quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - VII



Afigura-se oportuna a parcial transcrição do artigo “IMPEACHMENT DO MINISTRO” publicado no segundo semestre de 2008, no jornal impresso Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro.   

Segundo notícia publicada na Tribuna da Imprensa (19-07-2008), a Central Única dos Trabalhadores – CUT, protocolou pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal – STF. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Mozart Valadares Pires, em nota pública, e o presidente do Senado Federal, Garibaldi Alves, em declarações a jornais, saíram em defesa do ministro e discordaram da iniciativa da CUT.  Sustentaram que o impeachment ameaça a independência do Judiciário. Desviaram o foco da controvérsia: a conduta do ministro.
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Ao contrário do que afirmam os presidentes da AMB e do Senado Federal, o impeachment não ameaça a independência dos juizes ou do Judiciário. A causa do impeachment não é o teor da decisão judicial e sim a conduta ilícita do ministro. O respectivo processo ameaça apenas o magistrado que abusa da independência e das prerrogativas do cargo e se excede na função jurisdicional. (...) Na república democrática, todas as autoridades públicas devem responder por seus atos; todas devem prestar contas e agir com transparência.
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Na eventualidade de abuso de poder, de desrespeito ao devido processo legal, dolo ou fraude, os seus prolatores estão sujeitos às penas da lei (CF 52, II; Lei 1.079/1950, 39 e 39-A; CPC 133, I e II). A decisão do juiz federal foi objetiva: apoiou-se em dados contidos no inquérito policial, apurados em 4 anos de investigação; agiu mediante provocação legal e legítima do Ministério Público, que entendia necessária, oportuna e conveniente a prisão do investigado.
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Ao ministro era defeso: (i) invadir competência de tribunais federais (ii) conceder a ordem de habeas corpus de modo açodado (iii) decidir enquanto paira suspeição de parcialidade (a irritação do ministro com a polícia federal é pública e notória desde que nome idêntico ao seu foi citado em negócio ilícito; assim, também, sua agressividade em relação ao Ministério Público e ao Ministro da Justiça) (iv) desprezar o apurado no inquérito policial (v) menosprezar a iniciativa do Ministério Público Federal e a capacidade do juiz federal de apreciar a questão de fato e de direito. Essa conduta autoriza a suspeita da existência de ligações perigosas que, se comprovadas, comprometeriam a imparcialidade e a honestidade do ministro.

O processo acima referido foi arquivado no Senado e o ministro permanece impune. No âmbito parlamentar, razões de natureza social, política ou econômica, podem alicerçar a absolvição, ainda que existam razões éticas e jurídicas para a condenação. Em tais circunstâncias, o arquivamento não significa inocência do acusado. Na época em que Gilmar foi indicado e nomeado por Fernando Henrique para o cargo de ministro do STF, o jurista Dalmo de Abreu Dallari disse que isto degradava o Judiciário brasileiro. Depois disto, em sessão plenária do STF, o ministro Joaquim Barbosa, mencionando a chefia de jagunços e outros fatos, disse direta, corajosa e publicamente, que Gilmar envergonhava a magistratura nacional.

No exercício da judicatura, tanto no STF como no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar tem pautado o seu proceder pela parcialidade, grosseria e politicagem. Ele abusa da vista, direito do qual se vale para reter os autos do processo muito além do prazo regimental. Assim, ele reteve por um ano e meio os autos do processo sobre financiamento privado de campanha eleitoral (ADI 4650). Há notícias nos meios de comunicação social, da conduta de Gilmar incompatível com a função de magistrado, tais como: (1) explorar negócio com fins lucrativos (receber verbas particulares para seu instituto, edição de livros, agropecuária); (2) chefiar bando de jagunços na fazenda de sua propriedade em Mato Grosso; (3) livrar o irmão do ministro Dias Toffoli num caso judicial, o que gerou a parceria Gilmar-Toffoli no STF e no TSE; (4) informar a jornalista, antes da sessão de julgamento, o teor do voto que lhe foi confiado em segredo pelo relator. (CP: 317, 319, 325; LC 35/79: 35 I + II; 36 I + II).

Com arrogância costumeira, Gilmar se manifesta nas sessões do tribunal querendo impor as suas opiniões aos colegas. Ele interrompe bruscamente a exposição dos votos dos colegas, inclusive para contrariá-los, sem prévia solicitação de aparte, violando preceitos do regimento interno e da ética judiciária. Desafia a autoridade do presidente do tribunal e de modo afrontoso dá as costas ao advogado que ocupa a tribuna. Gilmar é mau perdedor. Nos processos em que ele tem especial interesse, se os colegas divergem da sua opinião, ele agita-se, bufa, altera a voz, perde o fio do raciocínio, pega e larga o copo de água várias vezes, gira na poltrona com os olhos esgazeados, ergue os braços com os dedos crispados como se fora arrancar os cabelos parietais. Perdida a batalha, ele se retira do plenário acintosamente. A linguagem corporal é eloqüente. A falta de compostura é patente. A violação da lei é evidente. (CPC: 135 V; LC 35/79: 35 IV + VIII; RISTF: 133/134).

Na sessão do julgamento da ação judicial sobre o impeachment da Presidente da República, no dia 17/12/2015, esse escandaloso e mal educado comportamento se repetiu. Ante a derrota – eis que defendia a subordinação do Senado à Câmara, a validade da eleição dos integrantes da comissão especial mediante voto secreto e a legalidade das candidaturas avulsas – Gilmar, depois de esbravejar, abandonou o recinto dizendo que ia viajar.

No dia seguinte (18/12/2015), ao conceder entrevista à rádio Jovem Pan, Gilmar fez graves acusações aos ministros que proferiram os votos vencedores, conforme noticiado nos meios de comunicação social. Violou o disposto no inciso III, do artigo 36, da LC 35/79. Empregou expressões injuriosas como “cooptação da Corte”, “mar de estranhezas”, “projeto de bolivarização da Corte”. Afirmou que o tribunal acabou chancelando uma “política fisiológica”. Fez questão de elogiar o seu colega Fachim por sua firmeza de caráter. No contexto da entrevista, a ênfase no elogio sugere que os demais juízes não têm a mesma firmeza. Gilmar inverteu a situação: atribuiu seus próprios vícios aos colegas e ao tribunal. No entanto, é ele quem atua como se fosse membro ativo de partido político (PSDB). Useiro e vezeiro em política fisiológica, ele é perito em ginástica cerebrina para escamotear a verdade e torcer a letra e o espírito da lei. Se há alguém desonesto no tribunal, esse alguém é ele e não qualquer dos ministros que proferiram os votos vencedores. A dupla Gilmar-Toffoli posou para fotografia ladeando o indecoroso deputado Eduardo Cunha processado no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados e denunciado pelo Ministério Público.     

A conduta do ministro tipifica violação do princípio da razoável duração do processo e da celeridade nos trâmites processuais (CR: 5º, LXXVIII). A excessiva velocidade em uns casos (como o Dantas) e a excessiva lerdeza em outros (como a ADI 4650) são sintomas de proposital desequilíbrio incompatível com os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência (CR: 37). São criminosas as condutas dos ministros do STF: (1) patentemente insidiosas no cumprimento dos deveres do cargo; (2) incompatíveis com a honra, a dignidade e o decoro das suas funções. (Lei 1.079/50: 39, 4/5). São deveres dos magistrados: (1) cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; (2) não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; (3) não se ausentar antes do término da sessão sem justo motivo; (4) manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. (LC 35/79: 35).

