domingo, 31 de agosto de 2014

ELEIÇÃO



A eleição enseja o exercício pleno do poder político do povo. Através dela o eleitor pode protestar de modo efetivo contra a corrupção e o nepotismo nos poderes Executivo e Legislativo. Desse modo, o movimento de rua se harmoniza com o movimento de urna no intuito de mostrar o descontentamento do povo com a conduta dos seus representantes e com o modo desonesto ou ineficiente como estes administram os negócios do estado e da nação.  

O eleitor pode escolher apenas o presidente da república e o governador do estado. A chefia de governo é necessária. De preferência escolher Marina para a presidência e um candidato do PSOL ou apoiado pelo PSOL para o governo estadual. Assim procedendo, o eleitor mostra a sua discordância com a corrupção e o nepotismo no Poder Executivo.

Quanto aos cargos de senador, deputado federal e deputado estadual, o eleitor deverá votar em branco ou anular o voto se quiser tornar efetivo o seu protesto contra a corrupção e o nepotismo. O eleitor dirá NÃO à escória da sociedade que ocupa as cadeiras do congresso nacional e das assembléias legislativas. O voto em branco ou nulo é a forma de o eleitor mostrar que não compactua com as safadezas praticadas no âmbito do Poder Legislativo. 

O movimento social das ruas e o movimento político das urnas se conjugam na vontade popular de limpar o setor público da sujeira moral em que está mergulhado. O momento é agora de o eleitor mostrar à classe política de que exige: (1) instituições sadias do ponto de vista moral; (2) boa e honesta aplicação do dinheiro público; (3) maior quantidade e melhor qualidade de escolas, hospitais, moradias; (4) produção nacional de medicamentos essenciais à população; (5) investimentos em transporte ferroviário, rodoviário e fluvial; (6) melhor conservação de estradas, pontes e viadutos; (7) redução da carga tributária principalmente do setor produtivo; (8) redução e extinção de juros e outras taxas bancárias; (9) redução das tarifas dos serviços públicos concedidos; (10) apoio efetivo à agricultura e à pecuária.

Tais exigências não afastam os cuidados que o governo deverá ter em relação à dignidade da pessoa humana, à família, às comunidades indígenas e dos quilombos, ao meio ambiente, à previdência social, à assistência social, à cultura, à ciência, à tecnologia. Quem governar o Brasil há de ter bons olhos para os povos da América Latina e Crioula, além das relações fraternas com outras nações do planeta.    

O eleitor deve exibir a sua força política nestas eleições. Mostrará que a reforma política é necessária e urgente e não deverá mais ser protelada e manipulada pelos malandros de sempre. Chega de malandragem e roubalheira. O tempo é de um novo modelo político consentâneo com a realidade brasileira. No Brasil, a representação popular e a exclusividade dos partidos para apresentar candidatos constituem sistema político falido.

sábado, 30 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 22



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Na opinião de Voltaire, o homem comum é rústico, sem possibilidade de salvação dada a sua ignorância e grosseria. [Naquela época, poucos sabiam ler e escrever, poucos tinham boa educação, muitos reagiam com rispidez às dificuldades sociais e econômicas]. D´Alambert, autor do texto introdutório da “Enciclopédia”, afirmava que a única garantia de progresso era universalizar o conhecimento. Os resultados do trabalho intelectual em geral e da ciência em particular deviam ser ensinados às massas populares com o propósito de livrar o mundo da ignorância e da tirania. Helvetius e Holbach eram extremados no sensualismo, materialismo e mecanicismo. Todas as faculdades mentais, na opinião deles, têm base na percepção sensorial. Nada existe além da substância física. Animais racionais e irracionais diferem entre si apenas no grau de complexidade. Não há utilidade prática na fé em deus ou em prêmios e castigos após a morte. Tal fé não serve como explicação do mundo, nem como base de boa conduta. De acordo com Helvetius, a moralidade se alicerça no interesse próprio oriundo do desejo de prazer e da fuga à dor. O temor da represália freia as maldosas intenções dos homens. De acordo com Holbach, o universo é matéria em perpétuo movimento que nunca teve começo e jamais terá fim. Na Alemanha, o filósofo Gotthold Lessing enfatizava a tolerância. Nenhuma religião tem o monopólio da verdade. As grandes religiões do mundo são passos na evolução espiritual da humanidade. Moisés Mendelssohn (1729 a 1786), filósofo judeu, discípulo de Lessing, incitava os judeus a renunciarem à idéia de ser o povo eleito de deus. O judaísmo era apenas uma das boas religiões do mundo. Os judeus deviam renunciar ao seu exclusivismo, cessar o anseio pela volta a Sion, adaptar-se às exigências cívicas dos países em que viviam. [Voltaram à Palestina em 1948, com o beneplácito da ONU, para desgraça dos palestinos e para o constante sobressalto das nações].

David Hume (1711 a 1776), escocês, filósofo, era empirista no que tange à fonte do conhecimento, cético no que tange à metafísica e utilitarista no que tange às questões morais e políticas. Entre as suas obras contam-se: “Investigação Acerca do Entendimento Humano”, “Ensaios Morais e Políticos”, “Investigação sobre os Princípios da Moral” e “História da Inglaterra”. Na opinião dele, o homem conhece as coisas através das impressões e das idéias (representações produzidas pela memória e pela imaginação). As idéias podem ser associadas umas às outras por semelhança, contigüidade (espacial e temporal) e causalidade. O calor é associado ao fogo e o alimento ao pão. Nada mais podemos saber além daquilo que é trazido pelos sentidos (empirismo psicológico). Toda idéia é apenas cópia da impressão sensorial. Nenhuma certeza provém da especulação sobre as causas finais, natureza das coisas, origem do universo, existência de deus e imortalidade da alma (ceticismo metafísico). Todas as conclusões estranhas à experiência real emanam dos sentimentos, dos desejos, das necessidades e dos temores animais. As palavras têm significação apenas quando se referem aos fatos concretos. A metafísica é um grande jogo de palavras. O conteúdo do conhecimento é relação entre idéias (a idéia de triângulo atrai a idéia de igualdade dos ângulos; a idéia de movimento atrai as idéias de espaço e tempo). Causa e efeito são idéias que resultam da crença e não do processo intelectual da inferência lógica. Ao ver cair um copo de vidro, o observador acredita que o copo quebrará. A base desta crença é a lição da experiência. O hábito mental transfere para o futuro o evento que no passado se mostrou regular e uniforme. [No citado exemplo, a causa imediata do resultado seria a queda; a causa remota seria o impulso que derrubou o copo. Após a queda, o copo pode permanecer íntegro. Esta possibilidade é viável, ainda mais se a superfície do pouso for macia e maleável como areia].

A probabilidade é esse jogo de possibilidades viáveis e distintas. Além de mencionar o jogo de dados, Hume cita o exemplo da geada que pode ocorrer no mês de janeiro em alguns países europeus. Entre a possibilidade de ocorrer e a possibilidade de não ocorrer, a probabilidade é a de que a geada aconteça. Ante o maior número de ocorrências do mesmo evento no passado (geada), a inteligência conclui que haverá repetição no futuro (geada). O filósofo ilustra ainda a sua idéia com a pedra que esquenta (impressão tátil) porque os raios do sol incidem sobre ela (impressão visual). O porquê é o elo entre as duas impressões distintas. A associação mental leva a crer na causalidade. A crença não se confunde com a operação lógica de deduzir. Enquanto impressão sensível, a causalidade é apenas uma sucessão no tempo entre o anterior e o posterior vistos como elos de uma vinculação necessária (uma crença gerada pela ação do hábito sobre a imaginação). No mundo natural, há uma conexão necessária entre a causa e o efeito. A ciência da natureza responde a uma íntima necessidade humana de colocar ordem nas coisas {impulso decorrente da organização natural do próprio corpo humano}. A necessidade consiste na conjunção constante de objetos semelhantes ou – o que essencialmente é a mesma coisa – consiste na inferência que o entendimento faz de um objeto a outro. A conjunção regular entre objetos produz a inferência no entendimento. As idéias de necessidade e de causalidade surgem da uniformidade e constância verificadas nas operações da natureza. Se o processo natural fosse de mudanças contínuas os homens não teriam chegado às idéias de conexão, necessidade e causalidade. Há grande uniformidade nas ações humanas em todas as nações e em todas as épocas. A natureza humana sempre permanece igual em seus princípios e em suas operações. [O acaso parece romper com a uniformidade e a probabilidade, porém, na visão de Hume, trata-se de palavra que não designa qualquer força da natureza. No século XX, o acaso freqüenta a filosofia e a física nuclear].

