terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

JUÍZES & CORRUPÇÃO

A fim de justificar ilegalidades e abusos praticados por juízes e membros do ministério público em operações como as denominadas “mensalão” e “lava jato”, os presidentes das respectivas associações de classe falam em nova e atualizada concepção da aplicação do direito e mudança de paradigmas para tornar a Justiça mais efetiva, principalmente no combate à corrupção e censuram o “Brasil” por resistir a essas novidades.
O curioso é que esses paladinos da moral e do direito recebem do erário vantagens pecuniárias à margem da Constituição, apoiados na pseudolegalidade aberta por resolução de órgão judiciário nacional sem poder legislativo, cuja maioria é composta de magistrados. Travestiram verba remuneratória de “verba indenizatória” como se o subsídio geral não fosse destinado a cobrir as despesas do subsidiado com alimentação, vestuário, moradia, transporte, educação, saúde, lazer. Esqueceram: [I] que, na contraprestação do serviço, remuneração é o gênero do qual são espécies: (i) o salário do trabalhador (ii) o subsídio do agente público (iii) o soldo do militar (iv) o honorário do profissional liberal (v) o dízimo do pastor (vi) o penduricalho (gratificação, adicional, abono, prêmio, diária, representação, ajuda de custo); [II] que, exceto o subsídio, a Constituição veda, ao membro de Poder, qualquer outra espécie remuneratória (CR 39, § 4º, “in fine”).
A Justiça tonar-se-á mais efetiva e respeitada se nos tribunais ordinários e superiores: [I] os juízes cumprirem os prazos legais e regimentais, não pedirem vistas protelatórias e nem engavetarem processos [II] houver prioridade e trâmite célere das garantias constitucionais (habeas corpus, mandado de segurança) [III] em se tratando de habeas corpus, ainda que o processo respectivo não conste da pauta dos julgamentos, qualquer dos juízes avocá-lo durante sessão plenária e provocar o colegiado para, de ofício, conceder a ordem (CPP 654, § 2º).
Haverá maior produtividade se os juízes: [I] dedicarem-se exclusivamente à judicatura (II) forem mais assíduos e pontuais (III) não se afastarem da jornada judicante para lecionar, dar palestras, fazer turismo oficial, cuidar dos seus institutos, fazendas e outros negócios. 
Retardar indevidamente ato de ofício para satisfazer interesse ou sentimento pessoal é considerado crime contra a administração pública (CP 319). No entanto, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nega-se a incluir na pauta dos julgamentos ações e recursos (summa injuria: inclusive habeas corpus!) que versam presunção de inocência, prisão e liberdade dos cidadãos e que, por isto mesmo, exigem rápida solução. O desplante da ministra deve-se à certeza da sua impunidade, pois quem irá processá-la criminalmente? Quem representará contra ela administrativamente? Quem se atreverá a postular o seu impeachment? Esta é a grave consequência da decisão do STF, em causa própria, de excluir os seus ministros do controle disciplinar do Conselho Nacional de Justiça, contrariando a letra e o espírito da norma constitucional (CR 103-B, § 4º). No plano dos fatos, os ministros são livres para violar normas penais e administrativas sem o risco de responder judicial e politicamente por suas ações e omissões.   
A Justiça, aqui entendida como aparelho estatal de segurança pública composto de polícia, ministério público e magistratura, tem sido eficaz no combate à corrupção quando os investigados e os réus são pessoas comuns. As pessoas do alto escalão da república e da sociedade eram intocáveis. Buscou-se, então, neste século XXI, incluir os intocáveis na persecutio criminis e, assim, democratizar a punibilidade. O inicial e elevado propósito foi desvirtuado. Sob o pretexto de combater a corrupção e a impunidade dos intocáveis, a Justiça virou instrumento de perseguição política, visou fins eleitoreiros, praticou arbitrariedades, promoveu espetáculo para enaltecer inquisidores e obter aprovação nacional e internacional.
Vigora o princípio da legalidade. Mudança de paradigma na esfera penal (mudança nos procedimentos) há de ser precedida de lei sintonizada com as garantias constitucionais, o que não aconteceu. Policial, promotor, juiz, não podem efetuar mudanças por sua livre e caprichosa vontade. A pretensa “nova” concepção da aplicação do direito e o pretenso “novo” paradigma são na realidade: (i) embuste dos agentes da Justiça (ii) desavergonhada aplicação do lawfare (iii) equivocada aplicação da teoria do domínio do fato (iv) submissa importação das ideias e práticas dos EUA incompatíveis com a cultura jurídica brasileira.
A resistência às “novidades” referida pelos juízes colonizados, vem de parcela da população brasileira, de partidos da esquerda, de jornalistas, de notáveis juristas e intelectuais. Resistem porque tais inovações configuram fraude escandalosa e destoam da lei e da jurisprudência. A resistência ainda investigará a veracidade da notícia de que do total das propinas, a parcela maior não foi recuperada e da parcela menor recuperada coube uma fração aos paladinos, outra fração aos delatores (Youssef & Cia.) e a fração restante, à Petrobras.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

AVISO

AVISO AOS NAVEGANTES.

