sábado, 29 de setembro de 2018

VICE-VERSA

O geral e permanente estado de insegurança e incerteza no qual vive a humanidade desde os primórdios da sua existência dificulta um clima de paz entre os povos e facilita o clima de guerra, contribui para a discórdia e limita a felicidade de todos a momentos fugazes. A procura de culpados acirra os ânimos e incrementa as hostilidades. Na busca de independência, em defesa da liberdade e na afirmação de direitos, colônias lutam contra metrópoles, governados contra governantes, escravos contra senhores, campônios contra latifundiários, empregados contra empregadores. Na monarquia, o príncipe herdeiro conspira para matar o rei. Na aristocracia, a família ou o grupo pretendente conspira para derrubar a família ou o grupo que está no poder. Na democracia, o vice-presidente conspira para tomar o lugar do presidente da república.
No átomo, a partícula vira onda e vice-versa.  Na sociedade, potência ocidental desafia potência oriental e vice-versa. Grupos nacionalistas combatem grupos cosmopolitas e vice-versa. Capitalistas boicotam socialistas e vice-versa. País adota medidas protetivas da sua economia em detrimento da economia de outro país e vice-versa. Israelenses matam palestinos e vice-versa. Crentes censuram ateus e vice-versa. Teístas criticam deístas e vice-versa. Hinduístas atacam muçulmanos e vice-versa. Católicos guerreiam protestantes e vice-versa.
O ecumenismo foi um sonho (1948). Esse movimento pretendia a unidade cristã. O apego a dogmas irrenunciáveis das diferentes igrejas cristãs (ortodoxa, católica, protestante) impossibilita a conversão do sonho em realidade. Aspirou-se também à paz entre as diferentes religiões (judia, cristã, islâmica) com algum êxito: a mútua tolerância. Entretanto, no presente século, os adeptos da religião islâmica têm sofrido ataques por motivo político. O Islã é acusado de terrorismo quando culpa alguma lhe cabe. O revigoramento da mentalidade nazifascista tem produzido ataques aos judeus e a sinagogas. Há cristãos criminosos, nem por isto se há de culpar o cristianismo ou as igrejas por crimes praticados por seus seguidores. As igrejas cristãs pentecostais sofrem censura em consequência da corrupção e da exploração praticadas por seus gananciosos pastores, missionários e bispos.    
Partidos de direita se opõem a partidos de esquerda e vice-versa. Partidos de centro funcionam como terceiros combatentes na luta pelo poder político. Entram em jogo nos tabuleiros nacional e internacional diversos fatores: [1] prepotência e desejo de dominar [2] ganância, paixão pelo dinheiro e pelo crescimento econômico ilimitado [3] ênfase na esfera  material do mundo onde ter vale mais do que ser [4] competição selvagem, concorrência entre indivíduos e entre nações marcada por rivalidade, cobiça, medo, inveja, deslealdade, estupidez, não só nos campos econômico e religioso mas, também, no estratégico, como ocorreu no século XX entre EUA e URSS nas corridas espacial e armamentista (inclusive nuclear, que colocou em perigo a vida no planeta) [5] desprezo pela vida, liberdade, bem-estar e segurança de quem não é da sua tribo [6] complexo de superioridade em relação ao modo de vida, à raça e à cultura do outro [7] imposição violenta de ideias e crenças a quem pensa e crê diferente [8] negligência do aspecto moral nas relações humanas [9] distância entre o discurso e o comportamento [10] uso da mentira, do engodo e da hipocrisia.
Esses fatores criam um carma negativo que traz angustia às pessoas e às nações, torna incerto o nosso destino e perigoso o nosso mundo (como se já não bastassem as catástrofes naturais).  Quanto mais os governos se valem de leis draconianas, de políticas intervencionistas, segregacionistas e terroristas, do uso da força para solucionar problemas internos e externos, mais distante ficam a concórdia e a vida amorosa e feliz. Assim foi no passado e assim continua a ser no presente, apesar dos princípios éticos e dos propósitos humanitários norteadores dos esforços da comunidade internacional (UNESCO, Declaração Universal dos Direitos do Homem, encíclicas do Papa).
O avanço espiritual da humanidade tem sido lento em comparação com o avanço científico e tecnológico. Mutações se sucedem ao longo dos milênios e dos séculos motivadas por ideias, sentimentos e experiências reais de indivíduos iluminados e/ou carismáticos e de grupos de vanguarda entre os quais se incluem:
[1] Aquenaton (o divino egípcio), Zoroastro (o divino persa), Krishna (o divino indiano), Lao Tzu (o divino chinês), Platão (o divino ateniense), Sidarta (o divino buda), Kung Fu Tzu (o grande mestre chinês), Sócrates (o grande mestre grego), Jesus (o profeta judeu), Maomé (o profeta árabe), Lutero (o reformista cristão), Robespierre (o revolucionário francês), Marx (o revolucionário alemão), Lenin (o revolucionário russo), Hitler (o revolucionário austríaco);
[2] comunidade científica: (i) astrônomos e matemáticos da Idade Antiga {Egito, Mesopotâmia, Arábia, Índia} (ii) sábios da Grécia Clássica {Tales, Pitágoras, Euclides, Anaximandro, Empédocles, Hipócrates, Aristóteles, Aristarco, Arquimedes, Ptolomeu} (iii) sábios da Europa  medieval, moderna e contemporânea {Copérnico, Galileu, Kepler, Paracelso, Galeno, Harvey, Bacon, Pascal, Descartes, Hobbes, Huygens, Boyle, Hooke, Newton, Leibniz, Lavoisier, Lineu, Freud, Jung, Planck, Rutherford, Bohr, Broglie, Schrodinger, Einstein, Born, Heisenberg, Hawking};
[3] comunidade artística: inventores, pintores, escultores, literatos, compositores, poetas;
[4] comunidade mística: profetas, apóstolos, santos, gurus, rosacruzes, maçons, pitagóricos.
No mesmo indivíduo, tal como acontecia com Francis Bacon, podem coexistir o político, o cientista, o filósofo, o literato, a virtude e o vício.  Os humanos têm dificuldade de controlar a face diabólica inerente ao corpo e ao mundo material. A face angelical inerente à alma e ao mundo espiritual tem sido ofuscada. O amálgama corpo + alma deriva da energia cósmica bipolar criadora e mantenedora do universo. Castigar o corpo para salvar a alma é comportamento inútil, equivocado e irracional. Situada na esfera metafísica, a alma não necessita de salvação alguma. O corpo sim, situado na esfera física, necessita de cuidados (dieta, ginástica, higiene, ar, água, alimento, abrigo, amor) não só para uma vida longa, saudável, harmoniosa, como também para se dignificar como templo da centelha divina que o habita e o anima (alma).
Numa população de sete bilhões de habitantes neste planeta talvez se encontre: [1] cem homens e mulheres cuja face angelical supera a diabólica e os coloca em permanente sintonia com a ordem cósmica e a fonte espiritual da vida  [2] cem mil homens e mulheres que mantêm o equilíbrio entre as forças angelical e diabólica e empregam sua disposição física e mental para o bem da humanidade [3] cem milhões de homens e mulheres que praticam boas ações regularmente [4] seis bilhões de homens e mulheres nos quais a força diabólica domina a angelical {governantes e governados, líderes e liderados, professores e discípulos, empregadores e empregados, profissionais liberais e autônomos, leigos e religiosos, civis e militares, africanos, americanos, asiáticos, europeus}.
Arte, música, poesia, oração, esporte, aproximam pessoas e nações, contribuem para a paz, atenuam os efeitos da atmosfera hostil que envolve o planeta. A força positiva da minoria que pensa e age com sinceridade e incondicional amor pode superar a força negativa da maioria e orientar a humanidade por caminhos pacíficos e confortáveis nos séculos vindouros. 