O fundamento da moral está no sentimento e não na razão, segundo Hume. Cada indivíduo produz sentimentos que influem na conduta de modo constante. Assim como não há idéias inatas, também não há verdades eternas que possam fundamentar a moral. A maior dificuldade ao entendimento nas ciências morais está na obscuridade das idéias e na ambigüidade dos termos. Inexiste um bem supremo a que se deva conformar a conduta humana. A norma de conduta qualifica-se de moral quando aprovada pela comunidade humana por ser útil ou proporcionar prazer. A norma é útil quando visa a um fim aceito como bom pela sociedade. A justiça e a benevolência são qualidades morais. Direito é justiça institucionalizada. Governo útil aos governados é moralmente legítimo. Honestidade e sinceridade são virtudes úteis. Coragem, alegria, modéstia, boas maneiras, são virtudes que repousam no prazer ou na conveniência. A liberdade humana consiste no poder de agir ou de não agir segundo as determinações da vontade. A necessidade e a liberdade são idéias compatíveis uma com a outra e ambas são essenciais à moral. As conseqüências de uma opinião não a inquinam de falsa ou verdadeira. A opinião não se considera falsa apenas porque é perigosa para a moral ou para a religião. A quem faltar discernimento não se pode imputar culpa nem impor castigo. [A lei isenta de pena o doente mental, a criança e o adolescente]. Não se pode exigir credibilidade ou veracidade de quem estiver privado da liberdade. O testemunho humano se mostra veraz quando em sintonia com aquilo que ordinariamente acontece. O relato de fato excepcional merece cuidadosa investigação antes de ser aceito ou rejeitado (tirar água de pedra, andar sobre águas fundas sem qualquer acessório e sem afundar, homem que voa sem veículo algum, milagres em geral). David Hume acreditava que a base da crença religiosa estava nos impulsos emotivos do coração humano. Certa vez, em uma entrevista, Hume assim se manifestou: “Depois que comecei a ler Locke e Clark, nunca mais nutri qualquer crença pela religião” (julho de 1776).

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 21



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Baruch Spinoza (1632 a 1677), holandês, filho de pais judeus, educado na ortodoxia hebraica, dela se afastou ao se dedicar à filosofia.  Em decorrência dos seus estudos e das suas idéias ele foi amaldiçoado e expulso da sinagoga e da comunidade judia. Razão, tolerância e justiça são os fundamentos da filosofia de Spinoza, defensor da liberdade de pensamento. O único bem perfeito que prodigaliza felicidade duradoura é o amor incondicional e desinteressado a deus. A idéia de deus formada por Spinoza foi adotada por Albert Einstein [ambos judeus pelo sangue, mas não pela religião e nem pela cultura]. Suas obras principais são: “Ética” e “Tractatus Theologico Politicus”. Na opinião de Spinoza, espírito e matéria são aspectos distintos de uma única substancia essencial. Deus, substância, universo, são uma só e mesma coisa (panteísmo). A inteligência humana é parte da inteligência divina. Mediante idéias adequadas o homem chega a conhecer a conexão entre as coisas. Perceber as coisas sob um ponto de vista atemporal faz parte da mente humana. A visão intelectual do universo fica turvada pelas paixões. A ignorância está na raiz de todo mal. O instinto de conservação é a força motriz dos atos humanos. Riqueza, prazer, poder e fama, são coisas vazias e vãs, mas o homem as preza. O homem se escraviza às coisas, às influências externas, e se liberta quando unido a deus. A liberdade consiste na independência, na capacidade de determinar a si próprio, de pensar e agir sem medo algum. O homem livre medita sobre a vida e não sobre a morte. Na função do corpo político {Estado} a liberdade é essencial. A liberdade de pensamento e a existência social comungam a mesma essência. Nem tudo pode ser regido por leis. O que não for proibido é permitido, apesar de danos eventuais. O bom governo promulga leis oportunas e pertinentes, sem se imiscuir nas crenças e na instrução. Tal governo deve ser exercido por uma classe privilegiada, politicamente responsável, que respeite a propriedade e a todos permita manifestar suas potencialidades. 

Jacques-Bénigne Bossuet (1627 a 1704) bispo, teólogo francês, orador, escritor, político, preceptor de Luiz XIV e do delfim, nasceu em Dijon e faleceu em Paris. Das suas obras, destacam-se os “Discursos sobre a História Universal” e “Política Tirada das Santas Escrituras”. Defende a monarquia absoluta. O fundamento da monarquia é a autoridade paterna advinda da natureza. Cada povo deve seguir como ordem divina o governo estabelecido no seu país, porque deus é um deus da paz que almeja a tranqüilidade das coisas humanas. Todo governo legítimo goza da proteção divina. Vós sois deuses, tendes um caráter divino em vossa autoridade que ostentais em vossa fronte, dizia Bossuet, dirigindo-se aos reis. Todo o poder vem de deus (omnis potestas a deo) e em nome de deus é exercido pelo monarca. Por isso mesmo, os súditos lhe devem obediência inconteste. Os reis são senhores absolutos e têm naturalmente a disposição plena e livre de todos os bens, tanto os seculares como os eclesiásticos, para deles usar como sábios ecônomos, ou seja, segundo as necessidades do seu Estado. O príncipe a ninguém deve prestar contas do que ordena. Acima do príncipe não há autoridade alguma, quer pessoal, quer legal; o seu julgamento é inapelável. Apesar de absoluta e indivisível, a soberania comporta freios. Governo absoluto não é o mesmo que governo arbitrário. Em que pese não estar sujeito à força coativa da lei, o soberano está submetido à força diretiva do direito e da moral. Não existe poder isento de toda lei divina, natural ou humana. Sob um deus justo, não existe poder arbitrário. O monarca deve respeitar os princípios éticos essenciais e as leis fundamentais do reino {perenes, difusas, que enlaçam os costumes e não brotaram de vontade individual}. A autoridade do Papa limita-se à matéria religiosa. O povo deve obedecer ao soberano sem qualquer tipo de resistência, sem comentários ou resmungos. A resistência só é legítima quando o soberano ordena contra deus.

As idéias absolutistas de Bossuet e de outros teóricos foram aceitas porque a época em França era tumultuada e as pessoas reclamavam ou aspiravam ordem e segurança mais do que a liberdade. Os indivíduos acreditavam que o rei só queria o bem de todos e que possuía as virtudes que o credenciavam. Os expositores de tais idéias esforçavam-se para agradar o monarca reinante e o credo religioso cristão (católico ou protestante). Conforme o momento histórico, ficava difícil conciliar a espada e a cruz. Os comerciantes queriam estabilidade política e proteção para os negócios. O mercantilismo e a política despótica encontravam apoio nas teorias sobre o governo absoluto. Época de crise, de incerteza, de perigo ou de transição, favorece o florescimento de governos fortes. Os homens sentiam-se impotentes para resolver individual e isoladamente os seus problemas. Acreditavam que o rei era o que devia ser (sábio, virtuoso, justo, magnânimo, protetor, valente, dedicado ao bem comum). Os súditos acabaram por se desiludir e se rebelar.   

Emanuel Swedenborg (1688 a 1772) nascido em Estocolmo, filho de um bispo luterano, destacou-se na literatura, na ciência e no misticismo. Em decorrência de conflito bélico, orientou o transporte por terra de duas galeras e cinco barcos num percurso de quatorze milhas, feito notável para a época (1718). Dedicou-se à mineração e ao estudo da química, ótica, fisiologia, matemática e astronomia. Descobriu o sétimo planeta do sistema solar. Escreveu inúmeros textos sobre essas matérias, tais como: “Economia do Reino Animal”, “De Coelo et Inferno Exauditis et Visis”, “Sapientia Angélica de Divino Amore”. No seu “Produmum Principiorum”, Swedenborg trata da estrutura molecular e expõe a sua teoria atômica. Após sentir-se iluminado espiritualmente, aos 54 anos de idade, chefiou a seita denominada Nova Igreja de Jerusalém, com adeptos na Europa, na América, na África e na Ásia. A sua doutrina partia da existência de um mundo espiritual onde se encontra tudo que existe no mundo material, porém, sob forma diferente. “Quanto mais sábio é o homem, mais adorador é da divindade”. A alma se nutre ao unir-se ao corpo humano. A natureza é sempre semelhante a si mesma; repete-se em sucessivos planos.       

