domingo, 29 de julho de 2012

POESIA


Quando estiver morta e sobre mim o claro abril / sacudir seu cabelo de chuvas compactas / embora vergues para mim de alma partida / não me importarei nada. / Terei a paz que têm as árvores espessas / sob a chuva que os ramos lhes dobra. / E terei mais silêncio e um coração mais frio / do que tu, agora. (“Não me importarei nada” – Sara Teasdale. Trad. Cecília Meirelles).


Um sorriso temporão / pelo morto que seremos. / Na mesa um pouco de pão / e esta casa em que vivemos. / Um longo, longo passeio / pelos países do Sul / em tributo ao nosso anseio / pelo implacável futuro. / Os braços estenderemos / para os mares do Brasil / colhendo frutos das ilhas / que resumem toda a terra / a esse morto que seremos / que terá tão pouca terra / hoje, que em antecedência / ele em nós já pode ler / com a nossa inteligência / nosso modo de morrer / nosso enlevo de morrer. (“Oferenda” – Jules Supervielle. Trad. Luis Martins).


Cidade minha, minha amada, minha loira / és esbelta / ouve-me, escuta e te soprarei uma alma / de leve, neste caniço – escuta! / Ora, bem sei que enlouqueci / eis um milhão de grosseiros traficantes / e nenhuma virgem! / Ah! Se eu tivesse um caniço não saberia tocar. / Cidade minha, minha amada / tu és uma virgem sem seios / esbelta como um caniço de prata. / Ouve-me, escuta. / Eu te darei uma alma / e tu serás eterna. (“Nova York” – Ezra Loomis Pound. Trad. Sérgio Milliet).

quarta-feira, 25 de julho de 2012

POESIA


Libertaram o escravo quebrando-lhe as correntes / e ele ficou mais escravo do que nunca. / Trazia consigo os ferros do servilismo / as algemas da indolência e da preguiça / as cadeias do temor e da superstição / da ignorância, da desconfiança, da barbárie... / Sua escravidão não estava nas correntes / mas nele próprio. / Somente os homens livres são libertados... / e nem isso é necessário. / Os homens livres libertam-se sozinhos. (“O Escravo” – James Oppenheim – trad. Sérgio Milliet). 

Pois que tinha o olhar vendado / perguntou para que lado / devia ir. / Uns tratantes que passavam / com dedos cheios de anéis / tomaram-lhe o pulso e a ataram / com seus cordéis. / E foram dormir com ela / e cortaram-lhe os cabelos / só pra eles. / E esconderam-na bem entre / a muralha gorda feita / dos seus ventres. / Não a julgueis mal por isso / vós que podeis avaliar / seus sorrisos! / Ela não sabe aonde vai... / No seu pulso a corda má... / faz-lhe mal. / É aquela venda maldita... / Talvez, atrás dela, a mágoa / ter-lhe-á feito o olhar bonito / raso de água. / Tirem-lhe a faixa assassina / e ela até será capaz / com seus olhos de menina / de ir levar pão aos pardais. (“Canção da Fortuna” – Charles Vildrac = Charles Messager. Trad. Guilherme de Almeida).

quarta-feira, 18 de julho de 2012

ECONOMIA SAGRADA


Em oposição ao judaísmo, Jesus trouxe culto a um novo deus que denominou Pai Celestial, com atributos diferentes do deus denominado Javé (ou Jeová). Essa novidade provocou a ira dos escribas, sacerdotes e presbíteros (anciãos). O novo profeta: (i) aboliu o sacrifício de animais; (ii) limitou a dois os mandamentos fundamentais; (iii) mandou amar os amigos e os inimigos enquanto o mandamento judeu era para amar o próximo (amigo) e odiar o distante (inimigo); (iv) tornou flexível o caráter sagrado do sábado; (v) enalteceu a pobreza e criticou os ricos enquanto os judeus consideravam a riqueza bênção divina; (vi) escandalizou a sociedade patriarcal ao cercar-se de mulheres no seu ministério e admiti-las ao apostolado; (vii) nivelou homens e mulheres na virtude e no pecado ao impedir os acusadores de apedrejarem a adúltera.

