul e Austrália flui para Londres; os indianos e chineses plantam chá para nós e nosso café, açúcar e especiarias estão plantados por todas as Índias. Espanha e França são nossas vinhas e o Mediterrâneo, nosso pomar, e nossos campos de algodão, que por muito tempo ocuparam o sul dos Estados Unidos, estão agora sendo estendidos a toda parte cálida da terra”. (Citadas por Paul Kennedy no livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”).

O impacto europeu na África, América, Ásia, Oceania, foi de índole econômica, política e social. Colonização cultural ampla (técnica, artística, científica, filosófica, religiosa). O primeiro imperialista dos tempos industriais foi Leopoldo II, rei da Bélgica que, em 1876, apossou-se do território banhado pelo Rio Congo, no coração da África, e o conservou como domínio pessoal até 1908, quando o vendeu para o governo belga por enorme soma de dinheiro. A ocupação da África foi decidida por países europeus na Conferência de Berlim (1884 a 1885, zênite do predomínio mundial da Europa). Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha repartiram o território africano entre si. A Espanha ficou com as ilhas Canárias, o Rio do Ouro e parte do Marrocos. Portugal ficou com Moçambique, Angola e parte da Guiné. A França ficou com a ilha de Madagascar, Saara, Tunísia, toda a vasta região denominada África Ocidental Francesa e África Equatorial Francesa, e parte da Argélia, do Marrocos, da Guiné e da Somália. A Inglaterra ficou com Egito (protetorado), Serra Leoa, Costa do Ouro, Nigéria, Sudão, Uganda, Quênia, Rodésia, todo o sul da África e parte da Somália. A Itália ficou com a Líbia, Eritréia, Etiópia e parte da Somália. A Alemanha ficou com a África Sul-Ocidental (protetorado), Tanganica, Camarões e Togolândia. A partir da Conferência de Berlim decresce o papel das potências européias, com exceção da Rússia, e cresce o papel dos EUA até a supremacia no século XX.

A posse de territórios na Ásia foi disputada por ingleses, franceses, russos, alemães e japoneses. Os ingleses se apossaram da Índia (1763), depois anexaram a Birmânia (1855) e adquiriram o domínio da ilha de Hong Kong no final da guerra do ópio (1858). Os franceses instituíram protetorado na Indochina (Vietnã). Os russos fundaram Vladivostok, cidade ao norte do Rio Amur, no território chinês e construíram a ferrovia ligando aquela cidade a Manchúria. Os japoneses dominaram a ilha de Formosa e a Coréia após vencerem a primeira guerra sino-japonesa (1895). Sob o pretexto de vingar a morte de dois missionários na China, a Alemanha apossou-se da baía de Kiaochow e obteve exclusividade na construção de ferrovias e na exploração das minas da península de Chantung. Ingleses e franceses partilharam o controle dos mais importantes portos da costa chinesa. Em conseqüência de todas essas invasões, o território chinês ficou estilhaçado. Por volta de 1900, uma organização denominada “Sociedade dos Punhos Unidos” (boxers) tentou expulsar os diabos estrangeiros. Propriedades foram destruídas, legações em Pequim foram sitiadas, centenas de estrangeiros foram mortos, inclusive um ministro alemão. Ingleses, franceses, alemães, russos, japoneses e estadunidenses organizaram força expedicionária e derrotaram os chineses. Cada competidor atribuía ao outro a intenção de abocanhar parte maior do botim. O Japão declarou guerra à Rússia acusando-a de pretender se apossar da Manchúria. Vencida, a Rússia reconheceu a supremacia do Japão na Coréia e lhe cedeu um porto (1905). A Inglaterra se declarou titular de direitos soberanos sobre o Tibet. A Mongólia se tornou protetorado russo (1913).

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 2



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

O espírito repressor também contagiou a Rússia. O governo de Nicolau I incentivou a delação. A Inglaterra, impulsionada pela revolução industrial e mirando o seu mercado internacional, retira-se da aliança costurada por Metternich. O lucrativo mercado inglês na América (Central e do Sul) podia ficar prejudicado se a região voltasse a ficar sob o domínio do governo espanhol. O czar Nicolau I declarou guerra à Turquia sob o pretexto de libertar a Grécia e a Sérvia (1828). Ao derrotar os turcos, a Rússia violou o princípio da legitimidade, alicerce do sistema montado por Metternich. O referido princípio também foi abalado em França quando o governo de Carlos X inclinava-se para o absolutismo. Isto provocou a rebelião da burguesia (“revolução de julho de 1830”). Carlos abdicou e fugiu para a Inglaterra. Para ocupar o trono, a burguesia chamou Luiz Felipe, do ramo Orléans da casa Bourbon, jacobino que se destacara na revolução francesa e que aceitou a monarquia constitucional alicerçada na soberania popular. A bandeira branca dos Bourbon foi substituída pela bandeira tricolor dos apóstolos da tríade liberdade, igualdade e fraternidade. A França e a Inglaterra apóiam os belgas na revolta contra o governo holandês (1830/1831). Diferenças de idioma, nacionalidade, religião e interesses econômicos provocaram a revolução da qual resultou a independência. A Bélgica adotou a monarquia constitucional.

