quinta-feira, 29 de julho de 2010

POESIA

E agora José? / A festa acabou / a luz apagou / o povo sumiu / a noite esfriou / e agora José? / e agora, Joaquim? / e agora, você? / Você que é sem nome / que zomba dos outros / você que faz versos / que ama, protesta? / e agora, José? / Está sem mulher / está sem discurso / está sem carinho / já não pode beber / já não pode fumar / cuspir já não pode / a noite esfriou / o dia não veio / o bonde não veio / o riso não veio / não veio a utopia / e tudo acabou / e tudo fugiu / e tudo mofou / e agora, José? / Sua doce palavra / seu instante de febre / sua gula e jejum / sua biblioteca / sua lavra de ouro / seu terno de vidro / sua incoerência / seu ódio – e agora? / Com a chave na mão / quer abrir a porta / não existe porta / quer morrer no mar / mas o mar secou / quer ir para Minas / Minas não há mais! / José, e agora? / Se você gritasse / se você gemesse / se você tocasse / a valsa vienense / se você dormisse / se você cansasse / se você morresse / mas você não morre / você é duro, José! / Sozinho no escuro / qual bicho do mato / sem teogonia / sem parede nua / para se encostar / sem cavalo preto / que fuja a galope / você segue, José! / José, para onde? / (“José” – Carlos Drummond de Andrade).

Homem que vens de humanas desventuras / que te prendes à vida e te enamoras / que tudo sabes e que tudo ignoras / vencido herói de todas as loucuras: / que te debruças pálido nas horas / das tuas infinitas amarguras / e na ambição das coisas mais impuras / és grande simplesmente quando choras; / que prometes cumprir e que te esqueces / que te dás à virtude e ao pecado / que te exaltas e cantas e aborreces / arquiteto do sonho e da ilusão/ ridículo fantoche articulado / - eu sou teu camarada e teu irmão. / (“Soneto” - Antônio Thomaz Botto).

Sensação de fraude / me persegue, fina / sensação de fraude. / Semelhante a um galgo / de aguçado faro / desgarrado, esquerdo. / Dizem logo: verde! / Mas na rama espessa / frutos escasseiam. / Vida que promete / vasto pano verde / que promete falso. / Mas fugiu a sorte / com seus pés caprinos? / Quero ver a sorte / quero ver os dados / pelos lados todos / quero ver meu número. / Eu aposto: é a sorte / quem prepara o molde / de seus próprios blocos / e quem arma o salto / dos quadrados soltos / no trapézio verde. / Mas jogar incauto / contra tantos riscos / e malabarismos? / Veja quem tem olhos / veja os algarismos / no seu breve giro. / Veja, veja o golpe / desses dedos ágeis / - mãos de pitonisa / sonegando fraude. / Veja a sorte, veja-a / com seus pés caprinos / com seus pés fugindo / sem deixar vestígios. / Sem deixar vestígios / sobre o pano verde. / (“Fraude” – Henriqueta Lisboa).

Se queres que outros creiam, crê primeiro. / Faze-te Boa Nova e acende-a em ti. Só terás gestos e aura de pioneiro / se tua alma for surto e frenesi. / Quem deseja arrastar ao seu outeiro / tribos sem deus precisa ser Davi / ter uma harpa, ter juntas de guerreiro / saber cantar e combater por si. / Sê mais tu, mais alguém, mais punho rude / o sem par, o sozinho, o último, o herói / o que põe no melhor toda a virtude. / Torna-te exemplo... o exemplo é que constrói! / Finge até que o teu sonho não te ilude / e que a tua amargura não te dói. (“O Modelo” – José Oiticica).

Como canção maior do amor perdido / em mim renasce a prolongada dor. / Curvo-me pleno de um mistério vão / e enquanto em ti a minha dor procura/ do corpo arfante a pálida visão / que instrumento não fosse de loucura / ouço esta voz que me faz soluçar / junto a prados cobertos de rosais. / Teu corpo nu, perdida, me sacode / em posses feitas para nunca mais. / ... / (“Ode e Elegia” – Ledo Ivo).

Sinto que sou feliz por não ter sido nada./ Sinto que posso seguir porque nada me prende / porque o amor que tanto esperei nunca chegou / porque a fortuna que eu quis passou de longe / a glória que sonhei nem sequer me sorriu./ Sinto que estou sozinho e pobre como a noite / sinto que estou pobre e que darei sem remorso tudo que me resta. / A solidão é o meu conforto e o meu consolo. / Estou mais perto de Deus! (“Descanso” – Augusto Frederico Schmidt).
Ele tinha uns ombros estreitos e a sua voz era tímida / voz de um homem perdido no mundo / voz de quem foi abandonado pelas esperanças / voz que não manda nunca / voz que não pergunta / voz que não chama / voz de obediência e de resposta / voz de queixa nascida das amarguras íntimas / dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas. / Há vozes que aclaram o ser / macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio / vozes de sonho de maldição e de doçura./ Os ombros eram estreitos / ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do amor inconfundível. / Ombros de que não sabe caminhar / ombro de que não desdenha nem luta / ombros de pobre, de quem se esconde / ombros tristes como os cabelos de uma criança morta / ombros sem sol, sem força, ombros tímidos / de quem teme a estrada e o destino / de quem não triunfará na luta inútil do mundo / ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão / ombros de quem é sempre um desconhecido / de quem não tem casa, nem Natal, nem festas / ombros de reza de condenado / e de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas / ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas (...) (“Retrato do Desconhecido” – A. F. Schmidt).