terça-feira, 25 de setembro de 2018

PESQUISAS

No Brasil, as pesquisas de opinião em época eleitoral servem para melhorar o faturamento dos institutos especializados e para ludibriar o eleitorado. Falta-lhes suporte científico e credibilidade. O objeto desse tipo de pesquisa é volúvel, de elevado grau de emotividade, campo de intensas paixões, imprestável para coleta de dados séria e confiável. As perguntas feitas pelo pesquisador à vezes são de duplo sentido ou mal formuladas. A sinceridade dos pesquisados nas suas respostas é duvidosa. Ainda que sinceras algumas respostas, o pesquisado pode mudar de opinião no momento de votar. Indicativo disto é a mudança de percentuais entre os candidatos assemelhada ao sobe e desce dos clubes na tabela de classificação do campeonato brasileiro de futebol.
Esse tipo de pesquisa mostra-se proveitoso aos meios de comunicação (sites da rede de computadores, programas de televisão, jornais) para empolgar o público. Todavia, nem todos os efeitos disto são divertidos. Qualquer candidato poderá levar a pesquisa a sério e com base nela impugnar o resultado das urnas. O vencedor não colocará em dúvida a lisura do pleito e a qualidade técnica das urnas. O perdedor, entretanto, calcado nas pesquisas que o colocavam em primeiro ou segundo lugar, alegará fraude e recorrerá ao tribunal e ao golpe. A boa posição da extrema-direita nas pesquisas atuais é artificiosa. O seu eleitorado é fiel e numeroso, principalmente na região sul do país. Lá, as pesquisas podem favorecer o seu candidato. Basta o pesquisador amestrado acertar o reduto. No entanto, apesar do peso, esse fiel e numeroso eleitorado é insuficiente para superar o eleitorado da esquerda, do centro e da direita moderada.
Da enganosa posição posta pelos bem remunerados institutos de pesquisas, o candidato da extrema-direita já avisa que vai virar a mesa se o resultado das urnas lhe for desfavorável. Apoia-se na patente militar do candidato a Vice-Presidente na sua chapa. Se perder no voto e na caneta, pensa ganhar na espada. O candidato sabe que, no voto, perderá. Igualmente na caneta. O presidente do supremo tribunal já advertiu: o resultado das urnas será respeitado. O tribunal eleitoral já verificou a idoneidade técnica das urnas eletrônicas que passaram, várias vezes, por testes rigorosos.
A facada oportuna, conveniente, altamente suspeita de armação, ajudou o candidato da extrema-direita a escapar dos debates. Livrou-o do vexame de exibir a sua ignorância à frente dos candidatos melhor preparados. Há semelhança entre o capitão e o empresário alagoano do ramo das comunicações (Collor). Ambos aparentam desequilíbrio. O partido do empresário também era nanico. O seu discurso também era arrebatado e “contra tudo o que está aí” (1989). Moralista. Agressivo. Jorrando força e vitalidade. Todavia, diferente do capitão, o empresário era intelectualmente mais preparado. Além disso, tinha o apoio da rede Globo.         
O candidato da direita moderada terá boa votação nos estados sulinos (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e menor votação nos demais estados da federação em cujos céus e matas tucanos voam e se acomodam. A candidata defensora do meio ambiente talvez não tenha a mesma votação do pleito anterior tendo em vista os acontecimentos políticos dos últimos anos (2013-2018). Considerando o desempenho, a firmeza e o preparo do candidato do centro e da candidata da sua chapa a Vice-Presidente, provavelmente ele terá votação maior do que a da ambientalista. Se houver segundo turno, não será surpresa se ele estiver classificado.
O candidato da esquerda moderada, indicado por Lula, vencerá as eleições provavelmente no primeiro turno. A Vice-Presidente eleita terá de desinfetar o Palácio Jaburu antes de ocupa-lo. Talvez, benzer ou encomendar uma pajelança. Yo no creo en brujas, pero que las hay, hay