No campo da filosofia, o ápice da revolução intelectual foi o movimento conhecido como iluminismo. Iniciado na Inglaterra por volta de 1680, espalhou-se pela Europa continental. A Enciclopédia, obra monumental que reunia o saber de filósofos e cientistas até o século XVIII, foi considerada o símbolo do iluminismo. Entre as idéias fundamentais desse movimento inscrevem-se: (1) A razão é o único guia infalível da sabedoria; as raízes do conhecimento estão na percepção sensorial; as impressões dos sentidos devem ser purificadas no cadinho da razão antes de adquirir valor para explicar o mundo ou para indicar o caminho de uma vida melhor. (2) O universo é máquina governada por leis inflexíveis; a natureza não comporta milagres ou interferência divina. (3) A melhor estrutura da sociedade é a mais simples e natural. (4) Religião, governo, economia, devem ser purgados de todo artificialismo e reduzidos a uma forma concorde com a razão e a liberdade natural. (5) Pecado original não existe. (6) A perfeição estará ao alcance da sociedade e do homem se houver liberdade para seguir as diretrizes da razão e dos instintos.

O iluminismo foi inspirado no racionalismo de Descartes, Spinoza e Hobbes. Os expoentes do iluminismo foram: John Locke (1632 a 1704) e Isaac Newton (1642 a 1727). Denis Diderot, Jean D´Alambert, Claude Helvetius, Barão de Holbach, todos filósofos do final do século XVIII, concordavam com o racionalismo e o liberalismo de Voltaire. Diderot (1713 a 1784) e D´Alambert (1717 a 1783) figuram entre os autores da “Encyclopédie” supra mencionada, por eles projetada como luz sobre trevas. Os enciclopedistas não eram ateus. Tinham sua peculiar noção de deus. Diderot era panteísta. “Se deus não existisse, teríamos de inventá-lo”, dizia Voltaire.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 20



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Blaise Pascal (1623 a 1662), intelectual francês educado pelo pai que era matemático e jurista membro da corte suprema. Pascal se dedicou à matemática, à ciência, à filosofia e à religião. Inventou máquina aritmética aos 19 anos de idade. As pesquisas sobre o jogo de dados levaram-no a formular o cálculo das probabilidades que denominou alea geometria (geometria do acaso). Outro resultado dessas pesquisas foi o denominado “triângulo de Pascal” (tabela numérica para calcular combinações). No seu “Tratado sobre as Potências Numéricas” aborda a questão dos infinitamente pequenos, à qual volta mais tarde ao estudar a área da ciclóide (curva descrita por um ponto da circunferência que rola sem deslizar sobre uma reta). O método empregado por Pascal nesse estudo abriu caminho à descoberta do cálculo integral por Leibnitz e Newton. A sua obra mais difundida recebeu o título de Pensamentos e foi publicada após a sua morte. Nas suas “Cartas Provinciais”, Pascal diz algo incrível: “Achais impossível que deus seja infinito e sem partes? Quero, então, mostrar-vos uma coisa indivisível e infinita: é um ponto movendo-se para todos os lados a uma velocidade infinita, pois ele está em todos os lugares e totalmente em cada lugar”. Tendo em vista o estágio científico da época, esta assertiva de Pascal mereceu a compreensível censura de Voltaire. No entanto, os cientistas do século XX verificaram atônitos que, mutatis mutandis, aquilo dito por Pascal parece acontecer com partículas atômicas.

Na trajetória da ciência para a religião Pascal assim se posiciona: (1) os filósofos pagãos acreditam em um deus que gera verdades geométricas e a ordem dos elementos; (2) os judeus acreditam em um deus providencial sobre a vida e os bens dos homens visando a lhes dar dias e anos felizes; (3) os cristãos acreditam em um deus de amor e de consolação que os faz sentir internamente a miséria em que vivem e a infinita misericórdia de quem os criou. Só a religião de Jesus Cristo é capaz de esclarecer o mistério do homem. Submissão e uso da razão: nisto consiste o cristianismo. Pascal aderiu ao jansenismo, doutrina do holandês Cornélio Jansênio (1585 a 1638) que pregava o retorno do catolicismo à disciplina e à moral religiosa dos primórdios do cristianismo. Para Jansênio, a razão filosófica era a mãe de todas as heresias. Os jansenistas participaram da luta contra a monarquia absoluta em França. Ao tentar o difícil acordo entre a razão e a fé, Pascal imagina o triunfo da ciência na igreja e o triunfo da fé na ciência. A luz natural derivada da razão que pode conhecer o que estiver ao seu alcance deve ser sustentada pela luz sobrenatural derivada da fé. A medida do corpo é a extensão. A medida da alma é o pensamento. A verdadeira grandeza do homem reside na consciência dos seus limites e das suas fraquezas. As coisas passam a existir a partir de deus. As idéias passam a existir a partir do homem. A cada problema o seu método: ao matemático, o espírito geométrico; ao físico, o espírito de justeza; aos demais, o espírito experimental.

No coração há um tipo de inteligência distinto da razão. [Esta assertiva vem explorada no século XX sob o nome de “inteligência emocional”]. O coração tem suas razões que a razão desconhece. O coração – e não a razão – é que sente deus. Conhecemos a verdade não só pela razão como também pelo coração. O espírito tem sua ordem própria; o coração também. O conhecimento é obtido: (i) mediante operação discursiva ou demonstrativa a partir de premissas (raciocínio); (ii) diretamente pela intuição e pela fé (revelação). A incerteza cobre tudo. A distância entre deus e o homem é insuperável. Zombar da filosofia é na verdade filosofar. Argumento próprio prevalece sobre argumento alheio. Eloqüência é pintura do pensamento, convence pela doçura e não pela autoridade, mas quando contínua, aborrece. A beleza do discurso é insuficiente, pois é preciso que seja adequado ao assunto e não tornar grande o que é pequeno e vice-versa. Necessário conhecer a si mesmo. Se isto não servir para levar à verdade, servirá ao menos para regular a vida. A imaginação de tudo dispõe: cria a beleza, a justiça e a felicidade, que é tudo no mundo. Os encantos da novidade podem enganar. A justiça e a verdade são duas pontas tão sutis que nossos instrumentos se mostram grosseiros para tocá-las com precisão. Os homens são como as crianças que têm medo de careta. Dizem como as crianças: “este cão é meu”, “este é o meu lugar ao sol”. Meu, teu: eis o começo e a imagem da usurpação de toda a terra.

O hábito é a nossa natureza. As coisas são falsas ou verdadeiras de acordo com o ângulo pelo qual as vemos (relativismo). A vontade escolhe o ângulo que mais aprecia. Mudamos com a passagem do tempo. Os amigos do passado distante não são os mesmos. Assim também os amores. Olhamos as coisas com outros olhos. Todos os prazeres não passam de vaidades. Nossos males são infinitos. A morte é certa. Não sei de onde venho nem para onde vou. Encantamento incompreensível no homem: sensibilidade para as menores coisas e insensibilidade para as maiores. O homem só aprecia o que lhe é útil. A religião não oferece certeza, no entanto, muitas coisas são feitas na incerteza. Os efeitos são como que sensíveis enquanto as causas são apenas visíveis ao espírito. Máxima geral: siga cada um os costumes do seu país. A arte de subverter o Estado consiste em abalar os costumes estabelecidos, sondando-os até em sua fonte para apontar a sua necessidade de justiça. As leis fundamentais mudam. O direito tem suas épocas. Justiça estranha esta que um rio limita: verdade aquém dos Pirineus, erro além dos Pirineus. Nada é justo em si mesmo. Tudo se abala com o tempo. A justiça sem a força é impotente. A força sem a justiça é tirânica. O costume é seguido por ser costume e não por ser razoável ou justo. Para dirigir um barco não se escolhe o mais nobre dos viajantes e sim o mais apto a pilotar. Para governar um país escolhe-se o mais hábil e virtuoso. A tirania consiste no desejo de dominação universal e fora de ordem. O poder dos reis se funda mais na loucura do povo do que na razão.