segunda-feira, 26 de julho de 2010

EU2

Segunda Parte

O EU tem capacidade para controlar e selecionar sentimentos e pensamentos. O discernimento confere-lhe identidade lógica e psicológica que tanto o assemelha como o distingue dos demais EUS. Ao formar um juízo de si próprio, a pessoa adota perfil psicológico que influirá nos rumos da sua vida. Tal juízo sintetiza virtudes e vícios, reflete o aspecto angelical e demoníaco, traça imagem agradável ou desagradável. O sujeito pode se amar ou se odiar conforme a imagem que faz de si mesmo. A imparcialidade do indivíduo para consigo mesmo é ilusória: o parcial arroga-se imparcialidade; a capela pretende conter a catedral. Nem só anjo, nem só demônio; o EU é ambas as coisas.
Quanto mais profunda a autoconsciência, maior a probabilidade de controlar a dupla face da personalidade. Pessoas experientes ou especializadas, como pais, mestres, psicanalistas, ou instituições científicas, religiosas e místicas podem ajudar na busca do autoconhecimento. Essas vias externas facilitam um juízo de si mesmo mais próximo da realidade. O receio de encarar a imagem assim espelhada dificulta a iluminação espiritual. Concordemos nisso: dose de coragem é necessária para aceitar os aspectos diabólicos do EU. A vaidade e o temor à opinião alheia levam o indivíduo a mascarar ou minimizar defeitos e paixões.
O misticismo oriental separa corpo e alma; valoriza a alma como manifestação divina. Há místicos que desprezam e flagelam o corpo. Platão – e com ele o misticismo oriental – vê o mundo como ilusão e o eu exterior como prisão da qual o eu interior anseia por se libertar. Aristóteles não vê real separação entre o corpo e a alma e sim o corpo animado e comandado pela alma. Os cristãos acreditam na individualidade da alma: após a morte do corpo, a alma vai para o inferno, purgatório, ou paraíso, segundo o merecimento; no final dos séculos, os mortos ressuscitarão e Jesus, filho de Deus, julgá-los-á.
O misticismo ocidentalizado pelos rosacruzes também separa corpo e alma; afirma que ao nascer, o corpo se liga à alma e dessa ligação surge um elemento híbrido: a personalidade alma, que possui atributos da alma e do corpo. Após a morte do corpo, a personalidade volta ao seio da alma cósmica, sem perder a sua identidade, reencarnará e prosseguirá nos ciclos evolutivos. Da primeira ligação do corpo com a alma surge uma personalidade nova. Consideram-se jovens as personalidades que reencarnaram poucas vezes e velhas as que reencarnaram muitas vezes. A conduta da pessoa, tanto nas horas atribuladas como nas horas de bonança, revelará se a personalidade é nova, jovem ou velha.
Na reencarnação, o elo com a alma universal é indireto: o corpo se liga a uma personalidade nela existente. Quanto ao juízo final a ser proferido por Jesus no fim dos séculos, a doutrina da reencarnação o faz impossível. Segundo essa doutrina, a mesma e única personalidade ocupa muitos e diferentes corpos no decorrer dos séculos. Com a ressurreição, sobrariam corpos e faltariam personalidades. Ainda que descontados os cremados e queimados, muitos corpos ficariam sem almas. A doutrina do juízo final também não resiste a uma análise lógica. As provações da alma no inferno e no purgatório e a ascensão ao paraíso já implicam julgamento. O juízo final seria um bis in idem, excrescência divina.
Na verdade, ao nascer, o EU pode entrar em sintonia com personalidades desencarnadas o que gera a ilusão de que as está reencarnando. No decorrer dos anos, o EU forma a sua própria personalidade, única e insubstituível.
O idealismo aceita a parte invisível, imaterial, do ser humano, como única realidade. Em a natureza tudo é fugaz; o corpo é aparência e contingência. A alma e o mundo espiritual são reais e permanentes, contêm o saber, o poder e o amor.
O materialismo se opõe à existência da alma e do mundo espiritual. Segundo essa filosofia, as funções volitiva, emocional e intelectual são inerentes ao corpo. Ainda que Deus exista, a natureza é o que é: um permanente vir a ser. O que neste mundo nasce neste mundo morre. A religião cria ilusões. A religião é o ópio do povo, sentenciava Karl Marx. Nessa linha de pensamento, poder-se-ia afirmar que o misticismo é uma ilusão caridosa e suave que atenua a dureza da proposição materialista de que não há vida espiritual após a morte física.
O meio termo aristotélico concilia as posições extremadas. O eu exterior é existência, temporal, finito. O eu interior é essência, espiritual, eterno. Ambos, eu exterior e eu interior, integram uma só e mesma realidade no plano existencial. Ao findar a existência, permanece a essência. O acidental e contingente se desvanece, volta ao estado de energia primária. Sem coesão, as partículas atômicas do corpo retornam à vadiagem anárquica. Daí, ser impossível a ressurreição do corpo, ainda que embalsamado, guardado em caixão e sepultado. Ao contrário dos seres humanos, Deus não revoga as suas próprias leis. O corpo pertence à natureza. A Terra é o seu lugar. A alma tem sua morada no mundo espiritual.
O EU compõe-se do eu interior (alma) e do eu exterior (corpo). A sua essência anímica, afetiva, ética e inteligente configura o mestre interior. A sua consciência pode se expandir, tanto na direção do mundo material como na direção do mundo espiritual, até o ponto de se tornar cósmica. Cuida-se de função que permite ao EU perceber a si mesmo e ao mundo, bem como, pesar a conduta própria e alheia segundo valores morais, jurídicos e religiosos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

EU

Verifico que publiquei, em fevereiro de 2010, a segunda parte deste artigo, sem haver publicado a primeira. Corrijo o lapso agora. Republicarei, logo após, a segunda parte, para manter a seqüência da matéria. Abraços a todos. ASLima.

Primeira parte.

Eu sou eu, ele é ele: eis a síntese da individualidade e da separação; ambos, seres humanos, cada qual, um EU. Dois EUS que se relacionam atribuindo alteridade reciprocamente: outro em face do outro. Quando os EUS se reconhecem, a fraternidade humana pode se manifestar; do eu singular chega-se ao eu plural, à percepção íntima do gênero comum. Do mandamento religioso ama ao teu próximo como a ti mesmo chega-se à celebração da união mística: ama ao teu próximo como tu mesmo. Incondicional no movimento, infinito no espaço e eterno no tempo, o amor ilumina a mente e pavimenta a senda para o autoconhecimento, chave para compreender o próximo e o mundo. Conhece-te a ti mesmo, ensinamento de Sócrates e dístico do templo de Delfos.
Apreendendo o que há de singular e especial no EU, o indivíduo pode mudar o seu destino, se isto lhe convier; reestruturar a sua vida, reexaminar conceitos e estabelecer prioridades; desfrutar de bem-estar neste mundo, momentos de felicidade e alcançar maior luz espiritual.
Apreendendo o que há de comum e geral no EU, o indivíduo estará habilitado a entender o comportamento coletivo no interior da sua comunidade. Desse entendimento advém poder. Segundo a capacidade estratégica e a disponibilidade de meios, aquele que conhece bem a si mesmo poderá conduzir o grupo em direção a fins materiais e espirituais, segundo a sua vontade. Os fins podem ser alvissareiros ou desastrosos, lícitos ou ilícitos, segundo os motivos que os inspiram, os sentimentos que os embalam, o critério de escolha, a forma de execução e a vontade aplicada.
O corpo é a parte visível do EU. Examinando o seu próprio corpo o indivíduo descobre a dimensão material do EU e sua posição no mundo da natureza. Reage ao meio ambiente. Ao estudar a natureza destaca reinos, classes, famílias, gêneros, espécies e tipos e se enquadra no reino animal e na espécie racional. Observa o funcionamento do seu corpo nas diferentes estações do ano, sob calor e frio, durante o dia e a noite, em atividade e em repouso. Da experiência adquire conhecimento que servirá de guia a uma vida saudável, mediante adequada seleção de objetivos e recursos.
Além desse conhecimento todo de experiência feito, na conhecida expressão de Camões, o indivíduo pode se valer das lições transmitidas oralmente ou através dos diferentes meios de comunicação social e métodos pedagógicos, pelos pais, pelas pessoas idosas, pelos mestres, sacerdotes, artistas e cientistas. Até por osmose, o indivíduo adquire conhecimento no ambiente em que vive.
O laboratório científico e a escola estão entre as instituições que fornecem conhecimento sobre o corpo humano, obtido mediante pesquisas e estudos anatômicos e fisiológicos, provendo a medicina de remédios e terapias que conservam a saúde e prolongam a vida humana. Implicações de ordem política, econômica e social fazem desse conhecimento e dos seus produtos um privilégio; parte da humanidade fica excluída dos benefícios advindos do progresso da civilização.
No ventre materno forma-se o corpo, sem vida própria. O embrião e o feto recebem energia vital da genetriz. Ao ser expulso do útero, na brusca separação do ambiente cálido em que estava mergulhado, o corpo adquire vida própria com a primeira respiração, o sopro da vida, na suave expressão mística. Torna-se um EU, um ser vivente que, paulatinamente, vai percebendo o espaço entre ele, a mãe e o mundo. Inicialmente, ao tocar no que lhe está próximo, a tendência à posse se manifesta. No seu evolver, por mimetismo ou orientação externamente dirigida, adquire a noção do meu e do teu, do permitido e do proibido, do bem e do mal. O EU passa a ser o corpo e seus agregados. Talvez aqui resida a inspiração da famosa expressão de Ortega Y Gasset: “Eu sou eu e as minhas circunstâncias.”
O ambiente natural e o meio social modelam o EU. Habilidades de caçador, pescador, plantador, criador de animais e construtor de casas, pontes e estradas; produtor de cultura técnica, artística, científica, filosófica, mística e religiosa; gestual, hábitos e qualidades cívicas; símbolos e manifestações exteriores de poder, riqueza, glória e saber; tais podem ser os agregados do EU no curso da sua existência. O indivíduo qualifica-se de tal ou qual nacionalidade, estado civil, profissão; filho de fulano e beltrana; exibe títulos de autoridade, de eleitor e de capacitação profissional; apresenta posição social como celebridade ou pessoa comum, rica ou pobre, urbana ou rural, senhor ou escravo, patrão ou empregado.
Além da dimensão física e da dimensão social, com seus atributos agregados, o EU apresenta dimensão volitiva, emocional e mental. Vontade, sentimento e pensamento integram o EU e se refletem na conduta. Mediante análise introspectiva o indivíduo poderá descobrir o mecanismo da vontade, do sentimento, do pensamento e conhecer, cada vez melhor, a si mesmo, o que facilitará a conquista do autodomínio.
Fatores internos, como instintos e tendências, e externos, como o meio ambiente, estimulam a vontade. Apetites naturais exigem satisfação. No que tange à vontade da criança, há de conhecer limite; atender ao sim e ao não dos pais e educadores. Cercear todas as vontades reprime em demasia gerando um eu tímido e inseguro; fazer todas as vontades libera em demasia gerando um eu voluntarioso e indisciplinado; o meio termo, como sempre, é mais indicado. A coesão social exige disciplina e acatamento às leis. A vontade pode ser forte ou fraca. Na graduação da vontade influem funções orgânicas, educação no lar e nas instituições civis, militares e religiosas, pressões e condicionamentos gerados no seio da comunidade. O autoconhecimento pode fortalecer e disciplinar a vontade.
Ar, água, alimento, abrigo e amor são ingredientes básicos e necessários à manutenção e conservação da vida humana. Ao buscá-los e utilizá-los, o indivíduo serve-se da sua energia física, do seu aparelho sensorial e da sua capacidade racional. Essa busca e utilização há de se harmonizar com a efetivada pelos demais membros da comunidade humana. Todos vivem no mesmo planeta, submetidos às mesmas necessidades básicas. Os produtos da natureza adequados a atender a tais necessidades devem estar ao alcance de toda a humanidade. A apropriação desses bens por grupos ou nações em detrimento dos outros é incompatível com o direito natural e com o sentimento de fraternidade universal.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

