domingo, 23 de setembro de 2012

CONVERSA DE BAR

Aristeu: Garçon! Felipe!! Por favor, traga dois chopes e uma porção de pasteizinhos de camarão e palmito, meio a meio.
Estefânia: Funcionou mais quando você o chamou pelo nome. Hoje ele está mais alegre. Aquele esboço de sorriso na face normalmente carrancuda já é de admirar. Creio que ele está namorando e transando apesar da feiúra.   
Aristeu: Ele é tricolor. A vitória no centésimo fla-flu deve ser o motivo da alegria cristalizada naquele ricto. O carrancudo muda de máscara em certos momentos da vida. Sob diferente perspectiva, haverá quem o ache bonito.     
Estefânia: Não só o carrancudo, mas qualquer pessoa muda de fisionomia e de conduta em algumas ocasiões. Conhecer bem e avaliar as pessoas é difícil. Na festa comemorativa dos 10 anos de formatura notei em alguns colegas mudança nas feições, no volume do corpo, nos interesses, no comportamento, no modo de se comunicar. Os laços fraternos da comunhão acadêmica estavam frouxos. O desejo de viver a saudade e reviver os momentos da camaradagem de antanho gerava ansiedade.        
Aristeu: Imagine o que você verá na festa dos 30 anos! As células do corpo passaram por várias renovações e os temperamentos por idas e vindas. Rostos estampam experiências amargas e doces. O número de convivas será menor. Nem aqueles que convivem por longos anos se conhecem plenamente. No fluir do tempo, operam-se mudanças físicas, psicológicas, sociais, políticas, econômicas, que afetam a ordem das prioridades e dos valores e influem até no relacionamento entre os membros da mesma família. Veja a nossa amizade colorida. Convivemos há muito tempo, ora no teu, ora no meu apartamento. Você sabe me dizer de onde vim, para onde vou e quem eu sou? 
Estefânia: Moleza! Você veio do seu escritório e está à minha frente aqui neste bar ruidoso. Depois, você irá para casa, ao cinema, ao teatro ou para onde lhe der na veneta. O destino você traçará. Quem é você? Ora, meu querido, se você não sabe quem você é muito menos saberei eu ou qualquer outra pessoa. Sei apenas quem eu sou e olhe lá! Ninguém conhece ninguém profundamente. Ligeireza prevalece nesta louca urbe onde todos competem com todos. Ninguém ouve ou presta atenção ao que o outro diz.     
Aristeu: Formulei perguntas que pessoas fazem em momento de reflexão quando buscam um sentido para a vida. Creio que você entendeu, mas está fazendo troça. 
Estefânia: O chope gelado com salgadinhos combina com a graça. Relaxe, homem! Não vejo problema algum nesse teu questionamento. Ouça-me, se permitirem as coxas e os seios da bela morena à mesa ao lado que atraem o teu guloso olhar.
Aristeu: Que exagero! Foi um breve e desinteressado olhar, como o dirigido a qualquer pessoa. Mas que a moça é bem dotada, até você admite. 
Estefânia: Por que “até” eu? Você fala como se eu fosse despeitada, exigente, difícil de contentar. Das pernas bem torneadas da vizinha volto ao nosso colóquio e passo a responder às tuas perguntas. De onde você veio e para onde você vai? Você veio do útero da tua mãe e no final da jornada terrena você irá para o cemitério ou para o crematório, isto se por algum acidente você não sumir no ar, no mar ou em algum impenetrável abismo em terra. Quem é você? Animal bípede que pensa, fala, ri, chora, come, bebe, transa, dorme, trabalha; que se diverte, deseja, ama e odeia; que sente prazer, dor, alegria, tristeza; que é feliz e infeliz; que faz coisas boas e coisas ruins; que censura o capitalismo próximo e enaltece o socialismo distante.       
Aristeu: Percebo certa zanga no tom da tua resposta. Você continua a zoar só porque comi a vizinha sem olhar para os pasteizinhos. 
Estefânia: Como é que é?
