terça-feira, 30 de novembro de 2010

PÍLULAS

Costumes.

O genial carnavalesco Joãozinho Trinta surpreendeu a inteligência brasileira ao dizer que pobre gosta de luxo e quem gosta de miséria é intelectual. Na verdade, a miséria serve de matéria para: (i) estudos dos sociólogos e cientistas políticos; (ii) inspirar poetas, compositores de música e outros artistas. Agora, na guerra travada nos morros cariocas entre a autoridade estatal e a bandidagem de segundo e terceiro escalões, ficamos sabendo de outra novidade: os pobres gostam da polícia! Quem não gosta da polícia são os intelectuais (incluindo advogados, promotores e juízes), os ricos e os remediados.

Outra novidade: forças do governo pedindo licença para entrar na casa dos pobres! Mas, que reviravolta é esta? O que é que está acontecendo aqui no Rio de Janeiro? Como tais episódios são inéditos, vamos aguardar para ver quanto duram e se desta vez desmentimos o ditado: o que é bom, dura pouco. Por outro lado, ser policial educado não implica relaxar a vigilância. O relaxamento pode custar a vida do policial e dos moradores da casa e da comunidade. Todavia, ficar vigilante não implica violência. Dizia um político baiano: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Recomenda-se vigilância até do indivíduo sobre si mesmo. O grande mestre dos cristãos recomendava: orai e vigiai. A cada dia, a cada momento, o indivíduo, ainda que não seja cristão, precisa vigiar seus pensamentos, sentimentos e conduta, a fim de se manter no bom caminho e evitar aborrecimentos, desilusões e sofrimento.

Bullying.

Se não fosse o idioma inglês, alguns jornalistas das emissoras de TV não saberiam da existência, no Brasil, da tirania, da intimidação, do maltrato, da violência, entre as crianças, adolescentes e adultos, no lar, na escola, na comunidade, na empresa, na praça ou em qualquer lugar onde estejam reunidas duas ou mais pessoas. Parece que esses jornalistas e outras personalidades do mundo intelectual jamais foram vítimas dessa conduta maldosa e nunca a perceberam nos seus amigos e colegas. Desconhecem a existência de processos nas varas de família, nas varas da infância e juventude e nas varas criminais, versando esse tipo de violência. A intelectualidade brasileira exultou quando descobriu o “bullying” nos EUA. Imediatamente aplicou a palavra em textos e programas de TV, certa de que “bullying” impressiona mais do que “intimidação”, “maltrato” ou “violência”. Esse é o seu modo de exibir cultura. Mais um episódio para os argentinos zombarem da macaquice dos brasileiros.

O amor ao idioma pátrio é um dos elementos subjetivos da independência nacional. O brasileiro menospreza o idioma português, talvez porque não exista uma língua brasileira. Havia o tupi-guarani, língua geral no Brasil até o século XVIII. O idioma português e o francês ficavam à margem, restritos à minoria. O colonizador europeu proibiu o uso da língua geral e exigiu o uso exclusivo do idioma português. O brasileiro do século XX colocou no altar o pobre e gutural idioma inglês, apesar de a língua portuguesa ter mais vocábulos e melhor sonoridade. O idioma inglês não ficou à margem no cenário mundial graças à obra literária de alguns bons escritores e ao poderio político, econômico e estratégico da Inglaterra e, posteriormente, dos EUA. Em virtude da central importância desses países, o inglês se tornou o idioma geral e comum entre as nações, para alegria dos mentecaptos.

Futebol.

Campeonato Sul-Americano. 25.11.2010. Palmeiras x Goiás. Partida semifinal. As duas equipes aguerridas. O clube goiano venceu: 2 x 1. Disputará a partida final e poderá ser campeão do certame. Destaque para o atacante do Goiás, Rafael Moura, física e tecnicamente parecido com Ibrahimovic, jogador do Milan. Arbitragem muito boa, sem vedetismo. Os dois gols da equipe goiana foram legítimos. Quanto ao segundo gol, o jogador do Palmeiras participou do lance em que o jogador do Goiás cabeceou da linha de fundo para o centro da pequena área. Quando o atacante goiano cabeceou para dentro do gol a situação era regular em face da dinâmica do lance. Vitória merecida.

Campeonato brasileiro. 28.11.2010. Vários jogos no mesmo horário. Vitória incrível e heróica do Avaí sobre a equipe do Santos FC: 3 x 2. Livrou-se do rebaixamento para a série B, do futebol brasileiro. Foi possível notar algo de comum nos três principais jogos da rodada, em que uma das equipes era candidata ao título: os jogadores da equipe candidata se esforçavam ao máximo enquanto os jogadores da equipe adversária, por falta de interesse e de motivação, se esforçavam ao mínimo. Além disto, no jogo entre Fluminense e Palmeiras, esta última equipe tinha contra si a sua própria torcida unida à torcida adversária. A torcida palmeirense preferia que o título fosse para o Fluminense e não para o Corinthians. O Palmeiras só não levou uma goleada graças aos dois sofríveis atacantes tricolores, que perdem muitos gols e fazem jogadas bisonhas. Graças, ainda, à indisposição das duas equipes para atacar no final da partida. Se mantiver esse ataque medíocre, o Fluminense perderá o próximo jogo. Basta esforço máximo dos jogadores do Guarani (o que não é exigível de nenhum clube na sua situação). De repente, o pessoal do Guarani resolve descer vitorioso para série B do futebol brasileiro. O título ficará para o Corinthians ou Cruzeiro. O Fluminense poderá evitar o empate ou a derrota se os seus defensores e jogadores de meio de campo tiverem um bom desempenho e se encarregarem de fazer os gols. Se confiar nos dois atacantes, adiós pampa mia!

domingo, 28 de novembro de 2010

DIREITO

Sigilo bancário e fiscal.

Na sessão do dia 25.11.2010, do Supremo Tribunal Federal - STF, foi debatido o sigilo bancário. O Banco Santander comunicou à sua cliente, pessoa jurídica de direito privado, que a receita federal solicitara os dados da sua conta. A cliente propôs ação judicial para impedir o fornecimento da informação. Alegou que os dados estavam sob sigilo garantido pela Constituição. Em ação cautelar, a cliente pediu ao STF concessão de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Reconhecendo a urgência do caso, o relator deferiu o pedido liminarmente, atribuindo efeito suspensivo ao recurso extraordinário e determinando ao banco que nenhuma informação prestasse à receita federal até o julgamento definitivo do citado recurso. A seguir e na forma regimental, submeteu sua decisão ao plenário para referendo. Por maioria de votos, o tribunal revogou a liminar. Em conseqüência, o recurso extraordinário seguirá seus trâmites com efeito devolutivo exclusivamente; a decisão judicial poderá ser executada; nela amparado, o banco fornecerá, ao fisco, os dados solicitados.