O meu segundo blog tem novo endereço:

www.antonioslima.net

Boa navegação.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

OS INSACIÁVEIS

Os juízes federais pressionam o Supremo Tribunal Federal (STF) visando ao julgamento da questão do auxílio-moradia marcado para o dia 22/03/2018. O presidente da associação dos juízes federais (Ajufe) consulta os associados se concordam em paralisar os trabalhos no mês de março/2018. Diz, ainda, que: (i) o STF deve incluir no julgamento os juízes estaduais que também recebem vantagens pecuniárias (ii) o STF deve declarar o que pode e o que não pode ser pago aos juízes (iii) que o pleito judicial visa a valorização da carreira.  
A Ajufe não pressiona o STF para resolver as questões (i) da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (ii) da parcialidade, dos abusos e arbitrariedades dos juízes federais no âmbito da operação lava jato (iii) da impunidade desses juízes.
A ameaça de greve rebaixa social e moralmente a magistratura. Socialmente, porque se nivela aos procedimentos reivindicatórios dos trabalhadores do setor privado e dos agentes administrativos do setor público, abandonando a sua essencial e relevante posição política e institucional na república. Moralmente, porque motivada por sentimentos mesquinhos e ambição desvairada na busca de vantagens em dinheiro (enriquecimento sem justa causa).
O preceito constitucional que permite greve no serviço público ainda não foi regulamentado (CF 37, VII). Por decisão do STF, aplica-se a lei que regula a greve no setor privado. O direito de greve, pois, não se estende aos agentes políticos (legisladores, chefes de governo, ministros, secretários de governo e magistrados) e tampouco aos agentes administrativos que exercem funções essenciais (segurança pública, saúde e educação públicas, abastecimento de água, setores de energia e telecomunicações). Outrossim, o estado não pode parar de funcionar, sob pena de gerar o caos social. Cuida-se do princípio da continuidade contrário à interrupção do serviço público e favorável ao atendimento das necessidades e utilidades básicas da população. Vinculado a esse princípio, o servidor público tem o dever de prestar o serviço na forma da lei, dever tão crucial para a sociedade que a sua violação chegou a ser tipificada como crime contra a segurança nacional.
O quê os juízes federais reivindicam para justificar a greve? Pagamento dos penduricalhos. Reivindicação imoral e inconstitucional. Todos os tribunais sabem perfeitamente o que os juízes “podem e não podem ganhar”. Os magistrados conhecem direito e sabem ler e interpretar normas do ordenamento jurídico. Para saber o que podem ganhar, basta ler o §4º, do artigo 39, da Constituição Federal: “O membro de Poder, o detentor (...) serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (...)”. Dessa leitura, verifica-se que a remuneração dos juízes consiste num único subsídio mensal, excluído todo e qualquer penduricalho. Nenhum juiz pode ganhar mais do que o subsídio mensal fixado para os ministros do STF (CF 93, V). As vantagens arroladas no artigo 65, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional de 1979, foram revogadas (não foram recepcionadas) pela Constituição Federal de 1988.         
A Ajufe pretende a “valorização da carreira” pelo ângulo argentário. No entanto, a remuneração de um juiz de direito em início de carreira é superior à renda mensal de 99% dos brasileiros. Nada mal. Outrossim, a carreira já é valorizada: (i) por sua destacada posição na estrutura do estado (ii) pelas  garantias e prerrogativas deferidas aos magistrados (iii) pela seleção dos juízes mediante concurso público.
Além dos aspectos institucional e cultural da valorização da carreira, havia o aspecto moral que, hoje em dia, é o calcanhar de Aquiles da magistratura. Ações e omissões de juízes em casos como “mensalão” e “lava jato” revelam parcialidade, desonestidade, falta de serenidade. O tráfico de influência no concurso público exclui candidatos bem qualificados e inclui apadrinhados. Esse tráfico é bem maior quando o preenchimento de vagas nos tribunais independe de concurso público. Nesse caso, os escolhidos entram pela janela e passam a integrar o grupo dos politiqueiros e dos barnabés de toga. Tudo isto desvaloriza moral e socialmente a carreira dos juízes.




terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

INOCÊNCIA

A ausência de culpa caracteriza o estado de inocência no qual a pessoa permanece desde o nascimento até interagir na família e na sociedade e adquirir a noção do bem e do mal, do certo e do errado, do permitido e do proibido, do lícito e do ilícito. Ao praticar intencionalmente o mal, o errado, o proibido, o ilícito, como conceituados e compreendidos no meio em que vive, a pessoa sofre, ou arrisca-se a sofrer, consequências desagradáveis (repulsa, isolamento, punição). Enquanto lhe faltar discernimento e não entender o caráter ilícito da sua conduta, a pessoa é considerada inimputável, ou seja, não se lhe pode, juridicamente, atribuir responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer. A lei brasileira considera inimputáveis também os menores de 18 anos. 
A experiência social e política dos povos europeus secretou a presunção de inocência em favor das pessoas imputáveis assim enunciada: “Todos são inocentes até prova em contrário”. A sua origem histórica fundada no reconhecimento da dignidade da pessoa humana está documentada na Magna Charta Libertatum (1215) e na Petição de Direitos (1628), ambas da Inglaterra, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da França. Essa presunção consta como garantia constitucional em países europeus (Alemanha, Áustria, Itália, Bélgica), em países asiáticos (China, Japão, Índia, Israel), em países americanos (Brasil, México, Uruguai, Venezuela); consta também de documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969). São admitidos direitos naturais à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e de resistência à opressão, que limitam o poder dos governantes.
Produtos da civilização ocidental, a presunção de inocência e o postulado do devido processo jurídico figuram como garantias fundamentais dos cidadãos. Esses dois axiomas da ciência jurídica resultaram da necessidade de: [i] proteger a liberdade e o patrimônio moral e econômico das pessoas [ii] frear abusos cometidos por legisladores, chefes de governo, juízes, promotores, policiais.
Presumir significa conjecturar, supor, cogitar probabilidades. A presunção opõe-se à certeza e paira no estado mental da dúvida e da opinião. A presunção de inocência não significa que o acusado seja de fato inocente e sim que ele deve ser tratado como se fosse inocente. Cuida-se de respeito à dignidade humana e de cautela ante a probabilidade comprovada pela experiência histórica de: (i) falha nos julgamentos humanos (ii) decisões parciais, vingativas e cruéis (iii) gravíssimas consequências para a vida, a saúde, a liberdade e o patrimônio das pessoas, decorrentes de precipitadas, abusivas e injustas atitudes das autoridades públicas.  
No direito comparado, verifica-se que: (i) o limite da presunção de inocência é a sentença penal condenatória independente do seu trânsito em julgado (ii) o julgamento deve ser regular, precedido de todas as cautelas processuais. O devido processo jurídico consiste nessas cautelas e regularidade, nas regras previamente estabelecidas em lei, nas garantias do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural. Na sentença penal condenatória o juiz declara o réu culpado e expede o mandado de prisão. A convicção do juiz provém das provas idôneas produzidas na regular instrução processual. A certeza brotada da sentença é provisória, substitui a presunção de inocência até ser examinada na superior instância. Na hipótese de arbitrariedade do julgador, o réu dispõe do habeas corpus para se defender com maior rapidez perante a instância superior.
No direito brasileiro, esse panorama mudou com o advento da Constituição Federal de 1988. O espaço da presunção de inocência foi estendido até o trânsito em julgado da sentença penal. A certeza gerada pela sentença condenatória de primeiro grau tornar-se-á definitiva só depois de esgotados todos os recursos. Enquanto isto não acontecer, o réu, graças à garantia constitucional, não pode ser considerado culpado; logo, não pode ser privado da liberdade, pois quem não é culpado não deve ser punido. A pena estabelecida na sentença deve ser cumprida só depois de não restar dúvida sobre a regularidade do processo e a culpa do réu. Essa dúvida metódica é definitivamente espancada depois do derradeiro grau de jurisdição.   
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016, contornou essa garantia constitucional e reduziu o espaço da presunção de inocência. Agora, a garantia vigora só até a decisão de segundo grau que condenar o réu. A partir daí, prevalece o interesse da sociedade na punição sobre o interesse do condenado na absolvição. A pena é executada enquanto o condenado discute a questão de direito nas instâncias especial e extraordinária. Na hipótese de a decisão nas instâncias ordinárias ter sido teratológica, ou simplesmente contrária à Constituição, o réu poderá, mediante habeas corpus, obter a suspensão da pena até o julgamento final dos recursos.
Sem poder constituinte legítimo (cujo titular é o povo) o STF restringiu o alcance de norma constitucional de ampla extensão categorizada como cláusula pétrea da Constituição. Segundo os votos vencedores naquela sessão (Fev/2016), a presunção vigora só até a decisão de segundo grau. Segundo os votos vencidos, a presunção vigora até o trânsito em julgado da sentença (quando exauridos todos os recursos).
Compreensível a preocupação com a impunidade dos criminosos. A demora em prestar tutela jurisdicional poderá causar a extinção da punibilidade pela prescrição. Todavia, os abusos verificados nos episódios do “mensalão” e da “lava jato” (2005/2018) mostraram à nação brasileira o acerto do legislador constituinte originário e legítimo (1987/1988) ao estender a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. A imediata execução da pena, antes de a sentença transitar em julgado, tornou-se grave e constrangedora ameaça aos direitos dos cidadãos brasileiros depois daqueles censuráveis episódios.
A confiança do povo na honestidade, imparcialidade e serenidade dos juízes baixou de modo vertiginoso. As decisões judiciais tendenciosas, vertendo ódio, as ginásticas cerebrinas dos agentes do ministério público e dos juízes motivadas por preferências políticas partidárias, revelaram graves defeitos de caráter. A segurança dos jurisdicionados foi negligenciada. Haverá alguma segurança ainda, se antes da execução, os decretos condenatórios forem examinados pelos tribunais superiores (STJ e STF). Fica mal, muito mal, o Poder Judiciário coonestar patifarias. Melhor, muito melhor, para a nação brasileira, o risco da prescrição do que a prisão de pessoas inocentes. 