Jesus abalou a supremacia masculina inerente à cultura judaica. Os seus seguidores, entretanto, mantiveram a supremacia masculina ao organizar a igreja cristã sob influência de Paulo, fariseu desertor das fileiras judias, aninhado no movimento cristão. Depois da crucifixão, Paulo inventou o encontro com Jesus, a quem nunca vira, na estrada de Damasco e se intitulou apóstolo. A supremacia masculina na cultura judia e cristã vem explícita nos testamentos antigo e novo. Exemplos: (i) o mito da criação da mulher tirada de uma costela de Adão; (ii) o episódio narrado nos evangelhos sobre irmãos e irmãs de Jesus, onde apenas os nomes dos meninos são citados.

As instituições necessitam de receita para cobrir despesas com pessoal, material, obras e serviços. Tributos, tarifas, preços, contribuições, compõem a receita. Os levitas (tribo de Levi, encarregada do culto sagrado) recebiam do povo hebreu o dízimo consagrado à divindade e utilizado no culto. Na lei ditada por Javé (ou Jeová) a Moisés, o dízimo correspondia à décima parte da produção agrícola e pecuária. O pagamento podia ser em espécie e em moeda. Os levitas encaminhavam parcela dessa receita aos sacerdotes. Na comunidade de Jesus, a renda provinha de doações. Judas Iscariotes administrava as finanças do grupo. As igrejas fundadas pelos missionários enviavam parte da arrecadação à igreja de Jerusalém da qual Tiago, irmão de Jesus, foi o primeiro bispo. Em suas epístolas às igrejas, Paulo fazia recomendações sobre a receita e respectiva aplicação. Entre os judeus, o dízimo era fonte de riqueza da classe sacerdotal. Com o aumento dos seguidores de Jesus, o tesouro sacerdotal perdia parte dos seus contribuintes, o que reduzia a arrecadação. Era preciso eliminar o causador do prejuízo. O afastamento do líder, que se supunha morto após a crucifixão, não foi suficiente, pois os seus seguidores se organizaram e prosseguiram na catequese. Era preciso também eliminá-los. A perseguição foi implacável. Morticínio e crueldade ignóbeis.

O mercado da fé existe há milênios. No século XIII antes de Cristo (1399-1300), o faraó Aquenaton introduziu oficialmente o culto monoteísta no Egito, o que representou sério golpe nas finanças da conservadora e politeísta classe sacerdotal. O faraó foi morto pela astúcia dos sacerdotes, detentores de fórmulas de veneno e de métodos insidiosos. Tutankamon, sucessor de Aquenaton, restabeleceu o politeísmo. A igreja católica também teve suas finanças abaladas com a perda dos contribuintes que se baldearam para a igreja protestante a partir do século XVI (1501-1600) no movimento europeu de apostasia inaugurado na Alemanha por Lutero. Na Inglaterra do século XVII (1601-1700) o poderoso Cromwell manteve em vigor os dízimos civis e religiosos. 

Descoberta a mina, aguçada a cobiça, os protestantes louvaram a riqueza, justificaram o juro e o lucro nos negócios, entraram no mercado da fé, abriram dissidência e se ramificaram: luteranos, anglicanos, calvinistas, presbiterianos, quacres, batistas, metodistas, adventistas, mórmons, pentecostais. A disputa entre as igrejas por maiores fatias do mercado religioso prossegue até hoje.

domingo, 15 de julho de 2012

GOVERNO SAGRADO


Em alguns livros da primeira parte da bíblia (antigo testamento) como Gênesis, Isaías, Ezequiel, e da segunda parte (novo testamento) como nos quatro evangelhos e nas epistolas de Pedro e Paulo, há referência a entidades angelicais. No século I da era cristã, estas entidades foram organizadas em graus hierárquicos por Dionísio, grego que aderiu ao cristianismo depois de ouvir discurso de Paulo no Areópago (tribunal de Atenas). Ele organizou um governo sagrado composto de três coros ou escalões, cada qual com três grupos de entidades: (i) o escalão ou coro baixo formado por grupos de anjos, de arcanjos e de principados; (ii) o escalão ou coro médio formado por grupos de potestades, de virtudes e de dominações; (iii) o escalão ou coro alto formado por grupos de tronos, de querubins e de serafins. Os entes angelicais são mensageiros e executores da vontade soberana da divindade. A imagem de todos é masculina, reflexo da cultura patriarcal daquela época. Tais entidades se manifestam como puro espírito ou em corpo de homem. A exclusão da mulher do coro angélico provocou debates em assembléias eclesiásticas sobre o sexo dos anjos.  