A gravidade e a urgência do caso eram de evidência solar. Por isso mesmo, o relator concedeu a medida cautelar liminarmente. Uma vez quebrado o sigilo, o dano está consumado, sem volta. Os dados ganham publicidade. A privacidade e a intimidade restam violadas. A medida cautelar garantiria a eficácia de ulterior decisão do recurso extraordinário. Os ministros se precipitaram e avançaram o seu entendimento sobre a matéria tratada na ação cautelar e no recurso extraordinário, sem esperar o oportuno e adequado momento processual.

Os votos vencedores negam a publicidade, afirmando que se trata de simples transferência do sigilo bancário para o sigilo fiscal, o que dispensa autorização judicial nos termos da lei complementar 105/2001. Essa lei permite ao Banco Central do Brasil, à Comissão de Valores Imobiliários e às autoridades e agentes fiscais tributários, acesso a dados sigilosos existentes nas instituições financeiras (inclusive sobre as contas de depósito dos clientes, pessoas físicas e jurídicas).

Da leitura dessa lei, entretanto, nota-se que o acesso direto a dados sigilosos só é permitido ao Poder Legislativo Federal (art. 4º). As demais instituições, autoridades e agentes tributários, no exercício das suas funções fiscalizadoras, só terão acesso indireto, isto é, por intermédio de autorização judicial (art.3º e 7º), o que se harmoniza com a Constituição em vigor. Essa interpretação literal permite manter a LC 105/2001 no ordenamento jurídico, salvo a parte que permite a circulação de dados entre as instituições financeiras (art. 1º, §3º).

Equivocadamente, a maioria dos ministros entendeu dispensável autorização judicial; a minoria, acertadamente, entendeu-a imprescindível. Somente as comunicações telefônicas podem ter o sigilo afastado ocasionalmente e, mesmo assim, mediante ordem judicial (CF 5º, XII). O sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados não pode ser quebrado nem por ordem judicial. Cuida-se de mandamento absoluto. Esse dispositivo constitucional pode ser dividido em dois grupos: (1) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas; (2) sigilo de dados e das comunicações telefônicas. Este segundo grupo estaria na ressalva “salvo, no último caso”, contida no aludido preceito constitucional que permite levantar o sigilo. Absoluta seria a inviolabilidade do primeiro grupo. A do segundo grupo poderia ser afastada por decisão judicial. Divisão contestável; situa-se no terreno da linguagem. O “último caso” certamente refere-se somente às comunicações telefônicas. De qualquer modo, estejam ou não incluídos os dados na ressalva, a ordem judicial é imprescindível ao levantamento do sigilo.

A lei infraconstitucional não pode autorizar ou permitir o que a Constituição desautoriza ou proíbe. No Brasil, vige a supremacia da Constituição. O ordenamento jurídico brasileiro é hierárquico. A validade das leis depende do ajustamento da sua forma e do seu conteúdo aos preceitos constitucionais.

O voto do ministro Celso de Mello destaca a inviolabilidade da intimidade financeira das pessoas. Trata-se de norma de valor absoluto (CF 5º, X). A discussão genérica e acadêmica sobre o caráter absoluto ou relativo do direito peca por inadequação e falta de especificidade. Para aqueles que não gostam dos freios jurídicos, tudo é relativo. A inviolabilidade da intimidade e privacidade é garantia fundamental que resulta de decisão política soberana do legislador constituinte petrificada em norma constitucional. O legislador constituinte não estabeleceu exceção alguma ao declarar essa inviolabilidade. Por isso mesmo, o legislador ordinário não pode criar exceção. Cuida-se de garantia intransponível pelo Poder Constituído (Legislativo, Executivo, Judiciário). Não há interesse público maior, no Estado Democrático de Direito, do que respeitar as garantias constitucionais dos cidadãos. O legislador constituinte as colocou entre os valores supremos da república (CF, preâmbulo). Dispensar o banco do dever de sigilo sobre os dados das contas dos seus clientes significa esvaziar garantia fundamental e conceder licença ao abuso. Ao atribuir esse poder a um órgão do Executivo, o STF abandona seu papel de guardião da Constituição. Os aloprados estarão franqueados para devassar a intimidade e a privacidade das pessoas.

A propriedade privada é assegurada às pessoas pelos artigos 5º e 170, II, da Constituição Federal. Os dados lançados na conta bancária pertencem à intimidade do titular. O banco é mero depositário e administrador financeiro de bem alheio. O poder do Estado de investigar e apurar autoria e materialidade de ilícitos encontra limite nas garantias individuais. Quando esses limites são transpostos, os cidadãos ficam inseguros, expostos aos desmandos dos agentes políticos e administrativos do Estado.

O legislador constituinte, no exercício pleno da soberania nacional, outorgou, ao Poder Judiciário, competência para zelar pela constitucionalidade das leis e pela eficácia dos direitos fundamentais. Atribuiu aos juízes e tribunais a guarda da Constituição. Estabeleceu algumas exceções aos direitos fundamentais, mas coerentemente, exigiu autorização judicial para serem efetivadas. Assegurou a estrutura do sistema. Além dos juízes e tribunais, apenas as comissões parlamentares de inquérito podem levantar sigilo (CF 58, §3º). Entretanto, o legislador ordinário elabora leis para livrar o Executivo da amarra jurídica; garante formalmente arbitrariedade ao governante. O artigo 1º, §3º, da lei complementar 105/2001, exemplifica isto; rompe o dique das garantias individuais. Informações sobre a intimidade, a privacidade, a situação financeira das pessoas circulam amplamente pelos corredores da administração pública e das instituições financeiras. Motivos ideológicos, econômicos e imorais solapam o sistema constitucional brasileiro. O anseio pelo poder absoluto, livre de freios éticos, jurídicos e religiosos, domina o espírito dos governantes e dos seus auxiliares, tanto nos países democráticos, como nos autocráticos.

Intervenção no Município.

Na mesma sessão (25.11.2010) o Supremo Tribunal Federal apreciou questão relativa à extensão dos poderes da Controladoria Geral da União. Prefeito municipal propõe ação judicial para impedir a Controladoria de intervir nos negócios do seu município. Apóia-se na autonomia municipal assegurada na Constituição Federal. A Controladoria sustenta a legitimidade da sua intervenção lastreada no controle interno e na fiscalização previstos na Constituição. Controle (dirigir, orientar) e fiscalização (examinar, vigiar) neste caso concreto referem-se às verbas federais entregues ao município através de convênio celebrado com a União Federal.