sábado, 17 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO

Intervir significa fazer algo por iniciativa e autoridade próprias que a outrem competia fazer. A Constituição da República Federativa do Brasil admite a intervenção federal nos estados, decretada pelo presidente da república, e a intervenção estadual nos municípios, decretada pelo governador do estado, nos casos nela especificados.
No dia 16/02/2018, o presidente da república, com assentimento do governador, decretou a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro visando a proteger a ordem pública.
O decreto está formalmente correto. A menção à natureza militar do interventor contida no parágrafo único do artigo 2º, do decreto, não o invalida. Cuida-se de ênfase, ainda que excessiva, à ocupação do cargo por militar, posto que o cargo de interventor pode ser ocupado por civil. Trata-se de decisão do exclusivo arbítrio do presidente. Na forma da Constituição, o presidente estabeleceu o prazo da intervenção (até 31/12/2018), as condições da sua execução e nomeou interventor.
A novidade está na amplitude da medida. Geralmente, o presidente afasta o governador e o interventor nomeado assume inteiramente o governo. Agora, neste episódio, o decreto reduziu essa amplitude e limitou a área da intervenção à segurança pública. As demais áreas permanecem sob a administração do governador. No prazo constitucional, o presidente da república submeteu o decreto à apreciação do Congresso Nacional.
Podemos e devemos questionar os motivos da decretação do ponto de vista político e social. No entanto, se não houver prova da prática de crime de responsabilidade, ou do descumprimento do devido processo jurídico, nada pode ser feito para anular o decreto. A suspensão da vigência do decreto cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, cuja decisão é de natureza política por excelência, ou seja, prevalecem as razões de oportunidade e conveniência para manter ou revogar o decreto (CR 49, IV). Nesse foro parlamentar, os motivos da decretação devem ser discutidos.
Havia real necessidade da intervenção? Há notícia de que a violência no carnaval do Rio foi menor do que a do ano anterior. Escola de samba criticar o governo no desfile é fato comum e adequado ao regime democrático e à liberdade de expressão. Responder com força militar é antidemocrático. A guerra entre gangues vem de longe, o que não justifica a pressa da medida (que se matem, desde que não ameacem a vida, a integridade física e o patrimônio das demais pessoas).
A intervenção sob chefia militar foi decretada como represália à ameaça do povo de descer o morro caso Lula seja preso? Nesse caso, seria uma intervenção federal preventiva e igualmente ameaçadora, que faz do exército uma caricatura.
A medida foi decretada para poupar o presidente da república de uma derrota imediata no Congresso Nacional no que tange à proposta de reforma da previdência social? Nesse caso, como no anterior, a intervenção terá sido maliciosa e desnecessária.
A intervenção com ênfase no caráter militar foi recado aos oposicionistas de que o presidente recebe o apoio incondicional das forças armadas para permanecer no governo e impedir a realização das eleições de 2018? A hipótese é viável tendo em vista o golpe de 2016, porém, sua efetivação é pouco provável, pois ainda é incerta a concordância dos militares e muito certa e enorme a rejeição dos eleitores ao nome do presidente, assim como certo e enorme é o descontentamento do povo com o seu governo.
O Congresso Nacional decidirá se qualquer desses motivos é suficiente para autorizar a intervenção.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