Se for imaginada forma piramidal a essa hierarquia celeste, o primeiro escalão ocupará a base, o segundo o meio, o terceiro a parte alta e Deus a cúspide. Personalidades sem corpo (almas) no mundo espiritual, formam o povo do Estado divino sob esse governo sagrado. As autoridades angelicais atuam nas dimensões material e espiritual do mundo. Cumprem e fazem cumprir as leis divinas. Guiam o povo, orientam e protegem personalidades encarnadas e desencarnadas. Prometem recompensas. Seduzem e engravidam mulheres. Infligem castigos. Participam de batalhas terrenas. Destroem cidades. Exterminam gente e animais. Tudo em obediência à “vontade do Senhor”.

Do mesmo modo que atribuíram castigos a Adão, Eva e descendência, fundados no conhecimento vulgar, os escritores bíblicos também transplantaram para a cidade de deus o modelo político terreno. Imaginaram um governo celeste semelhante ao governo dos países daquela parte do globo terrestre cuja história eles conheciam: Egito, Babilônia, Pérsia e a própria Palestina do tempo de Davi e Salomão. O faraó era considerado ser divino; enquanto governava, sua pessoa era sagrada. Havia hierarquia civil, militar e religiosa naqueles reinos. Governantes em diferentes épocas e países também se consideravam divinos, como os imperadores japoneses e os monarcas europeus absolutos. Depois de partir da Terra para o Céu, o modelo hierárquico retorna do Céu para a Terra a fim de cobrir com o véu divino o poder dos governantes. O modelo imperial de Roma foi adotado pela igreja: pontífice máximo (Papa), bispos no alto escalão, padres no médio escalão e povo na base. Os monarcas europeus do período absolutista afirmavam governar por direito divino. Ao se desvencilharem da jurisdição do Papa, eles afirmaram receber o poder diretamente de Deus.

No mundo contemporâneo, na vigência de constituições democráticas, governantes conservam atitude imperial e divina. O presidente Bush (EUA), por exemplo, foi admoestado pelo Papa por usar o nome de Deus para justificar invasões no Afeganistão e Iraque. Governantes dinásticos, ou oriundos de golpes militares, vestem a capa de missionários divinos, submetem e exploram a nação. Governantes antigos consultavam oráculos. Governantes modernos consultam bruxos, videntes e astrólogos; usam a razão natural, mas não descartam o poder sobrenatural.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

MUNDO SAGRADO


Rotula-se de sagrado o mundo espiritual. Entretanto, não há certeza da sua existência. Trata-se de crença e de experiência pessoal. Objetivamente, nenhum mortal o conhece; ninguém sabe se é organizado ou caótico; se nele há ou não há forma, tempo, espaço, movimento e habitantes. Alma, destino após a morte, sentido da existência humana, constituem problemas desde as culturas primitivas até a civilização contemporânea.

Energia fundamental, a alma gera a si própria e o universo. Dela emanam as forças gravitacional, eletromagnética e nuclear. Sob ótica mística, a alma é vista como expressão da divindade. O universo nela está mergulhado e dela recebe movimento evolutivo e expansivo. Assim como os demais seres da natureza, o humano está mergulhado neste vibratório oceano cósmico (plasma, em linguagem figurada). Paradigma racional diferente do religioso: a alma (ou plasma) não está no interior do humano; o humano é que está no interior da alma (ou plasma). O corpo humano é animado por esta essencial e vibratória energia. Disto resulta a denominada alma humana, personalidade imaterial construída pela experiência física e psíquica de cada indivíduo. Corpo e personalidade formam um ser único. O indivíduo não tem um corpo e uma personalidade; o indivíduo é o corpo e a personalidade.