Todo cidadão pode denunciar ao Senado Federal os ministros do STF por crime de responsabilidade. Servem de prova: fatos notórios, depoimentos de operadores do direito e de pessoas comuns, documentos, certidão fornecida por tribunal, gravações. A censurável conduta de Gilmar justifica a instauração do processo de impeachment e a conseqüente perda do cargo, na forma da Constituição e da Lei.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - VI



Três cidadãos brasileiros (dois homens e uma mulher) denunciaram à Câmara dos Deputados suposto crime de responsabilidade praticado pela Presidente da República. A denúncia foi recebida. Para seu prosseguimento procedeu-se à eleição, pelo voto secreto, de uma comissão especial. Houve candidaturas avulsas. Duas chapas disputaram o ingresso na comissão: uma da maioria e outra da minoria. Venceu a chapa da minoria favorável ao impeachment. Adotou-se o rito processual da lei 1.079 de 1950 (crimes de responsabilidade) que permitia o afastamento da Presidente da República das suas funções tão logo o parecer da comissão especial fosse aprovado pela Câmara.   

O Partido Comunista do Brasil, inconformado com tal procedimento, propôs ação judicial denominada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental com fulcro no §1º, do artigo 102, da Constituição da República (CR). O autor da demanda alegou a inconstitucionalidade do rito processual adotado pelo Presidente da Câmara dos Deputados e requereu a concessão liminar de medida cautelar. Os trâmites do processo de impeachment foram suspensos por ordem do relator. A ação judicial foi processada nos termos da lei 9.882/1999 que regulamentou o citado dispositivo constitucional. Atuaram no processo: Câmara dos Deputados, Senado Federal, Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da República e como amicus curiae, a União Nacional dos Estudantes e outras entidades.          

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado para adequar o rito processual a vigente Constituição da República e não para resolver o mérito do pedido de impeachment. A sessão de julgamento iniciada no dia 16 com a sustentação oral dos interessados e o voto do relator, prosseguiu no dia 17 com os votos dos demais ministros e foi concluída no dia 18 de dezembro de 2015 com a proclamação do resultado e lavratura da ata.  O STF estabeleceu as regras para o caso concreto, como permite o instituto da injunção importado do direito estadunidense (writ of injunction) pelo legislador constituinte brasileiro em 1988. Essa importação foi defendida da tribuna da Assembléia Nacional Constituinte pelo jurista Carlos Roberto de Siqueira Castro, professor de direito constitucional da PUC/RJ e acolhida pelos parlamentares (CR 5º, LXXI + 102, I, q). Cabe ao Poder Legislativo disciplinar o rito de forma prospectiva, geral e abstrata. Enquanto isto não acontece, cabe ao Judiciário, no exercício da jurisdição construtiva, preencher a lacuna caso a caso. Os princípios e as normas não podem permanecer sem eficácia no texto constitucional quando a situação de fato exige a sua incidência. 

Em sintonia com a letra dos dispositivos da Constituição, o STF assim delimitou as atribuições de cada casa legislativa no processo de impeachment: (1) fase preliminar de autorização, sob os auspícios da Câmara dos Deputados; (2) fases do processo e do julgamento, a cargo do Senado Federal. (CR 51/52).
 
Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, o tribunal manteve a mesma orientação dada ao caso Collor. Naquela ocasião, o tribunal estabeleceu regras de procedimento harmônicas com a Constituição de 1988. No atual julgamento, o tribunal declarou expressamente quais as regras da lei 1.079 de 1950 que não foram recepcionadas pela Constituição de 1988. Os ministros consideraram inafastáveis do processo parlamentar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A inobservância desses princípios enseja nulidade.         

Nessa trilha, o tribunal considerou inconstitucional: (1) o voto secreto para escolha dos membros da comissão especial que analisará o pedido de impeachment e emitirá o respectivo parecer; (2) a candidatura avulsa para disputar o ingresso nessa comissão. Em conseqüência, a eleição realizada na Câmara ficou sem efeito e deverá ser renovada com o voto aberto e sem candidatura avulsa. Respeitada a representação proporcional, os partidos ou blocos parlamentares indicarão os seus candidatos a integrarem a comissão especial (CR 58, §1º). A Presidente da República poderá oferecer defesa perante a comissão assim constituída. Encerrada a fase preparatória com o parecer da comissão, a Câmara dos Deputados, em sessão plenária, decidirá se autoriza ou se não autoriza a instauração do processo. Se não autorizar, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Para autorizar, são necessários 2/3 dos votos dos membros da Câmara. Alcançado esse quorum, a resolução, a denúncia e seus anexos, serão encaminhados ao Senado Federal. Na atual conjuntura brasileira, a maior probabilidade é a Câmara negar autorização.

Segundo entendimento do tribunal, nas diferentes fases do processo na Câmara e no Senado, quando houver votação, o voto terá de ser aberto. Realmente, a igualdade, a publicidade e a responsabilidade integram a essência do modelo republicano e democrático de Estado. Nesse modelo, adotado no Brasil, o privilégio, o sigilo e a imunidade figuram como exceções expressas no texto constitucional. Nenhuma exceção pode ser invocada como implícita e tampouco aplicada analogicamente. No silêncio da Constituição, vigem os princípios e as regras gerais. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (CR 1º, p.ú.). Destarte, o povo tem o elementar direito de saber como se conduzem e como votam os seus representantes. A publicidade ínsita ao sistema republicano representativo implica a transparência nos atos dos representantes. O voto direto e secreto é direito do cidadão, expressão da soberania popular, garantia do representado e não do representante (CR 14).            

O tribunal reconheceu a competência do Senado para processar e julgar o Presidente da República expressa na Constituição (CR 52, I). A discussão foi sobre a extensão do ato da Câmara: se obrigava, ou não, o Senado. Por maioria, o tribunal decidiu pela negativa. Ao Senado cabe resolver se instaura ou se não instaura o processo. Fachim, Tóffoli e Mendes ficaram vencidos. Segundo o noticiário, Fachim foi homenageado às vésperas do julgamento pela Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita. Se não fosse adepto, o ministro teria, no mínimo, solicitado transferência da homenagem para outro momento. A Confraria é uma organização elitista de tendência fascista, enquanto a “Boca Maldita” é uma topográfica (Rua das Flores, Curitiba), costumeira, espontânea, indistinta e pública reunião de pessoas de variadas tendências que misturam crítica construtiva e destrutiva, ironia e maledicência.
   
O Senado não está vinculado à decisão da Câmara. Inexiste vínculo de subordinação de uma casa legislativa a outra no modelo parlamentar bicameral brasileiro. O que existe é coordenação. Assim como entre os poderes da república deve existir harmonia sem prejuízo da independência de cada um, o mesmo ocorre entre as duas casas legislativas.

Nos termos da decisão do STF, recebido o expediente oriundo da Câmara, o Senado decidirá, em sessão plenária, por maioria simples, se instaura, ou não, o processo. Se a decisão for negativa, o expediente será arquivado; se for positiva, instaura-se o processo e a Presidente da República será afastada provisoriamente das suas funções. O Presidente do STF será chamado para presidir a instrução e o julgamento. Se no prazo de 180 dias o julgamento não for concluído, a Presidente da República retorna às suas funções, sem prejuízo dos trâmites processuais. Somente pelo voto de 2/3 dos membros do Senado haverá condenação. Caso contrário, a Presidente será reintegrada em todos os direitos e prerrogativas do seu cargo.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - V



O fato de o processo parlamentar de impeachment do presidente Fernando Collor não ter obedecido aos cânones da Constituição da República de 1988, não serve de precedente válido para que novos processos incorram no mesmo vício de inconstitucionalidade. O precedente será válido se, na época, obedeceu ao texto constitucional. O pedido de impeachment contra a atual Presidente da República deverá seguir os trâmites previstos na vigente Constituição: (1) juízo de admissibilidade pela Câmara dos Deputados; (2) processo e julgamento pelo Senado Federal.