O bem-estar coletivo gerenciado pelo Estado implica redução da liberdade pessoal. A esta solução reagiram os liberais extremistas contrários a todo governo fundado na força (anarquistas). Segundo o anarquismo, o Estado coercitivo é incompatível com a liberdade humana. Em defesa dos seus interesses, os trabalhadores se uniram, organizaram sindicatos e enfrentaram a resistência oferecida pela classe patronal mancomunada com o aparelho repressivo do Estado. Campeiam idéias socialistas sobre a extinção do Estado e do capitalismo. Os donos do capital reagem e se organizam em corporações. [Ideologia da revolução industrial: liberdade para o capitalista; servidão para o trabalhador].

Na Inglaterra, o governo criara dois impostos em 1779: um sobre a renda e outro sobre a propriedade que somados à taxa aduaneira e ao imposto de consumo resultaram em receita superior a um bilhão e duzentos milhões de libras entre 1793 e 1815. A caridade pública foi parcialmente abolida pela chamada “lei dos pobres”; continuou a vigorar para os idosos e doentes (1834). Os pobres fisicamente capazes estavam obrigados a trabalhar. Os salários eram baixos. No pensar e dizer dos áulicos do capitalismo selvagem, pobreza é a punição do homem que negligencia a procura de recursos. A Bíblia servia de amparo a esse discurso de sabor calvinista: “Tirarás dela (terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida; comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (AT, Gênesis, 3: 17/19). Esta selvageria econômica de pilar bíblico gerou a figura típica da vadiagem, delito assim definido: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade sendo válido para o trabalho e sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência”. A pena prevista e aplicada era de prisão. Em termos reais, significava: pobre sadio e sem emprego é vadio e deve ir para a cadeia.

A “lei dos cereais” protegia os proprietários rurais ingleses contra a importação de cereais. Em 1838 foi promulgada na Inglaterra a Carta do Povo com os seguintes preceitos: (1) sufrágio universal masculino; (2) distritos eleitorais iguais; (3) voto secreto; (4) legislaturas anuais; (5) abolição das credenciais de propriedade para os membros da Câmara dos Comuns; (6) remuneração dos parlamentares. Com exceção das legislaturas anuais, todos os demais itens foram incorporados ao sistema constitucional inglês. Houve paulatina democratização do sistema eleitoral inglês com a participação cada vez mais ampla de homens de pouca renda e de humilde posição social (classe média, em 1832; trabalhadores industriais, em 1867; trabalhadores agrícolas, em 1884).

Nos primeiros meses de 1848 houve insurgência dos trabalhadores (pobres) das cidades da Europa (Ocidental e Central) contra governos autocráticos. A crise foi de natureza agrária. As crises periódicas da sociedade industrial capitalista ainda não tinham começado. O pleito naquela ocasião era por melhores condições de vida, por uma sociedade justa e solidária e por um regime democrático. O alto custo de vida estava insuportável para os pobres e parcela da classe média. Victor Hugo já dizia e escrevia em 1831: “ouço o ronco sonoro da revolução ainda profundamente encravado nas entranhas da terra estendendo por baixo de cada reino da Europa suas galerias subterrâneas a partir do eixo central da mina que é Paris”. O efeito da explosão demográfica se fazia sentir. No período de 100 anos duplicou a população na França, na Holanda, na Grã-Bretanha, na Prússia, na Rússia e na Escandinávia. O fator demográfico gerou problemas sociais paralelamente ao estímulo da atividade econômica. Milhões de europeus emigraram para a América. Aumentou a migração interna no continente europeu. Duplicou o sistema viário (carruagens mais velozes, serviço de correio mais eficiente, rotas fluviais e marítimas, navios a vapor).