Instinto e razão marcam a dupla natureza humana. Sem pensamento o homem seria pedra ou animal. O pensamento faz a grandeza do homem. Este não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Aspira à verdade e acha apenas incertezas; procura a felicidade e encontra apenas miséria e morte. Trabalhar para bem pensar é princípio ético. Pelos atos comuns mede-se a virtude de um homem. A memória é necessária a todas as operações da razão. A desigualdade entre os homens é necessária. O homem sente-se feliz apenas quando recebe a estima dos seus semelhantes. Para ser feliz, o homem recorre a todos os meios ao seu alcance. Não é bom ser livre em demasia, nem ter todas as necessidades. Todas as boas máximas estão no mundo, só nos falta aplicá-las. O homem sem deus está na ignorância de tudo e numa desgraça inevitável, pois é uma infelicidade querer e não poder. [Pascal cita o Eclesiastes]. Somente deus é o verdadeiro bem. Pela graça o homem se aproxima de deus e participa da sua divindade. Só a religião cristã consegue afastar as duas fontes de todos os vícios: o orgulho e a preguiça. Existem três ordens de coisas: (1) a carne, objeto do prazer dos ricos e dos reis; (2) o espírito, objeto do prazer dos curiosos e dos instruídos; (3) a vontade, objeto do prazer dos sábios. Desses três tipos de concupiscência saíram três seitas e os filósofos nada fizeram a não ser seguir uma delas. Existem apenas dois tipos de homens: os justos que se imaginam pecadores e os pecadores que se imaginam justos. Há um deus que os homens são capazes de alcançar e há uma corrupção na natureza que os faz indignos. Os fracos conhecem a verdade, mas só a mantêm de acordo com o seu interesse; fora disto, desprezam-na.  

domingo, 24 de agosto de 2014

O SORRISO DE MARINA



No velório de Eduardo Campos alguém fotografou Marina Silva junto ao caixão fúnebre no momento em que ela esboçou um sorriso. A fotografia foi lançada na rede de computadores acompanhada de comentários desairosos. Intenção maldosa materializada em comentários maldosos. Focaram o rosto de Marina, mas não o braço dela erguido segurando na mão estendida o retrato de um Eduardo sorridente. Sobre o retrato repousavam dois rosários bonitos e delicados. Gesto de religiosa e respeitosa homenagem ao falecido e aos seus familiares. Os difamadores centraram os seus ataques no que seria um sorriso. Ignoraram os olhos de Marina. Os olhos são espelhos da alma. O olhar daquela mulher não expressava alegria e sim melancolia. Dirigia o olhar ao filho de Eduardo, em muda solidariedade e compaixão naquele momento de dor profunda. A contração labial não era riso, pois a fisionomia não expressava alegria e nem zombaria. Parecia um sorriso de benevolência. Na verdade, não era riso e nem sorriso, mas sim um ricto como o de Gioconda, brotado da alma num intervalo sentimental, hiato entre os pulsares do coração. Alma de mulher de humilde berço, que conheceu as agruras da vida, que muito trabalhou e estudou honesta e persistentemente. Diplomou-se em cursos universitários de graduação e pós-graduação. Militou em partido político e foi eleita senadora da república. Merece respeito e consideração.   

A conduta sem freios éticos dessa malta de difamadores reverteu a minha decisão de não comparecer às urnas nas próximas eleições. Nós, brasileiros maiores de setenta anos de idade, temos o direito de votar, mas não a obrigação de votar. O mesmo se diga dos brasileiros maiores de 16 e menores de 18 anos. Podemos exercer ou deixar de exercer o direito de votar, conforme a nossa vontade livre e soberana. Da mesma liberdade está privada a outra parcela do povo brasileiro que se encontra na faixa etária dos 18 aos 70 anos. Esta parcela não tem o direito de votar e sim a obrigação de votar (salvo os analfabetos). Caso os cidadãos dessa parcela do povo faltem às urnas sem justificativa aceitável sofrerão as penalidades previstas em lei. Comparecendo às urnas, essa obrigada parcela do povo poderá escolher ou deixar de escolher candidato. A Constituição limita-se a declarar obrigatório o voto dessa parcela sem obrigar o eleitor a escolher alguém. O voto é uma das formas de o cidadão manifestar a sua vontade e expressar o seu desejo. Assim, a vontade do eleitor pode ser a de escolher alguém ou a de não escolher pessoa alguma. O voto pode ser em preto ou em branco, positivo ou negativo. Há eleitor que vende o seu voto. Para esse tipo, as eleições ensejam ganho de dinheiro, de bens de consumo e de outras vantagens. Há eleitor que vota por espírito cívico, gratuitamente, em concordância ou discordância com a realidade nacional.

Reformulei o meu propósito inicial e decidi comparecer às urnas. Votarei somente para a chefia dos governos federal e estadual. A União Federal e o Estado-membro não ficarão acéfalos. Reformulei como protesto contra a conduta dos difamadores e também porque Marina Silva se candidatou à presidência da república. Trata-se de mulher valorosa que merece o meu voto. Para o governo do Estado do Rio de Janeiro votarei no candidato do PSOL a título de renovação. Cumpro, assim, o meu dever cívico de não compactuar com a corrupção no Poder Executivo. Quanto aos demais cargos (senadores e deputados) votarei em branco. Recuso-me a contribuir para o funcionamento de instituições políticas moralmente falidas como o Congresso Nacional e a Assembléia Legislativa. Cumpro, assim, o meu dever cívico de não compactuar com a corrupção no Poder Legislativo. 

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 19



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

René Descartes, filósofo francês nascido em 1596, foi um dos expoentes da revolução intelectual. Ele iniciou o movimento denominado racionalismo ao se dedicar à Filosofia, à Matemática, à Física, à Anatomia e à Fisiologia. Os filósofos dessa corrente do pensamento contemplam o universo como um mecanismo. Diferente do deus da religião, o deus do filósofo é visto como o primeiro motor do universo cuja força impulsiona tudo que nele existe. Na definição de Descartes, deus é uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, criadora de todas as coisas. Natureza significa a ordem e a disposição que deus estabeleceu nas coisas criadas. Espírito e matéria se distinguem. O espírito é a substância implantada por deus no corpo do homem. Segundo Descartes, a alma (espírito) tem a sua principal sede na diminuta glândula localizada no centro do cérebro (pineal). As verdades evidentes por si mesmas são inerentes ao espírito; são idéias inatas contidas no aparelho mental; portanto, não derivam dos sentidos. A razão é a fonte única do conhecimento. {A revelação é rejeitada como fonte do conhecimento}. Os erros e acertos decorrem do modo como o livre arbítrio e a vontade são exercidos. Ao se questionar sobre a sua própria existência, Descartes percebeu que o fato de duvidar implicava na certeza e evidência de que ele existia. Compreendeu, então, que ele era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar; que para ser, ele não necessitava de lugar algum nem dependia de qualquer coisa material; que esse eu – a alma, pela qual ele era o que era – é completamente distinta do corpo. No argumento: eu penso; logo, eu existo, ele não via verdade alguma além da certeza de que para pensar é preciso existir. Concluiu que poderia tomar como geral a seguinte regra: as coisas que concebemos mui clara e distintamente são verdadeiras. Admitia alguma dificuldade apenas em notar quais as coisas que concebemos distintamente. [O ponto de partida “penso, logo existo” supõe autoconsciência. Abolida esta, não haverá ponto de partida, ponderou David Hume]. Entre as obras de Descartes constam: “Geometria”, “Discurso do Método”, “Meditações” e “Princípios da Filosofia”. Ele viajou à Suécia para ensinar filosofia à rainha Cristina. As aulas começavam às cinco horas da manhã. Quiçá pelo rigor do inverno escandinavo, o filósofo adoeceu e morreu (1650).

Segundo Descartes, há finalidade prática na Filosofia: conhecer para o bem-estar da humanidade (utilitarismo). Discrepa da vulgar zombaria segundo a qual “Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual”. Na opinião de Karl Marx, cabia aos filósofos transformar o mundo e não apenas explica-lo. Na Filosofia, há sempre alguém para sustentar as teses mais absurdas, dizia Descartes. Então, ele decide resolver por si mesmo questões postas pelos filósofos. Para tanto, apela aos preceitos que os geômetras costumam utilizar para chegar às suas mais difíceis demonstrações: (1) nunca aceitar algo como verdadeiro que ele não conhecesse claramente como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção e só fazer constar dos seus juízos o que se apresentasse tão clara e distintamente ao seu espírito que ele não tivesse motivo algum para duvidar; (2) dividir cada uma das dificuldades sob sua análise em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor soluciona-las; (3) conduzir por ordem os seus pensamentos iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, elevar-se pouco a pouco, galgando degraus até o conhecimento dos mais compostos e presumindo uma ordem até mesmo entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros; (4) efetuar em toda parte relações metódicas completas e revisões gerais que lhe dessem a certeza de nada omitir. Tudo se explica em virtude da extensão (existência dos corpos) e do movimento (existência do tempo e do espaço). O nada não produz coisa alguma. A causa primeira contém em si a realidade dos seus efeitos. A alma independe do corpo e é imortal por não estar sujeita às forças destrutivas da matéria. Na busca do conhecimento, Descartes recomenda a seguinte ordem: (1) encontrar os princípios, ou causas primeiras, de tudo quanto existe ou pode existir no mundo, sem nada considerar para tal fim, senão deus que o criou, nem tira-las de outra parte, salvo de certas sementes de verdade que existem naturalmente em nossas almas; (2) examinar quais são os primeiros e os mais comuns efeitos que se podem deduzir dessas causas (céu, terra, água, ar, fogo e outras coisas que são as mais simples e triviais de todas e mais fáceis de conhecer); (3) buscar causas a partir desses efeitos cuja infinidade dificulta a especificação e exige esforço de abstração.         