Aristeu: Desculpe. Eu me atrapalhei. Eu quis dizer: comi os pasteizinhos sem olhar para a vizinha. 
Estefânia: "Eu me atrapalhei" coisa nenhuma. Foi ato falho, meu querido. 
Aristeu: Vou pedir mais uma rodada. Quanto ao questionamento, que não é só meu, ó bela zíngara, inclui o aspecto incorpóreo, a vida depois da morte.
Estefânia: Zíngara? Minha nossa! Do que o chope é capaz! Salvo engano, música dos anos 60 tinha esse título. Agora sim, com a inclusão do incorpóreo na conversa temos um problema. Vejo a crença entrar por uma porta e a razão, encharcada de chope, sair por outra. Você está se referindo a um mundo sobre o qual não há certeza alguma. Vou expor novo paradigma que li na rede de computadores e que estou propensa a adotar: o indivíduo está dentro da alma e não a alma dentro do indivíduo.
Aristeu: O que? Alma envoltório de um corpo oco? Isto me parece maluquice.
Estefânia: Calma! Você cortou a minha explanação! Não vos afobeis, meu! Chego lá. Alma é um termo plurívoco. Precisamos nos entender sobre isto, caso contrário será o samba do crioulo doido.   
Aristeu: Santo deus, Estefânia! Fale português. 
Estefânia: Estou falando. Eu disse rede de computadores e não internet, português e não inglês. Não vou baixar o nível da conversa só porque a tulipa já está no quarto anel da espiral etílica. Você está bem crescidinho para entender o que estou dizendo. Vou me limitar a três significados. Primeiro: alma, oceano de energia vibratória onde a matéria é formada, conservada e modificada. Segundo: alma humana, personalidade resultante da experiência física e psíquica do indivíduo a partir do nascimento. Terceiro: alma do negócio, princípio essencial da atividade econômica.  
Aristeu: Tudo bem. Gostaria de lembrar à minha amiga, de que estamos num bar, no anoitecer da sexta feira e não na sua cátedra universitária.  
Estefânia: Se não estou jogando conversa fora neste momento é porque você provocou o assunto. Por mim, encerro o assunto agora mesmo com o seguinte resumo: (i) o materialista afirma que o destino final do ser humano é a desintegração do corpo e da personalidade; (ii) o espiritualista diz que a personalidade permanece viva no mundo espiritual; (iii) alguns espiritualistas entendem que a personalidade retorna ao mundo material, outros afirmam que não há retorno, e por aí vai.
Aristeu: Como ignorar o mundo espiritual? Que se discuta retorno e ressurreição tudo bem, mas negar a vida após a morte me parece esvaziar de sentido a existência humana.
Estefânia: Há opiniões díspares, meu querido. Penso que a vida é corrente contínua, ininterrupta, energia natural e permanente que faz vibrar o universo. Sob este ponto de vista, a vida é expressão da alma universal. Estreita-se o conceito vida quando aplicado aos vegetais e animais exclusivamente. A existência do humano e dos demais seres da natureza decorre dessa transcendente energia vital. A morte física apenas interrompe a existência terrena do indivíduo, mas não afeta a sua essência espiritual. Vista por este ângulo, a questão da vida depois da morte perde o sentido ante esta realidade: o corpo se desintegra e a personalidade se mantém íntegra na alma universal.   
Aristeu: Aí vem a conta. Vamos conferir as rodadas e os petiscos porque, às vezes, o dono do bar erra no cálculo, sempre a favor dele.
Estefânia: Eu confiro e você paga. Depois, vamos ao meu apartamento ouvir o último CD que comprei. Acho que você vai gostar. Amanhã é sábado. Podemos ficar em casa nos devorando, ir à feira, ao shopping, ou fazer todas essas coisas, uma de cada vez.
Aristeu: No domingo, praia. Em céu azul e límpido, o sol há de brilhar.
Estefânia: Você já está meio bebum e querendo poetar. Creio que dormirá antes de ouvir a segunda faixa do CD. Vamos embora.