sábado, 22 de setembro de 2018

DIREITO & SEGURANÇA

Desde os primórdios da sua existência, a humanidade tem a insegurança por companheira. Perigos e danos constantes. Morte e destruição provocadas por ciclones, inundações, maremotos, terremotos, erupção vulcânica, raios, colisão de meteoros com a superfície do planeta. Epidemias e doenças afligem a raça humana. Em consequência das estiagens, morre gente, gado e plantação. Diante dos reveses e da incerteza do amanhã, indivíduos e povos traçam objetivos e estratégias, buscam refúgio nas montanhas e cavernas, constroem casas, cercas, muros, diques, cavam poços e trincheiras, cultivam a terra, domesticam animais. Pessoas constroem abrigos e estocam alimentos por temor a catástrofes naturais e a hecatombe nuclear. Nessa faina, os humanos acumulam experiência, técnica e conhecimento. Os altos e baixos da marcha civilizatória inquietam, causam obsolescência, extinguem profissões, corporações de ofícios, negócios, empregos.
Em todas as épocas houve desavenças domésticas e conflitos entre grupos. Homem contra homem, tribo contra tribo, cidade contra cidade, nação contra nação, disputas pelo poder interno, por domínio territorial, rebeliões, genocídio, homicídio, agressões físicas, ofensas morais, roubos, invasões, sequestros, estupros. Revolução, pacífica ou armada, mudança de paradigmas e de rumos, dificultam a adaptação dos conservadores aos novos tempos. Crises periódicas deixam os indivíduos e os povos sobressaltados e inseguros. A barbárie pré-histórica sobrevive no período histórico até os nossos dias. Governos orientam-se por mentalidade liberal autocrática, menosprezam direitos individuais e sociais, favorecem a selvageria na atividade econômica. Na América e na Europa, revigora-se a mentalidade nazifascista que dissemina ódio e violência, discrimina classe, cor, raça, sexo, preferência sexual e origem das pessoas. Seus adeptos pretendem o domínio total da sociedade e do estado e aniquilar quem se lhes oponha resistência. A postura e a aparência física do homo sapiens melhoraram desde o seu surgimento há cerca de vinte mil anos até o presente, porém, o seu estúpido comportamento continua essencialmente o mesmo, inobstante o verniz civilizatório.
No evolver histórico, homens e mulheres sentiram necessidade: (i) de reunir condições para reduzir ao mínimo a incerteza e a insegurança (ii) de um porto seguro (iii) de planejamento relativo à vida, à saúde, à educação, à velhice, aos bens materiais. Organizaram segurança estratégica e segurança jurídica mediante regras técnicas e normas éticas de caráter utilitário para defesa individual e coletiva e assegurar a todos a oportunidade de expressarem as suas potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais. As necessidades de segurança estratégica e de segurança jurídica, uma vez satisfeitas, tornam possível alguma certeza nas relações sociais, econômicas e políticas. Os dois tipos de segurança ocupam o nível superior de princípios essenciais à convivência e à coexistência humanas. Regras técnicas conexas às normas éticas abrem caminho à paz, à segurança e ao progresso.
Normas éticas de maior importância para a segurança de todos e para organizar a comunidade nacional formam um corpo normativo dotado de força coativa (constituições, códigos, leis esparsas, regulamentos, contratos, tratados, costume, jurisprudência). Esse conjunto de normas expressa direito vigente, configura a ordem jurídica da sociedade e do estado e geralmente reflete a imagem da vida e do mundo predominante no seio da nação. Tudo isto contribui para: (i) reduzir a incerteza nas relações humanas (ii) realizar o bem comum (iii) ensejar a felicidade geral. Sublimes fins ordinariamente desvirtuados por governantes e governados.  
A estrutura e o funcionamento do estado moderno (1700-2000) assentam-se em princípios e normas fundamentais de caráter imperativo cuja origem é autocrática ou democrática, segundo a cultura e a história de cada nação. As normas contidas nos códigos, nas leis esparsas, nos regulamentos, nos contratos, nos tratados, no costume, na jurisprudência, subordinam-se aos princípios e normas fundamentais postos pelo detentor do poder supremo (monarca, ditador, elite civil/militar, assembleia popular). O estado moderno caracteriza-se pela posse soberana de um território, poder político institucionalizado, burocracia estável e profissionalizada, força monopolizada, exército próprio e permanente, nação vinculada ao mesmo direito.
O direito funciona como energia ética de coesão e conservação que mantém íntegras as instituições. Além disto, no estado refratário ao absolutismo e ao comando ditatorial, o direito cristaliza conquistas da civilização e põe limites à autoridade pública e à liberdade dos cidadãos. O direito reprime os fatores de insegurança e de incerteza (excesso de poder, abuso de direito, ação lesiva aos poderes constituídos e à dignidade da pessoa humana), define o lícito e o ilícito, o permitido e o proibido. Desse modo, proporciona a confiança necessária à atividade econômica, social e política.
O direito propicia estabilidade às relações humanas do ponto de vista estrutural, o que não significa engessamento funcional. As contingências históricas moldam a função jurídica no plano concreto. As normas podem ser – e muitas vezes o são – elaboradas e executadas visando aos interesses de grupos nacionais e estrangeiros em detrimento do interesse público. A eficácia desse tipo de norma depende da inércia ou da reação do povo diante das decisões de quem exerce de fato o poder político, seja no governo autocrático, seja no democrático. O governo autocrático de extensão totalitária não se sujeita a freios morais e jurídicos. Nele, a liberdade é direito privativo do autocrata. Aos súditos cabe apenas o direito de cumprir os seus deveres.  
A natureza humana permanece a mesma de vinte mil anos atrás: angelical e demoníaca. O pensamento e a ação dos humanos refletem essa bipolaridade, ora para o céu, ora para a terra, ora para o bem, ora para o mal, ora a paz, ora a guerra. Há certeza da morte individual, mas nenhuma certeza de quando e como ocorrerá. A deslealdade e o inadimplemento rompem a certeza fincada na confiança. O conhecimento de hoje afasta ou complica a certeza oriunda do conhecimento de ontem. No conceito dos astrônomos, Plutão era planeta, mas no passado recente deixou de ser, porém no presente, voltou a ser. Ante as incertezas deste mundo, homens e mulheres buscam refúgio no mundo espiritual. Prestam culto a divindades. A fé religiosa obscurece a razão. A certeza que a ordem jurídica enseja e que a ciência proporciona, situa-se aquém da convicção mística do crente. A ilusão é mais agradável do que a dura realidade. Na América Latina, o emocional prevalece sobre o racional, paraíso dos enganadores (padres, pastores, missionários, marqueteiros, políticos, âncoras de programas da TV). Contudo, embora provisório, o estado de certeza é suficiente para orientar a conduta humana com alguma segurança. 
Dentro da sua estrutura e do período de vigência, o direito positivo é fator de estabilidade. O fundamento axiológico da norma jurídica não é volátil. Mudança na base empírica da norma jurídica é menos frequente do que se propala. No Ocidente, o sistema social da Idade Média durou doze séculos, o da Idade Moderna durou três séculos e o da Idade Contemporânea dura um século (1918-2018). O ambiente social altera-se com os modos de produção econômica (pré-industrial, industrial, pós-industrial), com a aceleração das trocas e com a variedade dos bens de consumo. A propriedade dos meios de produção econômica pode ser privada (capitalismo) ou coletiva (socialismo). Regras técnicas e normas éticas estruturam esses dois sistemas econômicos. Sem prejuízo da ideologia, países socialistas, como a China e a Rússia, adotam práticas capitalistas. Países capitalistas, como a Alemanha e a França, adotam práticas socialistas (igualdade formal e igualdade material disciplinadas no ordenamento jurídico).   
O dinamismo social inclui impulsos técnicos, econômicos, políticos, artísticos, científicos, filosóficos, religiosos. A expansão cultural assim impulsionada descortina novos horizontes, amplia o conforto e a sofisticação, porém, permanecem em vigor as exigências morais de justiça, honestidade, verdade e bondade, que devem servir de suporte axiológico às normas jurídicas e formar o caráter dos cidadãos. Apesar disto, há homens e mulheres de vestes civis e sacerdotais, togados e fardados, que são imorais, sem escrúpulo, que decidem e agem sem pudor e sem remorso, indiferentes a esses nobres valores.         