Lavrou divergência no STF. A maioria dos ministros entende legítima a ação da Controladoria no município. Estriba-se no princípio republicano, do qual é corolário o dever de prestar contas de quem utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos (CF 70, p.u.). O fornecedor da verba tem o direito de fiscalizar a respectiva aplicação e exigir prestação de contas de quem a recebe. O município que recebe dinheiro em decorrência de convênio celebrado com a União fica sujeito à fiscalização por órgão federal. Essa fiscalização convive com a exercida pelos órgãos de controle externo da prefeitura (câmara municipal + tribunal de contas). Depreende-se do caso exposto no tribunal, que essa fiscalização especial está prevista no convênio.

A minoria considerou inconstitucional a ação da Controladoria. Arrima-se no princípio federativo do qual a autonomia municipal se tornou corolário ex vi da Constituição brasileira de 1988 (art. 18 e 29). A ação da Controladoria no território municipal e nas dependências da prefeitura constitui intromissão indevida nos negócios do município; tipifica intervenção extraordinária, sem amparo constitucional.

Realmente, consoante artigo 34, da Constituição, a União só pode intervir nos Estados e no Distrito Federal. Logo, esse tipo de atividade da Controladoria – órgão do Executivo federal – é inconstitucional. Irrelevantes para a solução da controvérsia as distintas qualificações dadas à federação pelos doutrinadores (rígida, orgânica, integrada, flexível). Lex habemus. No município, a intervenção compete exclusivamente ao respectivo Estado federado, mediante decreto do governador, com assentimento da assembléia legislativa (CF 36,1º). Na hipótese de prestação de contas, a intervenção estadual só se justifica se o município for inadimplente (CF 35, II). Não há notícia, pelo menos veiculada na sessão do tribunal, de que o município se negou a prestar contas ou que as prestou sem atender aos requisitos constitucionais e legais.

Em sintonia com o princípio republicano da responsabilidade dos gestores da coisa pública, os ministros concordam com a obrigação do município de prestar contas. Discordam entre si, porém, quanto à primazia do princípio republicano sobre o federativo. Entretanto, a divergência se resolverá se abandonada a área dos princípios e adentrada a seara dos conceitos. República é um tipo de Estado cujo governo e cujos bens constituem patrimônio da nação perante a qual respondem os governantes. A responsabilidade é nota essencial do conceito de república. Federação é um tipo de Estado soberano composto de Estados autônomos. Daí a congruência do legislador constituinte ao definir o Brasil como república federativa (CF 1º): adotou a forma republicana de vida política (que poderia ser monárquica) e o modelo federativo de Estado (que poderia ser unitário). Não há sentido, pois, falar de primazia da república sobre a federação ou vice-versa. Esses conceitos formam uma unidade institucional na organização política e administrativa do Brasil (CF 18).

Em nosso país vigora a supremacia da Constituição। Contrato, lei complementar e qualquer outro ato normativo infraconstitucional não podem contrariá-la. O ordenamento jurídico brasileiro é hierárquico. O contrato ou a lei não pode: (i) autorizar ou permitir o que a Constituição desautoriza ou proíbe; (ii) disciplinar de modo diferente a dinâmica determinada na Constituição. A intervenção no município deve obedecer ao procedimento estabelecido na Constituição. O direito da Controladoria de exigir prestação de contas não pode servir de pretexto à intervenção extraordinária no município. As contas são prestadas na forma contábil, circunscritas à verba recebida. Em relação ao município, a fiscalização pela Controladoria é externa, pois o município não integra a organização administrativa do Executivo federal e sim a organização política e administrativa da república federativa. Se o dever do município de prestar contas no caso concreto refere-se a verba federal e decorre de obrigação derivada da Constituição, o controle externo compete ao Tribunal de Contas da União (além dos controles interno e externo locais); se a obrigação deriva de contrato entre órgão federal e órgão municipal, a fiscalização da respectiva execução cabe às partes contratantes, sem prejuízo dos controles interno da prefeitura e externo da câmara municipal e do tribunal de contas.
A fiscalização especial e não intervencionista decorre da exigência de legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência na administração pública (CF 37)। O desvio de verbas é corriqueiro। Verba destinada à construção de estrada, por exemplo, é aplicada em negócios particulares ou em obra distinta. Notas fiscais, recibos e faturas sem correspondência com a realidade ou registrando valores acima do valor de mercado do material e da mão de obra utilizados, são fatos notórios na administração pública. Do que foi exposto na sessão de julgamento, depreende-se que o equívoco está no caráter invasivo da fiscalização realizada pela Controladoria. Ainda que esteja previsto no contrato, tal procedimento não prevalece ante os freios constitucionais. Subjaz à conduta invasiva do agente público, a tendência de exercer o poder além dos limites traçados pelo direito e pela moral. Summum jus, summa injuria.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

PÍLULAS

Cidade maravilhosa.

“Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil”. Marcha musical que virou hino. Da cidade do Rio de Janeiro, só restou fama. Os cariocas – povo e governo – acabaram com a maravilha. Emporcalharam a cidade nos últimos 60 anos. Macularam sua beleza natural. Poluíram praias. Lixo, urina e fezes nos logradouros públicos (moradores de rua e ambulantes também têm necessidades fisiológicas, apesar da miséria). Vias públicas congestionadas de pessoas e veículos. Trânsito lento. Ensino básico deficiente. Hospitais insuficientes; nos existentes faltam: higiene, equipamentos, gerência eficiente, médicos, enfermeiros e funcionários.

“Rio de Janeiro, gosto de você, gosto de quem gosta deste céu, deste mar, desta gente feliz”. Ao passar pela transição, Lúcio Alves, cantor de voz suave e melodiosa, levou com ele essa gente feliz. O carioca vive da aparência que lhe deu a fama gerada em época feliz. O “espírito carioca” tornou-se artificial; a alegria, uma impostura; o carnaval, um evento turístico sem alma. O malandro carioca foi para o túmulo com o Kid Morangueira. O seu lugar foi ocupado pelo delinqüente carioca (traficante, assassino, assaltante, estelionatário). O carioca contemporâneo vive com medo, trancado em seus apartamentos na zona sul e nas suas vilas na zona norte. Sofre no corpo, na mente e nas finanças. Arrastão nas ruas e nas praias; assaltos em casas comerciais e residenciais; batalha de torcidas de futebol; destruição do patrimônio público e particular.