POESIA

Duas almas deves ter... / é um conselho dos mais sábios / uma no fundo do Ser / outra, boiando nos lábios! / Uma, para os circunstantes / solta nas palavras nuas / que inutilmente proferes / entre sorrisos e acenos: / alma volúvel das ruas / que a gente mostra aos passantes / larga nas mãos das mulheres / agita nos torvelinhos / distribui pelos caminhos / e gasta, sem mais nem menos / nas estradas erradias / pelas horas, pelos dias... / Alma anônima e usual / longe do bem e do mal / que não é má nem boa / mas, simplesmente ilusória / ágil, sutil, diluída / moeda falsa da vida / que vale só por que soa / que compra os homens e a glória / e a vaidade reboa: / alma que se enche e transborda / que não tem porquê nem quando / que não pensa e não recorda / não ama, não crê, não sente / mas vai vivendo e passando / no turbilhão da torrente / través intricadas teias / sem prazeres e sem mágoas / fugitiva como as águas / ingrata como as areias. / ... / A outra alma, pérola rara / dentro da concha tranqüila / profunda, eterna e tão cara / que poucos podem possuí-la / é alma que nas entranhas da tua vida murmura / quando paras e repousas. / A que assiste das montanhas / as livres desenvolturas / do panorama das cousas / para melhor conhecê-las. / Essa que olha as criaturas / sem jamais comprometê-las / entre perdões e doçuras / num pudor silencioso / com o mesmo olhar generoso / com que contempla as estrelas / e assiste o sonho das flores / Alma que é apenas tua / que não te trai nem te engana / que nunca se desvirtua / que é a voz do mundo em surdina / que é semente divina. / Da tua têmpera humana / alma que sé se descobre / para uma lágrima nobre / para um heroísmo afetivo / nas íntimas confidências / de verdade e de beleza / ... / (“Canção de Todos” – Raul de Leôni).

- Bendito seja o teu país. / - Estrangeiro que vieste encontrar no meu país / o bem que em vão no teu mesmo procuraste / obrigado, estrangeiro. / - Aqui vim ser feliz. / Aqui é a terra da abundância e da fortuna. / Aqui vim ser forte, rico e feliz. / - Obrigado, estrangeiro. / - Aqui ficarão vivendo os meus filhos. / Aqui nascerão os meus netos. / Aqui, saudoso embora do meu país / fecharei os meus olhos. Deus abençoe o teu país. / - Estrangeiro, ainda mais uma vez obrigado. / Eu sei que é verdade tudo quanto dizes. / Mas, ah! Ensina-me: / qual é o caminho que leva ao teu país? / Qual é o caminho? Dize, estrangeiro / eu quero ir-me! / Eu quero ir-me! / Eu também quero ser feliz, estrangeiro. / (“Diálogo Sobre a Felicidade” – Ruy Ribeiro Couto).

Minha tristeza é não poder mostrar-te as nuvens brancas / e as flores novas, como aroma em brasa / com suas coroas crepitantes de abelhas. / Teus olhos sorririam / agradecendo a Deus o céu e a terra: / eu sentiria teu coração feliz / como um campo onde choveu. / Minha tristeza é não poder acompanhar contigo / o desenho das pombas voantes / o destino dos trens pelas montanhas / e o brilho tênue de cada estrela / brotando às margem do crepúsculo. / Tomarias o luar nas tuas mãos / fortes e simples como as pedras / e diria apenas: “Como vem tão clarinho!” / E nesse luar das tuas mãos se banharia a minha vida / sem perturbar sua claridade / mas também sem diminuir minha tristeza. (“Elegia” – Cecília Meirelles).

Negrinho do Pastoreio / venho acender a velinha / que palpita em teu louvor. / A luz da vela me mostre / o caminho do meu amor. / A luz da vela me mostre / onde está Nosso Senhor. / Eu quero ver outra luz / na luz da vela, Negrinho / clarão santo, clarão grande / como a verdade e o caminho / na falação de Jesus. / Negrinho do Pastoreio / diz que você acha tudo / se a gente acender um lume / de velinha em seu louvor. / Vou levando esta luzinha / treme-treme, protegida / contra o vento, contra a noite. / É uma esperança queimando / na palma da minha mão. / Que não se apague este lume! / Há sempre um novo clarão. / Quem espera acha o caminho / pela voz do coração. / ... / (“Oração ao Negrinho do Pastoreio” – Augusto Meyer Jr.).
Eu não tinha mais palavras / vida minha / palavras de bem-querer; / eu tinha um campo de mágoas / vida minha / para colher. / Eu era uma sombra longa / vida minha / sem cantigas de embalar / tua passavas, tu sorrias / vida minha / sem me olhar. / Vida minha, tem pena / tem pena da minha vida / Eu bem sei que vou passando / como a tua sombra longa / em bem sei que vou sonhar / sem colher a tua vida / vida minha / sem ter mãos para acenar / eu bem sei que vais levando / toda, toda a minha vida / vida minha, e o meu orgulho / não tem voz para chamar. (“Gaita” – Augusto Meyer Jr.).