No período republicano da história do Brasil, a substituição do Presidente da República tem sido a função principal do Vice-Presidente. Após a renúncia de Deodoro da Fonseca, assumiu a presidência o vice, Floriano Peixoto (1891/1894). Nos períodos democráticos, assumiram a presidência para cumprir o restante do mandato os vices: Nilo Peçanha pela morte do titular Afonso Pena (1907/1910); Café Filho após o suicídio do titular Getúlio Vargas (1951/1955); João Goulart após a renúncia do titular Jânio Quadros (1961/1965); Itamar Franco após o afastamento do titular Fernando Collor (1990/1994). Em conseqüência do golpe de estado de 1964, João Goulart não completou o mandato presidencial. No governo militar (1964/1985), o Vice-Presidente não assumiu a presidência por ocasião da morte de Castelo Branco e do afastamento de Costa e Silva.   

O vice ocupa a presidência da república interinamente quando o titular se ausenta do país em missão oficial. Além da essencial função de substituir o titular, o vice acumula outras funções: Presidente do Senado na vigência das constituições de 1891 e de 1946; Presidente do Congresso Nacional na vigência da Carta Orgânica de 1967; missões especiais e outras atribuições discriminadas em lei complementar na vigência da Carta Orgânica de 1969 e da Constituição da República de 1988. O vice exerce liderança e influi na atividade política e administrativa ao indicar pessoas para ocuparem cargos no alto escalão da república e orientar a ação dos membros do seu partido.

Portanto, no sistema republicano brasileiro, o vice não é mera figura decorativa e tem exercido importante papel na história política do país. Os queixumes do atual Vice-Presidente, Michel Temer, em carta endereçada à Presidente e aberta aos meios de comunicação social, indicam que ele apóia o impeachment, que instruiu seus correligionários a votarem a favor, que espera governar o país por três anos e que tentará a reeleição em 2018.

Entretanto, há notícia de que Michel também deu as suas “pedaladas fiscais” quando interinamente ocupou a presidência da república. O ciclismo esportivo goza de maior prestígio do que o ciclismo administrativo. Se tanto a Presidente como o Vice-Presidente pedalaram e se tal ciclismo foi considerado crime de responsabilidade pelos acusadores, então ambos devem ocupar o pólo passivo da relação processual. A acusação não deve ser seletiva, sob pena de ferir o princípio da isonomia. Destarte, imperiosa se torna a necessidade de incluir Michel no pólo passivo do processo de impeachment cujos trâmites já tiveram início. Far-se-á a inclusão mediante aditamento à petição inicial requerido por qualquer cidadão, partido político, entidade de classe de âmbito nacional, Ordem dos Advogados do Brasil ou Ministério Público.    

Os fascistas e os nazistas brasileiros mostraram a cara, principalmente em 2014 e 2015, tanto aqueles que integram o PSDB, o DEM, o PPS, o PP, como os demais da direita sem sigla espalhados pelo Legislativo, Executivo, Judiciário e pela sociedade civil. Essa praga está mais disseminada nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Alguns rebentos posaram para fotografia recentemente. Formavam U retilíneo. Ao fundo, sentado em larga poltrona, Fernando Henrique, tendo Aécio à sua direita e Alckmin à sua esquerda, todos sorridentes. À frente deles, sentados e postados simetricamente formando um corredor, outros componentes do bando, entre eles, José Serra (senador) e Beto Richa (governador do Paraná). Pretendiam, com essa imagem, mostrar unidade de pensamento e ação em torno do impeachment. A fotografia servirá como registro histórico do lado podre da política brasileira.   

A cara exibida é feia e imunda. Cara de enganador, de quem se diz democrata, mas age como autocrata. Cara de mau perdedor, de quem não suporta a derrota em disputa legítima. Cara de difamador, de quem denigre os adversários sem esteio na verdade. Cara de hipócrita, de quem diz defender o interesse nacional enquanto defende os interesses das companhias petroleiras estrangeiras. Cara de demagogo, de quem se diz a favor do povo quando, no plano dos fatos, massacra professores e estudantes, fecha escolas, chama de vagabundos os aposentados, combate os bons programas sociais, despreza os pobres. Cara de mentiroso, de quem se diz honesto, mas que frauda o fisco, participa de negociatas, constrói aeroporto em local deserto para facilitar o tráfico ilícito de drogas, mantém contas em bancos estrangeiros. Cara de estelionatário, de quem vive de golpes, recebe propinas, cobra taxas de corretagem em negócios públicos, vende o patrimônio estratégico nacional e quer vender a Petrobras. Cara de cínico, de quem rouba e protesta quando alguém da outra quadrilha também rouba; cinismo de quem se acha o único e exclusivo titular do direito de roubar.   

A corja tenta golpe de estado e se utiliza das vias jurídicas para travestir de legítima a sua ação antidemocrática. Em atitude ignominiosa, a súcia de finórios aciona os mecanismos: (1) do Judiciário, forjando nulidades no processo eleitoral; (2) do Legislativo, com artificiosos pedidos de impeachment mesmo sendo pública e notória a inexistência de crime e a ausência de base jurídica e moral para sustentar a pretensão. As indecorosas cenas de opróbrios na Câmara e o desvario dos deputados afinados com a oposição ao governo revelam que, antes mesmo do exame da denúncia, da defesa e da prova, eles já se colocavam a favor da instauração do processo por interesse político partidário.

A conduta do grupamento rebelde enquadra-se na lei de segurança nacional. A invocação dessa lei, votada no crepúsculo do regime militar, desperta antipatia aos amantes da liberdade porque lembra aquele período. Contudo, a segurança nacional é valiosa e essencial para qualquer nação do mundo, principalmente para as nações democráticas da América e da Europa. O inequívoco propósito do grupo é o de, em proveito próprio, tumultuar a vida social, política e econômica do país. Essa malta é desordeira, pervertida e impatriótica; suas ações não visam ao bem-comum, à manutenção do regime democrático e à realização dos objetivos fundamentais da República (CR 3º).

A nação tem o direito de se defender dos seus inimigos internos e externos. Daí, o legislador constituinte brasileiro, ao elaborar a Constituição, ter reservado um título exclusivo para a defesa do Estado e das instituições democráticas. Concedeu ao Presidente da República poderes para preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social e enfrentar grave comoção nacional. Qualificou as Forças Armadas como instituições nacionais permanentes e regulares destinadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, sob a autoridade suprema do Presidente da República. (CR 136/142).

O legislador ordinário definiu os crimes contra o regime democrático e o sistema representativo, a Federação, o Estado de Direito ou a pessoa dos chefes dos poderes da União. Entre esses crimes estão: (1) o de integrar grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito; (2) o da tentativa de mudá-los por meios violentos ou com emprego de grave ameaça; (3) o de caluniar ou difamar o Presidente da República imputando-lhe fato definido como crime ou fato ofensivo à sua reputação. À Justiça Militar compete processar e julgar aqueles que cometem esses crimes, ressalvada a competência originária do Supremo Tribunal Federal, cabendo ao Ministério Público promover a respectiva ação penal. (Lei 7.170/83, art. 16/17, 26, 30).   

Seguros de que não responderão por seus desatinos, os integrantes dessa facção promovem a onda subversiva que pode paralisar a economia do país e causar a ruptura institucional. Certamente, a manobra golpista fracassará. Ainda há juízes togados em Brasília. 

sábado, 12 de dezembro de 2015

IMPEACHMENT - IV



O Presidente da Câmara dos Deputados despachou o pedido de impeachment formulado contra a Presidente da República, inaugurando os trâmites legais (02/12/2015). Enquanto ocupar legalmente a presidência para a qual foi eleito por seus pares, esse parlamentar poderá exercer todas as atribuições do seu cargo. Tendo em vista os indícios veementes de práticas ilícitas das quais ele seria protagonista, seus atos de ofício, ainda que legais, carecem de força moral.