“Favela que mora no meu coração, ao recordar com saudade, a minha felicidade, favela dos sonhos de amor e do samba canção”. Versos cantados por Francisco Alves, o Rei da Voz. A favela com seus barracos, teto de zinco, chão de estrelas, que inspirou os poetas do asfalto, transfigurou-se: casas de tijolos, luz elétrica, água encanada, esgoto a céu aberto, desembocando nos rios e no mar in natura. Mudou de nome: ao invés de favela, agora é comunidade. A mudança melhora a auto-estima dos moradores. Algumas favelas (a Mangueira serve de exemplo) receberam atenção maior em homenagem à sua tradição. A favela/comunidade converteu-se em fortificado território de traficantes de drogas e de armas e em abrigo para diversos tipos de delinqüentes. Fuzis e metralhadoras produzem o samba canção e embalam os sonhos de grandeza dos jovens. Os poetas ficaram sem os sonhos de amor. À população restou o pesadelo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

PÍLULAS

Aparência.

A beleza tem um padrão na cultura ocidental fornecido pela mitologia e pela arte grega: a de Apolo, masculina e a de Afrodite, feminina. Na poesia, ambas as belezas são homenageadas. No cinema, personificam-nas atores como Rodolfo Valentino, Toni Curtis, Alain Delon, e atrizes como Greta Garbo, Sophia Loren, Elizabeth Taylor. No entanto, a aparência real da pessoa de 20, 50 ou 100 anos de idade carece de padrão. Há influência de fatores individuais (orgânicos e psicológicos), sociais, econômicos e ambientais nas marcas do rosto e na postura física das pessoas. Estes são fatos da experiência comum. O desenvolvimento físico e o funcionamento orgânico não são exatamente os mesmos entre pessoas que vivem na zona polar e as que vivem na zona equatorial; entre o civilizado e o silvícola; entre o trabalhador rural e o trabalhador urbano. Clima, etnia, dieta alimentar, estilo e ritmo de vida contribuem para a distinção. Entre pessoas da mesma idade que habitam a mesma região também os traços de envelhecimento aparecem mais em uns do que em outros. Nascemos para viver e morrer. Envelhecemos no caminho.

Carece, pois, de fundamento racional, a frase de duplo sentido: “você não aparenta a idade que tem”. A intenção do interlocutor pode ser a de: (i) ironizar ou elogiar quem está envelhecido; (ii) emitir opinião meramente convencional sobre a boa disposição física e mental da pessoa com mais de 50 anos de idade.

Sensação térmica.

Comum nas previsões meteorológicas e nos eventos esportivos transmitidos pelas emissoras de TV, a referência à temperatura do termômetro e à temperatura sensorial. Essa distinção não se sustenta racionalmente. Cada indivíduo sente a temperatura ambiente registrada no termômetro. As pessoas mais agasalhadas sentem menos o rigor do frio; outras, menos agasalhadas, sentem mais. Sob igual temperatura, no mesmo ambiente externo, umas pessoas sentem frieza ou calor mais intensamente do que outras. O frio sensibiliza mais as partes expostas do corpo (rosto, mãos) do que as partes agasalhadas. Os atletas de uma equipe esportiva, sob baixa temperatura, parados no banco de reservas, sentem mais frio do que os atletas em movimento durante o jogo. A sensação térmica quantifica-se pelo termômetro, inventado justamente para isso: medir a temperatura. Avaliar tal sensação em grau inferior quando o termômetro acusa temperatura superior serve, exclusivamente, à linguagem expressiva. Trata-se de mensura subjetiva sem espelhar a realidade.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

ESPORTE

Futebol.

Arbitragem e punibilidade.

Campeonato brasileiro. Série B. 20/11/2010. Portuguesa x Ipatinga. Defensor da Portuguesa entra de carrinho no adversário. Árbitro o expulsa imediata e diretamente; aplica o cartão vermelho sem esperar pelo amarelo. Jogadores protestam por ser a primeira falta do companheiro. Árbitro mantém a punição. Durante a partida exibe autoridade sem autoritarismo e sem panos quentes. Virilidade e contacto físico são características do futebol. O jogador que disto se aproveita para dar tapas, cotoveladas, pancadas nos adversários afronta a ética esportiva e merece punição. O argumento de que bateu no adversário sem querer, sem intenção, serve exclusivamente à impunidade, pois não convence. O bom jogador prima pela categoria e se envergonha de algum lance que a não demonstre. O jogador profissional tem a obrigação moral de exibir bom nível técnico, de visar exclusivamente o domínio da bola e de movimentar o corpo sem desferir golpes no adversário. A punição é cabível quando a ofensa física, tentada ou consumada, resultar da malícia, má fé ou da falta de habilidade do jogador. A graduação da pena é normativa: advertência verbal, advertência com cartão (amarelo) e expulsão (cartão vermelho). A graduação, porém, não vincula o árbitro à seqüência. Cabe-lhe aplicar a pena adequada ao caso concreto, segundo sua interpretação. Destarte, o árbitro pode aplicar a pena de expulsão mesmo que o jogador não tenha sido advertido previamente. Na jogada sob apreciação do árbitro, pesa mais a violência do que a intenção do jogador. Ainda que o adversário não seja atingido, o jogador deve ser punido por assumir o risco de ferir. Nesta hipótese, a intenção pesa mais e pode até causar a expulsão, conforme as circunstâncias e a avaliação do árbitro. Agredir, no sentido de atacar, insultar, ofender física e moralmente o adversário, é comportamento incompatível com o esporte. Atacar a equipe adversária, no sentido técnico e estratégico, de modo aguerrido e algumas vezes até ríspido, porém sem violência, é próprio do esporte. Alguns jogadores são useiros e vezeiros em simular faltas, principalmente dentro da área do gol adversário. Diante dessa realidade, pode acontecer de o árbitro: (i) não se deixar enganar e advertir o espertalhão; (ii) marcar infração que não existiu (vitória da safadeza; árbitro induzido a erro); (iii) deixar de marcar infração que existiu (safadeza derrotada; hábito de enganar prejudica o enganador; plausível erro do árbitro).