LUXO & POBREZA


“Pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual” [Joãozinho Trinta, carnavalesco de Nilópolis/RJ, ao ser questionado sobre o contraste entre o luxo da escola de samba (Beija-Flor) e a pobreza da comunidade]. O nome da cidade é homenagem a Nilo Peçanha, mulato pobre, filho de padeiro, nascido em Campos dos Goytacazes/RJ, que se bacharelou em direito, governou o antigo Estado do Rio de Janeiro e presidiu o Brasil. Afonso Pena morreu antes de terminar o mandato (1909). Nilo assumiu a presidência da república por ser o Vice-Presidente (1909-1910). Com o nome dele também há uma avenida na Esplanada do Castelo, centro da cidade do Rio de Janeiro.      
Miséria é o grau máximo da pobreza material e imaterial, como descrita na literatura (“Os Miseráveis”, Victor Hugo) e discutida na seara ideológica (“Filosofia da Miséria”, Proudhon versus “A Miséria da Filosofia”, Marx). Durante trinta anos eu vivi na pobreza. De perto, vi a miséria sem nela viver. Muito trabalho e estudo desde a infância, múltiplas dificuldades, mas, também, momentos de prazer, alegria e diversão, ainda que breves. Dessa experiência – e não apenas dos livros, documentários e vida acadêmica – extraio a minha opinião de cunho sociológico.
O luxo não preocupa o pobre. A casa do pobre, quando muito, ornamenta-se com o quadro de Jesus e/ou de um guia espírita como o Dr. Leocádio, imagens de santos, retrato dos avós, calendário. No seu realismo existencial, pobre luta muito pela sobrevivência, mas também gosta da beleza nas pessoas e nas coisas. A mulher pobre gosta de se banhar, perfumar-se, pintar as unhas, arrumar-se, exibir seus dotes físicos e intelectuais. Pobre gosta de rir, cantar, dançar, contar e ouvir piadas e se divertir. Pobre gosta de estar com as necessidades materiais satisfeitas, ser proprietário da modesta casa em que mora, do automóvel de segunda mão, do terreno de dois hectares na zona rural para criar o alazão, o cachorro, vaca leiteira, galinha, plantar verdura, legume, feijão, milho, videira, árvore frutífera. Pobre gosta de conforto, manter a casa limpa, mobiliada, equipada com fogão, geladeira, telefone, televisor, rádio, rede na varanda.
Pobre quer sua casa provida de água encanada, luz elétrica, banheiro com chuveiro, vaso sanitário com descarga e rede de esgoto, quintal com jardim e horta, ou morar em edifício de apartamentos que não seja favela vertical. Pobre quer suficiência de alimentos, roupas, calçados e remédios; atendimento atencioso, pronto e eficiente de médicos e hospitais; filhos saudáveis, bem nutridos, matriculados em escolas com material escolar de boa qualidade e professores qualificados, dedicados e bem remunerados. Pobre quer facilidade de crédito e desburocratização para abrir negócio próprio; ampla oportunidade de emprego, salário que permita digno padrão de vida, empregadores que respeitem o empregado e obedeçam as regras de direito; meios de transporte que lhe permitam deslocar-se com segurança de casa para o trabalho e vice-versa. Pobre quer condições econômicas para: (i) viajar a recreio, inclusive de avião e navio (ii) ir ao cinema, ao teatro, ao espetáculo artístico (iii) reunir-se no final de semana com os amigos para conversar, tomar umas e outras enquanto soluciona os problemas do país, escala a seleção brasileira e explica a melhor tática para ganhar a copa (iv) tocar flauta, violão, cavaquinho, bandolim, pandeiro, fazer roda de samba, festa e seresta.
Luxo (ostentação, magnificência) não contribui para a felicidade do pobre. A sabedoria popular deixa o luxo para o rico, como sugere a canção do Ataulfo Alves: “Chora doutor, chora/ eu sei que o medo de ficar pobre lhe apavora/ O senhor tem palacete pra morar/ e eu um bangalô e um amor/ ah, doutor, ah doutor/ eu só não quero ter a vida do senhor”. 
A elite social e econômica generaliza e confunde pobreza com indigência intelectual e moral. Imagina o pobre ignorante, sujo, promíscuo, vagabundo, desprovido de senso ético e estético, manobrado e explorado por padres, pastores evangélicos e políticos oportunistas. A elite intelectual está perto dessa estrábica visão ao defender o pobre por comiseração, isto quando não o acusa de fraqueza de vontade, preguiça, passividade cristã retrógrada. Darcy Ribeiro, notável antropólogo brasileiro, numa entrevista concedida a um canal de televisão, contou que se surpreendeu e ficou admirado quando a sua acompanhante estrangeira – quiçá gringa loira (ele não explicou) – empolgou-se com a sensualidade de um vendedor ambulante pobre e moreno que trabalhava na praia se deslocando pela areia.
O pobre, o intelectual e o rico são seres estruturados de carne, osso e mente, submetidos às mesmas leis da natureza, todos com os mesmos atributos naturais: pensamento, sentimento, vontade, linguagem e movimento; com as mesmas necessidades naturais: ar, água, alimento, abrigo e amor; com a mesma fisiologia, apesar de alguma diferença na qualidade das substâncias ingeridas e expelidas. O pobre tem consciência social, moral e espiritual. O menos pobre discrimina o mais pobre, assim como o negro mais claro discrimina o negro mais escuro. Para o pobre, riqueza material superior às necessidades e às utilidades básicas é remota possibilidade, aspiração que a loteria pode concretizar. No entanto, para o rico, a riqueza material é uma obsessão e opressiva realidade. A desonestidade do pobre é condenada; a do rico, elogiada. A crença religiosa escraviza mais o pobre do que o rico. O senso de justiça e o senso ético são mais agudos no pobre do que no rico. Mais do que o rico, o pobre valoriza a verdade, a honestidade, a bondade e a piedade (ainda quando não as pratica). Talvez por isto, Jesus, o Cristo, tenha dito que era mais fácil uma corda passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino de deus. O pobre educa os filhos dentro dos preceitos éticos e religiosos com mais rigor do que o rico. As convenções sociais impressionam mais o pobre do que o rico. O pobre aprecia muito ser visto e respeitado como pessoa e como cidadão.
A cidadania do pobre ampliou-se a partir dos séculos XVIII (revolução francesa) e XIX (revolução industrial) na Europa e na América. Contribuíram para essa expansão: o alargamento do espaço da liberdade e da igualdade, a organização dos trabalhadores em sindicatos, a conquista dos direitos trabalhistas, a formação de partidos de esquerda, a multiplicação dos meios de comunicação, a reorientação e o apoio da igreja católica. Os comerciantes e os industriais também se organizaram. Apegados ao seu capital e ao seu lucro, eles resistem com firmeza e persistência ao avanço dos direitos dos trabalhadores e à melhoria do padrão de vida dos pobres. No confronto com os trabalhadores, os empresários recebem apoio dos poderes do estado. As corporações da indústria, do comércio, da agricultura, ditam a política econômica e social aos legisladores, administradores e juízes, o que gera insegurança à classe trabalhadora e vantagem à classe empresarial.
Máxima dos donos do poder (banqueiros, empresários urbanos e rurais, barões do império da comunicação): “Para nós, tudo de bom; para os pobres, as migalhas”.   
Máxima da massa popular (pobres e trabalhadores): “Para nós, bem-estar, dignidade e felicidade; para a elite, o luxo”.          