Cientistas atuais consideram estreita a base do pensamento cartesiano, insuficiente para explicar os fenômenos físicos. Afirmam que o método cartesiano é redutivo e não indutivo; que não há fenômeno simples, pois todo fenômeno é um tecido de relações; que não há substância simples, pois toda substância é uma contextura de atributos; que não há idéia simples, pois toda idéia para ser compreendida deve estar inserida em um conjunto de pensamentos e experiências.

No que tange à Ética, Descartes concebeu para si mesmo as seguintes máximas: (1) respeitar leis e costumes do país em que vive; (2) manter-se fiel à religião; (3) conduzir-se com as opiniões mais moderadas e mais distantes do excesso e que fossem comumente aceitas pelos mais sensatos daqueles com os quais convivemos; (4) ser firme e decidido o mais possível em suas ações; (5) vencer antes a si mesmo do que ao destino; (6) modificar antes os seus desejos do que a ordem no mundo; (7) acreditar habitualmente que nada existe que esteja por completo em nosso poder, salvo os nossos pensamentos. Ele acreditava que deus concedera a cada um de nós alguma luz para diferenciar o verdadeiro do falso, motivo pelo qual devemos chegar às nossas próprias opiniões antes de aceitar as alheias. Os sentidos e a imaginação nada podem garantir sem o auxílio do juízo. O poder de julgar (formular juízos) de modo correto e discernir entre o verdadeiro e o falso, denominado razão ou bom senso, é igual em todos os homens. A diversidade de opiniões não resulta de serem uns mais racionais do que outros e sim de trilharem caminhos distintos e considerarem coisas distintas. Os dados advindos dos sentidos são incertos e por isso devem ser postos em dúvida. Estímulos internos e externos provocam o comportamento dos animais.  

A força da alma é insuficiente sem o conhecimento da verdade. Não há alma tão fraca que não possa – sendo bem orientada – adquirir poder absoluto sobre suas paixões. Estas se resumem em: admiração, alegria, amor, desejo, ódio e tristeza. Destas seis, derivam as demais paixões. Admiração é repentina surpresa da alma que a faz apreciar os objetos que lhe parecem raros e extraordinários. Alegria é agradável emoção da alma; consiste no gozo que ela desfruta do bem que as impressões do cérebro lhe representam como seu. Amor é emoção da alma que tem causa no movimento espiritual que impele o sujeito a se unir espontaneamente ao objeto que lhe parece útil. Desejo é agitação da alma provocada pelos espíritos que a tornam propensa a querer para o futuro as coisas que lhe parecem vantajosas. Ódio é emoção da alma que tem como causa os espíritos que a impelem separar-se dos objetos que se lhe afiguram prejudiciais. Tristeza é languidez desagradável; consiste na indisposição da alma provocada pelo mal que as impressões do cérebro lhe representam como seu. A toda paixão corresponde algum movimento específico dos olhos. {“Os olhos são o espelho da alma”}. O exercício da virtude é excelente antídoto às paixões. A generosidade é excelente remédio contra os excessos da cólera. Todo o bem e todo o mal desta vida derivam das paixões.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 18



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Ao regressar à Inglaterra, Thomas Hobbes publica o Leviatã, livro de enorme repercussão no mundo acadêmico. O título corresponde ao nome do gigante citado na Bíblia (Antigo Testamento livro de Jó, 40: 20), que governava o caos primitivo e empunhava na mão direita uma espada (poder secular) e na mão esquerda um báculo episcopal (poder espiritual). A soberania é a sua alma. Os magistrados são as suas juntas. Os seus nervos são as recompensas e os castigos. A riqueza e a prosperidade dos cidadãos são a sua força. O seu objetivo é a segurança do povo. A justiça e as leis exprimem a sua razão e vontade. A concórdia é a sua saúde, a sedição, a sua doença e a guerra civil, a sua morte. Segundo Hobbes, a origem do Estado é a mesma da sociedade: o contrato não escrito. O Estado (Leviatã) resultou da arte humana. No estado de natureza os homens viviam segundo os seus interesses – e não segundo leis – em uma guerra de todos contra todos. Homem lobo do homem (homo homini lupus). A força e a astúcia eram suas armas. Do estado de natureza eles passaram para o estado civil ao se unirem e se organizarem submetendo seus direitos {a conduta e os interesses de cada um} a um soberano capaz de proteger a todos. Essa decisão coletiva inaugura a sociedade. O poder real, portanto, não provém de deus e sim dos próprios homens, sem limitação alguma. Cada indivíduo transferiu o seu direito à mesma pessoa ou assembléia. Ainda que não fosse parte do ato constitutivo (contrato, pacto, convenção) tal pessoa ou assembléia tornou-se a sede da autoridade soberana com poder absoluto, indivisível, inalienável e imprescritível. O soberano é o senhor da lei e da ordem, do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, da doutrina e da religião, da propriedade e da liberdade. Os homens tudo concederam ao soberano visando à segurança de todos e a paz geral. {Cuida-se da relação inextricável entre obediência e proteção, súdito e soberano. Se faltar obediência, o soberano se desobriga de proteger; se faltar proteção, o súdito se desobriga de obedecer; em qualquer das hipóteses, o Estado dissolver-se-á}. A segurança inclui a garantia da vida, da integridade física e do patrimônio dos súditos, boas leis, honesta distribuição de justiça, igualdade perante a lei e o fisco, caridade pública organizada, trabalho para as pessoas válidas e legalmente capazes, liberdade no silêncio da lei {o que não está proibido pelo soberano, está permitido ao súdito}. Liberdade consiste na ausência de tudo o que impede a ação e que não está contido na natureza e na qualidade intrínseca do agente. {Ausência de obstáculo à ação (fazer, deixar de fazer, ir e vir, dar e receber) e ao pensamento (manifestar sem constrangimento, por todos os meios lícitos)}. No estado de natureza a utilidade é a medida do direito. Natural é o egoísmo e não o altruísmo. Entende-se: (1) por contrato a transferência mútua de direito; (2) por pacto a promessa de cumprir o contrato; (3) por convenção o harmonioso encontro de vontades. O propósito do contrato social é paz compatível com o instinto de conservação. O número de contratantes deve abranger a sociedade civil como um todo a fim de evitar opositores. O pacto social acaba com a guerra. O poder absoluto preserva a paz e impede o retorno à guerra.

A religião é a epilepsia do Estado”. [Esta é a fonte da qual Karl Marx tirou a sua célebre frase: “A religião é o ópio do povo”]. No momento da criação do Estado, a competência para interpretar a escritura sagrada que originalmente pertencia ao indivíduo foi transferida ao soberano que, assim, tornou-se chefe do Estado e da Igreja. Ambas as instituições são temporais. Não há falar em poder espiritual de outro que não seja o rei. Direito político e direito eclesiástico são inseparáveis. Os súditos formam uma unidade nacional sob a autoridade exclusiva do soberano em matéria política e religiosa. A espada e o báculo pastoral estão nas mãos do soberano. Nenhum poder pretensamente espiritual há de rivalizar com o poder do soberano. Os súditos não estão obrigados a servir dois senhores, mas somente ao rei. As pretensões do papa, “fantasma do império romano”, são destituídas de eficácia.

Thomas Hobbes nasceu antes de Descartes e de Spinoza e sobreviveu a ambos. Como esses dois filósofos, Hobbes também acreditava que a geometria era o único método apropriado para se chegar à verdade. Tomou como base dos seus estudos a lei natural de causa e efeito. Negava as idéias inatas. Afirmava que a origem de todo o conhecimento está na percepção sensorial. Recusou o dualismo de Descartes e o panteísmo de Spinoza. Nada existe senão a matéria. Deus e espírito, se existirem, serão substâncias materiais, necessariamente. O livre arbítrio é impossível, pois o homem é um ser determinado pelas leis da natureza e está provido de um mecanismo semelhante à máquina. A sensação nasce do movimento dessa máquina. O movimento que aproxima é amor; o que afasta, é ódio; o que dá prazer é bom, o que traz sofrimento é mau. A morte é o mal supremo. Piedade é a dor provocada pelo infortúnio do outro e pela tomada de consciência de que o mesmo pode acontecer conosco. Felicidade é a constante realização dos nossos desejos. Componente essencial da felicidade é o sentimento da superioridade do nosso poder em relação ao outro. A honra, a riqueza e o conhecimento são componentes desse poder. No ser humano há o desejo incessante de poder que só termina com a morte. A competição entre os seres humanos decorre desse desejo sempre insatisfeito. Razão e cálculo se equivalem. Trata-se de adição e subtração de conseqüências, operação racional provocada pela curiosidade, pelo desejo, pela angústia do futuro e pelo temor do invisível. Hobbes não vê a razão como iluminação divina que une o homem a deus, mas sim como operação mental simples (juízo) ou complexa (raciocínio). O homem deixa de ser o lobo do homem ao passar do estado de natureza para o estado civil. Esta passagem foi possível graças a fatores emocionais (temor à morte violenta, aspiração a uma vida agradável e ao uso da sua própria indústria para atender às suas necessidades) e a fatores racionais (valores éticos revelados pela razão e universalmente aceitos, tais como: justiça, equidade, moderação, misericórdia; fazer aos outros, o que gostaríamos que nos fizessem).

No capítulo intitulado “Estado Cristão”, Hobbes diz que aos mistérios que não são compreensíveis não se aplicam as regras da ciência natural. Muita coisa depende da revelação sobrenatural da vontade de deus que fala ao homem imediatamente ou através de outro homem (profeta ou apóstolo). Por ser homem, o intermediário pode se enganar ou mentir. O ensino da religião estabelecida por deus e a realização de um milagre foram os únicos sinais aceitos pelas escrituras como próprios de um verdadeiro profeta. Como não se produzem mais milagres, restou apenas a doutrina. Os textos apócrifos devem ser extirpados das escrituras, conforme determinação da igreja da Inglaterra. A razão não serve para convencer da verdade dos fatos, mas apenas da verdade das conseqüências {verdade das causas (fé) x verdade dos efeitos (inteligência)}. Segundo Hobbes, por ser chamado “cinco livros de Moisés”, não significa que o Pentateuco foi escrito por Moisés. Na verdade, tais livros foram escritos muito tempo depois da morte de Moisés, sob orientação de Esdras, após o regresso dos judeus do cativeiro da Babilônia. Com exceção de Paulo e Lucas, os demais autores do Novo Testamento foram discípulos de Jesus e seus escritos foram reunidos pelos dirigentes da igreja somente no Concílio de Laodicéia (ano 364). O que torna canônico um livro não é o seu autor e sim a autoridade da igreja. Os homens que escreveram esses livros estavam imbuídos do mesmo espírito: estabelecer os direitos do reino de deus, do pai, do filho e do espírito santo. O reino de Cristo não era deste mundo. Logo, os seus ministros não podem exigir obediência, salvo se forem reis. A missão dos ministros de Cristo neste mundo é levar os homens a crer e ter fé em Cristo. A fé não tem relação alguma com a coerção e a autoridade. Cristo não deu autoridade alguma aos seus ministros para comandar os outros homens neste mundo. A fé é uma dádiva de deus. A missão dos apóstolos e sucessores é pregar o evangelho a todas as criaturas, batizar em nome do pai, do filho e do espírito santo e remir os homens dos seus pecados. Isto com base na suave persuasão e não no poder secular

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 17



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

A Rússia era um país oriental: religião, calendário e alfabeto copiados da cultura bizantina. Alguns dos seus povos mesclavam-se com a linhagem tártara. Pedro, O Grande, conseguiu imprimir um caráter ocidental ao seu reino, inclusive no vestuário, desprezando os costumes antigos (1682 a 1725). Aos membros da Corte ele obrigou o uso do tabaco e do rosto escanhoado (sem barba). Aboliu todos os traços de autonomia local e adotou uma política nacional. Aniquilou a autoridade do patriarca da igreja ortodoxa passando os negócios religiosos para um Sínodo Sagrado sob o seu controle. Pedro transferiu a capital de Moscou para São Petersburgo e conquistou territórios ao longo do Mar Báltico para ter “janelas para o Ocidente”. Decapitou inúmeras pessoas acusadas de conspirar contra o seu governo. Depois de Pedro, destacou-se Catarina II, a Grande (1762 a 1796). Princesa alemã (Sofia de Anhalt-Zerbst), Catarina casou-se com o futuro czar Pedro III, de cujo assassinato foi cúmplice. No rastro de Pedro, o Grande, ela introduziu idéias ocidentais e tornou a Rússia uma formidável potência européia. Sufocou a revolta de Pugashev (1774). Anexou a Criméia (península no sul da Ucrânia, 1783). Obteve o maior quinhão na partilha da Polônia (1792). Dominou a costa norte do Mar Negro. Tomou terras dos camponeses e as entregou aos seus favoritos. Fundou hospitais e orfanatos. Outorgou Carta Constitucional privilegiando a realeza e a nobreza (1785). Considerava-se adepta do iluminismo e se correspondia com filósofos franceses, especialmente com Voltaire.

Jean Bodin, francês culto, professor, jurista, filósofo, introduziu o termo soberania no vocabulário jurídico e político (1530 a 1596). No livro intitulado “República”, ele expõe o conceito de soberania: poder supremo sobre o povo sem restrições determinadas por leis. Esse poder é perpétuo, absoluto, inalienável e indivisível, cuja função primordial é a de ditar e anular leis. Na opinião dele, o governante estava submetido somente às leis de deus, o que implicava respeitar o direito sagrado da família e da propriedade (questão jurídica) e os tratados que assinava (questão moral). Negava o direito de qualquer órgão legislativo limitar o poder do monarca, pois quem governa não pode se submeter às ordens de outrem. Definiu república como o reto e soberano governo de vários lares e do que lhes é comum. O Estado deriva da família patriarcal. Assim, a relação do soberano com os súditos assemelha-se à relação do pai com os filhos: autoridade incontestável. O reto governo significa obediência do monarca às leis divinas, às leis naturais, às leis humanas que forem comuns a todos os povos e às leis fundamentais do reino (lei de sucessão ao trono, lei de inalienabilidade do domínio e lei do consentimento do povo ao tributo). A origem do Estado não é um contrato e sim um fato social pacífico ou violento. Direitos individuais não podem se contrapor aos interesses do governo e aos fins do Estado. Bodin exaltava a monarquia: um só indivíduo deve ser o titular da soberania; esta não deve pertencer ao povo (democracia), nem a uma parcela do povo (aristocracia). A revolução devia ser evitada porque destrói a estabilidade necessária ao progresso social. Bodin foi apelidado de “O Promotor do Diabo” pela perseguição empreendida contra as mulheres classificadas como feiticeiras.

Hugo de Groot (Grotius), holandês, filósofo, escritor, calvinista heterodoxo, foi outro defensor do absolutismo (1583 a 1645). Vivendo no tempo da luta religiosa em França, da revolta dos holandeses e da guerra dos 30 anos, esse pensador sentiu a necessidade de um conjunto de leis que orientasse as relações entre os Estados dentro de um padrão racional e ordeiro. Em sua principal obra intitulada “Do Direito de Guerra e Paz”, ele defende a vigência dos princípios de justiça e moralidade nas relações entre os Estados. Alguns desses princípios ele retirou do jus gentium romano e do direito natural vigente na Idade Média. Todo Estado independente deve ser tratado como soberano, sem consideração do seu tamanho {o território da Holanda, seu país natal, era pequeno se comparado ao da França, da Espanha, da Áustria, da Inglaterra ou da Rússia}. Os Estados são titulares dos mesmos direitos. [Igualdade jurídica de todos os Estados, tese defendida mais tarde por Ruy Barbosa na II Conferência de Paz realizada na cidade holandesa de Haia em 1907]. Segundo Grotius, só autoridade despótica preserva a ordem interna. Na origem do Estado, o povo submeteu-se, voluntária ou compulsoriamente, a um governante a quem deve obedecer cegamente. Assim como o homem livre pode tornar-se escravo de quem quiser (cessão gratuita ou onerosa da liberdade), um povo livre também pode transferir a uma pessoa todos os seus direitos sem reserva alguma. Nem sempre o governo é estabelecido em favor dos governados. Somente na hipótese de o monarca se tornar um tirano é que a resistência ativa do povo será legítima.

[Jean-Jacques Rousseau, em seu livro “Do Contrato Social”, faz severa crítica a Grotius. “Todos podem ver nos capítulos III e IV, do primeiro livro de Grotius, como esse sábio e o seu tradutor Barbeyrac confundem-se, embaraçam-se em seus sofismas por medo de dizer demais sobre o assunto ou de não dizer o bastante segundo os seus pontos de vista, fazendo colidir os interesses que pretendiam conciliar. Grotius, refugiado em França, descontente com a sua pátria e desejando agradar a Luis XIII, a quem seu livro é dedicado, nada poupa para despojar os povos de todos os seus direitos e para deles revestir os reis, com a melhor arte possível”. Arremata dizendo que se Grotius não tivesse aquela preocupação de bajular o rei de França, teria dito a verdade e cortejaria somente o povo. Acontece que “a verdade não leva à fortuna e o povo não dá embaixadas, cátedras ou pensões”].