sábado, 15 de setembro de 2018

DIREITO & JUSTIÇA

A política partidária e a política judiciária no Brasil forneceram, nos últimos quatro anos, farto material à pesquisa científica. A realidade brasileira desmente teorias sobre direito e justiça. As teorias fundadas na realidade do hemisfério norte nem sempre aclimatam-se no hemisfério sul. Esta constatação levou o povo brasileiro a dizer: “a teoria na prática é outra”. O caso Lula é modelar e útil a esse estudo pela riqueza das suas notas políticas, sociais, jurídicas e culturais. Certamente, esse material será utilizado nas faculdades de direito, história e sociologia.   
Justo é agir ou decidir dentro da lei. “A lei é igual para todos”, preceito ético com fulcro na ideia de retribuição: merece castigo quem: (i) age ou decide contra a lei (ii) aplica a lei de modo diferente a casos iguais (iii) serve-se da lei para perseguir inocentes e/ou satisfazer escusos propósitos. Desse preceito serve-se quem pretende simular justiça. Feito bandeira, acena com o preceito para indicar justiça no caso aqui tomado por modelo (Lula). A lei da ficha limpa aplica-se a todos. Justiça aparente brotada da hipocrisia e da má-fé. A análise honesta e racional do caso aponta injustiça. O foro em que o processo teve seus trâmites não era o competente. Os juízes que atuaram no caso eram parciais e suspeitos. A materialidade do suposto delito não estava suficientemente provada. O ato de ofício da definição do crime não existiu. Portanto, no caso aqui tomado por modelo (Lula) não houve justiça, quer sob o aspecto formal, quer sob o aspecto material.
O que se entende por justiça? Supõe sociabilidade e solidariedade. Cuida-se da íntima disposição de dar igual tratamento a todos no plano social e tratamento proporcional à concreta situação de cada um no plano individual. De modo abstrato e geral, entende-se por justiça a correspondência da decisão da autoridade com a situação de fato e com a norma de direito. No caso concreto tomado como modelo (Lula), a decisão está viciada e a situação de fato foi criada de maneira artificiosa. A norma de direito é justa enquanto posta pelo legislador em sintonia com as aspirações do povo. Em tese, a lei é elaborada segundo o senso de justiça do legislador em harmonia com o senso de justiça da maioria do povo e aplicada segundo o senso de justiça da autoridade pública. No caso concreto tomado como modelo (Lula), a lei foi aplicada com justiça? A resposta é negativa, como se vê acima.
Do ponto de vista individual, ainda vigoram os preceitos romanos de justiça: viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o seu. Zelo pelo ser, pelo ter e pelo dever. Seguir os bons costumes e as leis é próprio de quem é justo. No caso concreto tomado como modelo (Lula) faltou prova idônea de que o réu fosse desonesto, tenha lesado o próximo ou se negado a cumprir sua obrigação. 
Do ponto de vista social, entende-se por justiça o tratamento igualitário das pessoas nas suas relações bilaterais e multilaterais observada proporcionalidade entre situações distintas. Nas trocas, a justiça está na equivalência dos ganhos e das perdas, na equitativa distribuição dos bens e vantagens entre as partes. "Todos são iguais perante a lei”. Preceito nobre fundado no espírito de justiça. Esse preceito absoluto no plano moral relativiza-se no plano social ante a multicolorida realidade a exigir mensurações. No caso concreto tomado como modelo (Lula), quer na justiça eleitoral, quer na justiça comum, houve tratamento desigual em relação a casos semelhantes. A autoridade judiciária praticou injustiça embora invocando lei justa. O juiz cala a voz da consciência para não atrapalhar o seu desonesto propósito. Modo político e caviloso de prestar tutela jurisdicional. O cidadão comum, quando se depara com situações contrárias aos princípios da ética e do direito, sente tristeza no seu coração pela injustiça testemunhada. Afetando o povo, a injustiça pode motivar rebeldia e revolução.
Do ponto de vista institucional, entende-se por justiça o aparelho de segurança do estado (polícia, ministério público, magistratura) cujo objetivo é preservar o respeito à lei e manter a ordem na sociedade. Os agentes desse aparelho devem guiar suas ações e decisões pelo ideal de justiça. Não se trata de uma justiça divina absoluta ou metafísica e sim da justiça como virtude moral, portanto humana, corporificada no direito (Constituição e leis infraconstitucionais). O saber complementa a justiça. Situação que à primeira vista mostra-se justa pode se mostrar injusta após análise racional, honesta e imparcial.
Justo é o governante (legislador, chefe de governo, juiz) cujos atos visam ao bem comum e buscam a felicidade dos governados. A justiça institucional respeita a vida, a liberdade e o patrimônio dos cidadãos e se contém nos limites da lei. Nos litígios, a justiça institucional se manifesta como prudência no sentido de dar à parte litigante o que for do seu direito. A justiça se revela no processo judicial pela paridade de forças entre os litigantes, meio eficiente de se dar solução adequada e correta às controvérsias. Tal solução se pauta pela ideia de justiça que se expressa na norma jurídica e pelo sentimento de justiça que vibra no coração do julgador.
A ciência do direito consiste no racional e sistemático estudo das normas jurídicas, dos fatos que lhes servem de base empírica e dos valores que as informam. A arte do direito consiste no conjunto de normas coativas postas pelos humanos a fim de regular suas recíprocas relações. Por sua fonte humana, a lei pode ser injusta. Em decorrência do julgamento humano, a aplicação da lei pode ser injusta. Ciente da força coativa do direito positivo e disto se aproveitando, o legislador pode legislar em proveito próprio e/ou do seu grupo. O mesmo comportamento tem o juiz ao prestar a tutela jurisdicional de forma indecorosa. A experiência brasileira é rica em exemplos.
Legisladores e magistrados brasileiros carecem dessa virtude intrínseca à noção de bem. Prevalece o mal. O escrúpulo tem sido visto como peça de museu, fora de moda, coisa superada pelo oportunismo e pela esperteza enganosa. O interesse privado em detrimento do interesse público, o patrimônio público tratado como particular. Ódio, crueldade, malícia, indecência, desonestidade, parcialidade, proliferam nos altos escalões da república de forma despudorada. O brasileiro cordial mostrou a sua ferocidade. A barbárie veio à tona. Delegados, procuradores e juízes perderam a compostura, prenderam no intestino o senso de justiça e se movem por paixão partidária e interesse político.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