Na Inglaterra, as ferrovias pertenciam ao setor privado. Nos países do continente, a incipiente rede ferroviária era planejada, construída ou subvencionada pelos governos. As nações do continente europeu careciam de suporte financeiro e de legislação bancária e comercial facilitadores do desenvolvimento econômico. Na França, Napoleão preencheu essa lacuna e quadruplicou o comércio internacional. Paris e Londres eram os centros financeiros do mundo. Grã-Bretanha, Alemanha e França eram as grandes potências industriais do século XIX (1801 a 1900). A máquina a vapor, as ferrovias, a eletricidade, o desenvolvimento tecnológico, geraram modificações na base industrial e produtiva que se refletiram na capacidade militar e na política externa dessas potências. Abriu-se um fosso entre países desenvolvidos (da Europa) e países subdesenvolvidos (da África, América, Ásia e Oceania). O ritmo das mudanças sociais e econômicas continuaria acelerado no século XX (1901 a 2000). Cresceu de importância a produção de bens de capital (ferro, aço, carvão) ao lado da produção de bens de consumo (tecidos, alimentos). Nas cidades industrializadas as condições do proletariado eram abomináveis. Sobre as condições da classe trabalhadora na Inglaterra, Frederico Engels conta o episódio em que andava por Manchester na companhia de um cavalheiro da classe média. “Falei-lhe das desgraçadas favelas insalubres e chamei-lhe a atenção para a repulsiva condição daquela parte da cidade em que moravam os trabalhadores fabris. Declarei nunca ter visto, em minha vida, uma cidade tão mal construída. Ele ouviu-me pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou: E, ainda assim, ganham-se fortunas aqui. Bom dia, senhor.” (Citado por Eric Hobsbawm in “A Era das Revoluções”). 

Na França, instaurou-se a república e Luiz Napoleão Bonaparte (sobrinho do primeiro Napoleão) foi eleito presidente. Mediante sucessivos plebiscitos que o favoreceram, ele passou de presidente a ditador e de ditador a imperador. Revoluções também ocorreram na Áustria, Hungria, Alemanha e Itália. Poucos franceses tinham o direito de votar. “Se quiserem votar, fiquem ricos”, dizia Guizot, historiador e primeiro-ministro no governo do rei Luís Felipe. O voto era censitário: só o cidadão proprietário de imóvel e de certa renda era eleitor. Convocada a assembléia nacional, foi elaborada e promulgada lei orgânica reconhecendo a forma republicana de governo (1875). Iniciava-se a III República francesa que vigorou até 1940, quando a França foi ocupada pelas tropas alemãs.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

ELEIÇÕES 2014 - VI



Observação feita de passagem no artigo anterior desta série publicado no dia 18/10/2014 merece complemento por seu caráter institucional. Quando a república era governada pelo PSDB, o jornalista Paulo Francis, em programa brasileiro de TV produzido em Nova Iorque denunciou corrupção na Petrobrás, referiu-se à quadrilha de bandidos ali existente e ao dinheiro desviado para contas bancárias na Suíça. O jornalista Lucas Mendes, quiçá apêndice governista, assumiu o papel de promotor de justiça e interpelou Francis perguntando se ele tinha prova do que afirmava. Embaraçado, Francis saiu pela tangente. Reconheça-se em favor do jornalista interpelado o direito de manter sigilo sobre a fonte das suas informações. Revelá-la sem autorização, ainda mais em público, seria violar um dos princípios éticos da profissão. 

Os diretores da empresa processaram-no civilmente no foro de NY pedindo milhões de dólares como indenização por dano moral. Cuida-se de estratégia utilizada pelos administradores daquele período da história brasileira visando a evitar investigação: constranger os denunciantes e desestimular denúncias mediante ameaças e medidas coercitivas. Em reportagem de emissora de TV, o então ministro Pedro Malan, cuspindo fogo pelas ventas, também se utilizou dessa tática preventiva para se livrar das suspeitas de envolvimento em fraudes (escândalo bancário, rombo no erário). O valor estratosférico do pleito daqueles diretores tinha tal desiderato. Paulo Francis teve o estado de saúde agravado e morreu (1996). O judiciário estadunidense entendeu que a matéria devia ser examinada e decidida pelo judiciário brasileiro. O processo foi arquivado.