A lei 1079 de 1950, sobre crimes de responsabilidade, deve ajustar-se à Constituição da República de 1988, no que concerne ao processo. Servindo-se da injunção, instituída pela Assembleia Constituinte de 1987/1988 (CR 5º, LXXI), o Supremo Tribunal Federal (STF), no exercício da jurisdição construtiva, pode estabelecer regras harmônicas com a nova Constituição em cada caso concreto enquanto o Poder Legislativo não o fizer para todos em caráter geral e abstrato.

No regime anterior, competia ao Senado apenas julgar. A instauração do processo cabia à Câmara que, se a petição inicial (denúncia) fosse julgada procedente, decretava a acusação. A citada lei vigorava plenamente e estabelecia a tradicional divisão: acusação e instrução processual pela Câmara e julgamento pelo Senado. A Constituição de 1988 mudou esse procedimento. Agora, tanto o processo como o julgamento cabem ao Senado. À Câmara cabe apenas o juízo de admissibilidade o que torna dispensável a intermediação de comissão especial. Para emitir tal juízo, a Câmara independe do parecer de qualquer comissão. Em sessão plenária, a Câmara decidirá se autoriza ou não autoriza a instauração do processo. Realmente, diz o artigo 51 da Constituição da República:

“Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I – autorizar por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República”.

Autorizar significa permitir a alguém que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Supõe, de um lado, o poder de fato ou de direito de quem concede a permissão e, de outro, a dependência de quem a recebe para agir ou se omitir.  

Em obediência aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, inerentes ao regime democrático, e por aplicação analógica fundada em procedimentos contemplados na ordem jurídica nacional, o denunciado deve ser previamente notificado para apresentar sua defesa. A leitura da petição inicial e da defesa prévia em sessão plenária da Câmara dará ciência aos parlamentares e ao povo. A eleição de comissão especial tornou-se prescindível em face da nova ordem constitucional. Os artigos 17 a 29 da lei 1079/50 não se ajustam à Constituição de 1988 porque tratam da instrução processual que, agora, se contém na competência privativa do Senado e não mais da Câmara. Realmente, diz o artigo 52 da Constituição da República:

“Compete privativamente ao Senado Federal: I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade”.  

Em sessão plenária, a Câmara poderá dar ou negar autorização. Se negar, ou seja, se o juízo de admissibilidade for negativo, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Se autorizar, ou seja, se o juízo de admissibilidade for positivo, a resolução e a denúncia com seus anexos serão enviados ao Senado que, apesar de autorizado, decidirá se instaura ou não instaura o processo. As duas casas legislativas são independentes e soberanas. Se a decisão senatorial for negativa, a denúncia e seus anexos serão arquivados. Se a decisão senatorial for positiva, instaura-se o processo e o Presidente da República será afastado das suas funções (CR 86, §1º, II). Decorrido o prazo de 180 dias sem julgamento final, o Presidente da República retornará às suas funções, sem prejuízo do prosseguimento dos trâmites processuais.

A direção do processo parlamentar de impeachment cabe ao Presidente do STF (CR 52, p.ú.). Cuida-se de um anacronismo. Outrora, o Vice-Presidente da República exercia as funções de Presidente do Senado (CR 1891, art. 32 + CR 1946, art. 61) e de Presidente do Congresso Nacional (CR 1967, art. 79, §2º). A cautela do legislador constituinte ao atribuir a direção do processo ao Presidente do STF naquela época foi sensata e natural. Independente das qualidades pessoais havia potencial suspeição do Vice-Presidente da República para exercer a direção do processo tendo em vista a sua posição de imediato sucessor do Presidente. Acontece que o Vice-Presidente não mais preside o Senado e nem o Congresso Nacional. Apesar de não mais existir motivo para o Presidente do STF dirigir o processo parlamentar de impeachment, a força da inércia manteve o obsoleto preceito na ordem constitucional.   

Antes de decidir se instaura ou não instaura o processo, o Senado deve facultar defesa prévia ao acusado em respeito às garantias constitucionais. Se o Senado, em sessão plenária, decidir pela instauração, elegerá uma comissão processante perante a qual atuará o defensor e se produzirá prova. Encerrada a instrução processual com o relatório da comissão, o processo segue para julgamento em sessão plenária, onde o acusado poderá apresentar defesa oral. Desde a instauração do processo até o julgamento final, o acusado tem direito ao contraditório e à ampla defesa. No âmbito parlamentar, razões políticas, econômicas e sociais podem lastrear a absolvição, mas somente razões jurídicas podem fundamentar e justificar a condenação.      

A tipificação da conduta do acusado como criminosa é tarefa eminentemente jurídica. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Quando o fato descrito na peça acusatória não tipificar delito definido em lei, quer do ponto de vista material, quer por ausência de dolo, o processo respectivo caracterizará constrangimento ilegal. Isto enseja impetração de habeas corpus em favor do paciente perante o STF. Concedida a ordem pelo tribunal, tranca-se o processo parlamentar ou anula-se veredicto nele exarado. Havendo violação do devido processo legal, o processo parlamentar pode ser anulado por decisão do STF (CR 5º, LIV + XXXV). 
     
Todo cidadão é parte legítima para denunciar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade. O Vice-Presidente da República será incluído no pólo passivo da relação processual quando, no eventual exercício da presidência, praticou atos iguais ou semelhantes aos narrados na petição inicial. Far-se-á o aditamento perante a Câmara ou o Senado, conforme a fase em que se encontrem os procedimentos. A responsabilidade por atos ilícitos praticados em mandato extinto será apurada no processo comum.  

Manifestações recentes de diversos juristas de escol, entre eles, Celso Antonio Bandeira de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, revelam perfeita sintonia com os seguintes artigos publicados neste blog: Impeachment (21/03/2015); Impeachment II (22/03/2015); Impeachment III (17/04/2015); STF e o Impeachment (19/09/2015); Contas (10/10/2015); Contas II (14/10/2015). Tais manifestações e artigos defendem o Estado Democrático de Direito e a Constituição da República Federativa do Brasil.

sábado, 5 de dezembro de 2015

FUTEBOL QUESTIONADO



17.11.2015. 22,00 horas. Salvador, Bahia. Seleção do Brasil x seleção do Peru. (3 x 0). Minuto de silêncio antes do início da partida. Homenagem aos mortos de Paris, vítimas do terrorismo. No curso da partida, cada gol foi marcado por jogador diferente: Douglas, Renato e Felipe. Bom sinal. Após cobrança de escanteio, surgiu o primeiro gol da esperteza e do oportunismo. O segundo e o terceiro gols resultaram da seqüência de dribles e passes numa feliz combinação do espírito individual com o espírito coletivo. O destaque do lado brasileiro coube a William e a Douglas. Na seleção do Peru, o desempenho de Guerrero ficou aquém da fama, tal como tem acontecido no clube brasileiro em que ele joga atualmente. Arbitragem boa, apesar de marcar dois impedimentos inexistentes. O árbitro puniu correta e justamente com cartão amarelo algumas faltas. Não se notou proposital violência no jogo. A alegre e agitada torcida baiana apoiou a seleção brasileira. Público numeroso. A presença de torcedores peruanos foi modesta.           