domingo, 16 de setembro de 2012

INCÓGNITA DIVINA3


Aquela frase atribuída a Jesus (o meu reino não é deste mundo) pode significar a existência de uma esfera metafísica, sobrenatural, imaterial; domínio espiritual diverso do mundo natural e humano; realidade sem estrutura molecular onde vivem entidades diáfanas. A essa esfera acessam personalidades que desencarnam, sem possibilidade de ascensão do corpo. Segundo a doutrina cristã, personalidades encarnadas têm acesso mental e temporário à esfera metafísica mediante prece e a intermediação de Jesus. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14: 6). Modéstia não era o forte de Jesus.

Intrigante a afirmação de que o reino de Deus não virá de um modo ostensivo porque ele já está no meio de vós (Lucas 17: 20/21). A expressão “meio de vós” permite mais de uma interpretação: (i) como dentro de nós, em nossos corações e (ii) como entre nós, difuso no mundo natural. A segunda interpretação sugere que o mundo natural está embrenhado no mundo sobrenatural. O universo físico está mergulhado no oceano cósmico denominado reino de Deus à semelhança do que os astrofísicos contemporâneos denominam mar de matéria escura (Hawking e Greene, nas obras já citadas). Lícito é concluir que o universo físico e o universo espiritual interagem e integram o reino de Deus. Desse modo, a compatibilidade da primeira interpretação com a segunda mostra-se possível. Interessante notar que na oração ensinada aos discípulos, Jesus diz: “venha a nós o vosso reino”, como se o reino de Deus viesse de fora, de outro mundo separado do nosso. As referências ao trono de Deus e ao lado direito de Deus pressupõem as idéias de corpo, realeza e espaço (posição à esquerda ou à direita do rei sentado; altura, comprimento, largura) a indicar que o mundo espiritual e divino concebido pela doutrina cristã tem características do mundo material e humano.   

Deus é uma incógnita, o grande mistério que escapa à compreensão humana. Deus não se confina em definição alguma, tal como a areia que a peneira do pedreiro não consegue reter. Em termos lógicos, a idéia deus funciona à semelhança da hipotética norma fundamental da ordem jurídica que pode ser assim enunciada: todos devem obediência às normas postas pela autoridade legítima ou pelo costume. (Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1962, vol. I, pág. 16, 44 + vol. II, pág. 64/65). A idéia deus funciona como pressuposto fundamental do pensamento religioso. A base desse pensamento está na crença de que Deus é o poder supremo que gerou e governa o mundo. Destarte, todos os seres estão submetidos às leis emanadas desse poder. Cada indivíduo faz a sua própria idéia e imagem de Deus, quando não reproduz as que lhe foram transmitidas na família, na comunidade, na escola e na igreja. Pessoas criam instituições civis e religiosas para cultivar, defender e transmitir as idéias e imagens que comungam. Os mistérios do mundo natural e sobrenatural criados por estas instituições dificilmente resistem à análise racional. Tome-se como exemplo a trindade católica: pai + filho + espírito santo. Porque pai e não mãe? Porque filho e não filha? Porque espírito santo e não alma universal? Na tentativa de suavizar esta arbitrária e discriminatória supremacia masculina, a igreja inventou a virgindade de Maria (mãe de sete filhos) e a endeusou. Santa para os olhos (estátuas) e deusa para o coração dos crentes.

Deus independe da idéia e da imagem que dele façam seres inteligentes deste e de outros planetas. Divina é a fonte de todos os seres: galáxias, estrelas, planetas, asteróides, minerais, vegetais, animais. Qualificar como Deus, ou filho de Deus, indivíduo deste ou de outro planeta é fantasia herética. De acordo com o estágio atual do conhecimento científico, todos os seres tiveram origem no processo natural evolutivo inaugurado com uma poderosa explosão há bilhões de anos (big bang). Esse processo inclui a estrutura e o funcionamento do universo. Formidáveis colisões com corpos celestes em diferentes épocas produziram alterações geológicas e climáticas em nosso planeta, extinguiram espécies e ensejaram o aparecimento de novas formas de vida. Após uma destas colisões (a que extinguiu os dinossauros) surgiram novas espécies de seres vivos, inclusive a humana, em diferentes pontos do planeta (e não exclusivamente em solo africano como afirma a teoria dominante afeiçoada ao Gênesis bíblico). Aliás, a configuração atual dos continentes não é a mesma do passado remoto, nem o biótipo humano foi sempre o mesmo em todos os quadrantes e épocas.