Na concepção materialista, o ser humano (corpo e personalidade) se desintegra com a morte. A força de coesão que mantinha o corpo íntegro volta ao estado livre e natural. Na concepção espiritualista, o corpo se decompõe no oceano de energia vibratória em que a matéria é formada, conservada e modificada, enquanto a personalidade se mantém integra. A morte é vista como transição do mundo visível para o invisível. Os budistas acreditam que a personalidade reencarna em ciclos até o estado sublime do nirvana. Os espíritas também acreditam na reencarnação. Os católicos rejeitam essa doutrina e acreditam nas três estações do mundo invisível: a purgatória, a infernal e a celestial. A personalidade aguarda no mundo invisível o juízo final proferido por Jesus: se aprovada, terá vida eterna venturosa; se reprovada, padecerá no inferno.

Os humanos buscam um sentido para a sua curta existência. Não se conformam com a brevidade. Inventam retorno após a morte e vida eterna após juízo divino. Temem a figura que desenham: Lúcifer. Criam o problema no mundo visível e procuram solução no invisível. A resposta está no coração de cada indivíduo. A justiça, a bondade e a beleza impregnam de sentido a existência humana. O homem é o artífice do seu destino, afirma-se alhures. O grupo humano traça o seu destino visando objetivos comuns fincado em princípios e aspirações. O sentido da existência individual não é dado a priori e sim construído à medida que potencialidades físicas, intelectuais e morais se expressam. Estímulos internos e externos podem comprimir a existência individual ao lhe dar caráter messiânico, confiná-la a um só propósito, ou podem ampliá-la em múltiplas possibilidades. Conforme a reação do indivíduo ao feitio cultural da sociedade em que vive, o sentido da sua existência se delineia.   

O conhece-te a ti mesmo filosófico recebeu notáveis contribuições da ciência: anatomia e fisiologia do corpo, operação da inteligência, comportamento individual e coletivo. Psicanálise, hipnose, meditação, estudo, observação dos costumes, ajudam o indivíduo a se conhecer e a imprimir sentido à sua existência. Diante do espelho, o olhar superficial enxerga a imagem humana; o olhar profundo enxerga o ser humano.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

PACTO SAGRADO


Para definir o pacto entre o ser divino e o ser humano narrado na bíblia, o vocábulo aliança, do original hebraico, é mais apropriado do que o vocábulo testamento utilizado pela igreja cristã. Fio condutor da primeira parte da bíblia (antigo testamento) o pacto entre Jeová de um lado e Noé, Abraão, Isaac e Jacó de outro, sucessivamente, constitui invenção dos autores daquele texto para enganar pessoas ingênuas, de boa fé, tementes à divindade. O propósito era formar e manter um rebanho obediente à classe sacerdotal e política. Historicamente, esse pacto jamais existiu. Jeová é quimera, produto da imaginação daqueles escritores. Tratado em diversas passagens da escritura judia como criador do mundo, poderoso, cruel, vingativo, genocida, esse deus não necessitava de alianças nem celebraria contrato com criaturas fadadas a uma existência efêmera e que um leve sopro divino aniquilaria.

Contratos e pactos são atos da cultura humana dos quais os escritores do texto bíblico conheciam a prática. O Jeová criado por eles à imagem e semelhança do homem judeu só consegue apoio do povo escolhido (?) mediante promessa de abundância de bens materiais aos patriarcas e seus descendentes. Vaidoso e egocêntrico, o deus imaginário pede aos mortais daquela minúscula tribo adoração exclusiva. O seu poder limita-se ao curto espaço habitado por aquela gente. Fora dos limites territoriais, o hebreu tinha de levar consigo punhado da terra palestina para que o imaginário deus o acompanhasse. Através da ficção, os autores judeus pretendiam: (i) engrandecer o pequeno e miserável povo hebreu diante das potências daquela época: Egito, Babilônia, Caldéia, Pérsia; (ii) justificar a invasão e posse do território que pertencia às tribos de Canaã (Palestina), como se fora um direito outorgado por Jeová (terra prometida); (iii) sustentar a supremacia do seu deus nacional sobre os deuses estrangeiros. 