TROVAS

A João Teimoso

Agua mole em pedra dura
Tanto bate até que fura
Maré mansa repousante
Maré brava mais adiante

A Ana Bolsanora

O Brasil muito bem governa
Quem exerce firme autoridade
Na fraca gentileza não hiberna
No lombo o relho sem piedade

domingo, 9 de setembro de 2018

DIREITO & OBEDIÊNCIA

Obedecer significa submissão a um comando. Ao obedecer a voz da consciência o sujeito deixa de praticar ação ilícita. Nas relações humanas, o filho obedece ao pai, o discípulo ao mestre, o empregado ao patrão, o soldado ao general, o bandido ao chefe, o crente ao mandamento religioso, o cidadão ao governo, a parte ao contrato, o estado ao tratado. A dimensão moral da natureza humana faz o indivíduo perceber: (i) que nem tudo é verdadeiro, nem tudo é bondade, nem tudo é justo; (ii) que o regramento é necessário; (iii) que a obediência é essencial à eficácia da norma disciplinadora. Imperativo categórico de Kant: obedecer por puro respeito às leis. Cumprir o dever pelo dever, sem esperar prêmio ou temer castigo. Imperativo hipotético: obedecer e receber recompensa, ou desobedecer e receber castigo. No estágio avançado da civilização essa noção ética foi colocada na cúspide da pirâmide das normas jurídicas erguida por Kelsen: obedecer à autoridade constituída. Obediência à Constituição e às leis.
Nos seus primórdios, a humanidade estava naturalmente organizada como no mundo animal (abelhas, formigas). Entretanto, graças à racionalidade, à habilidade em manejar interesses e à capacidade de se propor fins, os humanos imprimem à sua convivência tipos de organização que variam no tempo e no espaço, segundo as suas necessidades, conveniências e vicissitudes. A relação comando + obediência verifica-se desde a comunidade tribal. Na progressiva evolução do comportamento humano, tribos se federalizaram formando a cidade, primeiro estágio da civilização. O poder político assim instituído estabeleceu direitos e deveres acima dos vigentes em cada tribo. A obrigação política de obedecer ao governo central foi consequência.
O passo seguinte foi a federalização das cidades. Quer pelo consenso, quer pela força, elas se uniram e ensejaram um poder superior que lhes reduziu a soberania. Criaram regras com a exigência de geral obediência por todos os membros da sociedade política daí resultante (cidades + cidadãos). Durante o milenar processo dessa evolução social e política, a ênfase recaiu no coletivo. O organismo social engolfa o indivíduo, a autoridade política sufoca a liberdade da massa popular. Com a revolução francesa (1789), começou a mudança em extensão mundial. O embrião desse renovo foi gerado na Inglaterra com a rebeldia dos barões (1215). Na França, tornou-se agudo o antagonismo no seio do estado entre o indivíduo (burguês) e o governo (monarca). Com a vitória dos revolucionários, foram reconhecidos direitos individuais – absolutos no plano moral, porém, relativos no plano social – derivados das ideias e aspirações de liberdade, igualdade e fraternidade. O governante (legislador, chefe de governo, juiz) tem o dever de respeitar esses direitos. Persiste o dever do governado de obedecer ao governante enquanto respeitados tais direitos.
Nesse estágio da civilização, o poder do governante é limitado por esses direitos – não só por serem moralmente absolutos – mas também por decorrerem da soberania popular e por serem da essência da dignidade da pessoa humana. Na hipótese de o governo afrontar esses direitos, cabe ao povo o direito natural de: (i) mediante desobediência civil, forçar o governo a mudar de comportamento (ii) pela força das armas, mudar o governo.            
O estágio seguinte da civilização nesse processo evolutivo linearmente considerado, caracteriza-se pela união dos estados soberanos por meio de tratados geralmente com os seguintes propósitos: [I] cooperação em defesa da paz e da segurança internacionais [II] desenvolvimento econômico e social dos povos [III] ajuda humanitária [IV) práticas comerciais [V] intercâmbio cultural, científico e tecnológico [VI] promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Servem de exemplo: [1] a Organização das Nações Unidas (1945) [2] as organizações: (i) dos Estados Americanos; (ii) Internacional do Trabalho (iii) Mundial da Saúde (iv) Educacional, Científica e Cultural [3] União Europeia. Todos esses organismos têm o seu próprio ordenamento jurídico. Os seus regulamentos e as suas decisões vinculam os estados membros. As decisões dos tribunais de justiça de cada comunidade (ONU, OEA, OIT, UE) sem efeito erga omnes obrigam exclusivamente as partes litigantes.
Na fundamentação dos atos desses organismos entram valores e proposições da cultura jurídica ocidental, tais como: (i) igualdade perante as normas éticas e jurídicas (ii) liberdade de expressão, reunião, associação (iii) acesso à informação, abuso de direito (iv) responsabilidade pelo dano causado por culpa ou dolo (v) nullum crimen nulla poena sine lege, irretroatividade da lei, legítima defesa, estado de necessidade, presunção de inocência, in dubio pro reo, individualização da pena (vi) due process of law, direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada (vii) petição, representação, reclamação (viii) ne procedat iudex ex officio, julgamento justo por juízes independentes e imparciais (ix) pacta sunt servanda, cumprir a palavra empenhada e as cláusulas contratuais, honrar compromissos firmados em tratado internacional (x) asilo, primazia do tratado em face da lei nacional, autodeterminação dos povos. 