Em filme documentário exibido na televisão, o astrônomo Carl Sagan mostra a Terra do tamanho da cabeça de um alfinete, vista do planeta Saturno, e tece breve comentário sobre a insensatez humana de guerrear por território. Vistos da Terra, a olho nu, em noite de céu limpo e estrelado, o imenso planeta Saturno e estrelas maiores do que o Sol também parecem cabeças de alfinete. O universo está se expandindo em velocidade cada vez maior, dizem os astrônomos. Não há posição fixa e definitiva como imaginavam escritores bíblicos, igreja e filósofos naturais (cientistas medievais). A concepção do universo de Newton, no século XVII (1601-1700), não encontrou respaldo na investigação científica do século XX (1901-2000). À medida que se desloca, o universo cria o seu espaço. Tempo e espaço imbricam-se na teoria de Einstein. Se a expansão do universo tiver limite, põe-se a questão: o universo fixar-se-á nesse limite ou retrocederá até a concentração máxima seguida de nova explosão (big bang)? Cientistas modernos acreditam nesta última hipótese. Místicos orientais afirmam que essa expansão e contração é a grande respiração do deus Brama.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

INCÓGNITA DIVINA2


Segundo narrativa dos apóstolos, Jesus dizia: meu reino não é deste mundo. O reino dele, portanto, era de outro mundo. Põe-se a questão de saber a que mundo ele se referia. Ele podia estar se referindo: (1) a um novo tipo de cultura aqui na Terra; (2) a uma civilização de outro planeta; (3) à vida interior do ser humano; (4) a um tipo de existência imaterial.

Aqui na Terra, o mundo de Jesus seria utópico. Contrapor-se-ia ao mundo judaico e romano do seu tempo, carregado de ódio, ambição, conflito, crueldade, traição, apego à riqueza, à glória e ao poder político. Esse mundo infeliz e pecaminoso seria substituído por um reino de paz, amor, bondade, verdade e justiça. Perante a autoridade judaica (Sinédrio) Jesus se declarou filho de deus; diante da autoridade romana (Pilatos) ele se declarou rei; nas duas ocasiões, expressou-se no tempo presente a indicar que o seu reino já existia. Não localizado na Terra, esse reino estaria situado em algum lugar da Via Láctea ou de outra galáxia.

Há real probabilidade da existência de seres vivos em outros planetas. A notícia da visita de extraterrestres tem sido objeto de investigação, de entrevistas com autoridades civis e militares, de artigos em revistas, de livros, de documentários de televisão, que tratam o assunto de modo racional e sério. Na bíblia menciona-se máquina descrita por Ezequiel que poderia ser nave espacial. Ao vocabulário do profeta faltavam termos adequados para descrever aquele inusitado engenho (Bíblia, Antigo Testamento, Ezequiel 1: 4/28; 3: 12/13). Relação sexual entre deuses (seres extraterrestres) e mulheres também é fato mencionado nesse material acadêmico, jornalístico e literário. O conúbio de anjos (seres extraterrestres) com mulheres consta de relatos bíblicos. Jesus fora concebido nesse tipo de relacionamento. Por desconhecer seu genitor, Jesus imaginava um pai celestial com forma humana e o mundo celestial com tempo, espaço, rei e súditos (concepção material do outro mundo). Referia-se ao pai que estava no céu (em outro planeta) como se fora um deus. Depois da crucifixão e de se reunir com os apóstolos, ele foi arrebatado ao céu (ao planeta do pai) servindo-se da nave espacial que veio resgatá-lo e que partiu envolta em nuvens (Bíblia, Novo Testamento, Marcos 16: 19; Lucas 24: 51; Atos dos Apóstolos 1: 9/11).