sábado, 10 de fevereiro de 2018

AUXÍLIO-MORADIA

A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) levantou, por escrito, questão de ordem perante o Supremo Tribunal Federal pedindo a retirada da pauta de julgamento do processo atinente ao auxílio-moradia dos magistrados e que lhe fosse aberto prazo para replicar a contestação e apresentar contrarrazões ao agravo regimental. A requerente penitencia-se por não haver provocado o tribunal no devido tempo. Atribui o lapso à “defesa técnica”. 
Causa espanto a falta de vergonha da magistratura nacional na atualidade. O relator, ministro Fux, foi juiz de direito. Portanto, sabe que ao receber contestação que junta documentos, deve ouvir o autor da demanda. O despacho usual é "em réplica" ou "diga o autor". A Ajufe, se bem intencionada estivesse, já teria apresentado a réplica e as contrarrazões simultaneamente com a “questão de ordem”. Ao interpor esse pedido esdrúxulo, a Ajufe demonstrou conhecimento inequívoco da contestação e do agravo regimental, o que dispensa intimação específica. A intempestividade seria apreciada pelo relator. Referir-se à “defesa técnica” como justificativa da demora para intervir no processo é um escárnio. A postulação da Ajufe tem um nome no vocabulário forense: chicana. Que autoridade moral têm agora os magistrados para censurar os advogados chicaneiros? Nenhuma. Segundo conhecido brocardo, o direito não socorre quem dorme. Se o postulante perdeu o prazo, não pode mais recuperá-lo. O processo judicial marcha para frente e não para trás. A penitência do postulante não tem o condão de mudar a marcha processual e de afastar a perempção (extinção do direito de praticar o ato por haver se esgotado o prazo).
Ao requerer a retirada do processo da pauta de julgamento, a Ajufe pretende protelar a solução do caso, o que renderá ganhos adicionais aos juízes por mais algum tempo. A questão já estava engavetada por alguns anos sob os cuidados do ministro Fux. Ainda insatisfeita, a Ajufe quer mais. Os juízes esperam não devolver o que receberam ilegalmente. Marcelo Alencar, então governador do Estado do Rio de Janeiro, pressionado pelo Tribunal de Justiça, dizia que os juízes são insaciáveis.      
A justiça federal adotou o lawfare com um descaramento sem precedentes na história do judiciário brasileiro. A magistratura tornou-se safardana. Os magistrados que recebem o vergonhoso benefício, muitos deles morando em casa própria nas capitais dos estados, alegam apoio na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Pura malandragem. A LOMAN foi publicada em março de 1979. A vigente Constituição da República é de 1988. O direito posterior revoga o direito anterior. Os artigos 61 a 65, da LOMAN que tratam dos vencimentos e das vantagens pecuniárias dos magistrados foram revogados pelo inciso V, do artigo 93, combinado com o § 4º, do artigo 39, ambos da Constituição. A nomenclatura mudou de “vencimentos” para “subsídio” fixado em parcela única, vedado acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação, ou outra espécie de remuneração.
Os tribunais, para aumentar a remuneração dos magistrados acima do teto constitucional, valeram-se dos dispositivos da LOMAN não recepcionados pela Constituição, entre os quais, o artigo 65 da citada lei: “Além dos vencimentos, poderão ser outorgados, aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: I – ajuda de custo para despesas de transporte e mudança; II – ajuda de custo para moradia, nas comarcas em que não houver residência oficial para juiz, exceto nas capitais; III – salário-família; IV – diárias; V – representação; VI – gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral; VII – gratificação pela prestação de serviço à Justiça do Trabalho nas comarcas onde não forem instituídas Juntas de Conciliação e Julgamento; VIII – gratificação adicional de cinco por cento por quinquênio de serviço, até o máximo de sete; IX – gratificação de magistério por aula proferida em curso oficial de preparação para a magistratura ou em escola oficial de aperfeiçoamento de magistrados (...) exceto quando receba remuneração específica para esta atividade; X – gratificação pelo efetivo exercício em comarca de difícil provimento (...).
Aproveitaram-se da expressão “nos termos da lei” para obter vantagens pecuniárias estabelecidas em normas posteriores à Constituição de 1988. Tais normas, evidentemente, frutos da malícia, colidem com a vedação constitucional. Expedientes desse tipo desmoralizam a magistratura nacional.     
Em 1987, ainda no serviço ativo como juiz de direito do Estado do Rio de Janeiro, eu enviei à Assembleia Nacional Constituinte, 16 propostas, entre as quais, a que mudava vencimentos para um único subsídio e acabava com os penduricalhos. A proposta foi acolhida e lançada no texto da nova Constituição (1988). Os valores de todos os penduricalhos, tomados como referência os mais altos, foram incorporados ao subsídio único dos juízes fluminenses, evitando redução dos ganhos e até aumentando um pouco os ganhos daqueles magistrados que recebiam menos quinquênios. Portanto, além da inconstitucionalidade, afigura-se altamente imoral os magistrados receberem novamente as vantagens abolidas pelo legislador constituinte.    

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

DRÁGEAS

Nascer neste planeta é: (i) padecer com intervalos curtos de felicidade (ii) buscar o sentido da vida quando não há sentido algum (iii) criar ilusão e viver de esperança.

Chegou o progresso aqui no meu rincão. Não posso mais deixar o portão aberto.

As “águas de março”, apressadas, chegaram em dezembro (2017), continuaram a cair em janeiro e fevereiro (2018) aqui no meu rincão (Penedo/Itatiaia/RJ).