segunda-feira, 19 de julho de 2010

VIAGEM

DIÁRIO DE VIAGEM IV

No dia seguinte (03/07/2010), após o desjejum, ficamos no quarto do hotel até as 11,00 horas, pois amanhecera chovendo. Quando a chuva amainou, saímos para visitar Montmatre e, assim, concluir o circuito por nós programado. Fizemos o check-out e deixamos as malas guardadas no hotel. Sem medo de ser feliz, embarcamos no Metrô de Paris (rima espontânea). Descemos na estação mais próxima do Sacré Coeur. Turistas aos magotes. Ruas apinhadas de gente, lojas e bancas. A pé, subimos até a base da escadaria do urbanizado monte. Então, pegamos o elevador até o cimo, onde a igreja se destaca altiva e soberana. O interior da igreja estava claro, altas colunas, abóboda e vitrais bonitos, atmosfera leve e inspiradora. Fizemos o périplo, tal qual na igreja de Notre Dame. Desta vez, porém, a sensação foi diferente: paz sem melancolia, convite à introspecção. Apesar de não ser adepto de religião alguma, detive-me em um dos nichos onde havia pequeno e doirado crucifixo. Emocionado, rezei a oração contida em “O Evangelho da Irmandade”. Jussara e Rafael, em silêncio, respeitaram aquele solitário momento de místico fervor. Passeamos pelas vielas da parte alta de Montmatre, localizadas ao lado e aos fundos da igreja, onde há bares, restaurantes, lojas, bancas de artesanato e exposições de arte pictórica e escultural. Em uma pequena praça, ao som do realejo por ela própria acionado, uma senhora de mediana estatura, magra, esbelta, cantava à La Piaf. Vestia-se à francesa, boina, lenço ao pescoço, gestos graciosos, voz agradável e afinada, carregando na pronúncia dos erres. Na mesa da pequena área externa do restaurante Deli´s nós tomamos vinho e almoçamos enquanto apreciávamos o movimento. Deixamos a sobremesa para a varanda de outro estabelecimento da mesma Rue Du Mont Cenis. Do lado de fora, um artista com aparência de Carlitos permanecia imóvel sobre um caixote por algum tempo, depois atendia às crianças curiosas que o tocavam. No caminho de volta, a francesa do realejo cantava na mesma praça, agora sob os aplausos de um público mais numeroso. De taxi, voltamos para o centro de Paris. Paramos na Rue St. Dominique para tomar café expresso no Columbus Café. A seguir, apanhamos a nossa bagagem no hotel e esperamos o taxi recomendado pelo gerente. O motorista era um japonês baixinho, gordinho, risonho e desleixado tal como a viatura que dirigia. Passamos por mais dois hotéis onde outros passageiros aguardavam. Ficamos aliviados quando chegamos ao aeroporto, pois o japonês era afobado na boléia.

Aeroporto de Orly. 18,40. Paris, 03 de julho de 2010.
Seguiu-se a rotina: check-in, exibição dos passaportes e inspeção policial. Circulamos pelas dependências do aeroporto. A companhia aérea (Vueling) informa: a partida marcada para as 21,25 atrasaria duas horas. Esse foi o único atraso que enfrentamos desde que saímos do Rio de Janeiro. Jussara e Rafael travaram longa, agradável e alegre conversação com mãe e filhas espanholas da Catalunha, também passageiras do nosso vôo. Isto amenizou a espera. Lanchamos no aeroporto e de lá partimos para Madri por volta das 23,30 horas.

Aeroporto de Barajas. Hora: 01,30. Madri, 04 de julho de 2010.
Desembarcamos, exibimos os passaportes, passamos pela inspeção policial e tomamos um taxi que nos deixou na casa do Rafael. Colocamos nas malas e em sacolas as coisas que ali havíamos deixado antes de viajar para Oslo. Depois, fomos para o Hotel Castillas II, onde tínhamos reserva de quarto. Instalamo-nos, tomamos banho e dormimos. Rafael voltou na manhã seguinte, tomou café conosco no hotel e nos acompanhou até o aeroporto. Ele foi atencioso durante toda a nossa visita e se esforçava para que os passeios ocorressem conforme o planejado. Em Madri, Oslo e Paris, a comunicação minha e da Jussara com as pessoas se dava através do gestual e da estropiada linguagem em espanhol, inglês e francês. Motoristas de taxi, lojistas, atendentes em hotéis, bares, restaurantes, estações de barcos e trens arranhavam esses idiomas, quando não lhes era o pátrio. Sem a entonação dos guias profissionais, os motoristas de taxi com ponto nos aeroportos contavam coisas do seu país, conforme permitisse a conversa. Assim, por exemplo, em Oslo, falaram da historia do povo norueguês e da modernização do país; em Paris, dos seus 4 milhões de habitantes (8 milhões em toda a França), além de outros assuntos.

Aeroporto de Barajas. 12,30. Horário europeu. Madri, 04 de julho de 2010.
Chegamos por volta das 09,30 horas no aeroporto, procedemos ao check-in e exibimos os passaportes. Antes da inspeção policial, despedimo-nos do Rafael. Como nos demais aeroportos, colocamos numa vasilha de plástico todos os pertences metálicos, inclusive o cinto (por causa da fivela). Felizmente, as calças não caíram. As malas passaram pelo aparelho de raios-X que não registrou a presença de arma, artefato nuclear ou narcótico. Circulamos pelo aeroporto e aguardamos o embarque em local próximo ao terminal 4S. O embarque teve início pontualmente às 11,45 horas. Chamada dos passageiros pela numeração dos assentos no sentido da traseira para a dianteira da aeronave facilitou a acomodação de todos e economizou tempo. A aeronave da Ibéria decolou no horário previsto.

Aeroporto Tom Jobim. 17,55. Hora de Brasília. Rio, 05 de julho de 2010.
Desembarcamos. Exibimos os passaportes. Preenchemos o formulário solicitado pela polícia federal, distribuído previamente no avião, e o entregamos na saída. De taxi, fomos para o Leblon e nos hospedamos no apartamento do Evandro, nosso primeiro filho. Fui ao apartamento de Gabriela, nossa filha, localizado na quadra seguinte e lhe entreguei os óculos encomendados, a medalha do Sacré Coeur e as roupas que trouxemos para o nosso neto, com quem brinquei e troquei carinho por algum tempo. Depois, fomos jantar no Belmonte. Na manhã seguinte, Jussara e eu apanhamos o ônibus na estação rodoviária e regressamos à nossa casa em Penedo, município de Itatiaia, Estado do Rio de Janeiro. Pretinho, Bóris, Brigitte e Laika, nossos cachorros e cachorras, fizeram festa quando nos viram. Eles estavam bem cuidados pelo Manoel, zelador da nossa casa. Assistimos às partidas finais da copa do mundo de futebol. Gostei mais da disputa pelo terceiro lugar entre Alemanha e Uruguai. Na partida final, a Holanda abusou da truculência. Apesar disto, foi a melhor seleção da copa e revelou o melhor jogador. A vitória final da seleção espanhola e o fato de a FIFA escolher o uruguaio Forlán melhor jogador da competição, em nada mudaram a minha opinião. O desempenho de Sneijder e da seleção holandesa foi excelente durante toda a copa, o que não ocorreu com os altos e baixos de Forlán e da seleção espanhola. Jussara e eu nos alegramos com a vitória da seleção espanhola. Afinal, nosso filho caçula mora na Espanha!