Das relações entre os diferentes estados, cada qual com a soma dos próprios interesses, decorreu a necessidade de disciplina-las mediante regras aceitas por todos, fundadas na comunhão de ideias, sentimentos e vontades, tendo por escopo a segurança jurídica e o bem da comunidade. Assim configurou-se o direito internacional. Esse direito foi inicialmente sistematizado por Hugo Van Groot (“De Iure Belli ac Pacis”,1625). Após duas guerras mundiais (1914/1918 + 1939/1945) e o receio de uma terceira, busca-se, com base nesse direito, resolver as controvérsias entre os estados pela via diplomática ou por via judicial. São admitidas na jurisdição administrativa ações propostas por pessoa natural contra estado no caso de violação dos direitos humanos.
Ao celebrarem tratados, os estados submetem-se à jurisdição internacional (judicial e administrativa) e se obrigam a obedecer os regulamentos e as decisões dos organismos a que se filiaram. Essa obediência é essencial à eficácia das normas internacionais. O acatamento às cláusulas dos tratados exige forte consciência moral. A desobediência ao sistema jurídico dos povos civilizados é intolerável. Governantes vira-latas são desprovidos dessa consciência. O vigor do direito internacional provém mais da autoridade moral apoiada na força do direito (auctoritas) do que da autoridade política apoiada nas armas (imperium).
O direito positivo (nacional e internacional) institui uma ordem coativa. A obediência à norma jurídica não é facultativa e sim obrigatória. O estado membro está obrigado a introduzir na legislação as modificações necessárias para assegurar a execução dos compromissos assumidos na esfera internacional. No Brasil, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalem a emendas constitucionais, por isto mesmo, incluídos no ordenamento jurídico nacional por ato soberano exclusivo do Congresso Nacional, independente da sanção do Presidente da República.       

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

JUSTIÇA QUÂNTICA

CUNHAGEM

Por volta de 1972, no cargo de juiz substituto no Estado do Paraná, após observar a conduta dos magistrados mais preocupados com as promoções na carreira, com os vencimentos e as vantagens e menos preocupados em prestar tutela jurisdicional com celeridade e eficiência, em cumprir os seus deveres de urbanidade e pontualidade, cunhei a expressão “barnabés de toga”. Cerca de trinta anos depois, a ministra Eliana Calmon, em exercício na Corregedoria do Superior Tribunal de Justiça, do alto da sua experiência e diante da conduta criminosa de magistrados, cunhou a expressão “bandidos de toga”. Decorridos mais alguns anos, considerável parcela da magistratura federal se apresenta maleitosa, malevolente, enferma, picada pela mosca azul, contaminada pela bactéria da política partidária e pelo vírus do domínio do fato e do obscurecimento do direito. Essa constatação enseja novas cunhagens, tais como: “fascistas de toga” e “energúmenos de toga”.    

FÍSICA E DIREITO

A referida enfermidade gerou a justiça quântica. Constatou-se, na Física do século XX, que o elétron comporta-se como partícula e como onda. Sem perder a identidade, o elétron pode situar-se em dois lugares ao mesmo tempo (dom divino da ubiquidade?). Desse desvairado movimento eletrônico, Heisenberg deduziu o princípio da incerteza e o introduziu na teoria da mecânica quântica.
O funcionamento da justiça federal brasileira (quiçá também da estadual) segue o aludido princípio. Aplicada ao caso concreto, a mesma norma ora é azul, ora é vermelha, conforme as lentes usadas pelo juiz, desembargador ou ministro. A mesma norma tem a extensão aumentada ou encurtada, conforme a vontade, o interesse, a disposição de ânimo e a capacidade de mensurar do órgão julgador singular ou colegiado. Oscilação teorética, ou seja, diferentes posições teóricas do órgão julgador relativas ao mesmo fato e à mesma norma conduzem a distintas soluções. A decisão judicial de ontem, hoje tem o rumo modificado sem sair do lugar (no mesmo tribunal, ontem o limite era o trânsito em julgado, hoje, o segundo grau de jurisdição). Processo de ação penal com réu solto, ontem correu à velocidade da luz; hoje, preso o mesmo réu, o mesmo processo anda a passos de tartaruga. 
As pessoas naturais ou jurídicas que recorrem ao Judiciário não sabem, em termos quânticos, se encontrarão onda (caprichosas inovações, interpretações casuísticas, modismos, safadeza) ou partícula (entendimento pacífico, interpretação solidificada, estabilidade, honestidade).    
Essa dinâmica aloucada e indecorosa tem a sua fonte no interesse pessoal, na cor política partidária, na vaidade, no humor e no arbítrio dos julgadores. Desde o episódio “Mensalão”, o princípio da incerteza assumiu o lugar do princípio da segurança jurídica no âmbito da justiça federal (quiçá também no da justiça estadual). Parcela da magistratura perdeu a vergonha, não se importa com o decoro, não se preocupa em fazer justiça e se vale da argumentação falaciosa. Ao seu talante, muda a Constituição e a Lei a pretexto de interpretar, sobrepondo-se ao legislador. Manipula e torce o sentido das regras. Os interesses em jogo e os nomes das partes fazem os pratos da balança pender ora para um lado, ora para outro, sem o necessário equilíbrio resultante da razoabilidade, da sensata ponderação e do amor à justiça.