Nossas necessidades primárias são cinco como os dedos da nossa mão:  ar + água + alimento + abrigo + amor. Tudo o mais é secundário. Sem o ar, morremos em poucos minutos; dele necessitamos para a combustão interna do nosso organismo. Sem a água e sem o alimento, morremos em poucos dias; deles necessitamos para hidratar e nutrir o nosso organismo. Sem o abrigo, ficamos expostos à agressão externa provocada pela natureza (intempérie, feras) ou pelo homem (assalto, lesão, assassinato). Sem o amor, a relação sexual é selvagem, não há momentos felizes, nem simpatia, solidariedade e fraternidade. Amar os humanos é humanismo. Amar a si próprio é egoísmo. Amar o outro é altruísmo.  

Os humanos não querem apenas respirar, mas também perscrutar a abóbada celeste, voar como os pássaros, varar o espaço com mísseis e aeronaves. Os humanos não querem apenas se dessedentar, mas também desviar o rio, pescar, navegar, represar a água para produzir energia. Os humanos não querem apenas se alimentar, mas também produzir o alimento por meios naturais e artificiais, disputar o mercado, lucrar com a escassez do produto e a necessidade do outro. Os humanos não querem apenas se proteger das intempéries e da ferocidade dos animais racionais e irracionais, em cavernas, cabanas, barracos, chalés, bangalôs, mas também construir casas grandes, belas e confortáveis, palácios, altos edifícios, casamatas e túneis.

Para se proteger: (i) da escuridão e do frio, os humanos produzem luz, calor e agasalhos (ii) das trevas da ignorância, constroem escolas e preparam professores (iii) da doença, constroem hospitais, fabricam remédios e preparam médicos (iv) da desordem, constroem presídios, organizam a prevenção e a repressão, elaboram leis, celebram contratos.

Os humanos não querem apenas procriar e trabalhar, mas também se divertir, viver em harmonia e paz, inventar métodos e criar meios para realizar esses propósitos.     


sábado, 3 de fevereiro de 2018

CENSURA

Na cerimônia de abertura do Ano Judiciário (1º/02//2018) ocuparam a mesa principal a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e três indivíduos comprovadamente envolvidos em situações ilícitas: os presidentes da república, da câmara dos deputados e do senado federal. Carmen Lúcia, presidente do STF, disse, no seu protocolar discurso, que as decisões judiciais devem ser discutidas pelas vias legais adequadas, sendo inaceitável e inadmissível desacatar a Justiça, agravá-la, ou agredi-la por outras vias.   
Calma-te, Carmencita! “Por que no te callas ?” ordena el rey de España. Mujer: tu no és reina de Brasil. Tu puedes hacer lo que quieras, solo no puedes cerrar las puertas de la libertad al Pueblo.
A Constituição brasileira garante a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença [CR 5º, IV e IX]. As decisões judiciais podem ser criticadas fora do processo por quem dele não é parte. O decano do STF, ministro Celso de Mello, já afirmou, em sessão plenária, que criticar juízes e tribunais tem amparo constitucional, por mais duras que sejam as críticas.   
Desacato à Justiça é figura de retórica, sem tipificação penal, que se encaixa na ameaça velada contida no discurso da presidente para proteger a magistratura de qualquer crítica. Desacato a funcionário público é figura tipificada no código penal [Art. 331]. A regra protege o funcionário contra ofensas físicas e morais quando ele está no exercício da função pública. Todavia, a regra não incide na hipótese de crítica feita sem a dolosa intenção de injuriar, difamar ou caluniar. Agredir a Justiça também é expressão retórica da genérica e velada ameaça. De que agressão fala a presidente: física, moral, ambas? Quem são os agredidos: a instituição, os magistrados, os funcionários, as instalações? Quem são os agressores: o povo, os advogados, as associações civis?  Agravar a Justiça será tornar mais pesado o fardo da instituição, dos magistrados, dos funcionários? De que modo?
Inaceitável e inadmissível é o STF: (i) decidir contra a Constituição da República e ignorar garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros (ii) colocar-se no papel de legislador sem que haja lacuna na Constituição e na Lei (iii) omitir-se na gravíssima questão do impeachment da senhora Presidente da República (iv) permitir o lawfare na justiça federal, trâmites de processos fraudulentos motivados por interesses políticos partidários, fora das regras de competência e sem o alicerce de provas idôneas (v) condescender com arbitrariedades nos inquéritos e nas ações da justiça federal, inclusive a gravíssima violação do sigilo das comunicações da senhora Chefe de Estado e de Governo (vi) ter entre seus membros, ministros parciais, lenientes, politiqueiros, favorecedores dos interesses do governo dos EUA e das corporações estrangeiras (vii) tolerar a retenção dos processos além do prazo regimental da vista solicitada, sem que a presidência avoque-os e coloque-os na pauta com ou sem o voto do autor do pedido de vista (viii) abrir as sessões com atraso e lançar na ata que foram abertas no horário regimental (ix) justificar as seguidas ausências dos ministros em prejuízo da produtividade e protelar a solução da escandalosa questão dos penduricalhos aos subsídios concedidos pelos tribunais aos magistrados em frontal colisão com preceito da Constituição que os veda expressamente [Art. 39, 4º] (x) permitir a postura indecente dos ministros com a toga desleixada a mostrar suas panças, suas gravatas, seus ternos, vestidos e joias, que o linguajar rebuscado não disfarça, num pais que reingressou no mapa da fome com 14 milhões de desempregados!   
O combate à corrupção e à impunidade serve de pretexto para abusos no âmbito das operações das forças-tarefas da justiça federal (polícia + ministério público + magistratura). A impunidade que se queria evitar era a dos ricos e poderosos, porquanto eficaz a punição dos remediados, pobres e miseráveis nas ações penais promovidas pelo estado brasileiro. Tratava-se, pois, da democratização da punibilidade. A legislação penal disciplina o direito de punir do estado.
Na ação penal proposta contra Lula não há crime a punir. Os procuradores e juízes federais arquitetaram a punição para fins políticos. Serviram-se de delações, indícios e presunções para criar um enredo entrelaçado com preceitos legais que desenhasse uma ação criminosa. Arte fraudulenta que dá inteira razão ao legislador constituinte quando estendeu a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que permite aos tribunais superiores corrigir a fraude, restabelecer o direito e realizar justiça no caso concreto.  