Jogando em casa, os brasileiros venceram as duas equipes mais fracas do torneio: a venezuelana e a peruana. Assim, foi possível à seleção brasileira exibir bom futebol. No entanto, jogando fora de casa e enfrentando equipes fortes, a seleção brasileira exibiu fragilidade: perdeu para a seleção chilena e empatou a duras penas com a seleção argentina. Há certa lógica nesse ondulante desempenho. Embora com dificuldade, a seleção brasileira provavelmente classificar-se-á para a copa de 2018. Nesta hipótese otimista, se a copa coincidir com o inverno do hemisfério norte, certamente os brasileiros treinarão na Europa com um mês de antecedência. Até o momento, as seleções do Equador e do Uruguai exibem excelente futebol. A partir de março de 2016, veremos se elas manterão o mesmo ritmo e a mesma qualidade. Veremos, ainda, se o retorno de Messi e de Tevez melhorará a posição da seleção argentina.  

Pergunta: O que há de comum entre os catalães Messi e Neymar e os madrilenos C.Ronaldo e James? Resposta: Todos são excelentes em seus clubes e sofríveis nas seleções dos seus respectivos países, principalmente quando tais seleções enfrentam fortes equipes constituídas de bons jogadores e que aplicam táticas eficazes.

Pergunta: Como se explica o decréscimo de produção de bons jogadores ainda aptos para a atividade esportiva, todos em boas condições físicas e técnicas? Resposta: Os altos salários pagos a esses jogadores arrefecem-lhes o ânimo. Eles passam a se ocupar e a se preocupar mais com os seus negócios e relaxam a sua atuação como atleta. O fator econômico pesa. A partir do momento em que o “leite das crianças” está garantido e a fama bem assentada, esses atletas já não se esforçam muito nos treinos e nos jogos. O interesse e a dedicação mudam de centro. Eles se tornam meros burocratas em campo. Para alguns deles, gozar a vida enquanto jovem é mais interessante do que submeter-se à disciplina profissional e aguardar a futura aposentadoria. Nos seus clubes, esforçam-se apenas o suficiente para garantir o contrato em vigor e viabilizar futuros contratos.

O desgaste físico e psíquico resultante de uma longa e ininterrupta carreira também contribui para baixar o rendimento do jogador. Isto decorre da alta freqüência e intensidade dos jogos de que participa, com seguidos deslocamentos percorrendo, às vezes, enormes distâncias, sob constante pressão da família, do clube, do agente negociador, do patrocinador, da comissão técnica, da imprensa esportiva e do público (especialmente dos torcedores fanáticos). Entretanto, a medicina esportiva, a assistência de nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e professores de educação física, reduzem os efeitos desse desgaste e mantêm em boa forma o atleta dedicado e disciplinado.     

21.11.2015. 16,00 horas. Estádio Santiago Barnabeu. Real Madri x Barcelona. (0 x 4). Jogando em casa, a equipe merengue estava no seu dia nefasto. A ajuda da torcida foi insuficiente. O nervosismo tomou conta dos jogadores. A bola não entrava no gol catalão. O goleiro estava num dia fasto. Defendeu bolas incríveis. A equipe catalã com seus excelentes jogadores estava num dos seus melhores dias. Seu entrosamento foi notável. No segundo tempo, Messi entrou, porém, nada de interessante produziu. Suarez (2), Neymar e Iniesta marcaram os gols. Individualmente, o destaque coube a Iniesta, o melhor e mais eficiente jogador em campo, extremamente útil ao desempenho coletivo. Saiu aplaudido inclusive pela torcida adversária. Houve jogadas violentas. Faltas foram punidas com cartão amarelo e cartão vermelho. A nuvem separatista pairava sobre o estádio de futebol (Catalunha x Espanha). O tribunal constitucional espanhol anulou a resolução da assembléia catalã que decretava a independência da província. 

22.11.2015. 16,00 horas. Arena Itaquera. Corinthians x São Paulo. (6 x 1). Jogando em casa, com jogadores reservas, campeão antecipado, contagiado pela fúria barcelonense, o Corinthians venceu o São Paulo. Por pouco não se repetiu o escore da partida Alemanha x Brasil na última copa mundial (7 x 1). Repetiu-se o “apagão”. O tricolor, time de chegada, desta vez nem saiu.  

25/11 + 02/12/2015. 22,00 horas. Vila Belmiro. Santos x Palmeiras. Duas partidas do final da Copa do Brasil. Sob chuva e em seu estádio, o Santos venceu a primeira partida (1 x 0). O magro placar refletiu a disputa acirrada. Prevaleceram o nervosismo e a violência. A equipe do Palmeiras preocupou-se mais com o sistema defensivo. Preponderou, por isso mesmo, o ataque santista. Quando a partida ainda estava no começo, houve pênalti a favor do Santos. Gabriel cobrou. A bola bateu na trave e não entrou. Na segunda etapa, esse mesmo jogador marcou o único gol da partida, na bacia das almas. O mau tempo prejudicou o espetáculo. A segunda e derradeira partida do torneio aconteceu no estádio do Palmeiras (Allianz Parque) na cidade de São Paulo. O time da casa venceu (2 x 1). O tempo estava melhor do que o da partida anterior e ajudou o espetáculo. No elenco dos dois clubes há jogadores excelentes e também promessas de futuras excelências. Houve disputas viris pela bola e nervosismo geral dos jogadores e da torcida. Como era esperado, o Palmeiras foi mais ofensivo e vencia por 2 x 0, os dois gols marcados por Dudu, quando, nos minutos finais da partida, o Santos marcou seu gol pelos pés de Ricardo. Somando os escores das duas partidas, deu empate: 2 x 2. Na decisão por pênaltis, a vitória coube ao Palmeiras, campeão da Copa do Brasil/2015. Destarte, chegamos ao fim do ano de 2015 com dois campeões: Corinthians pelo torneio brasileiro e Palmeiras pela Copa do Brasil.        

BOXE. 28.11.2015. Düsseldorf. Alemanha. Disputa pelo título mundial da categoria peso-pesado. Tyson Fury x Wladimir Klitschko. Depois de 12 assaltos de uma luta equilibrada e sem graça, o britânico Tyson venceu por pontos e conquistou o título por 4 associações internacionais até então na posse de Wladimir. Provocador, Tyson serviu-se do estilo do curitibano Anderson Silva e saiu vitorioso. A imagem da moça que desfilava no ringue e anunciava o número de cada assalto não foi captada diretamente pela câmera, em primeiro plano, mas foi possível notar que ela usava sapato de salto alto e fino e que a roupa cobria o corpo. Influência muçulmana no estádio alemão? Moralismo luterano? Frio? Nos ringues dos EUA, as moças americanas usam tênis, cobrem parcialmente as nádegas e os seios e mostram o restante do corpo enquanto elevam acima da cabeça a placa com o número do assalto. Ao retornarem aos seus lugares, sorridentes, acenam para a câmera de televisão.

sábado, 28 de novembro de 2015

FUTEBOL E TERRORISMO



13.11.2015. 22,00 horas. Horário esdrúxulo e inadequado para jogar futebol. Beneficia apenas as emissoras particulares de TV. Os jogos têm que se ajustar à grade da programação das emissoras. Em país onde vige o princípio da dignidade humana, onde os direitos e o bem-estar dos cidadãos realmente são respeitados, o correto e sensato é o inverso: a programação das emissoras é que deve se ajustar aos jogos e espetáculos estimados pela nação. As emissoras de radio e de televisão concessionárias do serviço público têm o dever de: (1) respeitar os valores éticos e sociais das pessoas e das famílias; (2) prestar serviço à população sem constrangê-la, sem impor horários impróprios para transmitir atividades educacionais, culturais e desportivas; (3) colocar o interesse nacional acima do interesse particular.    