sábado, 17 de julho de 2010

VIAGEM

DIÁRIO DE VIAGEM III

Aeroporto de Orly. 19,50. Paris, 30 de junho de 2010.
Desembarcamos e seguimos a rotina dos aeroportos internacionais. Tomamos um taxi que nos deixou no hotel Les Jardins d´Eiffel, onde havia dois quartos reservados para nós três (Jussara, eu e Rafael). Acomodados, banho tomado, saímos a passeio em direção ao Rio Sena. No caminho, atravessamos uma ponte sobre aquele rio situada em larga e movimentada avenida. Nas extremidades da ponte, sobre os bordos, há esculturas douradas, volumosas, reluzentes, altas e belas. Deparamo-nos com os Bateaux-Mouches. Embarcamos em um deles e fizemos o fluvial itinerário vendo as atrações turísticas apontadas e explicadas por uma voz feminina. Do barco, presenciamos o crepúsculo por volta das 21,30 horas. O sol próximo à linha do horizonte. A profusão de cores no céu extasiou mulheres, homens, jovens e adultos. Havia brasileiros na embarcação. Alegraram-se com a nossa presença. Jovem casal de gaúchos se prontificou a tirar fotografia de nós três com a máquina da Jussara. Aliás, encontramos brasileiros também em Oslo e Madri. Durante o passeio notei em ambas as margens do rio, centenas de pessoas em pé, sentadas ou deitadas sobre o cimento da parede de contenção, em alguns trechos, e sobre estreito espaço pavimentado, em outros, como se estivessem na praia. A cena lembrava ratos no esgoto, principalmente sob as pontes. Afastei essa imagem da minha mente, mas ainda sinto aquela desagradável impressão. Nada falei à Jussara e ao Rafael para não os perturbar. Sobre algumas pontes também havia dezenas de pessoas reunidas em piquenique ou em simples folguedo. Terminado o passeio de barco, escolhemos um restaurante ao acaso (Le Devez – Place de l´Alma), jantamos e retornamos ao hotel. No dia seguinte (01/07/2010), após o desjejum, iniciamos o circuito programado: Torre Eiffel, Arco do Triunfo, Campos Elíseos, Museu do Louvre, Igreja de Nossa Senhora (Notre Dame), Montmatre + Igreja do Sagrado Coração (Sacré Coeur). Cumprimos, a pé, a primeira etapa do passeio, sem pressa, sorvendo a atmosfera parisiense. Multidão na Torre Eiffel. Imensas filas. Caravanas de turistas com reservas feitas por agências de turismo passavam à frente de todos. Fiquei indignado. Quase desisti. Em atenção à Jussara e ao Rafael, resignei-me. Havia pessoas idosas suportando a fila por mais de uma hora, como um casal ao nosso lado, tipo eslavo, baixa estatura, roupas e calçados de turista montanhês, que aparentava cerca de 80 anos de idade. Alegre, o varão tirava fotografia. Depois, no elevador, ele e a companheira mostravam cansaço. A administração da torre devia ter maior consideração para com essas pessoas e lhes dar prioridade. Selvageria na “cidade luz”. Aquele monte de ferro marrom avermelhado bordô (cor de burro quando foge) não estimulava o meu senso estético nem melhorava o meu humor. Vá lá: serei menos ranzinza. Vou condescender. Reconheço a admirável obra de engenharia em metal. Pronto. Não se fala mais nisso. Depois da enervante espera, compramos os bilhetes e entramos no elevador. Baldeação de um elevador a outro no primeiro patamar da torre. Lá estavam os velhinhos desanimados, dando mostras que queriam sossego e descanso. Subimos ao topo. Como o dia estava claro, bonito, sol a pino, vimos Paris de cima, em 360 graus, com seus pontos turísticos. Cidade cortada pelo Rio Sena, grande extensão territorial, asfalto, pedra, concreto, edifícios antigos e modernos, veículos e gente parecendo formiga. Descemos em elevadores tão cheios de gente como na subida. Passamos pelos insistentes vendedores ambulantes com suas pequenas réplicas da torre Eiffel e da igreja Notre Dame. Cabelos, rostos e expressões verbais revelam nacionalidades várias. Imigrantes, a maioria. De um modo geral, percebemos nas ruas de Paris uma febre das pessoas pelo pão de cada dia. Captamos vibrações de sofrimento, talvez de fundo econômico, emanadas da coletividade. Havia diferença entre a gente norueguesa, mais feliz, e a gente francesa, menos feliz. Os espanhóis, também, nos pareceram mais felizes do que os franceses. A caminho do Arco do Triunfo, paramos em um trailer lanchonete. Comemos cachorro quente e tomamos suco de frutas. Sentamos na grama à sombra das árvores do bonito e largo jardim, como outras pessoas que ali se encontravam. Tomamos sorvete. Fazia muito calor. Em meia hora demos por encerrado o bivaque. Seguimos para o Arco do Triunfo, que fica no centro de um grande círculo, na confluência de largas e movimentadas avenidas simetricamente traçadas. Lá chegamos através de uma passagem subterrânea, pois não era possível caminhar pela superfície. Tiramos fotografias e seguimos para os Campos Elíseos, avenida larga, extensa e arborizada, com lojas, centros comerciais, bares e restaurantes de ambos os lados. Movimento intenso de pessoas e veículos. Cansados, pegamos um taxi e voltamos para o hotel. Resolvemos jantar no restaurante ao lado do hotel (Le Petit Nicois) após as 21,00 horas. No dia seguinte (02/07/2010), após o desjejum, iniciamos a segunda etapa do passeio. Utilizamos o Metrô. Esquecemos de duas coisas. Primeiro: que era início da semana. Segundo: a má fama do trem metropolitano de Paris. Além de balançar muito sobre os trilhos, os vagões estavam lotados. Alguém levou a carteira da Jussara com euros, cartões de crédito, cédula de identidade e carta de motorista. Felizmente, na bolsa ficaram o passaporte e outros objetos. Ela só percebeu o furto quando sentiu a bolsa mais leve ao descer na estação próxima ao museu do Louvre. Não pretendíamos entrar no museu. A nossa curiosidade limitava-se às pirâmides lá construídas: a maior, com vértice para cima e a menor com vértice para baixo mencionada no livro de Dan Brown “O Código Da Vinci”, vista no filme do mesmo nome. Satisfeita a curiosidade e fotografias tiradas, rumamos para a catedral, a pé, acompanhando o Rio Sena. Lá, também, borbulhavam turistas, certamente motivados, como nós, pelo romance de Victor Hugo, “O Corcunda de Notre Dame” e as peripécias do personagem Quasímodo que habitava o interior da catedral. As cidades se enriquecem cultural e economicamente com as obras de artistas nem sempre reconhecidos enquanto viveram. Alguns morreram na miséria. Outros tiveram melhor sorte. Tom Jobim e Vinicius de Moraes, com a sua música, tornaram Ipanema mundialmente famosa e dela fizeram uma nova atração turística para o Rio de Janeiro. Assim como Paris, Ipanema cresceu demais e perdeu o encanto de outrora. No interior da igreja (Notre Dame), escuro, lúgubre, depressivo, a sensação é de melancolia, apesar das altas colunas, dos belos vitrais e da abóboda majestosa. Jussara elevou sua prece a Deus. Regressamos ao hotel, providenciamos o cancelamento dos cartões de crédito da Jussara e tornamos a sair para almoçar no Boulevard de la Tour Maubourg (Restaurant La Source). Voltamos ao hotel para assistir, no sossego, ao jogo de futebol da seleção brasileira contra a holandesa. Terminado o jogo, saímos com o objetivo de comprar protetor/curativo para os pés da Jussara. As confortáveis sandálias por ela adquiridas não evitaram o incômodo. O problema não estava no calçado e sim na sensibilidade da pele. Reduzimos as caminhadas. Privilegiamos o automóvel e o trem metropolitano. Lanchamos no Le Seven´s Coffee. De taxi, voltamos aos Champs Elisées para passeio noturno (apesar da claridade). A pé, circularmos por algum tempo. Depois, escolhemos um restaurante e mesa na área externa a fim de apreciar o movimento na avenida. Jantamos. Na mesa ao lado, um alemão alto, gordo e idoso, resolveu fumar cigarrilha. Saiu para comprá-la. A companheira aguardou o alegre e vitorioso retorno do parceiro. Ele abriu o maço, retirou a primeira cigarrilha e passou a fumar. Seguiu-se uma segunda cigarrilha. Paciência. Área aberta e livre. Fumamos por tabela. Encerrada a noturna contemplação dos Elíseos, pagamos a conta, pegamos um taxi e retornamos ao hotel.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

VIAGEM

DIÁRIO DE VIAGEM II

Aeroporto de Barajas. 15,35. Madri, 28 de junho de 2010.
Jussara, eu e Rafael nos apresentamos para o check-in. Bagagem só de mão. Rafael portava mala com as mesmas dimensões das nossas, o que poupou tempo nos desembarques. As malas providas de duas pequenas rodas, uma em cada lado, funcionavam como carrinhos. O puxador era móvel e o embutíamos quando conveniente (ao colocá-las no bagageiro interno do avião, acima dos assentos, por exemplo). Embarcamos para a Noruega. Três horas de viagem tranqüila. Do alto, vimos um quadro natural animador. Grande extensão de florestas na região da Escandinávia sobrevoada pela aeronave em que viajávamos. Rios serpenteando entre árvores e ilhas. Na vasta região não se notava atividades antrópicas, tampouco áreas desmatadas, pelo menos até onde nossas vistas alcançaram. Confirmou-se em terra o que imaginei no ar: os povos dos países escandinavos têm consciência ecológica. Há séria preocupação com o meio ambiente e a preservação da natureza. A relação entre economia e qualidade de vida parece estar bem equacionada naqueles rincões.