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

REVISÃO JUDICIAL

Na reunião com empresários e jornalistas (29/01/2018) Carmen Lúcia, ministra presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) teria dito, conforme noticiado na imprensa e na rede de computadores, que o tribunal apequenar-se-ia caso tornasse a discutir a tese de que a sentença penal condenatória de segundo grau de jurisdição pode ser executada antes do trânsito em julgado; que seria casuísmo o tribunal atuar motivado pela condenação de Lula. 
Da opinião da ministra podem discordar os seus 10 colegas, os membros da família forense e a opinião pública.
O casuísmo assombra a ministra desde que ela era presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Até hoje, ela não compreendeu (talvez por não ter sido juíza de direito) que a judicatura é casuística por natureza. Trata-se de função estatal exercida por juízes e tribunais destinada a solucionar controvérsias à luz da Constituição e das leis, caso a caso, com decisões específicas, no devido processo jurídico. Daí, o humor forense: “cada caso é um caso”.
Casuísmo significa exame de casos pela autoridade leiga ou eclesiástica. Esse procedimento não se confunde necessariamente com oportunismo tendencioso, indecoroso, antijurídico. A oportunidade pode ser adequada e conveniente. A revisão periódica da jurisprudência pelos tribunais é procedimento normal, desejável e aconselhável, que evidencia a preocupação dos juízes com a justa aplicação do direito, fato que desperta a confiança dos jurisdicionados nas instituições judiciárias. A revisão periódica denota a seriedade dos juízes na busca do equilíbrio entre a estática e a dinâmica dos conceitos no campo jurídico. A vontade e a disposição de corrigir provável erro judicial num segundo ou terceiro exame da matéria, longe de apequenar, engrandece o tribunal. A necessidade de atualizar a jurisprudência ante mudanças ocorridas na sociedade, ou como resposta à provocação dos operadores do direito, motivam e justificam a revisão.
No presente cenário brasileiro, a revisão judicial pode ser provocada tanto pelo caso Lula, como pelo caso de qualquer outro postulante qualificado e legitimado para estar em juízo.
A nação brasileira aguarda nova análise da questão, pois a tese recente do STF (2016) – vencedora por mínima diferença de votos (6 x 5) – conflita com norma da Constituição da República: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5°, LVII). Destarte, enquanto não afastada a presunção de inocência em definitivo, a sentença penal condenatória não pode ser executada. Podemos não gostar disto e preferir a técnica anterior a 1988: o réu condenado em primeiro grau não podia apelar para o tribunal de segundo grau sem antes recolher-se à prisão. O STF, após respeitar por 20 anos a norma da Constituição de 1988, repristinou a norma ordinária antiga com pequena alteração: a execução da sentença penal condenatória dar-se-á depois de confirmada no segundo grau.
(?) Esse retorno à antiga regra ordinária que discrepa da regra constitucional posterior não pode ser interpretado como “casuístico” (no sentido indecoroso) se considerarmos que naquele ano (2016) a condenação de Lula já era anunciada pelo juiz inquisidor? Tal retorno não pode ser interpretado como intenção premeditada de permitir a prisão de Lula e assim tirá-lo da disputa pelo cargo de presidente da república em 2018? Não se há de esquecer que os magistrados têm visão política e nem sempre conseguem afastar da função judicante as suas preferências partidária e ideológica.
Por mais interessante que o recente entendimento do STF possa parecer, a verdade é que ele esbarra na garantia constitucional. Somente o legislador constituinte originário poderá, com legitimidade, retirar essa garantia e permitir a execução da sentença antes do trânsito em julgado. Nesta hipótese, a presunção de inocência cessaria no primeiro ou no segundo grau de jurisdição, conforme decidisse o legislador constituinte. Obedecido estaria o princípio democrático. 
Rediscutir matéria de suma relevância para a eficácia das garantias fundamentais dos cidadãos não representa capitis deminutio para a corte suprema. Ademais, sob o prisma da mensuração, impossível apequenar o que amiudado está. O prestígio nacional e internacional do STF, o seu nível ético, as suas ações e omissões, nunca estiveram tão baixo como agora. O tribunal que devia ser o “guardião da Constituição” tem atuado como o “guardinha do quarteirão”.