Espantoso como a quimera inventada por aqueles sacerdotes e escribas ainda faz prosélitos nos dias atuais, apesar do desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pela humanidade. Admirável a capacidade dos judeus e cristãos de defender como verdades sagradas as infantilidades e falsidades contidas na bíblia. Isto indica que: (i) o tempo histórico é ninharia perto do tempo cósmico; (ii) persistem a cegueira e a ignorância em considerável parcela da população mundial, apesar dos múltiplos e modernos meios de transmissão do conhecimento. Essa parcela guia-se mais pelos sentidos do que pelo raciocínio. “Religião não se discute”, muge o rebanho. Doutores da igreja, como Agostinho e Tomas de Aquino e filósofos, como Pascal e Descartes, aprisionaram a razão. Os pensadores da época medieval temiam a violenta reação da igreja e o braço secular que lhe prestava obediência (reis, senhores feudais). Raciocínio e intuição foram separados, cada qual em âmbito próprio: razão no mundo material, fé no mundo espiritual. Nessa linha separatista, perde-se a integridade; corpo de um lado, alma de outro; via racional para conhecer objeto natural e via intuitiva para conhecer objeto sobrenatural. Fica bloqueada a análise racional que gera a fé lúcida. Conduzidos pela fé cega, os crentes admitem os absurdos contidos nas escrituras “sagradas”. Isto facilita o estelionato religioso.

domingo, 8 de julho de 2012

PALAVRA SAGRADA


Ao tratarem do aspecto espiritual do mundo, os escritores bíblicos atribuem ao deus do seu povo a autoria das palavras utilizadas. Afirmam que o livro contém a palavra de deus, por isso mesmo, sagrada. Dizem que a receberam do espírito santo. Os escritores manipulam nas trevas e exploram a ignorância da massa; escrevem condicionados pelos costumes do seu tempo visando a mantê-los, modificá-los ou extingui-los em proveito da sua classe social. Sirva de exemplo o Pentateuco, coleção dos cinco primeiros livros da bíblia que judeus e cristãos incluem na palavra sagrada. O conteúdo desses livros relaciona-se à experiência humana: vicissitudes, terrores, esperanças, necessidades e interesses individuais e coletivos, tudo colocado em forma escrita durante o exílio na Babilônia por minúscula e privilegiada minoria que sabia ler e escrever, liderada por Esdras, Neemias, Zorobabel (séculos V e IV, antes de Cristo).

Ao mencionarem castigos impostos pela divindade aos homens e mulheres porque Adão e Eva comeram o fruto da árvore da ciência do bem e do mal (ética) esses autores apenas reproduziram a fisiologia do organismo humano e o labor dos seres humanos (Gênesis 3: 14/19). Eles utilizaram o conhecimento vulgar. O parto natural da mulher sempre foi precedido de dores e os humanos sempre trabalharam para obter alimento, abrigo e fogo. A idéia da existência de um primeiro casal brota do raciocínio elementar. Nada a ver com verdade sagrada. Tudo a ver com suposição e engodo. Adão e Eva são criações infantis da mente primária; o papai e a mamãe da humanidade. O universo surgiu da explosão de energia condensada que gerou a natureza e instaurou um processo evolutivo. Antes da primeira explosão e do primeiro universo, o nada físico, a energia imaterial, a plenitude divina. Como os demais seres vivos, os humanos surgiram desse processo evolutivo em diferentes pontos do planeta onde e quando as condições ambientais se mostraram favoráveis. Cada tipo humano apresentava características raciais específicas (capacidade do crânio, epiderme, altura, dimensões do tronco e dos membros). O movimento e progresso que se eternizam incluem a miscigenação dos humanos operada no curso de milênios.