Campeonato brasileiro. Série A. 21/11/2010. (1) Fluminense x São Paulo. Confronto dos tricolores carioca e paulistano. Primeiro tempo com bom desempenho das duas equipes. No segundo tempo dois jogadores do clube paulista foram expulsos: um por ofensa ao árbitro; outro por derrubar o adversário quando este tinha à sua frente apenas o goleiro. O árbitro acertou ao aplicar o cartão vermelho diretamente nas duas infrações. A sua atuação foi excelente durante a partida. Numericamente superior, o clube carioca dominou a equipe adversária e fez mais gols. Placar final: 4 x 1. Alex Silva, defensor do São Paulo, foi o destaque. Jogou muito bem; lutou bravamente. Fred e Washington, atacantes do Fluminense, perderam gols e tiveram um desempenho sofrível. Quando o Fluminense perdeu a chance de ser campeão da copa Libertadores da América jogando no Maracanã, o atacante Washington também não conseguia fazer gols há algumas partidas e mesmo assim, o treinador Renato Gaúcho o manteve em campo durante os 90 minutos de jogo. Agora, no jogo de domingo, o treinador Muricy o substituiu oportuna e acertadamente. (2) Cruzeiro x Vasco. Bom nível técnico. Superioridade inconteste do clube mineiro. O carioca controlou a bola por muito tempo, porém, faltou objetividade. Conseguiu fazer apenas um gol. O mineiro finalizou com maior precisão e número de gols. Forte candidato ao título de campeão brasileiro. As duas equipes ofereceram um bom espetáculo ao público.

sábado, 20 de novembro de 2010

ESPORTE

Amizade há de prevalecer no mundo esportivo. A rivalidade entre equipes não se confunde com inimizade, como bem demonstrou a confraternização entre Ronaldo Gaúcho e Messi após o encerramento do jogo amistoso da seleção brasileira contra a seleção argentina na quarta-feira (17/11/2010). Durante o jogo houve pancadaria e ofensas verbais de ambos os lados. Na linguagem esportiva, amistoso significa jogo fora de campeonato, sem implicar troca de gentilezas, beijos e abraços entre os jogadores. Essa troca, quando acontece, há de ser moderada para resguardar a virilidade. Censura-se o oposto: botinadas, cotoveladas, tapas, carrinhos. A desculpa recorrente de que o contato físico é inevitável camufla a deslealdade. Dessa desculpa o jogador se aproveita para agredir o adversário. Essa conduta ilícita se espalhou como praga nos campos de futebol, com o beneplácito dos árbitros. A expulsão do jogador deve ser resposta imediata à violência praticada, sem panos quentes. As comissões de arbitragem nacional e internacional devem instruir os árbitros a esse respeito e exigir obediência à sua orientação. O futebol feminino, até o momento e enquanto não seguir o péssimo exemplo do masculino, mostra como é dispensável a violência; bastam técnica e boa educação, sem prejuízo do espírito guerreiro. O espetáculo ganha em beleza e proporciona maior satisfação aos apreciadores do esporte.

O jogo amistoso tolera menor empenho dos atletas, admite especial cuidado para evitar lesões e aceita exibição de talento despreocupada com o resultado. Apesar disto, jogo é jogo. Ainda que não haja troféu à vencedora e o início da partida seja cuidadoso, ambas as equipes atuam para vencer. Em campeonato, a equipe só joga para perder: (i) em troca de dinheiro; (ii) com o propósito de entrar em grupo constituído de equipes mais fracas e, desse modo, assegurar boa classificação; (iii) por determinação superior dos dirigentes do esporte (cartolas). A seleção brasileira de futebol parece ter sofrido tal experiência na copa de 1998. Afastaram Romário. A responsabilidade passou para Ronaldo Nazário, que amarelou e passou mal. Os jogadores brasileiros pareciam zumbis na partida contra a seleção francesa. Ficou a impressão de que os dirigentes da federação internacional de futebol (cartolas) favoreceram a equipe da casa (França).

Depois de vencer 5 copas do mundo, a seleção brasileira não precisa provar mais nada. Convém livrar-se do sentimento de inferioridade. Ante as provocações dos argentinos ou de qualquer outra equipe, os brasileiros devem ficar indiferentes e altaneiros. Em campo, jogando leal e eficazmente, os brasileiros mostrarão o seu valor. Para acalentar amor próprio, os brasileiros têm a seu favor a realidade histórica. Além das vitórias em campeonatos e jogos amistosos, o Brasil dispõe das únicas estrelas de primeira grandeza do futebol mundial: Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé, Romário, Ronaldo Gaúcho, na ordem da antiguidade. Argentina e países europeus só possuem estrelas de segunda grandeza e, assim mesmo, em número pequeno: Beckenbauer, Bob Charlton, Cristiano Ronaldo, Di Stefano, Eusébio, Fontaine, Gerd Muller, Kócsis, Maradona, Messi, Platini, Puskas, Riquelme, Zidane, enquanto o Brasil tem dezenas: Ademir Menezes, Ademir da Guia, Amarildo, Cafu, Djalma Santos, Domingos da Guia, Falcão, Gerson, Giovane, Jairzinho, Júnior, Nilton Santos, Paulo César, Reinaldo, Rivaldo, Rivelino, Roberto Carlos, Robinho, Sócrates, Tostão, Vavá, Zé Roberto, Zico, para citar apenas alguns na ordem alfabética. Na constelação das estrelas de terceira grandeza incluem-se americanos, europeus e africanos como Anelka, Baggio, Ballack, Batistuta, Beckham, Breitner, Cambiasso, Cruyff, Cubillas, Deco, Eto´o, Klinsmann, Klose, Lato, Lineker, Malouda, Nasri, Ribery, Robben, Rummenigg, Sneijder, Totti, Valderrama, Vieri, enquanto o Brasil tem uma plêiade: Adriano, Alex, Bebeto, Careca, Carlos Alberto, Clodoaldo, Coutinho, Diego Tardelli, Dirceu Lopes, Edmundo, Edu, Felipe Coutinho, Ganso, Juan, KK, Leivinha, Lúcio, Luis Fabiano, Luis Pereira, Maicon, Miller, Nelinho, Neymar, Nilmar, Palhinha, Pato, Pepe, Pinheiro, Raí, Renato Gaúcho, Roberto Dinamite, Ronaldo Nazário, Zagalo, Zito, e por aí vai.

Os argentinos foram campeões mundiais. Como qualquer outra seleção, a brasileira não é invencível. Cedo ou tarde, os argentinos a venceriam. Melhor agora do que nos jogos da copa do mundo. Os argentinos são habilidosos, têm muita garra, empenham-se muito nas partidas. O último jogo entre as duas seleções foi equilibrado. O gol no minuto final da partida foi acidental. De modo algum evidenciou superioridade. Resultou de uma bela trama dos adversários e da característica rompedora de Messi na seqüência dos dribles. O gol foi produto do acaso. No decorrer da partida, Messi teve melhor oportunidade e errou. Esse jogador foi desarmado inúmeras vezes pela defesa brasileira. Ronaldo Gaúcho sofreu menos desarmes.