O mundo em que Jesus dizia ser rei e ao qual regressara com o seu corpo certamente não se localizava em universo paralelo. A existência de antimatéria constituída de partículas com carga elétrica e carga de força nuclear opostas às da matéria levanta a probabilidade da existência de universos paralelos. Ao expor sobre matéria escura (90% da matéria do universo) o astrofísico Stephen Hawking refere-se a tal probabilidade (“O Universo numa Casca de Noz”. São Paulo. Arx, 2001, pág. 186/188, 205). Cada universo seria como a imagem do outro no espelho (brana paralela). A passagem de Jesus de um universo a outro com o corpo físico seria impossível, tendo em vista que ao entrarem em contato uma com a outra, matéria e antimatéria se aniquilam mutuamente (Brian Green. “O Universo Elegante”. São Paulo. Companhia das Letras, 2001, pág. 23, 141).

Jesus podia estar se referindo ao mundo moral governado por princípios éticos colidentes com a censurável conduta das autoridades civis, militares e religiosas da sua época. Daí a recusa dele e dos seus discípulos de se curvarem às leis, à religião estatal e aos costumes vigentes naquela sociedade, contrários à doutrina cristã. Por causa dessa recusa (desobediência civil) os cristãos foram perseguidos como traidores. (Hélio Jaguaribe. Um Estudo Crítico da História. São Paulo. Paz e Terra, 2001, vol. I - pág. 420). Numa das suas parábolas, Jesus refere-se à fortaleza moral ao dizer que o reino dos céus é como grão de mostarda, a menor de todas as sementes, mas quando cresce torna-se um arbusto maior do que todas as hortaliças (Mateus, 13: 31/32). Impulsionado por sua força moral aquele minúsculo grupo liderado por Jesus multiplicou-se e gerou uma nova e estupenda civilização (ocidental cristã).

domingo, 9 de setembro de 2012

INCÓGNITA DIVINA


No que concerne à existência do mundo sobrenatural, a humanidade se divide em três grupos: (1) dos que não acreditam; (2) dos que acreditam; (3) dos que duvidam.

Os integrantes do primeiro grupo constituem a parcela da população do globo terrestre denominada materialista. Essa parcela nega a existência do mundo espiritual. Entende que o universo é um moto contínuo que gera sua própria energia, produz movimento, reproduz a si mesmo mediante regularidades do seu mecanismo sem intervenção de vontade externa e sem fonte criadora anterior. Na recorrente comparação do universo com um relógio, os materialistas dispensam o relojoeiro. O relógio construiu a si mesmo, mediante a sua própria e originária força. O mundo físico é a única realidade existente. Doutrinas sobre um mundo espiritual brotam da imaginação, sem base empírica, e ensejam a exploração dos povos pelos detentores do poder político, econômico e religioso.

Os integrantes do segundo grupo constituem a parcela da humanidade denominada espiritualista. Afirmam a existência do mundo espiritual. Sem relojoeiro não há relógio. Sem criador não há criatura. A crença na existência de um mundo sobrenatural está na base das antigas e modernas religiões. A diversidade de religiões implica distintas respostas às mesmas questões sobre a estrutura e o funcionamento desse mundo sobrenatural, tais como: se há espaço, tempo, movimento e vida à semelhança do mundo natural; se há relacionamento entre os seus habitantes; se há comunicação entre eles e os humanos; se participam de algum processo evolutivo; se há governantes e governados como aqui na Terra.

A parcela espiritualista da humanidade biparte-se em politeísta e monoteísta. O politeísmo é a forma religiosa mais antiga. Está presente nas culturas dos grupos humanos desde o estágio neolítico (10.000 a.C.) até o atual estágio da civilização (2.000 d.C.). Os povos antigos (Egito, Suméria, Babilônia, Assíria, Pérsia, Grécia, Roma) cultuavam uma pletora de deuses. Os povos da atualidade continuam a cultuar divindades, quer os autóctones dos diversos continentes (indígenas) quer os adeptos das religiões orientais (civilizados). Para o hindu e outros povos deste século XXI não há deus único. Diferente da trindade cristã (pai + filho + espírito santo) a trindade hindu Brama, Vishnu, Shiva não constitui uma só pessoa; são três divindades distintas, cada qual com função e poder próprios. O politeísmo é uma forte tendência do espírito humano. Os deuses e as deusas são idealizações dos anseios e temores humanos; expressões do amor e do ódio; imagens do bem e do mal; projeções das faces angelical e demoníaca do ser humano. Dos instintos humanos, da fragilidade humana, da sensação de impotência, da necessidade de proteção, nascem divindades e cultos. A igreja cristã camuflou o politeísmo: (i) na pluralidade de santos e de seres angelicais; (ii) na unidade trina (como na receita de doce: três em um só). Na ocidental sociedade de consumo, os deuses Mercúrio, Baco e Vênus imperam na economia, no lazer e no prazer, sem que disto os consumidores estejam cônscios. Culto instintivo. Rituais costumeiros. Conduta habitual e padronizada de venerar o dinheiro, a diversão e o sexo.

