domingo, 31 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT 4

Renovam-se as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados na segunda-feira, 1º/02/2021, num clima de desassossego criado pela ação criminosa do presidente da república no decorrer do seu mandato (2019/2021). A eleita ou o eleito na Câmara, terá de despachar seis dezenas de pedidos de impeachment formulados contra o presidente da república. Considerando que despachar petição é dever jurídico geral e comum das autoridades estatais – e não prerrogativa – o descumprimento desse dever acarretará sanções legais. Eventual omissão do novo presidente caracterizará atentado contra o decoro parlamentar e crime comum. A responsabilidade por falta de decoro será apurada pelo Conselho de Ética e Decoro da Câmara dos Deputados. A responsabilidade por crime comum será apurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no bojo do processo de ação penal pública proposta pelo ministério público. Se houver inércia dessa instituição, caberá aos cidadãos a propositura de ação penal pública subsidiária. No que tange ao deputado que ora desocupa a presidência da Câmara, a apuração da sua responsabilidade por falta de decoro parlamentar e por crime comum poderá acontecer enquanto o seu mandato não expirar e a prescrição não ocorrer. 

O parlamentar eleito para a presidência da Câmara, caso mantenha a dolosa omissão do antecessor, deverá ser interpelado judicialmente para que, no prazo fixado pelo ministro do STF, despache as petições, motivadamente, deferindo ou indeferindo. Caso persista a omissão, o novo presidente poderá ser denunciado perante o Conselho de Ética (falta de decoro) e o STF (crime comum). 

Na introdução do livro “Tchau Querida”, publicada no sítio Brasil 247, em 26/01/2021, Eduardo Cunha lembra que nos processos de impeachment de Collor e Rousseff, o crime de responsabilidade não estava caracterizado. Apesar disto, a Câmara autorizou a instauração do processo e o Senado processou e condenou. Agora, as ações e omissões do presidente da república que tipificam crime de responsabilidade e crime comum, devidamente denunciadas e provadas, foram blindadas pela presidência da Câmara dos Deputados. Isto mostra à nação brasileira e à comunidade internacional, a leviandade dos parlamentares. A inversão de valores mostra que De Gaulle tinha razão: o Brasil não é um país sério. Os representantes do povo são pessoas levianas, de caráter mal formado, vira-latas, sem compromisso algum com a moral, o direito, as instituições, o interesse público e o bem-estar geral. Nas eleições parlamentares de 2018, foram eleitos candidatos que se diziam de outra cepa, desligados dos políticos mentirosos e corruptos. Até o momento, não foi possível notar diferença alguma. As eleições de amanhã para as presidências do Senado e da Câmara talvez deixe patente alguma diferença. Pelo que foi noticiado, os candidatos não são apenas aqueles dois mencionados pela imprensa trevosa e seus prostitutos; há mais de cinco candidatos para cada Casa.

Nota-se confusão entre decisão política (flexível, segue a biruta) e decisão jurídica (dura lex sed lex). No estado democrático de direito, todo processo é jurídico, seja parlamentar, seja administrativo, seja judicial. Sem o devido processo legal ninguém perderá a liberdade ou os seus bens, nem será processado senão pela autoridade competente e a todos são assegurados o contraditório, a ampla defesa e os recursos cabíveis. A admissibilidade da petição inicial pelo presidente da Câmara ou pelo presidente do Senado é decisão jurídica. Essas autoridades verificam se a petição está amparada na Constituição e devidamente instruída. Se o resultado dessa análise preliminar for positivo, seguir-se-á o rito previsto na lei; se for negativo, a petição e seus anexos serão arquivados. No julgamento final pelo Senado, o presidente da república só poderá ser destituído do cargo por decisão jurídica, jamais por decisão política. Já para o presidente ser mantido no cargo prevalece a decisão política sobre a jurídica. Destarte, ainda que provada a materialidade do delito, o Senado, por motivos políticos, econômicos e sociais, pode entender inconveniente e inoportuna a destituição do presidente (= decisão política). O mesmo pode ocorrer no plenário da Câmara: pelos mencionados motivos, a maioria dos deputados pode negar autorização ao Senado para instaurar o processo de impeachment, ainda que a materialidade do delito esteja provada (= decisão política). 

Na vigência do estado democrático de direito, a destituição do presidente da república só pode ocorrer por decisão jurídica, jamais por decisão exclusivamente política, sob pena de subversão da ordem constitucional. Os casos Collor e Rousseff foram duas aberrações jurídicas, dois precedentes altamente negativos para a imagem da nação brasileira no cenário internacional. A mesma imagem negativa resulta da blindagem do atual presidente da república para lhe assegurar impunidade pelos crimes cuja materialidade está provada. Essa autoridade deve se submeter às leis da república em conformidade com o princípio da isonomia. Isto significa que o presidente, como todo cidadão, deve responder ao processo legal e ser julgado pela autoridade competente, quer para ser absolvido, quer para ser condenado.    


quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT 3

Além do noticiário geral da imprensa, destaco três matérias publicadas no sítio Brasil 247, edição de 26/01/2021, ligadas ao tema do presente artigo. [1] A constatação feita por Deisi Ventura, doutora em direito, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, depois de larga pesquisa (livros, revistas, reportagens, declarações do presidente e auxiliares, medidas provisórias, leis, decretos, portarias, resoluções): a expansão do coronavírus faz parte de uma estratégia oficial. Diz ser um equívoco atribuí-la a fatores psíquicos e funcionais como negligência e incompetência do governo; a propagação é intencional por alguma razão. [2] A introdução ao livro “Tchau Querida”, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, referindo-se ao conteúdo da obra, inclusive o processo de impeachment da presidenta Rousseff, tramado no apartamento do deputado Rodrigo Maia, na praia carioca de São Conrado. O autor enquadra na Síndrome de Estocolmo o comportamento do PT por se aliar aos seus algozes, golpistas do bloco liderado por Rodrigo Maia. [3] A opinião do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil oposta ao impeachment do atual presidente da república. Disse não ver, até o momento, ambiente que justifique medida tão grave, além do que, o assunto compete ao Congresso Nacional. 

Pior cego é aquele que não quer enxergar (ditado popular). O presidente da OAB vai na linha frouxa do atual presidente da Câmara dos Deputados, ambos cariocas. Se tivesse brio e bom caráter, bastava dizer, por exemplo: presido a uma entidade de âmbito nacional cujos membros são profissionais de diversas e opostas tendências. Portanto, dada a importância do assunto, vou submetê-lo à apreciação do Conselho Federal. Acolherei o que for decidido pelo augusto sodalício. Ademais, o problema não se limita ao Congresso; há de ser tratado pela OAB em cumprimento a uma das suas finalidades: “defender a Constituição, a ordem jurídica do estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”. [Lei federal 8.906/94, art. 44, I].

O movimento popular em prol do impeachment do atual presidente da república ganhou as ruas. Carreatas por cidades de quase todos os estados da federação. Artigos e reportagens publicados nos diferentes meios de comunicação social. Dezenas de petições protocoladas na Câmara dos Deputados relativas a ações e omissões do presidente da república provadas e tipificadas como crimes de responsabilidade, todas criminosamente engavetadas pelo deputado Rodrigo Maia. O impeachment é processo jurídico próprio da democracia, manifesto da cidadania, expressão da soberania de uma nação, destinado a apurar a responsabilidade das autoridades estatais por condutas criminosas e/ou indecorosas no exercício da função pública. A pena cominada a esse tipo de crime é perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública. Na ordem jurídica brasileira estão sujeitos ao impeachment: o presidente e o vice-presidente da república, ministros de estado, juízes do supremo tribunal, procurador-geral da república, comandantes da marinha, do exército e da aeronáutica, chefes de missão diplomática de caráter permanente, membros dos tribunais superiores, governadores e secretários dos estados federados e do distrito federal, prefeitos e secretários municipais, membros dos tribunais de contas. 

No estado democrático de direito, os processos parlamentar, administrativo e judicial devem obedecer às regras estabelecidas na Constituição e nas leis, sob pena de nulidade. No que tange ao impeachment do presidente da república brasileira, o processo é parlamentar, começa e termina no Senado (instauração, instrução e julgamento). O termo inicial do processo ocorre com o recebimento da denúncia oferecida por cidadão brasileiro. “Recebimento da denúncia” não se confunde com a entrada da petição na secretaria do Senado. Tal expressão significa que a denúncia (petição inicial) recebeu despacho favorável do senador presidente (decisão monocrática) e seguirá trâmites legais. Todavia, o senador presidente pode decidir não receber a denúncia = juízo de admissibilidade negativo singular. Nessa hipótese, a petição será examinada pelo plenário do Senado = juízo de admissibilidade colegiado. Se o plenário (i) confirmar o juízo singular, o caso será arquivado (ii) reformar o juízo singular, o caso terá prosseguimento com as garantias do devido processo jurídico (contraditório, ampla defesa, juiz natural). No julgamento do mérito, a motivação política da maioria no plenário pode se sobrepor à jurídica. O processo parlamentar é jurídico, porém, a decião parlamentar é política, afinada ou não com o direito material. A decisão senatorial de mérito é soberana, definitiva e inapelável.  

A instauração do processo de impeachment do presidente da república no âmbito do Senado depende da autorização dada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Tal como aconteceu na Câmara dos Representantes dos EUA que, em poucos dias, autorizou o Senado a processar o presidente da república (Trump, janeiro/2021), a Câmara dos Deputados do Brasil também poderá abreviar e simplificar os trâmites em sintonia com a vigente Constituição e, sem escândalo, autorizar o Senado a instaurar o processo. A lei de 1950 que estabeleceu complicados trâmites foi derrogada pela Constituição de 1988. Não há necessidade alguma de audiências de instrução e exame jurídico do mérito pela Câmara, tarefa que agora cabe inteiramente ao Senado. Autorizar (decisão política exclusiva da Câmara) não se confunde com instaurar (decisão jurídica e política exclusiva do Senado). Basta uma única sessão para leitura da denúncia, debates entre reduzido número de deputados, metade a favor e metade contra a autorização, votação e proclamação do resultado. Apesar de a garantia do devido processo legal ser indispensável aos trâmites da petição, a decisão de mérito independe de fundamentação jurídica tendo em vista ser a autorização concedida ou negada à luz da conjuntura política, social e econômica. Tal procedimento antecede e condiciona a instauração do processo. 