Seleção argentina x seleção brasileira. (1 x 1). As duas equipes mostraram-se aguerridas. No primeiro tempo, a seleção platina esteve melhor, atacou mais e venceu. No segundo tempo, a seleção tupiniquim reagiu e empatou a partida. Estabeleceu-se equilíbrio entre as duas equipes. Botinadas dos dois lados. A temperatura subiu. O árbitro foi condescendente, porém, resolveu ser rigoroso na falta cometida por David Luiz e o expulsou pouco antes do final da partida. Em jogo desse tipo, convém o treinador escalar o Hulk, o Fernandinho, o David Luiz, o Marcelo e, se possível, o Mike Tysson.

Na torcida argentina, não se notou o mesmo diapasão das costumeiras animação e cantoria. Possivelmente, a torcida sentiu as ausências de Messi e Tevez. A torcida brasileira era pouco numerosa. O comportamento mais defensivo da equipe brasileira no primeiro tempo não se repetiu no segundo, quando os brasileiros resolveram atacar sem se descuidar da defesa. William novamente se destacou como excelente jogador. Os demais jogadores se mantiveram em bom nível. Douglas Costa, Lucas Lima e Felipe Luis, não repetiram a excelente atuação da partida anterior. Os argentinos souberam neutralizar os ataques e ameaçar a defesa da seleção brasileira.

Na data desse jogo, repercutiu no mundo as ações terroristas em Paris, das quais resultaram mais de uma centena de mortos e mais de três centenas de feridos. No jogo amistoso do dia seguinte (14/11) entre as seleções da Rússia e de Portugal, os portugueses perderam para os russos pelo escore mínimo (1 x 0). O melhor jogador do mundo, eleito pela mafiosa FIFA, não conseguiu levar a sua seleção ao pódio. Uma andorinha não faz verão, ainda mais quando não está voando bem. Os portugueses usavam braçadeira de luto em solidariedade aos franceses, enquanto os russos nada usavam. O Estado russo se mantém distante dos símbolos religiosos. Solidário e disposto a cooperar no combate ao terrorismo, o chefe de governo da Rússia (Putin) reuniu-se com o chefe de governo da França (Hollande).

O governo brasileiro se solidarizou com o povo francês. Há necessidade de cautela e diplomacia nesse apoio a fim de não provocar inimizade com fundamentalistas muçulmanos e com países árabes. Je suis Paris, mas também, Je suis Bagdá, Je suis Brasília, Je suis le monde. O Brasil já tem muitos problemas internos a resolver, tais como: tentativa de golpe de Estado, tragédia ambiental em Mariana/MG, movimento estudantil em defesa das escolas paulistanas, dívida pública monumental e os reflexos da retração econômica mundial.   

Os povos do Iraque, da Síria, do Afeganistão, sofrem com as intervenções estadunidense e européia. O povo palestino sofre com as invasões e agressões israelenses. Civis não combatentes (homens, mulheres, crianças, idosos) são mortos e feridos aos milhares. Em decorrência dessas intervenções e agressões, a vida desses povos virou um inferno.

Os “terroristas” resolveram dividir com a América e a Europa esse inferno criado pelo governo estadunidense associado aos governos de alguns países europeus. Esses governos não respeitaram os princípios da autodeterminação dos povos e da não-intervenção que integram o direito internacional e que merecem o respeito dos povos civilizados. As retaliações procedidas pelas vítimas da violência parecem obedecer a leis não escritas, como a do karma e a do talião.

De acordo com a lei do karma, colherás o bem ou o mal, segundo o que plantares, os povos dos EUA e da França estão colhendo o que os seus governos plantaram na Ásia morena. De acordo com a lei do talião, olho por olho, dente por dente, os “terroristas” (patriotas dos países invadidos e/ou membros radicais da fraternidade muçulmana) estão retribuindo o que as suas famílias e os seus compatriotas receberam daqueles governos estrangeiros. De acordo com essas duas leis, o povo judeu também, cedo ou tarde, receberá o troco da violência praticada pelo mendaz e criminoso governo de Israel. Quiçá, nem o “muro das lamentações” sobrará para os judeus chorarem o seu merecido castigo.

Desde a Idade Antiga até a Idade Moderna, o povo judeu sofre as conseqüências da sua má índole. O deus Javé pretendia exterminá-lo e diz a Moisés: vejo que este povo tem a “cabeça dura”. Aarão diz a Moisés: tu mesmo sabes o quanto este povo é inclinado ao mal (Êxodo 32: 9 e 22). Não foi à toa que esse povo recebeu dos seus vizinhos o nome de hebreu. Não foi sem motivo que por mais de uma vez no curso da história esse povo esteve ameaçado de extermínio.

O Antigo Testamento (AT) narra vários episódios que testemunham a crueldade do povo hebreu (israelitas + judeus). Bastam dois exemplos. O juiz Samuel informa ao rei Saul, a vontade do deus Javé: votar ao interdito o reino de Amalec. Isto significava destruir cidades, matar o rei (Agag) e todos os homens, mulheres, crianças, bois, ovelhas, camelos e jumentos, o que realmente aconteceu sob o comando de Saul (I Samuel 15: 2/9). Na Pérsia, durante o exílio desse povo, havia um edito real de proscrição para exterminá-lo. O edito foi revogado graças às suplicas de Ester, judia esposa do rei Xerxes (Assuero). Livres do extermínio e apoiados por esse rei, os judeus mataram 75 mil homens, mulheres e crianças nas 127 províncias do reino persa. (Ester 3: 12/14 + 8: 3/9 + 9: 5/16).

O Novo Testamento (NT) narra a violenta perseguição a Jesus e a seus apóstolos e adeptos, promovida pelos judeus. O tribunal judeu (Sinédrio) prendeu, julgou e condenou Jesus à morte, sem que ele houvesse cometido crime algum. Impedido de executar tal sentença, o tribunal pediu à autoridade civil/militar para executá-la (a Palestina estava submetida à lei romana). Herodes, tetrarca da Galiléia, e Pilatos, governador da Judéia, julgaram improcedentes as acusações formuladas contra Jesus e se negaram a executar a sentença de morte ditada pelo Sinédrio. Liderada pelos sacerdotes e anciãos, diante do pretório, a turba exaltada insistia na execução. Aos gritos, os judeus recusaram a oferta de Pilatos de libertar um inocente (Jesus) e de crucificar um culpado (Barrabás, preso por sedição e assassinato). Ameaçaram denunciar Pilatos ao imperador romano se protegesse um agitador que se dizia rei. Pressionado e ameaçado, Pilatos lava as mãos na água que lhe trouxeram e diz: “sou inocente do sangue deste homem”. O profeta é entregue à turba e crucificado. (Mt 26: 47/67 + 27: 11/26; Mc 14: 43/65 + 15: 1/15; Lc 23; Jo 18 + 19).

sábado, 21 de novembro de 2015

TOLERÂNCIA E VERDADE II



O vocábulo “verdade”, usado pelo profeta, tem evidente conotação simbólica. Verdade era o que Jesus encarnava: o conteúdo do seu pensamento formalizado nas suas palavras e refletido na sua conduta. No contexto da sua pregação, verdade é tudo que provém do Pai Celestial (sabedoria divina) e revelado ao ser humano. O encarnado que se dizia filho, simbolizava a verdade do Pai Celestial.

A pergunta de Pôncio Pilatos (o que é verdade?), só mencionada por João, provavelmente é produto da imaginação e fantasia do narrador, como quase tudo na Bíblia. Não houve testemunha dessa conversa. Os judeus não entraram no pretório para não se contaminarem. Livres de contaminação, eles podiam celebrar a páscoa (Jo 18: 28). No interior do pretório, Pilatos interrogou Jesus. Depois, saiu do pretório e se dirigiu aos judeus. Portanto, além de Pilatos e de Jesus, a narrativa não aponta a presença do apóstolo narrador e nem de qualquer outra pessoa no interior do pretório naquele especial momento.