Nos termos do código de processo penal brasileiro, ao jornalista cabia informar e à polícia judiciária investigar. Ao tomar conhecimento de informação sobre algum delito, a polícia deve investigar de ofício, ou seja, a sua atuação independe de provocação específica e formalizada. Verificada a procedência da informação mediante sindicância, o delegado deve instaurar inquérito policial. Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal pode comunicá-la verbalmente ou por escrito à autoridade policial. Ter conhecimento não é o mesmo de ter prova. A pessoa pode saber da existência do delito por comentários difusos no meio em que vive, por indícios, por relações pessoais, por informação de testemunhas que não querem se identificar para não sofrer represálias. A autoridade policial atua mesmo diante de denúncias anônimas sem que os denunciantes apresentem prova alguma. Com maior razão deve atuar quando a denúncia vem através de veículo de comunicação social. Daí ser indesculpável a omissão da polícia na época. A denúncia era grave. A coleta de provas cabia à polícia e não ao denunciante. Caso não se obtivesse prova alguma após rigorosa apuração, o informante poderia ser judicialmente processado por denunciação caluniosa e por danos morais se provada a intenção de ofender ou a má-fé.

Destarte, ainda que ação de indenização por dano moral fosse proposta pelos diretores da Petrobrás no foro brasileiro, o processo teria de ficar suspenso até a solução do caso na esfera criminal, isto porque a obrigação de indenizar não se constituiria se a denúncia fosse verdadeira. Apesar de a instância cível ser independente da instância penal, o réu teria o direito de apresentar a verdade apurada na esfera criminal como defesa na esfera cível. Decorridos 18 anos, o descalabro na Petrobrás veio à tona (2014). Os fatos agora apurados pela polícia judiciária indicam o acerto daquela informal denúncia feita pelo jornalista. Indicam, também, que a mudança na chefia do Executivo Federal não desativa o propinoduto da empresa. O episódio atesta, mais uma vez, a influência política na função repressora do Estado. A apuração dos crimes e a punição dos autores dependem dos interesses do grupo que está no governo. O uso político do aparelho de segurança no Brasil está enraizado nos costumes desde o Império e prossegue na República, tanto nos períodos autocráticos como nos períodos democráticos.         

No que concerne à selvageria mencionada no artigo anterior, verifica-se com intensidade nas redes sociais eletrônicas. Circulam ofensas graves aos candidatos e a todos que têm opinião diferente da opinião dos ofensores. A candidata do PT chegou a ser chamada de assassina. Lamentável a existência de brasileiros que nutrem tanto ódio em seus corações; ficam cegos para a realidade e descompromissados com a verdade. Podemos discordar da presidente e do seu partido e mostrar o nosso descontentamento de forma educada e civilizada. Como toda pessoa de bem e como presidente da república, Dilma há de ser respeitada. A sua imagem em sintonia com a realidade é a de mulher recatada, de bons costumes, cumpridora dos seus deveres, mãe e avó dedicada à família, sensível ao futuro da juventude brasileira. A sua presença é a de pessoa autêntica e não a de personagem teatral. Do seu proceder emanam firmeza e sinceridade. O seu discurso vem alicerçado em fatos notórios, documentos e testemunhos fidedignos. Além da personalidade forte e do bom caráter, a petista mostrou bravura ainda jovem ao defender suas idéias em pleno e antagônico regime autocrático. Arriscou a vida e perdeu a liberdade na luta contra a ditadura. A prisão por motivo político e ideológico não lhe suprimiu o pensamento e a determinação. Ela tem mostrado aptidão, equilíbrio e eficiência ao servir a nação brasileira sem revanchismo.

Apesar dos seus atributos pessoais não votarei nela e tampouco em Aécio, mas discordo de qualquer injúria, difamação ou calúnia lançada contra os dois candidatos. Pelas razões expostas em artigo anterior desta série, não farei escolha alguma e não comparecerei ao local de votação. Exercerei a liberdade assegurada aos idosos pela vigente Constituição republicana. Prefiro ficar em paz com a minha consciência.   

sábado, 18 de outubro de 2014

ELEIÇÕES 2014 - V



A desonestidade na ação política e administrativa dos governantes colocou o eleitor brasileiro numa saia justa. No segundo turno, o eleitor terá de escolher qual das duas quadrilhas de bandidos do colarinho branco governará o país nos próximos quatro anos: a do PT ou a do PSDB. A corrupção correu solta no governo desses dois partidos até o deputado Jefferson por a boca no trombone. Antes disto, os atos ilícitos eram debitados à boataria. Por denunciar em programa de TV falcatrua na Petrobrás durante o governo do PSDB, o jornalista Paulo Francis foi processado por diretores da empresa, teve a saúde abalada e acabou morrendo (1996). Decorridos 18 anos, o descalabro veio à tona (2014). O jornalista estava certo, embora naquela ocasião lhe faltassem meios para provar a grave denúncia. Os chefes das quadrilhas estão em liberdade e milionários. Com o dinheiro da nação em paraísos fiscais, eles garantiram alto padrão social e econômico para si, para seus filhos, netos e bisnetos ad omnia secula seculorum. Havendo quadrilheiros nos dois partidos, a corrupção não serve de critério para a rejeição de nenhum dos competidores. Em balaio de frutas podres nada de bom se aproveita. Somente os porcos delas se alimentam. Difícil para o eleitor saber qual dos dois partidos roubou mais quando no governo. Ao eleitor não engajado, sensível à ética na política, fazer tal avaliação para escolher o partido que roubou menos constitui constrangimento moral.