A convocação de Ronaldo foi acertada, porém, como estrela de primeira grandeza na história do futebol, ele precisa readquirir confiança no seu potencial. Ao passar a bola para Neymar, quando podia ter chutado diretamente no gol, Ronaldo mostrou insegurança ou excesso de solidariedade decorrente, quiçá, de eventuais pressões que sofre na Europa. Às vezes, ele se excede nas gentilezas quando, por exemplo, apanha a bola com as mãos e a entrega nas mãos do adversário para cobrança de falta ou reposição de bola na lateral do campo, o que pode ser mal interpretado como sinal de fraqueza ou atitude de menosprezo. O adversário que vá buscar a bola onde ela se encontra, ou espere pelo gandula. Ao voltar para seu clube, seria bom que Ronaldo colocasse os aborrecimentos e os contratempos na geladeira e se dedicasse de corpo e alma ao futebol. Creio que muitos brasileiros aguardam por isto. Além de uma boa conversa com psicólogo, seria bom que ele perdesse mais um pouco de peso para ganhar em velocidade e desenvoltura. Talento há de sobra.

Nesta fase experimental da seleção brasileira, seria producente a permanência em campo de Vítor, Daniel Alves, Lucas, Ronaldo Gaúcho e Robinho durante os 90 minutos (salvo contusão ou exaustão física) visando ao entrosamento e confiança. Os demais jogadores podiam ser substituídos logo no início do segundo tempo, sem tardança, com tempo suficiente para os substitutos desenvolverem o seu potencial técnico. O treinador observa todos os jogadores nos treinos. Os torcedores, apreciadores e simpatizantes da seleção brasileira só têm essa chance nos jogos. O grande mestre Didi cunhou a frase que ficou célebre no meio esportivo: treino é treino, jogo é jogo. Seria interessante que nos próximos jogos, mantidos aqueles cinco, os seis jogadores que atuassem no primeiro tempo fossem substituídos de uma só vez no segundo tempo. A quantidade das substituições nos jogos amistosos pode ultrapassar o limite regulamentar se houver acordo. Há tempo suficiente para essa experiência. A próxima copa acontecerá só em 2014. Por ser no Brasil e dispormos de jogadores e treinador excelentes, não significa vitória fácil da nossa seleção. Lembrai-vos de 1950.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

ECONOMIA

Taxa cambial.

Os chefes de governos dos 20 países mais desenvolvidos do mundo (G20) reuniram-se em Seul, capital da Coréia do Sul, em 12/11/2010, para solucionar a guerra cambial. Adotaremos o câmbio fixo ou câmbio flutuante? Manteremos o dólar como paradigma ou mudaremos? Qual o prazo para o ajuste? O Brasil, orgulhoso de pertencer ao refinado G20, defende o câmbio flutuante. Os administradores brasileiros gostam de ver o dólar flutuar e cair em contas bancárias particulares nos paraísos fiscais.

Aos principais atores da guerra cambial (EUA e China) interessa desvalorizar a moeda para incrementar as exportações dos seus produtos. Essa guerra não interessa a países de dentro e de fora do bloco. Buscou-se encontrar o ponto G-0, que traria mais prazer para todos. Ficou-se nas preliminares. O ensaio valeu pelo congraçamento. Assim como na ambiental, a questão cambial atraiu chefes de governo. Isto indica que o problema está posto na agenda internacional e preocupa em escala planetária.

O entrave a uma adequada solução está nas características da economia convencional em vigor: crescimento ilimitado, lucro ilimitado, pretensão ao poder hegemônico, desigualdade na distribuição da riqueza e na divisão do trabalho em nível internacional. Nesse tipo de economia, destacam--se os objetivos centrais: (1) do empresário, aumento dos lucros; (2) do empregado, aumento salarial; (3) da sociedade, aumento na oferta de mercadorias e serviços de boa qualidade e do pleno emprego. A partir da última década do século XX e primeira década do século XXI, os custos sociais e ambientais da atividade econômica passaram a receber maior atenção dos povos, dos governos, dos empresários e dos trabalhadores no mundo. A desigualdade persiste porque resulta do mecanismo concentrador do capital e do espírito competitivo. Milhões de pessoas passam fome no mundo, não por falta de alimentos, mas por falta de acesso aos alimentos produzidos no planeta, decorrência da selvageria desse modelo econômico enraizado na cultura ocidental.

O desequilíbrio é inerente ao sistema fundado na competitividade, tanto na economia capitalista, quanto na socialista. A competição ocorre entre os atores econômicos, quer no âmbito nacional, quer na esfera internacional. Todos os países querem ter saldo positivo na balança comercial: exportar mais e importar menos. Do ponto de vista global, esse comportamento gera conflito, além de não se sustentar matematicamente. A busca do equilíbrio não resolve a situação, porque o desequilíbrio constitui a regra na atividade econômica convencional. A solução está na busca de um modelo sob o prisma holístico: limitar a competição e ampliar a cooperação; incluir, na matemática econômica, o ser humano; reduzir a produção de bens supérfluos e poluentes; ampliar e diversificar os serviços; alicerçar a atividade econômica em: (i) dados sociais, psicológicos, ambientais; (ii) valores morais e espirituais.

Cumpre trazer para o mundo dos fatos, em nível nacional e internacional, a fraternidade e a solidariedade defendidas do púlpito nos templos, da tribuna nos parlamentos, do gabinete nos palácios. Os protocolos de boas intenções firmados nas reuniões internacionais devem ganhar força de execução. A mudança de paradigma na economia requer paciência e persistência ante o pouco interesse das grandes companhias (petrolífera, mineração, farmacêutica, bélica). Elas ditam a política econômica aos parlamentares e chefes de governo. Elas financiam campanhas eleitorais, proporcionam viagens e estadias de lazer, distribuem propinas e prêmios. Elas estimulam, por exemplo: (i) a construção de rodovias e a engenharia de tráfego para os veículos por elas fabricados e desestimulam a construção de ferrovias; (ii) a mecanização da lavoura, para vender as suas máquinas, peças, combustível, fertilizantes e pesticidas, em países de abundante mão de obra, gerando desemprego no campo, favelas na cidade, envenenamento nos vegetais e na água; (iii) a produção de leis que favoreçam os seus negócios, colocando os seus interesses acima dos interesses da nação e da humanidade.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

POLÍTICA

CONFRONTO NORTE/SUL.