O monoteísmo surge na XVIII dinastia egípcia, como crença esotérica de uma fraternidade aristocrática. Amenhotep IV (1380-1362 a.C.), faraó dessa dinastia, apoiado pelos sacerdotes de Heliópolis, aborrecido com a corrupção dos sacerdotes de Tebas, estendeu à massa o monoteísmo da elite. Declarou publicamente a existência de um único deus denominado Aton, mudou o seu próprio nome para Aquenaton e convenceu os súditos a render culto ao novo deus. Após a morte desse faraó, o politeísmo volta a ser praticado pelo povo. Moisés, príncipe egípcio, leva o monoteísmo a outras terras juntamente com o povo hebreu que vivia no Egito. Depois de matar cerca de 3.000 hebreus que se recusavam a abandonar o politeísmo e a idolatria, Moisés enfiou o monoteísmo goela abaixo do “povo eleito”. No plano dos fatos, os hebreus tornaram-se henoteístas: cultuavam Javé (jhwh), mas admitiam deuses de outros povos. Originalmente, o próprio Javé era deus dos kenitas, povo que habitava as cercanias do Monte Sinai. Moisés serviu-se desse deus como ícone da sua religião monoteísta. (Edward McNall Burns. História da Civilização Ocidental. Rio, Globo, 1955, vol. I - pág. 144). 

Os cristãos herdaram o monoteísmo de Aquenaton e de Moisés, ramificado em deísta e teísta. Segundo o ramo deísta, o universo é governado por inflexíveis leis divinas. Por isso mesmo, após o ato de criação, Deus não mais intervém no mundo. A sintonia com essas leis possibilita aos humanos uma existência tranqüila e feliz. O mecanismo automático dessas leis explica fatos que os humanos consideram milagrosos ou derivados da providência divina. Já para o ramo teísta, Deus cria o mundo e nele intervém, revela o oculto aos humanos e atende pessoalmente as súplicas dos fiéis. Os monoteístas divergem entre si também quanto à identidade de Deus. Para uma facção, Deus onipotente, onisciente, onipresente, ostenta forma e substância. Falta concordância nas respostas dadas por esse grupo a alguns questionamentos sobre a forma de Deus (geométrica, natural, humana?), a substância de Deus (palpável ou impalpável, visível ou invisível, estruturada ou difusa?), e a posição de Deus (estática ou dinâmica?). Para outra facção, Deus não tem forma, é energia poderosa, infinita, inteligente, volitiva, geradora do mundo e das leis que o mantêm em movimento.

No monoteísmo cristão houve dissidência aberta por Ario, bispo de Alexandria, no século IV (301-400). O sacerdote negava a divindade de Jesus. Afirmava que a natureza do pai era distinta da natureza do filho. Como criatura, Jesus estava sujeito ao pecado; não era onipotente, onisciente, onipresente, como Deus. A doutrina do sacerdote alicerçava-se: (1) na história, posto que Jesus, por seus contemporâneos, era visto como ser humano e tratado como profeta e mestre (rabi) e não como deus; (2) na lógica: criador e criatura são distintos. O arianismo (doutrina de Ario) abalou o dogma da santíssima trindade e teve muitos adeptos. A sua propagação foi semelhante ao rastilho de pólvora a que se põe fogo: houve exílio de papa, tomada de igrejas, batalhas e mortes entre os católicos. A partir daí, nota-se uma especificação: considera-se cristão quem segue os preceitos ditados por Jesus e católico o cristão que aceita o dogma da santíssima trindade ditado pela igreja.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PÍLULAS


O conhecimento é como balão de borracha que incha quando o assopramos. A diferença está em que o conhecimento não esvazia e nem estoura.  