Grotius rejuvenesce a teoria do direito natural, porém com base na natureza humana (fonte racional e social do direito) e não mais na teologia (fonte divina do direito). “A mãe do direito natural é a própria natureza que nos impele a buscar comércio com nossos semelhantes mesmo que deles nada necessitássemos”. [Sociabilidade natural da espécie humana; pendor para a comunhão de vida ordenada segundo as luzes da razão]. A conduta é moralmente honesta ou desonesta segundo a necessária conveniência ou inconveniência que ela tem com uma natureza racional e social. Agir honestamente, respeitar o bem alheio, reparar o dano causado a terceiros, manter a palavra empenhada (pacta sunt servanda), são regras do direito natural, reflexo da estrutura racional do ser humano, princípios evidentes por si mesmos que viabilizam a paz entre os homens e entre os Estados. A beligerância entre os Estados não deve ser vista como normal e há de ser regulamentada pelo direito natural e por regras válidas universalmente postas pelos Estados com vigência internacional (mesmo na guerra, os homens não devem abdicar do uso da razão). Na definição de Grotius, o Estado é um “corpo perfeito de pessoas livres que se juntaram no propósito de gozar tranquilamente dos seus direitos com os olhos postos na utilidade comum”.   

Thomas Hobbes foi outro apóstolo do governo absoluto (1588 a 1679). Vivendo a revolução puritana na Inglaterra, ele almejava o retorno da monarquia. Na opinião dele, a aristocracia e a democracia não produziam bons frutos. O poder soberano é monolítico. Hobbes não fazia distinção entre sede e exercício da soberania. Durante o conflito entre o monarca e o Parlamento, Hobbes se exila na França (1640 a 1652). Puritano foi o nome do movimento de algumas seitas que se distinguiram dos presbiterianos e que extirparam do seu seio todos os vestígios papistas. {A idéia era purificar a igreja anglicana do espírito de compromisso com a igreja romana}. Muitos membros da Câmara dos Comuns eram puritanos. Em decorrência disto, a divergência transitou da esfera religiosa para a esfera política e daí para a guerra civil na qual Oliver Cromwell foi o grande personagem. Em Paris, Hobbes publica o livro De Cive (“Do Cidadão”) no mesmo ano em que estoura a guerra civil na Inglaterra (1642).  

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 16



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

O mais famoso dos extremistas da revolução francesa foi Maximilién Robespierre, advogado que nomeado juiz criminal em 1782, renunciou ao cargo. Apegou-se à doutrina de Rousseau. Tornou-se o oráculo dos jacobinos, presidiu a Convenção Nacional e foi membro da Junta de Salvação Pública. Justificou a crueldade como necessária ao êxito da revolução. Milhares de cabeças rolaram no curso dessa ditadura, inclusive a do próprio Robespierre, mas ao contrário do propalado pela fantasia de literatos, as ruas de Paris não ficaram vermelhas de sangue, nem os rios atulhados de cadáveres. De setembro de 1793 a julho de 1794 (período do Terror) foram executadas cerca de vinte mil pessoas, menos do que as centenas de milhares que morreram na guerra civil americana e nas guerras napoleônicas. Na segunda fase da revolução a escravatura foi abolida nas colônias, a prisão por dívida e o direito de primogenitura foram extintos, um novo sistema de pesos e medidas foi adotado, os bens dos inimigos da revolução foram confiscados e distribuídos aos pobres e indenizações por perdas de privilégios foram canceladas. Para beneficiar a camada pobre da população, o governo revolucionário tabelou o preço do trigo e de outros gêneros e utilidades; ameaçou com a guilhotina os comerciantes que explorassem os pobres; aboliu o cristianismo, eliminou o domingo cristão e instituiu o culto a razão; criou um novo calendário com início em 22.09.1792, data do nascimento da república. Posteriormente, Robespierre substituiu o culto à razão pelo culto a deus e admitiu a imortalidade da alma. A Convenção Nacional eleita após instauração da república declarou a liberdade de religião e separou Igreja e Estado.

Com a reabilitação da burguesia pela Convenção Nacional e com a promulgação da nova Constituição, a revolução entra na sua derradeira fase. Os adultos alfabetizados conquistaram independente da renda, o direito de escolher os eleitores. A estes cabia escolher os representantes. Para ser eleitor exigia-se renda igual ou superior a de 100 dias de trabalho. O Poder Legislativo era bicameral: compunha-se do Conselho de 500 membros e do Conselho de Anciãos. O Poder Executivo era colegiado: Diretório composto de cinco membros indicados pelo Conselho dos 500 e eleitos pelo Conselho dos Anciãos. A nova declaração dos direitos do homem e do cidadão tinha 35 artigos e figurava na primeira parte da Constituição de 24 de junho de 1793. [A Constituição brasileira de 1988 seguiu esse modelo. A declaração de direitos precede os dispositivos sobre a organização do Estado e dos Poderes]. Babeuf, redator-chefe da Tribuna do Povo, fundador da Sociedade dos Iguais, jacobino radical, considerado o primeiro socialista moderno, rebelou-se contra a nova ordem constitucional por considerá-la burguesa. Pretendia o confisco e a redistribuição da propriedade dos ricos. Todos deviam ter propriedade de igual tamanho. Depois de ação armada sem êxito, Babeuf e seus companheiros foram presos e executados (1797). Esta foi uma derradeira tentativa de fazer da revolução um movimento em favor da camada pobre da nação francesa. O Diretório começou a incidir nos vícios que descontentaram a população: corrupção, cinismo, extravagância, desperdício, frenética luta pela riqueza pessoal. A fome rondava os bairros de Paris. A derrota na guerra agravou a situação política e financeira. Com a crise econômica, a moeda se desvalorizou e levou muitos investidores à falência. Esse quadro negativo adubou o terreno para o golpe de Napoleão Bonaparte em novembro de 1799 (18 brumário) que simbolizou o fim da revolução francesa. Napoleão, que já tinha sido tratado como herói ao defender a Convenção Nacional dos insurretos de Paris em 1795, foi endeusado como general heróico por suas vitórias na Itália e no Egito. Isto facilitou a sua ascensão ao poder.

A revolução francesa produziu efeitos duradouros, tais como: (1) paixão pela liberdade {força propulsora de outras rebeliões entre 1800 e 1850, como o levante dos espanhóis contra José Bonaparte e os distúrbios na Itália, Grécia, Espanha, Bélgica e Polônia}; (2) extinção da monarquia absoluta, do feudalismo, das corporações e da prisão por dívida; (3) enfraquecimento do mercantilismo; (4) separação entre religião e política; (5) escravatura abolida nas colônias; (6) fim da primogenitura; (7) reformas educacionais; (8) codificação elaborada por Napoleão; (9) burocratização e monopólio estatal do exército e da marinha; (10) sistema financeiro instituído para fins civis e militares {revolução financeira}. Entre os efeitos negativos incluem-se: (1) nacionalismo exacerbado, patriotismo fanático e exaltação da raça; (2) espírito belicoso aguçado pelo aumento do efetivo militar e pela corrida armamentista o que gerou maior carga tributária e crescimento da dívida pública; (3) vida humana desvalorizada e banalizada pela mortandade de milhares de pessoas; (4) emigração aproximada de 300 mil franceses para escapar dos horrores da revolução (1789 a 1795).                 

As regiões central e oriental da Europa também tiveram experiência absolutista com os reinos da Prússia, da Áustria e da Rússia. O território da Polônia foi fragmentado pela expansão dessas três monarquias no leste europeu. A czarina Catarina II, acautelada contra os efeitos da revolução francesa, pretendia esmagar os militantes jacobinos em Varsóvia {poloneses simpatizantes da esquerda francesa}. O poder político dessas monarquias incluía força financeira e militar. Isto significava aumento na tributação e empréstimos bancários visando ao desenvolvimento econômico e aos esforços estratégicos. [Inglaterra, Holanda e França criaram bancos estatais em concorrência com as casas bancárias privadas].   

Na Prússia, Frederico Guilherme, contemporâneo de Luiz XIV, instaura o governo absoluto. Pertencia à família Hohenzollern. Organizou exército nacional e aumentou o poder militar. Foi sucedido por seu neto e homônimo que dobrou o efetivo militar inclusive com soldados mercenários (1713 a 1740). O sucessor, Frederico II, entra na categoria dos “déspotas esclarecidos” (1740 a 1786). Dizendo-se o primeiro dos servos do Estado, estabeleceu para si mesmo disciplina espartana: a partir das 5,00 horas da manhã dirigia pessoalmente os negócios públicos. Ele fez da Prússia o Estado mais bem governado da Europa, aboliu a tortura dos criminosos, fundou escolas de ensino básico, fomentou a prosperidade da indústria e da agricultura, tolerou as crenças religiosas.

Na Áustria, o absolutismo floresceu plenamente nos reinados de Maria Teresa (1740 a 1780) e de José II (1780 a 1790). Maria Teresa organizou um forte exército para competir com a força militar das outras nações. Reduziu o poder da igreja e expandiu o ensino primário e secundário. Devotou-se à moralidade cristã. Sucedeu-lhe o filho José, que ampliou as reformas promovidas pela mãe e colocou o seu governo na linha do ideal de justiça. Confiscou terras da igreja, suprimiu mosteiros, concedeu privilégios a judeus e a heréticos iguais aos que desfrutavam os católicos. Ordenou a liberdade dos servos, dispensou-os das obrigações aos senhores feudais e submeteu os camponeses ao serviço militar obrigatório.

Na Rússia, a monarquia absoluta foi constante do século XVII ao século XX. Ivan, o Grande, primeiro czar (1462 a 1505), proclamou a si mesmo sucessor do último imperador bizantino (falecido em 1453). Ele uniu vários principados e estendeu seu governo até o Oceano Ártico e os Montes Urais. Outro czar com o mesmo nome, Ivan, o Terrível, suprimiu os nobres latifundiários, ampliou as fronteiras do reino para o Oriente e para o Sul (1533 a 1584). Imigrantes da região vizinha a Moscou, organizados em bandos paramilitares denominados cossacos, ocuparam as planícies férteis dos vales do Don, Dnieper e Volga, no século XVII. Nesse mesmo século, outros colonizadores se estabeleceram nos desertos da Sibéria, estendendo o governo russo até o Oceano Pacífico.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 15



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Os representantes do terceiro estado (burgueses + artesãos + operários + camponeses) uniram-se liderados por Mirabeau e pelo abade Sièyes, sob o juramento de não se separarem até que fosse promulgada uma Constituição para a França tal como acontecera nos EUA em 1787. Sièyes, em seu livro “Qu´est-ce que le Tiers État?”, formulou a teoria do poder constituinte. O titular do poder constituinte é o povo (terceiro estado) verdadeiro sustentáculo da nação. O poder soberano de organizar o Estado pertence ao povo. Ao governante cabe o poder constituído o que significa governar dentro das regras estabelecidas pelo titular do poder constituinte. O abade qualificava de iniqüidade os privilégios da nobreza e do clero (primeiro e segundo estados). O rei ordenou que os delegados dos dois estados (clero e nobreza) se reunissem com os do terceiro (comuns) em assembléia nacional (27/06/1789).

Em protesto contra a lentidão dos trabalhos da assembléia, os pobres de Paris tomam a Bastilha, estabelecimento prisional que simbolizava a tirania do rei (14/07/1789). Os rebeldes esperavam lá encontrar armas. Encontraram um único homem preso apesar das notícias de prisões arbitrárias. A queda da Bastilha foi o episódio símbolo da revolução francesa; significou o fim do absolutismo em França e o início de uma nova era política. [A derrubada de símbolos é poderoso nutriente moral de um movimento revolucionário. No século XX, a derrubada do muro de Berlim e da estátua de Lenine serve de exemplo]. A massa popular impaciente começou a destruir castelos, a matar seus proprietários, a saquear mosteiros e casas de bispos (julho a setembro de 1789). Atemorizada, a nobreza abre mão dos privilégios. A Assembléia Nacional decretou o fim dos dízimos, das obrigações feudais dos camponeses, da servidão, dos direitos de caça dos nobres, da isenção de tributos, dos monopólios e das corporações. Além disto, a Assembléia proibiu a união de trabalhadores e votou a declaração dos direitos do homem e do cidadão modelada no Bill of Rights da Inglaterra e inspirada nas lições dos filósofos liberais (agosto de 1789). Liberdade, segurança, resistência à opressão e propriedade privada são reconhecidos como direitos naturais do indivíduo.

A revolução francesa foi o clímax de um processo de desgaste do absolutismo, da realeza, da nobreza e do clero. A revolução não resultou do planejamento de um grupo revolucionário e sim de uma notável comunhão de sentimentos e idéias dos campesinos, operários, artesãos e burgueses, cuja maturação gerou um espontâneo movimento de superfície quando surgiu a ocasião. A ideologia foi elaborada por vários filósofos (teóricos políticos e econômicos), transmitida tanto por osmose como por simbiose (inclusive nas lojas maçônicas) e se espalhou pelos países europeus e americanos como verdadeira doutrina ecumênica. Essa revolução teve causas políticas, econômicas e sociais infiltradas de idéias iluministas. {A dívida pública francesa girava em torno de 215 milhões de libras; os juros anuais superavam a receita (14 milhões de libras)}. A Assembléia Nacional confiscou terras da igreja (novembro de 1789) e baixou a Constituição Civil do Clero (julho de 1790). Os bispos seriam nomeados pelo povo e submetidos à autoridade do Estado (secularização da igreja). A igreja da França ficou parcialmente separada da igreja de Roma. Em setembro de 1791, a Assembléia promulga a Constituição política da nação francesa com os seguintes alicerces: (1) monarquia moderada; (2) participação censitária no governo {para votar e ser votado o cidadão devia usufruir certa renda anual}; (3) separação dos poderes {assembléia nacional para legislar, rei para governar segundo a lei e tribunal para solucionar controvérsias à luz do direito}.

A segunda fase da revolução francesa reveste caráter republicano. Começa em agosto de 1792, quando a Assembléia Nacional votou a suspensão do rei e convocou mediante eleição a Convenção Nacional para elaborar nova Constituição (promulgada em junho de 1793). Sob a acusação de conspirarem contra a revolução e alta traição o rei e a rainha foram decapitados em 1793 (ele em janeiro, ela em outubro). O julgamento de ambos foi uma tremenda farsa. O período é conhecido como Terror (1793 a 1794). Representantes extremistas da população de Paris assumiram o comando do movimento. Adotaram a doutrina radical igualitária de Rousseau, abandonando a doutrina liberal de Voltaire e Montesquieu. Essa transição da fase moderada (liberal) para a fase radical (igualitária) deve-se à situação difícil dos operários para proverem o sustento próprio e da família e às regras da Constituição de 1791 que impediam o homem de baixa renda de exercer o direito de voto. Para a transição também contribuíram: (1) os gastos exorbitantes com a guerra contra Prússia e Áustria, aprovada pela Assembléia Nacional em 1792, na qual a França saiu derrotada e Paris ficou ameaçada de invasão pelas forças inimigas; (2) a densa atmosfera social provocada pela beligerância; (3) a violência entre os próprios revolucionários decorrente da divergência interna no seio do movimento. A ala extremista da revolução ocupou o primeiro plano, dominou a Assembléia e aboliu a monarquia. Daí em diante, a Convenção Nacional assumiu as rédeas do governo.

A Constituição de 1793 não vigorou. Os poderes da Convenção Nacional foram prorrogados. A Convenção delegou poderes à Junta de Salvação Pública formada inicialmente por nove membros e aumentada depois para doze. Entre os partidos da Convenção Nacional, dois se destacavam: os gerondinos que ocupavam os lugares à direita do plenário e os jacobinos que ocupavam os lugares à esquerda. Os gerondinos eram moderados, republicanos, democratas, contavam com o apoio das províncias e desconfiavam do proletariado. Os jacobinos eram extremados, discípulos de Rousseau, defensores militantes do proletariado, sobrepunham os interesses de Paris aos interesses das províncias.

Thomas Paine e o Marquês de Condorcet destacaram-se na Convenção Nacional. Paine advogava o fim da monarquia sem a execução do rei. Publicou “Os Direitos do Homem” em 1791, atacando a obra do britânico Edmund Burke “Reflexões sobre a Revolução em França”. Condorcet denunciava os males do absolutismo, do mercantilismo, da escravidão e da guerra. Colocava como escopo da política o fim da miséria, o que podia ser atingido com o fim dos monopólios, dos privilégios, da primogenitura e da transmissão da propriedade a herdeiros. Na opinião dele, essa política permitiria melhor distribuição da riqueza. Condorcet defendeu também a pensão para idosos e a instituição de um sistema bancário cooperativo para proporcionar condições favoráveis de crédito e se posicionou contra a violência. Foi perseguido e morreu no dia seguinte ao da sua prisão (cogita-se de envenenamento).

Marat, Danton e Robespierre foram chefes extremistas. Os dois últimos morreram na guilhotina. Jean-Paul Marat, médico, defensor dos direitos da camada baixa da população contra as camadas média e alta, morreu apunhalado por Charlotte Corday, uma jovem gerondina. George Jacques Danton se destaca no terceiro ano da revolução com discursos incitando as massas à rebelião. Membro da Junta de Salvação Pública, Danton participou da organização do Terror e agiu de modo cruel. Seus adversários na Convenção Nacional condenaram-no à pena de morte. Ele foi guilhotinado em abril de 1794.