Todavia, supondo-se que a tal pergunta existiu, cabem duas hipóteses. Primeira: A pergunta foi meramente retórica. Expressava ceticismo. Pilatos formulou-a, deu as costas ao interlocutor e saiu sem esperar resposta. Daí, o silêncio de Jesus. Segunda: A pergunta foi inquisitória. Exigia resposta. Nesta segunda hipótese, o silêncio de Jesus comporta quatro possíveis interpretações.
(I) Ele seguiu os seus próprios ensinamentos: “não atirai pérolas aos porcos”. Os romanos eram politeístas e sem apetite para a filosofia. A resposta entraria por um ouvido e sairia pelo outro. O profeta silenciou por entender inútil treplicar.
(II) Ele percebeu o ridículo da situação e assim pensou: estou aqui todo ferrado diante dessa populaça sequiosa por fatiar a minha carne e beber o meu sangue e esse romano aí querendo filosofar sobre a verdade. Esse sujeito deve estar zombando de mim. Não lhe darei resposta alguma.
(III) Em conseqüência do padecimento físico e moral que sofria na ocasião, o profeta não teve disposição e nem palavras adequadas para responder.
(IV) Jesus tinha apenas a intuição da verdade e não o conceito de verdade. A sua doutrina não exigia a racional definição da verdade. O Jesus do evangelho era um profeta e não um filósofo. A sua mensagem veio calcada na fé religiosa – não na ciência. O seu objetivo era domar a face diabólica da natureza humana.  

Analogia mística.

Com a cautelar advertência de que “nenhuma analogia é perfeita” (Sankara, filósofo indiano), as crenças e doutrinas religiosas podem ser explicadas mediante operação analógica. Assim, por exemplo, toma-se a refração da luz (passagem da luz de um meio para outro) como elemento da comparação. No campo ótico, utiliza-se um prisma, geralmente com o formato de pirâmide, com superfícies retas e polidas, sobre o qual se faz incidir luz branca (policromática). Ao atravessar o prisma, a luz branca se divide em sete raios monocromáticos (espectro visível). Sob a ótica mística, a cada uma das sete cores corresponde uma virtude: poder, vitalidade, sabedoria, beleza, bondade, santidade, amor. A luz branca é comparada à luz divina e o prisma, à mente humana. Ao passar do mundo espiritual para o mundo material, atravessando o prisma humano, a luz divina produz diferentes raios monocromáticos, ou seja, idéias radicais captadas segundo o grau de compreensão de cada indivíduo. Cada raio monocromático, ou seja, cada idéia dominante alicerça alguma teoria ou alguma doutrina e se ramifica. Os teóricos e os doutrinadores combinam idéias básicas e criam sistemas, uns abertos e outros, dogmáticos. Nas relações sociais, a conduta de cada pessoa será mais ativa ou mais passiva de acordo com aquela compreensão, com o seu temperamento e com as circunstâncias. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias” (José Ortega y Gasset).   

A crença comum na realidade absoluta da divindade, na sabedoria e no amor divinos, aproxima as religiões. A partir daí, elas se afastam umas das outras impulsionadas por seus dogmas sobre: [1] idéia de deus (substância, forma); [2] modo de cultuá-lo (rituais); [3] interpretação das leis divinas e naturais (pecado, salvação, condenação); [4] estrutura e funcionamento do mundo espiritual (seres angelicais, hierarquia celestial, relação com o mundo natural); [5] idéia de alma e seus atributos (etérea, eterna, individual, cósmica, inteligente). Cada pessoa, cada igreja, cada instituição, acha-se possuidora da divina verdade. No entanto, nenhuma delas a possui na sua plenitude. O arrolamento das virtudes divinas resulta mais da imaginação e das aspirações humanas do que da sublime realidade. A régua humana é insuficiente para medir a intenção, a extensão e a substância de deus.        

“Enganador é falar de diferentes religiões, pois estas são apenas diferentes aproximações simbólicas da única verdade religiosa e filosófica a respeito da divindade como realidade absoluta” (Radhakrishnam, filósofo indiano). “A tradição bíblica é uma mitologia socialmente orientada” (Joseph Campbell). “A religião é a realização fantasmagórica da essência humana, porque a essência humana não tem realidade verdadeira” (Karl Marx).  

Na mais conhecida filosofia indiana (Advaita Vedânta), não se nota ênfase no problema da verdade, salvo o dever moral de não mentir. Isto porque, segundo essa escola, o que o homem considera real (pessoas, coisas, universo, deus) faz parte do mundo de aparências; tudo é maya (ilusão, criação mágica); nada é real, salvo Brahman, ser unitário, íntegro e inefável. Segundo as escrituras védicas (Índia), Brahman é a verdade absoluta, fonte do real e verdadeiro conhecimento. Krishna é a encarnação de deus, personalidade histórica que viveu 125 anos em nosso planeta e transmitiu os ensinamentos védicos que existem há cinco mil anos.          

Verdade profana.

A busca da verdade pelos caminhos da arte, da ciência, da filosofia, da religião e do misticismo, deve-se à curiosidade humana, à ânsia de saber, à vontade de compreender, explicar e crer, combinadas com a capacidade humana de observar, analisar, sintetizar, refletir, orar e meditar. Por esses caminhos, trilham o racional e o irracional; a intuição desafia a razão; a imaginação desafia a realidade; aquilo no que se crê desafia aquilo que é; o dever-ser desafia o ser.

Na civilização ocidental, a relação entre a inteligência humana de um lado e os fenômenos naturais e os fatos sociais de outro, tornou-se um complicado problema. Criou-se toda uma epistemologia com diferentes teorias sobre o conhecimento humano. A verdade virou mito, algo volátil e enigmático, fora do imediato alcance do entendimento humano. Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano (Joseph Campbell). O objetivo do mito é fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição (Claude Lévi-Strauss). Verdade é uma correta união ou separação de sinais e o modo pelos quais as coisas significadas por eles concordam ou discordam entre si (John Locke).

Do ponto de vista lógico, verdade consiste na conformidade do pensamento com o ser (verdade material) ou do pensamento consigo mesmo (verdade formal). A verdade é produto da razão humana. Do ponto de vista ontológico, verdade é o espetáculo do mundo percebido pelos sentidos e refletido na mente do homem. Verdade fundamental no plano da natureza. Cada ser (mineral, vegetal, animal) é o que é ainda que a sua essência seja ignorada pelo homem. Vidro é vidro, ainda que visto e recebido como diamante. Do ponto de vista psicológico, verdade consiste em tudo o que se conforma com a concepção de mundo do indivíduo; cada pessoa detém a verdade acerca de si mesma, do outro, da sociedade, do universo e de deus. Do ponto de vista sociológico, verdade consiste nas efetivas e comprovadas relações estabelecidas entre os indivíduos ou entre grupos humanos no curso da história. Do ponto de vista teleológico, verdade é a exata correspondência das coisas com os seus úteis ou necessários fins. Do ponto de vista teológico, verdade é a refulgência de deus no mundo.

Na esfera humana, verdade não é algo uniforme e substancial que exista abstrata, perene e isoladamente. Parafraseando o poeta no seu refinado humor (entre os amantes, “o amor é eterno enquanto dura”), pode-se dizer que entre os homens a verdade é absoluta enquanto dura. A verdade provém de um tipo de relação estabelecida entre a percepção e a inteligência do sujeito de um lado, e o objeto observado, de outro. O objeto observado pode ser deus, a natureza, a sociedade, pessoas ou o próprio sujeito (introspecção). A verdade é problema ético e lógico que decorre da sociabilidade e da racionalidade do ser humano.

sábado, 14 de novembro de 2015

TOLERÂNCIA E VERDADE



Choque de culturas.