PARTIDOS ANÔMALOS

Parte (daí, “partido”) do sistema de segurança pública federal lato sensu (policiais + procuradores + juízes) constitui um partido político anômalo sem existência legal, porém mais eficiente do que os partidos legalizados. A ausência de regras escritas permite-lhe maior desenvoltura. Da base à cúpula da pirâmide, há forte coesão entre os membros do partido que garante a impunidade dos juízes, desembargadores e ministros quando agentes de ilícitos administrativos, civis e penais. Os abusos praticados nas operações do tipo lava-jato revelam a existência desse anômalo partido político integrado por delegados de polícia, membros do ministério público e magistrados. Esse partido localiza-se à direita do espectro político, tem caráter fascista e atuação agressiva, raivosa e arbitrária, manda às favas os escrúpulos, viola a Constituição e atua à margem da lei na consecução dos seus objetivos.
Fenômeno semelhante ocorre nos meios de comunicação social. Sem arcabouço estatutário, os proprietários de revistas, jornais e emissoras de rádio e televisão e os seus jornalistas atuam como partido político anômalo. Mandam às favas os escrúpulos, desprezam as normas éticas da profissão, manipulam a informação sem compromisso com a verdade, publicam notícias falsas, condicionam de modo subliminar os reflexos da população, sugam verbas públicas. Interesses e objetivos comuns de natureza política, homogeneidade no modo de pensar e de agir, caracterizam o funcionamento informal, porém eficaz, desse partido político anômalo. Esse partido localiza-se à direita do espectro político e tem duas alas: a moderada e a fascista. Alguns jornalistas mostram-se mais extremados e rancorosos do que os seus patrões. A maioria é medíocre e entra no cordão dos puxa-sacos e dos vira-latas.                 