Os dois lados se acusam mutuamente de mentir. Ora, se ambos são mentirosos, então a mentira também não serve de critério para a rejeição de nenhum dos competidores. Onde tudo é amarelo, nada é verde. O camaleão muda de cor conforme o ambiente. O mesmo ocorre na politicagem. O eleitor fica sem dados confiáveis para avaliar qual dos dois partidos se valeu da maior mentira. Na histriônica propaganda eleitoral as falsidades vêm camufladas. O eleitor engajado acredita na propaganda enganosa que favorece o seu candidato enquanto denigre o adversário. Pesará na balança do segundo turno o numeroso eleitorado não engajado (cerca de 68 milhões de eleitores). O eleitor experiente que já amadureceu as suas convicções no curso da sua vida não se deixa impressionar pela propaganda e dela retira exclusivamente o sumo que lhe parece veraz. Diante do vergonhoso quadro da política partidária, a decisão desse tipo de eleitor será a de não comparecer às urnas ou, se comparecer, anular o voto.

De acordo com os registros do Tribunal Superior Eleitoral, em números redondos, dos 142 milhões de eleitores cerca de 38 milhões não votaram em candidato algum para presidente da república, 42 milhões votaram em Dilma, 32 milhões em Aécio e 30 milhões nos demais candidatos. Desses 30 milhões de eleitores dos candidatos vencidos há probabilidade de pelo menos a metade anular os votos no segundo turno. Os votos restantes serão distribuídos entre os dois candidatos em maior proporção para a petista de acordo com a tendência verificada no primeiro turno. Se o prognóstico se confirmar, os dois candidatos serão rejeitados por 53 milhões de eleitores aproximadamente. Este é o cenário de uma revolução pacífica iniciada com o movimento social espontâneo de junho de 2013, em São Paulo, quando 35 mil pessoas mobilizadas através da rede de computadores ocuparam ruas e praças e promoveram batalha campal. A insatisfação daquela massa popular com a política nacional, estadual e municipal transbordou com o aumento do preço da passagem de ônibus e trens urbanos e com os gastos para sediar a copa do mundo de futebol.

Para evitar o constrangimento moral, os eleitores menores de 18 anos e os maiores de 70 anos podem deixar de comparecer ao local de votação tendo em vista a liberdade que lhes é assegurada pela Constituição da república. O eleitor de qualquer idade que se sentir na contingência de votar, embora não pertença ao eleitorado cativo dos candidatos, terá de buscar critérios adequados caso não queira seguir simplesmente a intuição. Tais critérios podem ser: (1) a personalidade; (2) o desempenho administrativo.  O primeiro critério citado permite ao eleitor analisar a conduta doméstica, social e profissional de cada candidato e decidir qual deles merece o seu voto. O segundo critério (administrativo) exige do eleitor a análise do desempenho da cada candidato como chefe de governo, tendo em vista que ambos conhecem a administração pública. O eleitor desvinculado de partido e livre de pressão votará no melhor administrador. Como governador, o tucano administrou um Estado federado (MG), sem livrar-se da corrupção. Como presidente, a petista administrou o Estado federal (Brasil), sem livrar-se da corrupção. A administração de ambos tem recebido críticas desfavoráveis. A administração estadual do tucano descontentou a maioria do povo mineiro como se verificou no primeiro turno. A administração federal da petista, avessa ao nepotismo, qualitativamente superior à dos presidentes Sarney e Fernando Henrique, foi aprovada no primeiro turno. Destarte, tendo em vista a extensão, a complexidade e a eficiência da administração, provavelmente a preferência desse tipo de eleitor será pela petista também no segundo turno.

Mais decente é persuadir o eleitor do que ofender o adversário. Outrora, segundo a lenda, os chineses assistiam a uma discussão só até a primeira ofensa; depois, retiravam-se. O saudoso carnavalesco Joãozinho Trinta cunhou frase espirituosa que brotou da sua experiência de vida: “pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. O eleitor pobre gosta de civilidade, gentileza, gestos nobres, cultura refinada ainda que popular. Quando tem acesso, o pobre tanto aprecia a música de Vila Lobos como a de Cartola e a de Chico Buarque. Nem só de pão vive o homem. Feio ou bonito, pobre também ama. Pobre tem senso de humor; ri de alegria e chora de tristeza. Pobre tem senso ético; cônscio do bem, se pauta pelo honesto. Pobre tem senso estético; vaidoso, gosta de enfeitar a si próprio, a sua casa, o seu casebre, o seu barraco, a sua carroça, a sua bicicleta.      

Das notas positivas do debate do dia 14/10/2014 travado entre os dois candidatos à presidência da república destacam-se a urbanidade e a reciprocidade no tratamento respeitoso. Findo o debate, os candidatos despediram-se de forma educada e até afetuosa, à moda brasileira. O exemplo de lisura na disputa eleitoral foi dado pelo saudoso Eduardo Campos em debate na TV, quando defendeu com veemência as virtudes – inclusive a honestidade e a honradez – da presidente Dilma Rousseff. Os dois candidatos recusaram-se a avaliar os seus próprios desempenhos no debate. Deixaram a avaliação para o público. Assim procedendo, evitaram a carapuça de cabotinos. Há algum tempo atrás quando, sem limites éticos, as emissoras privadas de televisão se engalfinhavam por audiência, a saudosa Hebe Camargo, em seu programa, lamentava aquela selvageria e argumentava que havia público para todos. Há gosto para tudo. O primeiro debate do segundo turno mostrou ser possível disputar cargos públicos eletivos dentro de limites éticos, sem apelar para a selvageria. Há eleitores suficientes para eleger qualquer um dos dois candidatos. Alea jacta est.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV



EUROPA (1800 a 1900).

Napoleão Bonaparte, nascido em 1769, berço pobre, na Córsega, possessão francesa, freqüentou a academia militar de Paris. No posto de coronel, comandou as tropas que expulsaram os ingleses de Toulon. Foi promovido a general de brigada. Defendeu a Convenção Nacional de um ataque desferido por reacionários parisienses (1795). Expulsou os austríacos da Itália. Estas ações guerreiras lhe valeram a fama de herói nacional. Tornou-se o símbolo da vitória e depositário da esperança de um futuro glorioso para a pátria francesa. A situação financeira da França estava péssima e o povo abalado pela revolução e pelas privações. Corrupção generalizada. Pululavam intrigas no Diretório. O abade Sieyès, doutrinador, conspirador, membro do Diretório, viu em Napoleão o herói nacional que buscava. Sagaz e oportunista, Napoleão vibrou o golpe de misericórdia na revolução francesa (1799). Governou a França até abril de 1814 e depois, por cem dias, em 1815. Dizia que o povo francês necessitava de igualdade e não de liberdade. Obteve do povo, mediante plebiscito, a investidura vitalícia no cargo de cônsul. Outro plebiscito o autoriza a converter o consulado em império (1804). Coroou a si próprio imperador com o título de Napoleão I, em cerimônia realizada na catedral Notre Dame de Paris.

Napoleão distribuiu terra aos camponeses, combateu a desonestidade e o desperdício fluentes no governo, reformou o sistema tributário, exigiu eficiência do Banco de França no controle dos negócios fiscais, drenou pântanos, construiu pontes, estradas e canais e aumentou os portos. Para estas obras confluíam objetivos militares e econômicos. Dividiu o país em distritos (départements) administrados por prefeitos submetidos às ordens do poder central (Paris). Concluiu as reformas educacional e jurídica. Instalou escolas primárias em todas as cidades, liceus nas mais importantes, escola de formação de professores em Paris, passou para o Estado a direção das escolas militares e técnicas e fundou a Universidade Nacional. A Escola Politécnica – centro de produção científica e tecnológica – serviu de modelo a outras escolas nas diversas capitais do continente europeu. O número de vagas nas escolas oficiais continuou insuficiente para atender a população em idade escolar. Auxiliado por comissão de juristas, Napoleão concluiu o código de leis que leva o seu nome e que influiu dentro e fora da Europa (Bélgica, Alemanha, Itália, Suíça, Louisiana, Japão). Ele restabeleceu a união do Estado com a Igreja católica, porém, tolerava as outras religiões. {Com a extinção em 1905, da concordata de 1801 celebrada com o Papa, a igreja católica ficou em plano de igualdade com as outras igrejas}.

A imprensa ficou sob censura imperial. Todas as crianças nas escolas eram ensinadas a amar o imperador. Napoleão organizou o bloqueio continental para expulsar as mercadorias inglesas do continente europeu (1806). Este foi o período em que se tornou mais aguda a rivalidade militar e econômica entre França e Inglaterra, as duas maiores potências da época. Confronto entre o elefante e a baleia, no dizer espirituoso do professor Paul Kennedy no seu livro “Ascensão e Queda das Grandes Potencias”. A França era o gigante em força terrestre e a Inglaterra era o gigante em força naval. Os ingleses isolados, mas fortes em sua ilha, suspenderam todos os fornecimentos para o continente europeu. Os europeus continentais necessitavam dos produtos ingleses e acabaram por boicotar o bloqueio. Napoleão foi deposto e exilado na Ilha de Elba com amplas facilidades. Decorrido cerca de um ano, ele foge da ilha e volta ao governo apoiado por suas tropas (1815). As suas aspirações de domínio europeu frustram-se logo depois, em Waterloo, na Bélgica, diante das forças armadas inglesas, holandesas e alemãs, comandadas pelo duque de Wellington. Desta vez, Napoleão é exilado para a ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul. Ali termina a sua existência terrena (05/05/1821). A dinastia dos Bourbon é restaurada. Luiz XVIII assume o trono de França com as limitações postas pela Constituição de 1814.

No Congresso de Viena decidia-se o destino da Europa (1814/1815). Neste congresso jamais houve sessão plenária com todos os delegados. Funcionavam apenas algumas comissões. Compareceram: o czar da Rússia, o imperador da Áustria, os reis da Prússia, Dinamarca, Bavária e de Württemberg, o Lord Castlereagh e o Duque de Wellington, representantes da Inglaterra, o bispo Talleyrand ministro do exterior da França e Metternich chanceler do império austríaco que dominou a assembléia. A idéia básica do congresso foi a da legitimidade posta por Talleyrand para proteger os interesses da França contra as punições impostas pelos países vencedores da guerra. A idéia foi acatada por Metternich porque atendia à política geral da reação contra o liberalismo. Legitimidade significava: (1) restauração das dinastias européias onde elas tinham sido afastadas pelos revolucionários; (2) retorno dos países às suas fronteiras de 1789. Desse modo, recuperaram o poder: em França, Espanha e duas Sicílias, a casa Bourbon; na Holanda, a casa Orange; no Piemonte e Sardenha, a casa Savóia. O reino da Polônia foi extinto e seu território dividido entre a Rússia, a Prússia e a Áustria. A Suíça assegura neutralidade e se torna confederação independente. Houve compensações territoriais entre os países, tanto na Europa como nas colônias da América do Sul, África e Ásia, sem considerar as nacionalidades em cada continente.

Metternich conseguiu aliar Áustria (Viena), Inglaterra (Londres), Prússia (Berlim), Rússia (São Petersburgo) e França (Paris), para preservar o acordo de Viena e manter o equilíbrio europeu. Essa aliança foi apelidada de “pentarquia”. Paralelamente à pentarquia foi celebrada a Santa Aliança (1815), proposta pelo czar Alexandre I, de inspiração religiosa, guiada pelos preceitos de Justiça, Caridade e Paz, fundada nas “verdades sublimes que a religião sagrada do nosso salvador ensina”. Os aliados não levaram a sério o que subscreveram, apenas mostraram diplomática atenção ao devaneio místico do czar granjeando-lhe a confiança e a simpatia. A aliança que de fato funcionou e produziu efeitos foi a costurada por Metternich, fortalecida nos congressos internacionais de Aix-la-Chapelle (1818), Troppau (1820), Laibach (1821) e Verona (1822). Os monarcas foram liberados dos juramentos de cumprir constituições liberais em alguns reinos como o da Sicília, o da Espanha e o de Nápoles. Isto incrementou a reação ao liberalismo gerando centenas de mortos. Metternich baixa, através da Dieta Federal, um programa repressivo nos países germânicos (1819): inspetor oficial nas universidades; professores rebeldes removidos dos seus cargos; dissolução das sociedades dos estudantes (secretas ou abertas); imprensa submetida à censura. Em virtude dessas medidas, o movimento liberal na Alemanha caiu na obscuridade e só voltou à luz no movimento revolucionário continental de 1848.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIII - 33



EUROPA (1600 a 1800). Final.

Segundo Jean-Jacques Rousseau, a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros direitos. Esse direito não foi gerado pela natureza e sim pela convenção humana. A única sociedade natural é a família. Quando os seus membros, uma vez adquirida a emancipação, resolvem permanecer unidos, a família natural se torna convencional. Essa decisão é fruto da liberdade que distingue o homem do animal; o homem quer e não quer, deseja e teme. Renunciar à liberdade é renunciar à condição de homem. {O contrato social apenas limita a liberdade conforme a vontade dos contratantes em prol do interesse geral. Razão, vontade e sensibilidade são características do ser humano}.