Mal conhecemos a nós mesmos e o mundo em que vivemos. De onde vem essa pretensão de conhecer a Deus? De assemelhar Deus ao ser humano? De atribuir predicados humanos a Deus? De interpretar e expor pensamento e vontade de Deus? Suma vaidade. Suma esperteza. Quanta fraude, terror religioso, exploração do temor e da boa fé dos crédulos.

Segundo o escritor bíblico, Moisés conversou com Javé (ou Jeová, deus que ele importou de outro povo). Viu as costas do deus, mas não o rosto. Sem ver a face e os olhos, Moisés ficou sem saber se o deus falava sério ou zombava. O deus passou 10 mandamentos para que Moisés os transmitisse ao “povo eleito” (na verdade, regras e eleição de autoria do escritor). O escritor bíblico não esclareceu em que idioma os dois conversaram (aramaico, hebraico, grego, latim?) nem se na reunião os dois tomaram vinho, chá ou água; se eles se abraçaram na despedida ou se houve só tapinha nas costas. Por essas e outras é que pessoas esclarecidas como Spinoza (filósofo) e Einstein (cientista), ambos judeus, tratavam a bíblia como um conto de fadas, repositório de infantilidades.

domingo, 2 de setembro de 2012

PÍLULAS


Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) desrespeitam as normas da lei orgânica da magistratura nacional sobre pontualidade e conduta irrepreensível. As sessões de julgamento começam com enorme atraso. O intervalo regimental de 30 minutos dura muito mais. As vestes talares são usadas com desleixo. Melhor seria abolir essas vestes para seu mau uso não empanar a imagem da magistratura nacional. A capa ou toga simboliza a imparcialidade do magistrado e o tratamento isonômico devido às partes. Por isso mesmo, deve cobrir as roupas civis. No entanto, os ministros escondem a capa e exibem suas roupas.

Ministro Dias Toffoli do STF muda princípio de direito ao proferir o seu voto. Afirma que a defesa não está obrigada a provar suas alegações; que a obrigação é de quem acusa. A vingar a esdrúxula tese do ministro, os réus não estarão mais obrigados a provar o estado de necessidade, a legítima defesa e outros casos de exclusão da ilicitude, de isenção ou de redução da pena. O princípio da ampla defesa inclui a produção de prova em sentido contrário ao da prova produzida pela acusação. Cuida-se da dialética processual: tese do autor, antítese do réu e síntese do juiz. No processo penal prova-se a culpa. A inocência do réu é presumida por ditame constitucional. Até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não se considera o réu culpado. Tal presunção não exime a defesa de produzir a prova das suas alegações em confronto com a tese e a prova da acusação.  

Ministros do STF desrespeitam normas gramaticais. No discurso, convertem sinal ortográfico em sinal oral. Aspas, vírgulas duplas superiores entre as quais se colocam palavras que se quer destacar no trecho escrito, agora são usadas oralmente. A sua percepção agora é auditiva e não mais exclusivamente visual (gráfica). A presidente do Brasil atropelou a gramática e inventou o termo no feminino: presidenta. Os ministros do STF inventaram o “otossigno” aspas. Virou moda. Dê-lhe “aspas” na leitura dos votos. Dê-lhe repetições inúteis. Arre!

Ministros do STF se atrapalham ao escolher membros temporários do TSE na sessão do dia 30/08/2012. Eleitores: 10. Candidatos: 6. Distribuídas as cédulas e colhidos os votos coube à ministra Rosa a contagem: somar e anunciar os votos obtidos por candidato. Apesar do singelo quantitativo e da simplicidade da operação, a ministra complicou. Pediu socorro ao presidente que, por sua vez, consultou o plenário. Após a contagem, o presidente, embaraçado, proclama o resultado. A ministra Carmem intervém e pede esclarecimentos sobre a quantidade dos votos recebidos pelos candidatos. Ela não entendera o “método” da colega. O episódio retrata bem o STF. Complicam as coisas simples e elementares. Procuram aspas em cabeça de cavalo.