domingo, 2 de setembro de 2018

ELEIÇÕES 2018 VII

Tribunal Superior Eleitoral. 31/08/2018. Julgamento do pedido de registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Indeferido (6 x 1). O relator, ministro Barroso, votou pelo indeferimento do pedido. Sustentou que o caso se enquadrava na lei da ficha limpa; que o candidato está inelegível por ter sido condenado em processo criminal nos dois graus de jurisdição; que não lhe socorre a decisão do Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), por ser administrativa sem força vinculativa; que dos 18 especialistas componentes do Comitê apenas dois assinaram a resolução; que o estado brasileiro não está obrigado a acatar decisões emanadas daquele órgão porque o protocolo correspondente não foi promulgado pelo presidente da república do Brasil. Dos sete ministros integrantes do tribunal, cinco acompanharam o voto do relator. Como diz o vulgo, na terra de cegos quem tem um olho é rei. Houve apenas um voto parcialmente discordante. O ministro Fachin concordou que segundo a lei interna o candidato estava inelegível. Entretanto, discordou do relator quanto a eficácia da decisão do citado Comitê. Entendeu que o estado brasileiro estava obrigado a acatar aquela decisão que concedera ao candidato o direito de disputar as eleições; que tal decisão era vinculante de acordo com o Tratado de Viena, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 (que criou o Comitê dos Direitos do Homem) e o Protocolo Facultativo de 1976 (que ampliou a competência do Comitê incluindo comunicações de cidadãos sobre violação aos direitos civis e políticos praticada por estado).   
Em termos jurídicos, assiste razão ao ministro Fachin. Segundo a lei brasileira, o candidato está realmente inelegível. O processo criminal foi montado especialmente para esse fim: tornar o réu inelegível. Cuida-se de processo criminal injusto, ilegal, artificioso e fraudulento [incompetência de foro, juízes parciais e suspeitos, falta de prova da materialidade, inexistência de elemento do tipo (ato indeterminado que supostamente seria praticado pelo réu no futuro)]. Todavia, em respeito à decisão da autoridade internacional, ao tratado, ao pacto e ao protocolo facultativo, impunha-se o registro do candidato até o exaurimento das instâncias naquele processo criminal.
Barroso quer converter o Supremo Tribunal Federal (STF) em corte constitucional e também refundar o Brasil. Essa tarefa não cabe a ele e sim ao povo brasileiro e aos seus representantes eleitos para compor uma assembleia nacional constituinte. Ao ministro cabe o ofício judicante nos limites da Constituição e o dever de respeitar a ética judiciária, o que não vem acontecendo. Com as suas decisões fundadas na esperteza enganosa, ao invés de refundar o Brasil ele afundou o país no mar das incertezas, na profunda insegurança jurídica. Ele acusa colegas de decidirem as causas conforme o réu quando é ele próprio que atua dessa maneira. Barroso liderou a maioria dos seus colegas no STF para reduzir o espaço da presunção de inocência fincando limite no segundo grau de jurisdição em frontal violação ao cristalino preceito constitucional sobre a necessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória para alguém ser considerado culpado. A intenção foi a de apoiar a trapaça dos procuradores e magistrados de Curitiba e do tribunal regional de Porto Alegre, a quem ele não poupa elogios. Agora completa o ardiloso serviço ao lançar um voto caviloso com o estreito objetivo de afastar aquele réu das eleições presidenciais. O seu voto está emparedado no sistema brasileiro onde prevalece a jurisdição do Judiciário. No entanto, o Comitê exerce em extensão internacional o poder de polícia da ONU, lato sensu, preventivo e repressivo, na área dos direitos humanos. Na ONU o poder jurisdicional stricto sensu não é exclusivo da corte judiciária e sim compartilhado com comissões especiais de jurisdição administrativa por delegação normativa na forma da Carta, dos tratados, pactos e protocolos. 
Jurisdição significa expressão verbal do direito. Neste amplo sentido, o direito pode ser ditado por pessoas de reconhecido valor intelectual e moral (doutrinadores, professores, jurisconsultos, árbitros, governantes). Vista como atividade pública institucional, a jurisdição assume caráter imperativo e se destina a solucionar controvérsias por sentença declaratória, mandamental ou condenatória, tendo por fundamento o direito interpretado e aplicado no devido processo jurídico. A jurisdição pode ser judicial, administrativa e parlamentar. No Brasil, a jurisdição comum é de natureza judicial enquanto a jurisdição especial é de natureza [1] administrativa {tribunal de contas (julga as contas públicas e aplica sanções), tribunal marítimo (acidentes de navegação) [2] parlamentar (processo de impeachment do chefe de governo). O fato de a jurisdição administrativa no Brasil ser restrita não quer dizer que não exista no resto do mundo de forma ampla. Na ONU, à semelhança do sistema francês, a jurisdição divide-se em judicial (Corte Internacional, litígio entre estados, Estatuto, 34) e administrativa (Comitê, litígio entre cidadão e estado, Pacto, 28).
As decisões proferidas nos processos contenciosos, quer sob a jurisdição judicial, quer sob a jurisdição administrativa, têm eficácia vinculativa plena. Os estados membros, ao se associarem, comprometem-se a aceitar a jurisdição internacional e acatar as decisões dos órgãos deliberativos. O descumprimento dessas decisões pode acarretar sanções, inclusive a exclusão (Carta ONU, 6). Quando proferida na jurisdição administrativa, a decisão tem caráter jurisdicional e não de mero ato administrativo como sugere o malicioso voto do relator. Sob a jurisdição do Comitê debatem-se as causas em que um dos polos da relação processual é ocupado por cidadão e o outro por estado. Decisão de autoridade internacional administrativa ou judicial que no contencioso estabelece obrigação de fazer não é simples recomendação como a da mãe ao filho: “tome cuidado ao acender o fogo”. A recomendação oriunda de um processo contencioso visa a sua execução, apoiada que está numa decisão jurisdicional com força vinculante.
A obediência é essencial à eficácia do direito. Ao comando da lei corresponde a obediência do jurisdicionado. Sem obediência, a lei é ineficaz, não há disciplina e nem ordem social. A desobediência provoca a reação da autoridade. No caso sub judice, ao tribunal eleitoral cabe obedecer e não discutir a decisão emanada da autoridade internacional. A discussão compete ao presidente da república na qualidade de chefe de estado perante o Comitê. A relação comando + obediência instaura-se entre o Comitê e as partes (cidadão e  estado membro). O processo do qual emanou a decisão em tela é contencioso, o estado brasileiro ocupa o polo passivo da relação processual, apresentou defesa, os trâmites respeitam os princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural. A decisão provisória foi lançada inaudita altera pars no curso do processo principal ante a urgência do caso e a grave ameaça que pesava sobre os direitos do cidadão brasileiro. A medida cautelar concedida liminarmente em circunstâncias que tais não é estranha à ordem jurídica brasileira. A concessão liminar por dois julgadores é mais confiável do que a concessão por um só permitida pelo direito brasileiro. A reunião dos 18 membros é periódica, três sessões por ano. Numa delas, o mérito da demanda será apreciado. A escolha desse pessoal é criteriosa e se faz para assegurar o mais alto grau de eficiência, competência e integridade (Carta ONU, 101, 3).  
Entre os elevados propósitos da ONU está o de conseguir cooperação internacional para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (Carta ONU, 1). Esse propósito vem reiterado em diversos artigos da Carta (13, 1, b; 55, c; 62, 2; 68). O Conselho Econômico e Social pode criar comissão para a proteção dos direitos do homem. A Carta exige obediência por todos os estados membros às obrigações nela contidas (Art. 4). Além dos órgãos principais da ONU (Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça, Secretariado) há órgãos subsidiários considerados necessários estabelecidos nos termos da Carta (Art. 22). O Pacto, o Comitê e o Protocolo Facultativo citados no voto vencido estão em sintonia com a Carta da ONU. Resultando de decisão jurisdicional proferida em processo contencioso, quer no âmbito da jurisdição judicial, quer no âmbito da jurisdição administrativa, o estado membro tem o dever de acatar a recomendação e lhe dar efetividade. No entanto, servindo-se de sofismas, o relator e seus seguidores negaram a força vinculativa das recomendações oriundas de processo contencioso em trâmites pelo Comitê da ONU.
Os mandamentos internacionais sobre a proteção dos direitos humanos foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro. Nesse particular, o voto vencido (Fachin) é de superior e inigualável magistério. Portanto, o tribunal eleitoral estava obrigado a acatar a decisão do Comitê. A ginástica cerebrina feita pelo relator e mimetizada pelos ministros que o acompanharam não resiste a uma análise racional, honesta e imparcial. Aliás, imparcialidade, honestidade, senso de justiça, prudência, são atributos de juiz que nem sempre se encontram em ministro.

sábado, 1 de setembro de 2018

TROVAS


Desse povo humilhado e sofrido a lhaneza
Ao cantar também a sua nativa Marselhesa

“Já podeis, da pátria, ó filhos
Ver contente a mãe gentil
Já raiou a liberdade
No horizonte do Brasil”.

“Brava gente brasileira
Longe vai o temor servil
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil”