domingo, 26 de fevereiro de 2017

POESIA



Se amas, pobre criança / ah! Se tu amas? / Não tenhas medo / não é inefável desastre / Há um misterioso sistema / e leis e influências / na gravitação das almas / e na gravitação dos astros / Estás, assim, tranquilamente / sem pensar no que evitas / e de repente / já não aguenta mais / é como se a cada instante / descesses bem depressa / de elevador / e é o amor / Nem livros mais, nem paisagens / nem desejos de céus da Ásia / Sobra apenas um rosto – aquele / ao qual se anestesia o coração / E nada em torno.
(“Se Amas, Pobre Criança”. Jean COCTEAU. Traduzido por Sérgio Milliet).

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

RIMAS



Juntar os pedaços
Reunir os trapos
Apertar os laços
Afastar os sapos

Ir aos poucos
Chegar sem pressa
Ouvir os loucos
Cumprir promessa

Da batalha vital esmorecendo
De ansiedade o peito ardendo
Das dores resistir não podendo
As portas a transpor correndo
No ar a dança dos gases cedendo
Deixam os corredores fedendo

domingo, 19 de fevereiro de 2017

CARNAVAL



Veio o verão chegou o carnaval
Blocos alegres e animados
Batucada de festa multirracial
A contagiar os desconsolados

Ao som da bateria a pista percorrendo
Coro de altas vozes o enredo a cantar
Turistas de emoção quase morrendo
No coração sentindo o forte palpitar

Finas cinturas nos corpos gostosos
Tapa sexo e seios apetitosos
A negritude autentica o samba
No compasso de quem é bamba

Desfilando em terreno plano
Vamos nós e o Império Serrano
Sem morar no morro e na favela
Vamos nós evoluir na passarela

Somos gente do asfalto das cidades
Dos frios burgos cimentados
Somos foliões robotizados 
A desfilar com as celebridades

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

PINGOS & RESPINGOS

Dinheiro e sexo.
No Brasil atual, perderam prestígio: honestidade, lealdade, dignidade, piedade, cultura, bem-comum e felicidade geral. Restaram prestigiados: dinheiro, utilidade, falsidade, brutalidade, liberdade sexual e felicidade individual.
O dinheiro desempenha papel substantivo na sociedade. Deus dos fraudadores, larápios e plutocratas, o dinheiro não tem ideologia, moral e religião, porém, resolve quase tudo. Aquele que dispõe de dinheiro para tudo comprar detém o real poder na sociedade moderna. Compra posições, votos e consciências. Manipula a autoridade pública. Nos prazeres da mesa e da cama tem por companhia e ao seu dispor pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. Adquire e consome drogas ilícitas sem ser molestado.
O poder do estado (parlamentares, chefes de governo, juízes, procuradores, burocracia, aparelho policial, forças armadas) submete-se ao poder econômico (financeiro, industrial, mercantil). As maiores empresas privadas de comunicação social (jornal, revista, rádio, televisão) cujos donos integram o poder econômico, atuam para prestigiar, desmoralizar e manipular; deturpam a informação, quando não a sonegam; participam de golpes de estado; incentivam a licenciosidade e o consumo de coisas supérfluas.

Distribuição de renda e desigualdade social.
O quinhão maior da riqueza mundial está nas mãos de 8 (oito) pessoas. O quinhão menor distribui-se por 7 (sete) bilhões e 300 milhões de pessoas. Desse quinhão menor, a maior parcela está nas mãos dos ricos e dos remediados e a menor parcela dilui-se entre bilhões de pobres e miseráveis (Davos/Suíça/2017).
No Brasil, a desigualdade social se agrava na proporção que aumenta a concentração da renda nas mãos de poucas famílias: 46 bilionários + 10.300 multimilionários. O saldo da renda nacional está distribuído por 200 milhões de habitantes. Desse saldo, a parcela maior está nas mãos dos milionários + remediados (50 milhões?) e a parcela menor diluída entre os pobres + miseráveis (150 milhões?).