O propósito dos autores daqueles livros sagrados que compõem a primeira parte da bíblia (antigo testamento) foi o de estabelecer uma crença da qual a sua casta (sacerdócio) se beneficiasse. A estratégia consistia em manter a massa na ignorância e nela infundir o temor a um deus severo e cruel. Quatro séculos depois, Jesus adotou estratégia semelhante, porém, mudou: (i) o caráter do deus: de cruel, vingativo e sanguinário para misericordioso, bondoso e humanitário; (ii) o nome do deus, de Jeová para Pai Celestial. Ensejou nova religião e nova doutrina. Ao fazer apologia da pobreza, Jesus serviu ao status quo econômico: amorteceu o espírito de revolta contra a injustiça social. Pregou a nova doutrina ao contingente de pobres, miseráveis e ignorantes; reservou-lhes sermões no mundo natural e esperança de felicidade no mundo sobrenatural. Com a classe abastada dos escribas, sacerdotes e presbíteros (anciãos) pequena elite que sabia ler e escrever, Jesus limitou-se a discutir e ofender, conforme se depreende dos evangelhos. Essa elite e os fiéis do judaísmo viam em Jesus um pecador que ousava contrariar as escrituras. Irritavam-se com o fato de Jesus afirmar que viera para confirmar a lei (Pentateuco) quando, na realidade, a modificava. A elite sentia-se depreciada na sua inteligência, na sua capacidade mental de perceber a manobra daquele que consideravam impostor.

terça-feira, 3 de julho de 2012

VERDADE SAGRADA


No âmbito religioso e místico, verdade é conceito sagrado. Nesse âmbito, a idéia verdade é vista como algo existente por si mesmo, substancial, que pode ser buscado em certo endereço no mundo material e no mundo espiritual. Entendida desse modo, a verdade é miragem produzida pela imaginação. A verdade pressupõe relação cognitiva entre o sujeito e o objeto; correspondência entre o pensamento e a coisa pensada; representação exata do objeto na mente do sujeito; sintonia com a realidade apreendida pelos sentidos físicos e pela intuição e ordenada pela razão. O objeto de conhecimento pode ser o próprio sujeito, o outro, a natureza, a sociedade, o mundo espiritual, Deus. Cada indivíduo percebe a realidade material e espiritual de acordo com seu aparelho sensorial e a interpreta com sua faculdade mental. A representação pode ser boa ou má, conforme a eficiência ou deficiência desse aparelho e a maior ou menor lucidez da mente. A capacidade de apreender a realidade varia de pessoa a pessoa. O conhecimento apreendido se amplia no tempo e varia no espaço: ontem, verdade, hoje erro; verdade no oriente, erro no ocidente; verdade para o socialista, falsidade para o capitalista e vice versa. Daí, o caráter problemático da verdade e a busca de consenso.

A fim de impressionar e orientar apóstolos e seguidores, Jesus havia dito com laivo pretensioso: eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. Posteriormente, no pretório, interrogado se era rei, Jesus respondeu que sim, mas que seu reino não era deste mundo e acrescentou: é para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo; tudo o que é da verdade ouve a minha voz. (Bíblia, Novo Testamento, João, 14: 6 + 18: 37/38).

Pôncio Pilatos replicou ironicamente: que é a verdade? Sem esperar resposta, pois formulara a pergunta apenas por ceticismo e finalidade retórica, deu as costas a Jesus e se dirigiu ao público. A ironia do general romano tinha base lógica: não há verdade isolada a ser buscada aqui ou ali, no céu ou na terra. A verdade é problema humano relativo a um objeto de conhecimento material ou imaterial. Do ponto de vista ontológico, todo objeto é autêntico – é o que é – independe do que dele pensa o sujeito. O objeto pode ser de difícil compreensão; cunhado verdadeiro ou falso segundo o grau de lucidez, a perspectiva, o propósito e a tábua de valores do sujeito. Um anel de vidro não deixa de ser de vidro porque o sujeito diz que é de diamante. O cientista explica os fenômenos da natureza. O técnico e o empreendedor aplicam o conhecimento científico com propósito econômico e geram progresso material. Por ser metafísica a realidade do objeto espiritual, o acesso se faz pela via intuitiva e não pela via racional (pelo coração e não pela razão, como disse Pascal). A verdade intuitiva é singular. Há convicção pessoal que terceiros podem rejeitar como certeza universal. Há opinião, imaginação e fé. O sonho preenche o vácuo. Nas escrituras sagradas dos judeus e cristãos há especulação religiosa e espertezas clericais que visam a explorar e dominar as massas. Na vida dos humanos, o sonho embevece, mas facilita a fraude.