Para harmonizar o presente artigo com o mapa eleitoral resultante do segundo turno da eleição presidencial de 2010, os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste serão tratados em conjunto, sob a rubrica Sul, e os Estados do Norte e Nordeste, sob a rubrica Norte. A forma presidente para se referir à candidata eleita, utilizada em artigo anterior, será mantida. Cuida-se de vocábulo aplicável indistintamente nos gêneros masculino e feminino (Caldas Aulete). Além disso, designa um cargo público cujo título permanece inalterado, indiferente se ocupado por mulher ou por homem. Reservo o tratamento de presidenta à mulher que preside associação, empresa ou qualquer empreendimento.

No Sul, o mapa eleitoral de 2010 provocou amargor sem a cuia do chimarrão. Dos pronunciamentos publicados na rede de computadores, constata-se que a vitória de Dilma nos Estados do Norte despertou a ira dos sulistas. Os irados navegantes do cyber espaço consideram aquela região a menos desenvolvida do país, apesar da produção do açaí, do guaraná e de outros vegetais tonificantes e terapêuticos. Debitaram a vitória de Dilma ao atraso dos povos nortistas. Houve quem pregasse o extermínio dos nordestinos que moram em São Paulo. Os defensores dos nortistas citam os vultos regionais da literatura, música, arte, para provar a cultura e inteligência daquela gente. Os ânimos logo se acalmarão, inobstante conceitos e preconceitos latentes. Sempre haverá reserva mental de quem se toma por modelo em relação a quem exibe diferente perfil, tanto na esfera individual como na esfera coletiva. O fenômeno é genético e a natureza nem sempre se submete à moral, à religião e ao direito. Embalados pela maré eleitoral e pela emotividade, equivocaram-se os dois lados em confronto.

A cidade do Rio de Janeiro é considerada um dos pólos culturais do Brasil; tambor de ressonância do pensamento e da prática política e social; palco de violentos conflitos e históricas manifestações pela democracia; munícipes altamente politizados que resistiram à autocracia militar. A maior parcela dos eleitores cariocas votou em Dilma. Isto não faz do carioca um povo culturalmente atrasado. Há considerável fatia de nortistas e descendentes de nortistas na população fluminense. Por causa disto, terá o povo carioca perdido a tradicional posição de vanguarda? Houve retrocesso político no Rio de Janeiro? O panorama social mudou nos últimos 20 anos. Influíram nessa mudança: a estupenda proliferação de favelas, a intensidade do tráfico de armas e drogas, a exponencial violência, o relaxamento dos bons costumes, a corrupção no setor público e na sociedade civil. Por outro lado, o grau de politização dos povos do Norte não se mede só pela escolha dos parlamentares e chefes de governo, mas também por outros fatores que influem no resultado do pleito eleitoral. Os nortistas e os fluminenses retribuíram com votos a atenção que receberam do governo Luis Inácio. Esses votos conduzem a esperança de que a mesma atenção continuará por mais oito anos.

Aos grandes nomes que circularam pela rede de computadores para justificar a inteligência e o valor dos nortistas, devem ser acrescentados, por justiça e merecimento, os nomes dos juristas: Ruy Barbosa (Bahia), Clóvis Beviláqua (Ceará), Pontes de Miranda (Alagoas). Convém assinalar, entretanto, que os grandes vultos citados na rede e aqui, projetaram-se nacional e internacionalmente após se mudarem para o Rio de Janeiro e São Paulo. Ademais, há grandes vultos sulistas na arte, ciência, filosofia, ensino, medicina, política, economia, arquitetura, cuja projeção nacional e internacional não exigiu migração para o Norte.

Os nortistas migraram para o Sul – não para construir São Paulo, como se propala – mas sim em busca de melhores condições de vida. A decadência do Norte e o domínio dos proprietários de terra e dos senhores de engenho na região ainda eram notórios no século XIX, enquanto as províncias do Sul prosperavam graças à mentalidade vanguardeira e empreendedora das suas elites, ao trabalho assalariado em substituição ao trabalho escravo e às atividades rurais e urbanas dos imigrantes europeus e asiáticos. Atualmente, é considerável o peso eleitoral dos nortistas domiciliados em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Grandes vultos não significam grandes povos. Os grandes líderes e conquistadores, em épocas pretéritas, comandavam exércitos formados de gente rude e mercenária. Essas conquistas bélicas contribuíram pouco para o progresso da humanidade e muito para enaltecer a guerra e o heroísmo. O gênio militar pode surgir em qualquer parte, de terno ou de farda, mas depende do momento histórico oportuno para se manifestar. Avanços tecnológicos decorreram de objetivos militares. O esplendor do Antigo Egito, nos milênios de história, deveu-se a uma elite guerreira, intelectual, mística e religiosa; a massa ignara contribuía com sua obediência, força de trabalho e serviço militar. Na Grécia Clássica, pessoas representativas, grandes chefes guerreiros, pensadores, escultores, resumiam-se a um punhado de cidadãos (Péricles, Alexandre, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles). Base da civilização ocidental, a herança grega procede dessa minúscula parcela de homens; a maioria do povo era ignorante e analfabeta, obreiros livres ou escravos. A ciência européia, que mudou a fisionomia do mundo ocidental, provém de alguns poucos homens que se destacaram a partir do século XVI da era cristã (Copérnico, Galileu, Descartes, Newton, Pasteur, Harvey, Planck, Einstein, Bohr). Até o século XIX, a maioria do povo europeu era ignorante e analfabeta; contribuiu com sua força de trabalho (agricultura, pecuária, comércio, processo de industrialização); serviu de bucha de canhão nas guerras e revoluções. Levando-se em conta a população da Europa, verifica-se que as teorias e os sistemas econômicos se devem a uma escassa minoria (Mirabeau, Quesnay, Condorcet, Smith, Malthus, Ricardo, Keynes, Marx, Pareto).

O Brasil não foge à regra. Em sua história, são poucos os grandes artistas, inventores, empreendedores, cientistas, juristas, escritores, filósofos, se comparado o número desses brasileiros com a extensão territorial e a densidade demográfica do país. Até a metade do século XX, a maioria do povo brasileiro era ignorante, analfabeta, enferma, alienada, massa facilmente manobrável por políticos corruptos, caudilhos, coronéis e generais. Com o advento da televisão, a expansão dos meios de comunicação, cursos à distância, a população ficou mais instruída e informada. A ignorância e o analfabetismo retrocederam a partir da segunda metade do século XX, quando se acelerou o desenvolvimento econômico e social iniciado nos anos 30. No crepúsculo do século XX, amainou o militarismo, visceral na república brasileira desde a proclamação em 1889. Nesta primeira década do século XXI, nota-se alguma evolução na vida política, mas há resquício do coronelismo em áreas do Sul e do Norte. Coronel com maquiagem e equipamentos modernos, dono de jornais e emissoras de rádio e televisão. Nos seus domínios, mantém cativo o eleitorado. Tal sobrevivência ainda influi no pleito eleitoral. Políticos sem peias morais seguem o novo figurino do velho coronel: criam reservas de eleitores mediante benesses que distribuem na sua região; estabelecem laços de dependência mediante assistencialismo público e privado; promovem a si próprios mediante propaganda enganosa. Essa conhecida realidade vem retratada em alguns livros, como Vila dos Confins, de Mário Palmério (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio, 1984), O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro (São Paulo, Companhia das Letras, 1995), Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro (São Paulo, Globo, 2001). A parte decente da sociedade brasileira reage: por iniciativa popular, obteve do Congresso Nacional, com muito esforço e insistência, legislação repressora da imoralidade e dos abusos no processo eleitoral. Em sintonia com a reação popular, a Justiça Eleitoral tem se mostrado atuante, célere e eficaz.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

POLÍTICA

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Resultado memorável para a história política e social do Brasil: mulher eleita presidente da república. Maria I, rainha de Portugal, Brasil e Algarves reinou, mas não governou, pois sofria de doença mental. O governo era exercido por seu filho João, príncipe regente. Acossada por Napoleão, na Europa, a família real trasladou-se para a América portuguesa (1808). O Brasil ainda era colônia; não existia como nação, nem como Estado soberano. Só em 1815, carta régia expedida pelo príncipe regente elevou a colônia à categoria política de reino, porém, unido ao de Portugal. No ano seguinte, a rainha faleceu. Durante o império, a titularidade do poder coube aos imperadores, com o interregno da regência masculina entre a abdicação de Pedro I (1831) e a maioridade antecipada de Pedro II (1840). Izabel, herdeira do trono, governou o Brasil em virtude do afastamento temporário do pai, imperador Pedro II. A escravatura foi abolida quando Izabel governava o país. A república sempre foi governada por homens, desde a sua proclamação, em 1889, até 2010.

Nestas eleições populares de 2010, o corpo eleitoral da república brasileira compõe-se de 135.804.433 cidadãos. Desse total, no segundo turno da eleição, em números redondos, 55.750.000 eleitores votaram em Dilma Rousseff, 43.710.000 em José Serra e 36.340.000 não escolheram candidato (votos brancos, nulos e abstenções). Em termos negativos: 80 milhões de eleitores não votaram em Dilma e 92 milhões de eleitores não votaram em Serra. Por outro lado, impressiona a quantidade de eleitores que não escolheu qualquer dos candidatos. Centenas de países no mundo não têm essa quantidade de habitantes. Cresceu a parcela do eleitorado brasileiro desencantada com a política partidária e que se nega a escolher entre as quadrilhas que disputam o governo. Essa parcela – que continuará a crescer até o ponto de saturação, se os maus costumes persistirem – exige ética na política, honestidade e competência dos agentes do poder público e dos agentes administrativos do Estado.

Em percentuais, verifica-se que 42% do eleitorado brasileiro votaram em Dilma, 32% em Serra e 26% não escolheram candidato. Em relação ao primeiro turno das eleições presidenciais, os votos negativos (brancos, nulos e abstenções) aumentaram de 25% para 26% no segundo turno. Isto revela que, dos eleitores de Marina Silva, aproximadamente 900.000 anularam o voto, 8.100.000 votaram em Dilma e 10.600.000 votaram em Serra.

Os eleitores do primeiro turno mantiveram os votos nos seus candidatos. Realmente, em números redondos, Dilma obteve 47.600.000 votos no primeiro turno, que somados aos 8.100.000 migrados de Marina, resultou os 55.700.000 do segundo turno; Serra obteve 33.100.000 no primeiro turno, que somados aos 10.600.000 migrados de Marina, resultou os 43.700.000 do segundo turno. Do mapa eleitoral, constata-se que na região desenvolvida do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste) o candidato Serra venceu. A exceção coube ao Estado do Rio de Janeiro, onde Serra foi superado por Dilma. Exceção de peso político, pois o Rio de Janeiro é o terceiro maior colégio eleitoral do país; quantitativamente, só fica atrás de São Paulo e Minas Gerais. Na região menos desenvolvida do Brasil (Norte e Nordeste), a candidata Dilma superou o adversário.

A candidata obteve êxito graças ao eleitorado de Luis Inácio, à fidelidade e à garra da militância petista, à colaboração dos partidos coligados, principalmente o PMDB, e ao empenho pessoal e pertinaz do presidente da república. Isto pode sugerir vínculo de subordinação da eleita. Hipótese improvável. Talvez aconteça nos primeiros meses ou no primeiro ano do mandato de Dilma, em homenagem e preito de agradecimento e lealdade ao seu criador e protetor. Depois desse período de incubação, o vírus governamental romperá a membrana que o envolve. A espada do poder cortará o cordão umbilical.

O perfil autoritário da futura presidente clama por autonomia, a indicar ausência de vocação para títere. Aliás, em país democrático como o Brasil, cuja frouxidão moral e costumes licenciosos são notórios internacionalmente, o autoritarismo do governante é necessário quando se busca eficiência; atitudes enérgicas devem ser tomadas para cumprimento das ordens e das metas governamentais; delicadeza e palavras doces na gestão da coisa pública geram roubalheira, desobediência, desrespeito e embromação.

O papel de camareira também não combina com a forte personalidade da candidata eleita. Em 2015, certamente, Luis Inácio não se deitará em cama preparada por Dilma. Ela tem dignidade e amor próprio. A comparação com o general Eurico Gaspar Dutra, que teria preparado a cama para Getúlio Vargas, não tem cabimento. Dutra exerceu a presidência com dignidade, autoridade e profundo respeito à Constituição. Tinha plena e amadurecida consciência de que a lei magna de 1946 fora votada pelos representantes do povo brasileiro em assembléia nacional constituinte e que respeitá-la equivalia a respeitar a nação brasileira. O retorno de Getúlio Vargas não se deve a Dutra e sim à força política do caudilho gaúcho e à tradição republicana que vedava a reeleição.

O panorama político, econômico e social do Brasil em 2010, difere do panorama de 1946. Caso Dilma faça um bom governo, será reeleita por seus próprios méritos, ainda que não consiga desbaratar a quadrilha incrustada no palácio, até por companheirismo e lealdade ao chefe. Espera-se que Dilma seja leal à nação brasileira; que execute o programa apresentado na campanha eleitoral; que honre o compromisso que prestará ao tomar posse no cargo de presidente da república: manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil (CF 78).