Ao se associarem livremente, cada associado cede os seus direitos à comunidade assim formada. Em sendo completa esta cessão, todos ficam em plano de igualdade. Em conseqüência, a cessão não se torna onerosa para os demais associados. A força é um fato físico do qual não resulta moralidade ou direito. O homem está obrigado a obedecer apenas aos poderes legítimos. O homem obedece aos atos de força por necessidade ou prudência. Em decorrência do contrato social o homem: (1) perde a liberdade natural e o direito a tudo que possa alcançar; (2) ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui. A liberdade moral torna o homem senhor de si mesmo. Desiguais em força ou gênio, os homens se tornam iguais por convenção e direito. A vontade da maioria deve prevalecer. O poder é transmissível, mas não essa vontade. Todo poder reside no povo.

O contrato social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus membros. Quando dirigido pela vontade geral, esse poder indivisível e inalienável recebe o nome de soberania. O poder soberano, por mais absoluto, sagrado e inviolável que seja, encontra limite nas convenções gerais. Todo homem pode dispor plenamente do que lhe foi deixado por essas convenções (liberdade e patrimônio). O governante não tem o direito de onerar um cidadão mais do que outro. Rompendo a igualdade, a questão se torna particular e a ação do governante perde legitimidade. Vontade de todos distingue-se da vontade geral. A primeira prende-se ao interesse privado e consiste em uma soma de vontades particulares. A segunda prende-se ao interesse público e tem a seu favor a presunção de certeza e necessidade. O corpo político existe por inteiro; não pode ser alienado total ou parcialmente. O pacto social constitutivo deve ser respeitado totalmente sob pena de a sociedade se extinguir. Todos devem acatamento ao que decidir a maioria do povo. A minoria só pode aspirar a ser maioria. O Estado representa a maioria. A vontade da maioria representa a vontade geral.

Estado é a comunidade politicamente organizada com a função soberana de exprimir a vontade geral. [Estado = território + comunidade + governo]. Governo é o agente executivo do Estado. O governo deve atuar somente em prol do bem comum. A qualquer tempo que desejar, a comunidade pode estabelecer um novo governo. A função do governo não é a de formular a vontade geral e sim a de executá-la. O governo pode ser exercido por um sujeito singular ou por um sujeito coletivo. O governo será: (1) monocrático, quando um só governa; (2) aristocrático, quando um grupo governa; (3) democrático, quando a multidão governa. O melhor governo é aquele que realiza os objetivos da associação política. Tais objetivos se resumem a: (1) conservação do Estado; (2) prosperidade dos seus membros. Quanto maior o número de magistrados mais fraco é o governo. Quanto mais numerosa a comunidade mais a força repressora deverá aumentar. Quanto mais aumenta a distância entre a comunidade e o governo, tanto mais onerosos se tornam os tributos.

República é o Estado regido por leis. Entende-se por lei o ato de caráter geral, brotado da vontade geral, do qual derivam direitos e deveres para os governantes e governados. Embora haja legisladores para a tarefa de elaborar as leis {fundamentais, administrativas, civis, penais}, o povo é sempre o senhor de mudá-las. Os principais alicerces do sistema legal devem ser: liberdade e igualdade. [Fundamentos da ordem jurídica]. Entretanto, não sendo um fruto de todos os climas, a liberdade não está ao alcance de todos os povos.

A filosofia política de Rousseau inspirou o ideal da moderna democracia com os dogmas da igualdade, da soberania popular e da resistência à opressão. A teoria democrática de Rousseau foi um dos pilares intelectuais da revolução americana e da revolução francesa no século XVIII (1701 a 1800). Em assembléia democrática, a minoria sucumbe se não convencer a maioria. Na sociedade ocidental moderna, o poder de fato (econômico e político) está nas mãos da menor parcela da população. Cuida-se de um fenômeno social que acontece desde a Antiguidade: a elite (econômica, política, intelectual, civil, militar, religiosa) comanda a massa popular pela astúcia ou pela força. O Estado moderno detém o monopólio da força. O emprego particular da força é exceção (reação imediata a agressão atual ou iminente; legítima defesa; estado de necessidade). A elite controla o Estado. Quando os seus representantes eleitos não formam a maioria no parlamento, a elite tenta cooptar membros da facção contrária até completar o número suficiente para determinar o resultado das votações. Os mecanismos dos poderes executivo e judiciário favorecem o grupo dominante.