Movimento pendular.
Ideias e ações em espiral no curso da história. Período progressista sucede o conservador. Volta acima, retorna o conservador; depois, o progressista. Nacionalismo ontem, cosmopolitismo hoje. Capitalismo ontem, socialismo hoje. Direita ontem, esquerda hoje. Ora predomina um modelo, ora outro. Há convergências, posições moderadas e conciliadoras que amenizam as estremaduras.
O retorno cíclico dos modelos ocorre paralelamente ao avanço da técnica e da ciência. Mudam as roupagens, variam os costumes, multiplicam-se as comodidades, mas a essência humana permanece a mesma na sua bipolaridade: angelical e demoníaca.
Ritmo acelerado das mudanças desnorteia a geração anterior. “No socialismo me prometeram que tem um lugar ao sol para todo mundo. Agora, falam outra coisa: é necessário viver pelas leis de Darwin, aí é que teremos prosperidade. Prosperidade para os fortes. Mas eu sou um dos fracos. Não sou um lutador” {russo entrevistado pela jornalista e escritora Svetlana Aleksiévitch, após a perestroika. “O Fim do Homem Soviético”. Tradução de Lucas Simone. São Paulo. Cia. das Letras, 2016, p. 379}.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

PINGOS & RESPINGOS

Igualdade de direitos.
Ricos e pobres. Brancos e negros. Cultos e ignorantes. Nacionais e estrangeiros. Governantes e governados. Todos são iguais perante a lei. Este preceito jurídico não expressa uma verdade ontológica e sim um postulado deontológico derivado do senso de justiça. Comentário satírico de Anatole France: "O rico e o pobre têm igual direito de dormir embaixo da ponte". 
As normas de direito elaboradas segundo emanações da realidade social visam a atingir certos fins, tais como: paz, ordem pública; desenvolvimento econômico e social; proporcionar certeza e segurança às relações humanas; indicar o caminho ético aceito pela sociedade; disciplinar a vida social, política e econômica da nação. 
No plano operacional, todavia, os legisladores brasileiros violam na raiz o princípio da isonomia que a eles se destina primacialmente. As leis são votadas segundo os interesses de grupos. Os legisladores brasileiros são de baixa extração moral (a maioria composta de vira-latas) vinculados a igrejas, a corporações nacionais e estrangeiras, a banqueiros, a associações civis, a sindicatos.
A democracia ateniense (500-400 a.C.) também tinha os seus políticos vira-latas: “Os promulgadores das leis são os homens fracos e a massa. Assim, em vista de si mesmos e do que lhes é conveniente, promulgam as leis e compõem os elogios e os vitupérios”. (Platão. Górgias. Trad. Daniel R.N. Lopes. São Paulo. Perspectiva, 2014, pág. 299).

Cone Sul da América.
Maior concentração de fascistas e nazistas por quilometro quadrado. Difusão das doutrinas fascistas e nazistas na Argentina, no Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, desde 1930. No território brasileiro, havia agentes alemães e propaganda nazista e a intenção de separar o Sul do Brasil (São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) e de organizar nação ítalo-germânica de feição fascista e nazista. A juventude brasileira meridional foi educada sob o signo das citadas doutrinas. 
Nas cidades sulistas grassam o pensamento autocrático e os sentimentos e condutas correlatos entre operários, comerciários, funcionários públicos, jornalistas, professores, empresários, advogados, policiais, vereadores, deputados, prefeitos, governadores. Na esfera judiciária, procuradores, juízes e tribunais desvirtuam o direito positivo ao lançarem no cadinho do relativismo os princípios fundamentais da república, o sistema jurídico penal positivo e o conceito de prova. 
Católicos, protestantes e judeus tratam como inimigo todo aquele que deles difere nos costumes, no pensamento, na visão de mundo, na opção política. Eles seguem à risca o mandamento bíblico: “Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (Bíblia, Antigo Testamento, Levítico 19: 18). Fiéis às suas seitas religiosas e manifestando a dimensão diabólica da natureza humana, aquelas pessoas desprezam a retificação feita por Jesus, o Cristo: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai Celeste, porque Ele faz nascer o seu sol sobre bons e maus e vir chuvas sobre justos e injustos” (Bíblia, Novo Testamento, Mateus 5: 43/45).

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

PINGOS E RESPINGOS

Propina. 
No século XX (1901-2000), a república brasileira consolidou o costume da propina nos negócios do setor público com o setor privado, nas esferas municipal, estadual e federal. Nos contratos celebrados, o superfaturamento é a regra. O empreiteiro paga a propina à autoridade e/ou ao funcionário público e compensa o valor respectivo no preço da obra ou do serviço. Em alguns negócios, parte da propina destina-se ao partido político da situação (PSDB, PMDB, PTB, PDT, PT, PP). A administração pública paga tal preço. No final da trilha, pois, o dinheiro da propina sai do bolso do contribuinte. Apurar a responsabilidade civil, penal e administrativa de todos os participantes do escuso negócio representa mudança radical na costumeira impunidade e revoluciona a mentalidade moralmente podre da grande parcela do povo brasileiro (governantes e governados).

Blindagem ilegal. 
A investigação deve incluir todos os envolvidos na atividade criminosa, indistintamente. A blindagem de alguns bandidos do colarinho branco fere a isonomia. Admissível: investigação plena enquanto procedimento legal e necessário à segurança pública e aos bons costumes. Inadmissível: abuso de autoridade, excesso de poder e arbitrariedade.

Teoria do domínio do fato.
(Hans Welzel, 1939 + Claus Roxin, 1963). 
Materialidade: crime praticado = tipo de conduta que a norma legal define como criminoso. Autoria: todo aquele que pratica o crime. Responsabilidade: segundo a idade, a capacidade mental, o grau de culpa, o nexo de causalidade e as circunstâncias que emergirem dos fatos devidamente provados. Autor imediato: quem executa o ato criminoso. Autor mediato próximo: quem de algum modo colabora na execução do delito. Autor mediato remoto: quem ordena a ação criminosa. Não basta a ascendência do mandante sobre o autor imediato. Necessário provar que houve a ordem. Versão brasileira dessa teoria dada pelo Supremo Tribunal Federal: O superior hierárquico, como titular do poder de decisão, tem evidente conhecimento da ação criminosa; logo, também deve ser punido. A prova do nexo é dispensável. Bastam os indícios.

Teoria do predomínio do fato novo. 
(Carl Schmitt, 1929). 
Poder de decisão precede o comando jurídico. Em face de uma situação nova, ditadura soberana substitui a Constituição enquanto uma nova ordem não se formalizar e se legitimar. Do estado constitucional transita-se para o estado de exceção. No Sul do Brasil, vige essa doutrina do nacional-socialismo (nazismo). O preceito constitucional que proíbe juízo e tribunal de exceção perdeu a eficácia.Os princípios fundamentais da república e o conceito de prova foram lançados no cadinho do relativismo. As normas jurídicas ordinárias são substituídas por regras estabelecidas casuisticamente por procuradores, juízes e tribunais, decorrentes de situações consideradas novas segundo a ótica, o interesse e a interpretação dos seus adeptos. Nesse contexto, o juiz e o tribunal acumulam funções legislativa e judiciária; editam regras simultaneamente ao julgamento dos casos concretos.

Lei e teoria. 
 No sistema penal brasileiro prevalece a lei. “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 
A teoria (explicativa), a doutrina (persuasiva) e a jurisprudência (orientadora) não substituem a lei. Quando a lei penal for omissa, cabe exclusivamente ao legislador preencher a lacuna, se lhe parecer conveniente e oportuno. Enquanto vigorar o princípio fundamental da separação dos poderes da república, tal preenchimento não cabe a teórico, doutrinador, juiz ou tribunal. 
A lei penal brasileira distingue autoria e participação. [1] “O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa”. [2] “Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade”. Quando duas ou mais pessoas concorrem para a ação criminosa, a pena pode ser aplicada de modo diferenciado, segundo a importância da participação de cada uma delas. (Constituição: 5°, XXXIX, LIV + Código Penal: 1°, 13, 29).

Prova e Ministério Público
A prova é da essência do devido processo legal. O juízo assenta-se na prova cujo exame requer prudência, ciência e consciência. Desse exame, o juiz forma a sua convicção. Sem prova, ao invés de convicção há mera suposição imprestável para processar e condenar o acusado. “Havendo provas, todas serão investigadas”, diz o Procurador-Geral da República na tentativa de, sob a rubrica do “combate à corrupção”, encobrir a seletividade e a indecorosa motivação partidária. Prova não se investiga; possível, apenas, impugna-la. Prova resulta da investigação. Investigar, na área criminal, é seguir vestígios, buscar informações, examinar pessoas e coisas, relacionar dados, tudo no propósito de obter prova. O Procurador-Geral poderia dizer de maneira consentânea com a ética e o direito: havendo indícios, haverá investigação; obtidas as provas, o Ministério Público oferecerá denúncia, doa a quem doer. O processo criminal instaurar-se-á por decisão do juiz ou do tribunal.