“Se tu, americano e cristão, censuras o nosso costume relativo à conduta e ao vestuário das nossas mulheres, eu, oriental e islâmico, também, dentro da mesma lógica e com igual autoridade, censuro o costume das tuas mulheres de exibirem as pernas, os seios e as roupas íntimas, provocando o desejo sexual nos homens, como fazem as prostitutas, e penso que a tolerância com esses hábitos faz de ti e dos vossos iguais, uns cornos mansos”.

A censura do homem ocidental vale tanto quanto a do homem oriental e revela intolerância e espírito de dominação. A força moral é inata, provém da natureza anímica do ser humano. Essa força gera na mente dos homens preceitos morais que integram a cultura de cada povo.

Errado é confundir o que é costume com o que é certo. Comer o primogênito como fazem os habitantes de Kai-Shu pode ser o costume, mas não é o certo (Mo Tse, filósofo chinês, 478-436 a.C.). Não existe uma moralidade absoluta, mas apenas uma conveniência oportunista. Na realidade, não há verdade e nem erro, nem outras distinções. Existem apenas aspectos diferentes que dependem do ponto de vista (Chuang Tse, filósofo chinês, 369-286 a.C.).

O conflito, hoje, se dá entre uma cultura que afirma, ama e celebra o dom da vida e uma cultura que declara que grupos inteiros de seres humanos, crianças por nascer, doentes em estágio terminal, inválidos e outros, vistos como “inúteis”, devem ficar fora das fronteiras e da proteção legal. (João Paulo II. Saint Louis, Missouri, USA, 26/01/1999).

No confronto das culturas há oposições, mas também sintonias. O espírito de submissão a deus revelado na escritura islâmica (Alcorão) sintoniza com o espírito de completa e incondicional rendição a deus revelado na escritura védica (Bhagavad-Gita). Numa das passagens desta última, Krishna diz ao guerreiro Arjuna: “Abandona todas as tuas demais ocupações e submeta-se a mim”. O espírito islâmico e o espírito védico sintonizam com o espírito de humildade que brota do amor a deus revelado na escritura cristã (Novo Testamento). 

Das escrituras “sagradas” dos diversos povos nota-se um manto sagrado sobre a vida privada. As regras islâmicas ditadas a Maomé pelo arcanjo Gabriel são criticadas por suas minúcias, como aquelas sobre: qual a mão que deve limpar o próprio traseiro; virar-se de frente para o vento ao expelir gases intestinais; tipo e quantidade de alimentos que os fiéis devem comer; posições sexuais (veda-se à mulher ficar por cima); assuntos proibidos de se conversar; partes do corpo que não podem ser tocadas; modo lento (por sangramento) que deve ser usado para abater animais (degola ritual); maneira de sepultar o homem. No entanto, a Bíblia também tem centenas de regras sobre o cotidiano inadequadas à vida moderna ocidental (higiene, dieta alimentar, abate de animal, comportamento sexual, endogamia, primogenitura e outros assuntos). A literatura védica (Índia) ensina como homens e mulheres devem se unir, o que devem fazer para gerar filhos e qual o objetivo da vida sexual, além de outros preceitos relacionados à vida privada. Na China, regras sobre a conduta individual e coletiva foram ditadas por Lao Tse (Tao Te King) e Kung Fu Tse (Analectos) que orientaram a conduta de povos asiáticos por muitos séculos.

Verdade religiosa.

Em que pese a Bíblia ser uma coleção de livros recheados de falsidades, fantasias, megalomanias e verborragia (narrações romanceadas e pretensamente históricas, oráculos proféticos, genealogias, milagres) nela é possível achar coisas verossímeis (textos legislativos, ensaios filosóficos, poemas, orações). Campeã de vendas, muito falada, pouco lida e mal interpretada, essa coleção se divide em duas partes: (1) Antigo Testamento, “escritura sagrada” dos hebreus composta de livros de vários autores; (2) Novo Testamento, “escritura sagrada” dos cristãos composta de cartas e de livros (evangelhos, atos dos apóstolos, apocalipse) escritos ou ditados por apóstolos do profeta Jesus. Essa coleção de textos (Bíblia) é a base espiritual e social da comunidade cristã e se universalizou graças: (1) ao magistério de João Batista e de Jesus; (2) ao trabalho dos apóstolos; (3) à ação catequética da igreja católica e da igreja protestante; (4) à ignorância e à credulidade da massa popular. A Bíblia refere-se, no Antigo Testamento, ao deus do povo hebreu (israelitas + judeus) e no Novo Testamento, ao deus do povo cristão (católicos + protestantes). Qual dos dois é o deus verdadeiro?

O deus dos hebreus, que Moisés denominou Javé (ou Jeová) tem as seguintes características: (1) poderoso na “terra prometida”, circunscrita ao território palestino, pois nos países vizinhos sofre a concorrência dos outros deuses; (2) belicoso, homicida, genocida; (3) exclusivista, vingativo, cruel. Javé escolheu um povo exclusivamente para si do qual exigiu fidelidade e pureza racial (endogamia); em troca, prometeu numerosa descendência, riqueza, felicidade, domínio do mundo; autorizou extermínio de outros povos e invasão de terra alheia. O apego dos hebreus ao dinheiro e aos bens materiais e a pretensão ao domínio amparam-se na crença nesse deus e nessa escritura. (Gênesis 15. Êxodo 6/7. I Samuel 15: 1/9. II Samuel 7: 1/16. Isaías 14/23; 60/65).

O deus dos cristãos, que o profeta Jesus, o Cristo, denominou Pai Celestial, tem as seguintes características: poderoso, misericordioso, amoroso, pacífico, universalista, sábio. A esse deus, desagrada a sensualidade e a riqueza mundanas. Ele deve ser incondicionalmente amado sobre todas as coisas e recomenda o amor fraterno, humildade, moderação nos costumes, desapego aos bens materiais, obediência às autoridades paterna e estatal. A bem-aventurança situa-se no mundo celestial; dela, poucos desfrutarão. (Mt 5/7. Lc 9: 62; 13: 24. Jo 15/16).

Apesar das diferenças essenciais e contrastantes entre esses dois deuses, há quem afirme que se trata de um único e mesmo deus. Se assim fosse, esse deus teria, então, duas faces: a diabólica, que ele exibiu ao patriarca Abraão e a angelical, que ele exibiu ao profeta Jesus. De fato, comparando-se passagens bíblicas entre si, verifica-se que no Antigo Testamento, o deus Javé promete ao patriarca o domínio do mundo; no Novo Testamento, o deus Satanás faz a mesma promessa ao profeta. A conclusão se impõe: Javé e Satanás são idênticos e não se confundem com o Pai Celestial. Abraão não resistiu, prostrou-se e, seduzido pelas promessas “divinas”, celebrou o pacto com Satanás (Gênesis 17: 1/22). Jesus resistiu; não se prostrou e nem se deixou seduzir por tais promessas. “Para trás, Satanás” (Mt 4: 3/10. Mc 1: 12/13. Lc 4: 1/13).    

Nos quatro evangelhos selecionados pela igreja cristã, há inúmeras passagens em que Jesus fala sobre a verdade sem defini-la. Se permanecerdes nas minhas palavras sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará. Na última ceia com seus apóstolos antes da crucifixão, o profeta diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. O apóstolo João narra o seguinte episódio: Jesus, prisioneiro, diante de Pôncio Pilatos, diz: É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz. A isto, Pilatos replicou: O que é verdade? Jesus não treplicou. (Jo 8: 31/32; 14: 6; 18: 37/38).