Na Câmara, o pedido de autorização passa por dois graus de admissibilidade: (i) o primeiro, perante o deputado presidente que deve despachar a petição no prazo de 10 dias, conforme incidência subsidiária do artigo 800 do Código de Processo Penal (ii) o segundo, perante o plenário. Despachar o pedido não significa enviá-lo para a gaveta ou algum outro destino pelo correio ou entregador fretado. No âmbito do direito, despachar petição inicial (denúncia) significa emitir juízo de admissibilidade negativo ou positivo. Se negativo, em primeiro grau, a petição de impeachment será enviada ao plenário que confirmará ou reformará a decisão monocrática do presidente. Se o plenário (i) confirmar, a petição e seus anexos serão arquivados (ii) reformar, a petição e seus anexos seguirão os trâmites legais. Se positivo, em primeiro grau, o expediente será enviado à comissão especial que dará o seu parecer. Retornando da comissão, o expediente será encaminhado ao plenário para decisão final: autorizar ou não autorizar a instauração do processo. Ainda que autorizado pela Câmara, o Senado pode decidir não instaurar o processo. Os dois órgãos são independentes entre si. 

Despachar a denúncia (petição inicial) não é prerrogativa dos presidentes da Câmara e do Senado exercida ao bel prazer. Prerrogativa é direito especial outorgado por lei a um servidor ou a uma categoria de servidores públicos, a um órgão público simples ou composto, com exclusão dos demais. Despachar não é direito especial e sim dever jurídico comum e geral das autoridades públicas; ato regular de ofício inserido na competência legal de quem o pratica; dever da autoridade de examinar, deferir ou indeferir, total ou parcialmente, a petição que lhe é apresentada. Competência é o espaço delimitado por lei dentro do qual a autoridade exerce o seu poder e cumpre os seus deveres. Fora desse espaço, o abuso. O direito de petição aos poderes públicos é garantia constitucional outorgada a todos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Deixar petição sem despacho significa retirar eficácia à garantia constitucional, o que tipifica omissão criminosa da autoridade pública.  

[CR 85/86; 102, I, c + Lei 1.079/50; DL 201/67; Lei 7.106/83].


sábado, 23 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT 2

A partir das revoluções americana e francesa do século XVIII (1701-1800), países da América e da Europa passaram a registrar a estrutura e o funcionamento do estado, para conhecimento geral, em documento escrito denominado Constituição, colocado no topo da hierarquia das leis. Governantes e governados estão obrigados a obedecê-la. A desobediência acarreta sanções de natureza política, administrativa, civil e penal, entre as quais, a perda do cargo e a inabilitação para exercer função pública. Estrangeiros no território nacional devem respeitá-la, sob pena de expulsão. No evolver histórico de alguns países, inclusive o Brasil, além do conteúdo político, adicionaram à Constituição os conteúdos social e econômico. A Constituição, lei magna do estado, encampou o Código Civil, lei magna da sociedade.    

A Constituição brasileira em vigor foi elaborada e promulgada por uma assembleia nacional constituinte cujos membros foram eleitos pelo povo (1988). Expressão da soberania de um povo que através dos seus legítimos representantes escolheu a forma democrática para o seu governo. A sequência lógica de princípios e regras posta pelo legislador constituinte no texto constitucional foi intencional. A sua força motriz foi gerada pela reação ao período autocrático que durou 21 anos sob o coturno dos militares (1964/1985). 

O legislador constituinte primeiro enunciou os valores supremos da nação: direitos individuais e sociais, democracia, liberdade, igualdade, justiça, segurança, desenvolvimento, bem-estar. Esse preâmbulo axiológico serve de bússola aos governantes e governados. Contrariar esses valores supremos significa violar a Constituição. Depois do preâmbulo, o legislador constituinte [i] qualificou a república brasileira de estado democrático de direito [ii] elencou os princípios fundamentais: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político [iii] reconheceu o povo como titular original do poder [iv] adotou o sistema representativo e a tripartição do poder em legislativo, executivo e judiciário [v] estabeleceu os objetivos fundamentais: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária (ii) garantir o desenvolvimento nacional (iii) erradicar a pobreza e a marginalização (iv) reduzir as desigualdades sociais e regionais (v) promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [CR 1º/3º]. Depois de enunciar os princípios, o legislador constituinte declarou os direitos e garantias fundamentais (i) de modo genérico: a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade (ii) de modo específico: os direitos derivados dos anteriores. O direito à vida encabeça a lista; sem ele, todos os demais perdem substância. O direito de propriedade vem por último, por isso mesmo, não se sobrepõe aos demais. Durante crise sanitária, colocar o direito de propriedade acima do direito à vida é subverter a ordem constitucional. [CR 5º/17].

Por fim, o legislador constituinte tratou da organização do estado e dos poderes. [CR 18/135]. Tal sequência no texto constitucional indica a primazia dos valores, dos princípios e dos direitos e garantias fundamentais em relação à autoridade do estado. Na visão do legislador constituinte, a nação precede e organiza o estado. Vencidos na assembleia nacional constituinte, os nazifascistas pretendem agora, no plano dos fatos, inverter a situação: colocar o estado acima da nação, a autoridade estatal acima dos direitos e garantias. A essa inversão antijurídica e antidemocrática a nação brasileira deve resistir mediante ação efetiva. Discursos e bravatas ajudam, mas são insuficientes. 

Debilidade mental, psicopatia, sociopatia, conduta indecorosa e/ou criminosa, revelam incapacidade do chefe de governo para exercer as suas funções. Ao invés de ser recolhido à prisão por delitos cometidos em situação de anormalidade psíquica, ele poderá ser internado no manicômio judiciário. Patológico delírio autocrático do governante não pode comprometer os valores supremos da nação e os fundamentos constitucionais do estado. Duzentas mil baixas decorrentes, em parte, da incapacidade do chefe de governo, recomendam o seu imediato afastamento (caso não bastem os demais ilícitos denunciados). O bem-estar e a segurança dos brasileiros têm que prevalecer. O Brasil tem que recuperar o prestígio internacional perdido e o seu lugar entre as maiores economias do planeta. A democracia é o melhor caminho. O impeachment é o instrumento de defesa nacional mais adequado e eficaz na atual conjuntura. 

Em 2020/2021, esse instrumento foi utilizado 61 vezes, sem êxito. As petições foram engavetadas pelo presidente da Câmara dos Deputados. Sem cumprir o seu dever jurídico de proferir decisão monocrática que independe de pauta – deferindo ou indeferindo as petições, no prazo de 10 dias, por aplicação subsidiária do artigo 800 do Código de Processo Penal – retirou a eficácia de garantia constitucional em frontal e despudorada ofensa à cidadania. Apesar da gravidade desse delito, não há notícia de que o ministério público tenha promovido a persecutio criminis. Resta à sociedade civil tomar a iniciativa da ação penal subsidiária perante o Supremo Tribunal Federal, numa tentativa de evitar a impunidade quanto ao crime comum. No que concerne ao ato atentatório ao decoro parlamentar praticado pelo atual presidente da Casa, cabe ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados instaurar o devido processo legal. 

[CR: 5º, XXXIV, a + LIX + 55, II +  85; Lei 1.079/50: 14 + 38; CEDPCD: 6º, II].



quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

IMPEACHMENT

A Ordem dos Advogados do Brasil pretende, sem descartar outros crimes, pleitear o impeachment do presidente da república por negacionismo e negligência quanto à pandemia que assola o planeta. A iniciativa trará à baila algumas questões processuais. A Constituição da República de 1988 alterou a competência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal nessa matéria. Derrogou a lei anterior na parte que previa a instauração do processo na Câmara. Atribuiu: [1] à Câmara, o procedimento prévio de autorização [2] ao Senado, o processamento da denúncia. A petição inicial de um processo jurídico (parlamentar, administrativo ou judicial) deve ser apresentada ao órgão competente. No caso do impeachment, esse órgão é o Senado (desde 1988). Da interpretação gramatical e sistemática dos dispositivos da Constituição, da lei 1.079/1950 (art. 14/23), do regimento interno da Câmara dos Deputados (art. 218) e da processualística subsidiária (civil e penal) advém a certeza de que instauração do processo de impeachment compete ao Senado. No entanto, em razão da praxe e da inércia, as petições iniciais (denúncias) continuam a ser apresentadas à Câmara. 

Compete privativamente à Câmara dos Deputados autorizar por dois terços (2/3) de seus membros, a instauração de processo contra o presidente da república. Autorizar instauração não é o mesmo que instaurar. Ao Senado Federal compete instaurar o processo contra o presidente da república nos crimes de responsabilidade. O pedido de autorização pode ser deferido ou indeferido pelo presidente da Câmara. Esse juízo de admissibilidade, por ser singular, dispensa pauta. Não se cuida de prerrogativa como quer e diz – por ignorância ou má-fé – o candidato à chefia da Casa. Cuida-se de um dever jurídico cujo descumprimento acarreta sanções legais. O direito de petição é uma garantia constitucional. [CR 5º, XXXIV, a]. Ao deixar de apreciar a petição, a autoridade estatal retira, no plano dos fatos, a eficácia dessa garantia fundamental. Engavetar tipifica ato criminoso. Se o juízo de admissibilidade singular for positivo, o expediente irá à comissão especial. Somente após retornar com o parecer da comissão haverá o ensejo de colocar o assunto em pauta para apreciação do plenário. Se o juízo de admissibilidade singular for negativo, o expediente será encaminhado ao plenário para o juízo de admissibilidade coletivo (confirmação ou reforma do singular). 

Admitido o procedimento de autorização, o expediente segue os trâmites legais. A Câmara verificará: [1] se estão preenchidos os requisitos formais do pedido (condições e pressupostos) [2] se convém instaurar processo parlamentar contra o presidente da república e se o impacto nacional é oportuno diante da conjuntura política, social e econômica do país. Trata-se de competência do plenário da Câmara e não de prerrogativa do seu presidente. Se o plenário decidir que a instauração do processo é conveniente e oportuna, enviará o expediente ao Senado. Se o plenário decidir que a instauração é inconveniente ou inoportuna, o expediente será arquivado, ainda que, sob o aspecto jurídico, a pretensão deduzida na denúncia esteja bem fundamentada e provada. A dimensão política do caso é tão essencial quanto a dimensão jurídica. [Dimensoes moral e religiosa a latere]. O presidente da república será suspenso das suas funções caso o Senado instaure o processo. [CR 51/52 + 86, §1º]. 

Depois de autorizado pela Câmara, cabe ao Senado receber a denúncia. Trata-se da fase protoprocessual em que a autoridade senatorial decide: (i) instaurar o processo = juízo de admissibilidade positivo ou (ii) arquivar a petição e seus anexos = juízo de admissibilidade negativo. Com o advento da Constituição de 1988, perdeu vigência o dispositivo regimental que atribuía à Câmara o recebimento da denúncia (fase protoprocessual). Receber a denúncia, proceder à instrução processual e julgar o mérito da demanda é tarefa do Senado. Exauridos os trâmites sob a garantia do devido processo jurídico (contraditório, ampla defesa, juiz natural), o Senado decide se destitui, ou não, o presidente da república.

Impeachment do presidente da república acontecerá se mudar o atual cenário político brasileiro. A esquerda abdicou do seu direito de apresentar candidato próprio na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Se o time, com medo de perder, não entra em campo, não há jogo. Melhor, então, descalçar as chuteiras, tirar e dobrar o uniforme, enrolar a bandeira e ficar em casa. Ao aderir ao bloco parlamentar liderado por um mimalho, a esquerda brasileira mostrou o quanto é frouxa, estúpida e infiel às suas raízes socialistas. Os dois concorrentes são governistas, integram a direita antidemocrática (golpista + fascista) e apoiam a política econômica do atual governo. Nenhum deles despachará petição que enseje a destituição do presidente da república. Nenhum deles tem credibilidade, autoridade moral, perfil político, à altura de Nancy Pelosi [presidente da Câmara dos Representantes dos EUA que assinou o prazo de 24,00 horas para o vice-presidente afastar o presidente com fulcro na 25ª Emenda à Constituição. Caso desatendida tal notificação, a Câmara deflagará o impeachment para tornar o presidente inelegível, indiferente à iminente exaustão do mandato presidencial]. 

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), por apreço a si mesmo e à sua história, talvez honre a sua filosofia política e, numa atitude coerente e independente, apresente candidato próprio à presidência da Câmara. Se isto acontecer, os dissidentes do bloco terão uma alternativa à abstenção. Vitória? Sim. A qualquer preço? Não. Honra, honestidade, decência, fidelidade, um dia prevalecerão nesta republiqueta. O mundo não acaba em fevereiro.         


segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

FUTEBOL 2021

O campeonato brasileiro de futebol 2020/2021 aproxima-se do encerramento. Nota-se o fato curioso de, nesse esporte, a vitória nem sempre ser da equipe favorita. Nos últimos dias, o Flamengo perdeu para o Fluminense e para o Ceará; o São Paulo perdeu para o Bragantino e para os garotos do Santos. Exemplo internacional: a melhor seleção na copa de 1954 foi a húngara; na copa de 1974, a holandesa; na copa de 1982, a brasileira; todas perderam.

Durante as partidas, sejam de seleções nacionais, sejam de clubes, principalmente latino-americanos, há desentendimentos, empurrões, tapas, chutes, carrinhos, cabeçadas, palavras e gestos ofensivos. Isto acontece: [1] tanto entre jogadores da mesma equipe como entre jogadores de equipes adversárias [2] entre jogadores e árbitros [3] entre treinadores e jogadores [4] entre os treinadores das equipes em confronto. Às vezes, a confusão é geral, a polícia e o corpo de segurança entram em campo e a partida é suspensa. Lembro dois episódios emblemáticos, um ocorrido em clube brasileiro (Corinthians) e outro em clube estrangeiro (La Coruña) ambos envolvendo treinador x jogador. Certa vez, no clube paulista, o jogador Marcelinho Carioca cobriu de porradas o treinador. O motivo não veio a público, tampouco se houve ou se não houve punição disciplinar. O fato é que os dois permaneceram no clube não sei por quanto tempo. No clube espanhol, Djalminha, jogador brasileiro, deu uma cabeçada no treinador. O passe do atleta foi vendido para outro clube. Além disto, ele perdeu a chance de integrar a seleção brasileira na copa de 1998. Por solidariedade ao treinador espanhol, o treinador brasileiro castigou o craque brasileiro. Vira-lata brasileiro encontra-se não apenas nas elites e na massa popular de modo geral, mas também, de modo especial, na política, no jornalismo e nos esportes. 

Djalminha estava no rol dos maiores jogadores de futebol do mundo. No Brasil, lançou a moda “cavadinha”, embora não a tenha inventado. Jogou na seleção brasileira que venceu a Copa América (1997). Boa performance igual à sua, apenas a de alguns poucos jogadores entre aqueles convocados pela comissão técnica da seleção brasileira (1998). O seu destemor ao enfrentar qualquer equipe nacional ou estrangeira, a sua personalidade forte, o seu futebol alegre e eficiente, fizeram muita falta. A comissão técnica não apenas ignorou esse craque, como também afastou Romário e manteve Ronaldo que amarelou e foi parar no hospital. Com uma equipe apática em campo, a seleção brasileira perdeu para a seleção francesa comandada em campo pelo talentoso craque Zidane. Jamais um treinador europeu deixaria de convocar um craque para a sua seleção nacional por “solidariedade” a um treinador da seleção brasileira. 

Ao tempo das ditaduras militares, a disciplina era mais rigorosa nas seleções de futebol masculino da Argentina e do Brasil. Esse rigor prosseguiu, ainda que atenuado, no período democrático, inclusive de modo abusivo por alguns treinadores. Serve de exemplo, o recente e lamentável episódio durante o jogo SP x Braga, transmitido por televisão. O treinador do tricolor paulista, no curso da partida, dirigiu palavras e gestos agressivos contra um jogador do seu time. O jovem adolescente não revidou. Provavelmente, se o ofendido fosse um atleta adulto, experiente, forte, pavio curto, aquele treinador também teria levado algumas porradas. Fica a observação: o treinador vinha sendo endeusado pela imprensa esportiva. Ao ver que a sua excelente equipe levava um banho da equipe adversária, ele perdeu as estribeiras por temer cair dos cornos da Lua, altura em que foi colocado. Nada mais confortável e seguro para uma pessoa do que ser reconhecida e posta nas reais dimensões das suas qualidades físicas, morais, intelectuais e profissionais. A maturidade arreda elogiosas, porém, falsas e enganosas atribuições de virtudes inexistentes.     

As agressões no campo ou no vestiário, as vitórias, as derrotas, os empates, têm múltiplas causas: inveja, ciúme, rivalidade, estrelismo, frustração, egocentrismo, autoritarismo, problemas administrativos, financeiros e psicológicos, preparo físico insuficiente, jogadores que não rendem todo o seu potencial, substituições que não produzem o bom efeito desejado, erros táticos, desvio para outras competições, pressão da torcida e da imprensa esportiva. O acaso não entra por essa porta.

Se o Internacional conquistar a taça, o apresentador do programa “Donos da Bola” (Rede Band de TV) prometeu percorrer pelado as ruas de São Paulo. Nesse programa, os comentaristas têm liberdade de opinião. Certamente não a teriam se o assunto fosse política partidária. Os jornalistas curvam-se aos interesses e à posição política dos proprietários. Imaginemos um programa com o nome Estudo Y e 6 personagens: Mara Deltan, apresentadora, Toaldo Luz, Bidu Zaneri e Poliana Rosa, analistas políticos, Olavo Tregues e Vandré Cajueiro, comentaristas. Ver-se-á que, à menor divergência, a apresentadora interfere imediatamente, ameniza, salienta as concordâncias e enterra as discordâncias. Referências à esquerda? Só para denegrir.  


sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

O CAPITÓLIO NÃO CAPITULOU

A sede física do Poder Legislativo Federal dos EUA denomina-se Capitólio, palavra de origem latina (capitis = cabeça). O prédio foi inspirado na arquitetura romana e tem significado simbólico de templo da democracia americana. Os estadunidenses tratam o Capitólio com a mesma sacralização devotada à Constituição. A forma democrática de governo está na raiz da cultura daquele povo, adotada pelos fundadores na Declaração de Independência de 1776 e formalizada na Constituição Federal de 1787. Há partidos políticos de pouca influência no processo eleitoral (Verde, Libertário, Justiça, Constituição). A disputa pela presidência da república restringe-se aos dois partidos mais fortes, ambos da direita: [1] Republicano, conservador (Trump) [2] Democrata, liberal (Biden). 

Na primeira semana do ano de 2021, ali reuniu-se o Congresso dos EUA (Senado + Câmara dos Representantes) para, sob a chefia do presidente do Senado: (i) abrir os envelopes lacrados contendo as listas de votação enviadas pelos estados federados (ii) proceder à contagem dos votos (iii) proclamar presidente da república o candidato que obteve a maioria dos votos. O colégio eleitoral eleito pelo povo de cada estado da federação escolheu os candidatos mediante voto secreto. As listas dessa votação foram enviadas ao chefe do Senado. Na maioria dos estados, o candidato do Partido Democrata sagrou-se vencedor conforme apurou o Congresso nos dias 06 e 7/01/2021. Antes de tomar posse do cargo, o presidente eleito, diante do chefe da suprema corte e com a mão posta sobre a Bíblia, presta o solene juramento de preservar, proteger e defender a Constituição. Ao violar esse juramento, o presidente comete crime de natureza política e fica sujeito, na forma dos preceitos constitucionais e legais, à destituição ou afastamento por incapacidade para o exercício das funções presidenciais. 

O candidato do Partido Republicano, inconformado com a derrota, ajuizou ações em alguns estados federados alegando fraude nas eleições. Pretendia anular o pleito e/ou reverter o resultado a seu favor. Propalou aos quatro ventos, principalmente pela rede de computadores, vícios do processo eleitoral de duvidosa existência. As falsas acusações foram acolhidas por seus apoiadores que fecharam os computadores, armaram-se, saíram às ruas e invadiram o Capitólio. Interromperam os trabalhos dos congressistas que discutiam as objeções apresentadas pelos parlamentares do partido do presidente. Causaram tumulto, ferimentos e mortes. Finalmente, foram dominados e expulsos. Interessante notar a escolha do agente de segurança legislativo: dentre os invasores que ameaçavam arrombar as portas internas, quase todos homens, ele apontou e atirou contra a mulher, causando-lhe a morte.    

No Brasil, partidos da esquerda e da direita disputam eleições municipais, estaduais e federais. O sonho de 57 milhões de eleitores da direita na disputa pela presidência da república em 2018, transformou-se em pesadelo para 200 milhões de brasileiros nos anos seguintes. Nas eleições presidenciais de 2014, o candidato da direita, inconformado com a derrota, alegou fraude no processo eleitoral. Frustrada a via judicial, serviu-se de artimanhas no âmbito do Congresso Nacional. Os seus ilegais e ilegítimos propósitos foram atendidos. Toda a escória da política partidária deu-lhe apoio. A presidente eleita legitimamente pelo voto popular foi destituída do cargo. Ao contrário do que fazem agora em defesa do Capitólio, os prostitutos e as prostitutas da média corporativa não exibiram, naquela ocasião, feições consternadas, não escreveram ou proferiram palavras de indignação diante da violência praticada contra a democracia brasileira em 2016. Causa asco ver esses jornalistas vira-latas colonizados estamparem em seus rostos enorme tristeza e comoção e desqualificarem com ênfase na palavra vândalos, os cidadãos norte-americanos que invadiram o Capitólio. Tal como os estadunidenses, os vira-latas brasileiros também consideram templo sagrado o edifício da cidade de Washington como se fora a casa deles próprios, talvez por considerarem pocilga o edifício da cidade de Brasília.

Aqueles arruaceiros (royalties para Ângela Merkel) e terroristas domésticos (royalties para Joe Biden) exerciam o direito de se insurgir contra o que viam como fraude eleitoral. Protestar e reivindicar são atitudes válidas no seio das nações democráticas. No ano de 2013, também houve manifestação nas ruas de cidades brasileiras contra aquilo que os manifestantes entendiam injusto, ilegal ou abusivo. Não se viu consternação nos rostos dos prostitutos e das prostitutas da trevosa imprensa. O excesso no exercício das liberdades públicas há de ser prevenido ou impedido pelos meios legais utilizados moderadamente por autoridades estatais. A ninguém é lícito valer-se: (i) da liberdade para destruir a liberdade (ii) dos mecanismos da democracia para destruir a democracia. 

O episódio do Capitólio mostra grupo de pessoas que apoiam o presidente da república. Como esse presidente tem características autoritárias e fascistas, próprias da extrema direita, lícito é concluir que aquelas pessoas formam a parcela nazifascista da nação ianque. Ao cogitar de perdão oficial para si próprio, o presidente dos EUA confessa implicitamente a prática de ato ilícito. Segundo princípio jurídico vigente na civilização ocidental, ninguém pode se aproveitar da própria torpeza. Logo, ele não pode usar sua autoridade em proveito próprio. O correto é ele ser destituído do cargo pelo Congresso. 

O episódio do Capitólio representa a fissura na ideologia liberal e democrática daquela nação e confirma a extensão continental do ativismo nazifascista (Europa + América). Daí, a urgente necessidade de a sociedade democrática organizar forças antifascistas para neutralizar a ação nefasta daquele contingente antes que seja tarde. Lembrai-vos dos anos 30, do século XX! 


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

RELATIVIDADE

Na Física, Einstein foi um gênio e Pelé uma besta ao quadrado. No Futebol, Pelé foi um gênio e Einstein uma besta ao quadrado. Nem todos têm os mesmos dons e interesses. Alguns se destacam na arte (Van Gogh) outros na ciência (Descartes), na filosofia (Kant), na religião (Agostinho). A lucidez do indivíduo varia conforme o meio que o envolve, o trabalho a que se dedica, o objeto dos seus cuidados. Há inventores sem título acadêmico. Há pessoas com título acadêmico que nada inventaram e apenas copiam e repetem; às vezes, douram a pílula ou criam falsas teorias. Descobertas acontecem por acaso. Eureka! 

Ninguém sabe tudo, resmunga o sensato. Desconhece a extensão da ignorância, Duvida da extensão do saber. Ignora coisas invisíveis como o coronavírus objeto de pesquisa e estudo. A ciência busca o método adequado para conhecer e combater o vírus e suas mutações. Alicerçados na lógica vulgar e nas ocorrências do passado, os leigos consideram a pandemia um fenômeno natural de duração limitada. Outros, sem estribo na lógica, supersticiosos, encaram a pandemia como castigo divino decorrente dos pecados da humanidade. A dimensão sobrenatural da vida não se explica plenamente pela razão. Apesar disto, o avanço científico e tecnológico da humanidade criou uma envolvente atmosfera artificial. As ondas e partículas eletromagnéticas componentes dessa atmosfera vibram em diferentes frequências e carregam significados. O acesso ocorre por meio de aparelhos como o rádio, o televisor, o telefone celular, o computador. Captadas pelos aparelhos, as ondas revelam sons, imagens, mensagens, palavras escritas, cenários do mundo da natureza e do mundo da cultura. 

O mundo espiritual pode ser comparado a esse campo eletromagnético. A atividade física e mental dos humanos vibra e irradia. Essa força não se perde. Conforme disse o cientista francês Lavoisier, “em a natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Mutatis mutandi, isto se aplica ao dinamismo físico e mental da humanidade. O produto desse dinamismo fica registrado em faixas vibratórias envolvendo o planeta (teorias, doutrinas, dogmas, mitos, história, cenários, relações). Essa memória se mantém alimentada e disponível desde priscas eras. Ao se colocar em favorável condição de passividade (ajustamento do aparelho receptor) a pessoa se conecta com essa memória, apreende dados ali contidos, reage emocionalmente e interpreta o que foi intuído. O acesso ocorre [I] de modo involuntário, quando o sujeito está relaxado sem premeditação [II] de modo voluntário: (i) individualmente, quando o sujeito se vale de técnicas de meditação com o propósito de obter ajuda, adquirir informação, experiência, conhecimento, paz interior (ii) coletivamente, em sessões espíritas, convocações ritualísticas, reuniões de estudos práticos e teóricos sobre espiritualidade. 

O mundo espiritual assim concebido tem existência virtual. Não se trata de uma réplica do mundo terreno como a teoria dos arquétipos de Platão leva a supor. Tal como o vírus, esse mundo espiritual é invisível, existe, funciona e vibra nas cercanias da Terra. A fantasia dos humanos, porém, concebe outro mundo espiritual autônomo, hierarquicamente organizado sob o rigor de uma legislação eterna, com as características do mundo terreno, habitado por deuses, anjos, santos, mestres e espíritos de pessoas desencarnadas. Diferente da humana, a justiça desse mundo sobrentural é inflexível tanto para premiar como para castigar. A contabilidade celeste dos erros e acertos é exata, sem malícia no cálculo. Conforme o saldo positivo ou negativo, o indivíduo terá, em momentos distintos, vida curta ou longa, feliz ou infeliz, dolorosa ou prazerosa. Cessa de reencarnar quando atinge o nirvana. Os manipuladores aproveitam-se da crença nesse mundo fantasioso para explorar, em benefício próprio, o medo, a ignorância, a credulidade da maioria da população e assim obter bom padrão de vida e posição dominante ou de relevo na sociedade. 

No Brasil, servem de exemplo as igrejas pentecostais fundadas para enriquecer suas lideranças com o dinheiro dos crentes aplicado no mercado de capitais e em negócios lucrativos. Elas arrebanham os pobres de espírito presentes nas classes sociais (rica, remediada, pobre). Os bispos, pastores, missionários, agem como estelionatários. Esses pilantras utilizam os nomes de Deus e de Jesus e se dizem receptores do Espírito Santo, a fim de realizar as suas metas patrimoniais. Exibem-se como terapeutas imitadores de Cristo. Dizem conversar com Deus e receber instruções diretas. Se todos acreditam que Moisés ficou frente à frente com Deus, conversou com Deus, abraçou Deus e deu tapinhas nas costas de Deus, não há motivo para duvidar do desfrute do mesmo privilégio pelos pastores, humildes servos de Deus. [Não foi à toa que Einstein, judeu de nascimento, assim se referiu à Bíblia: “contos da carochinha”]. Citam a Bíblia, ótimo instrumento do estelionato, anunciada como “escritura sagrada”, “palavra de Deus”, quando, na verdade, essa coleção de livros brotou da esperteza e da malícia de judeus e cristãos para enganar os incautos e dominar a massa popular. A Bíblia justifica [I] a supremacia do homem em relação à mulher e da igreja em relação ao estado [II] a violência "em nome do Senhor" (invadir, dominar, explorar, escravizar, torturar, matar) [III] o sustento do clero pelo povo [IV] a servidão humana.