Aeroporto de Rygge. 18,40. Noruega, 28 de junho de 2010.
Passaportes examinados. Inspeção policial sem entrave. A cidade fica distante do aeroporto. Alugamos um taxi. Tal como em Madri, automóveis novos e limpos prestam esse tipo de serviço. Corrida de 1.200 corôas norueguesas (cerca de 170 euros = 390 reais). Notamos os altos custos no transporte, nos hotéis, bares, restaurantes e lojas, não só em Oslo, como também em Paris e Madri. Noite ensolarada. A claridade perdura até as 23,00 horas, aproximadamente; só, então, escurece. Estrada bem pavimentada, com quatro pistas, paisagem rural, fazendas bem cuidadas e extensas plantações distribuídas pelas glebas. Temperatura moderada, apesar do verão. Decorridos 40 minutos, chegamos à cidade. Na entrada, notamos área ocupada por alguns moradores de rua. O motorista nos informou que aquelas pessoas recusavam o auxílio do governo e preferiam a liberdade das ruas, principalmente no verão. Hospedamo-nos no Thon Hotel Oslo Panorama. Vista panorâmica: porto, mar, ilhas, navios, barcos, edifícios antigos e modernos, ruas, viadutos, veículos circulando. Nem todos vêem com bons olhos a modernização da cidade e do país. Tomamos banho e no próprio quarto assistimos ao jogo de futebol Brasil x Chile. Depois, saímos a passear pela cidade. Resolvemos jantar. Surpresa: passava das 23,00 horas e os restaurantes fecham por volta das 22,00. Recorremos a uma lanchonete da rede Burger King: consumimos sanduíches e refrigerantes. Meia noite. A lanchonete fechou. Pessoas circulando pelas ruas animadas. As pessoas andam apressadas, tanto em Oslo como em Paris e Madri. Rafael, também, tinha passo ligeiro como aquelas pessoas. Jussara o acompanhava. Eu comecei a ficar para trás, propositalmente, a fim de reduzir a velocidade. Eles aderiram ao passo mais cadenciado. Afinal, estávamos passeando! Manhã ensolarada. Poucas nuvens. Sopra suave brisa. Da sacada do quarto, contemplo o panorama. Lembro quando, escoteiro, nos idos de 1952/3, acampava com a tropa numa clareira na mata de Santa Felicidade (colônia italiana, hoje famoso bairro de Curitiba, capital do Estado do Paraná) próxima ao Rio Bariguí, em cujas águas lavávamos nossos talheres, canecos e pratos. Ao anoitecer, cantávamos em torno da fogueira. Uma das canções falava da Noruega e despertou em mim a vontade e a esperança de um dia conhecê-la. Passados 57 anos, aqui estou “na Noruega distante” como dizia a letra da canção. Aquela Noruega, coberta por um lençol branco durante oito meses do ano e por um tapete verde durante os quatro meses restantes ainda existe e conserva um pouco do bucolismo da canção. A escassez de alimentos no período branco decorrente da insuficiente produção agrícola no curto período verde não mais expulsa os noruegueses para outros países. Com a descoberta do petróleo, em 1968, veio a riqueza e a importação de alimentos no período crítico. A escassez do passado contribuiu para a socialização da abundância no presente. Os noruegueses de Oslo estampam tranqüilidade nos rostos, vestem-se bem e se mostram satisfeitos com o seu padrão de vida. Bares muito freqüentados à tarde e à noite por homens e mulheres a conversar e beber cerveja. O comportamento geral denota simplicidade e honestidade. O governo reflete essas qualidades. Seus agentes, inclusive os da mais alta hierarquia, não dispõem de cartão corporativo, moderam os gastos, prestam contas até das pequenas e miúdas despesas, andam a pé ou de bicicleta, sem veículos oficiais. Não é de estranhar, pois, que o governo da Noruega seja considerado o mais honesto do planeta. No passeio matinal, após o câmbio da moeda, fomos à estação dos barcos para o que eles chamam de mini cruzeiro pela baía e ilhas (29/06/2010). Saltamos em uma das ilhas onde transpira calma, há belas residências e se localiza o museu viking (The Viking Ship Museum). Após a visita e breve espera no píer, regressamos ao continente. Circulamos pela cidade e almoçamos em uma das praças principais. Havia grande movimento de pessoas e veículos. Na rua central, preferencial para pedestres, que desemboca na estação ferroviária, surpreendemo-nos com uma pessoa que parecia mulher, imóvel, toda coberta com roupa semelhante à burca muçulmana, cor marrom, ocultando o cabelo, o rosto, sem mostrar parte alguma do corpo, ajoelhada, tronco levemente inclinado. À sua frente, caixinha para moedas e notas. Até aquele momento, não havíamos encontrado pedintes nas ruas. Tive a impressão de que se tratava de uma postura artística, tal como as inúmeras que vimos ali mesmo em Oslo, em Madri e veríamos em Paris. Homens e mulheres com os corpos e as roupas pintados em cores prateadas ou douradas, imóveis durante longo tempo, simulando estátua, encima de um caixote tendo à sua frente o recipiente para as contribuições em dinheiro. Vemos esses artistas também nos logradouros do Rio de Janeiro. Caminhamos pelas avenidas largas e pelas vias secundárias estreitas, pavimentadas com pedras, semelhantes às de Madri e Paris. Entramos em centros comerciais e lojas. Jussara comprou relógio de pulso, roupas para o nosso neto e enfeites para colar na porta da geladeira como lembrança da Noruega, tal qual fizera nas cidades espanholas e faria na capital francesa.

Aeroporto de Oslo-Gardermoen. 17, 25. Noruega, 30 de junho de 2010.
O terceiro dia amanheceu chuvoso e frio. Arrumamos as malas, fizemos o check-out no hotel, passamos pela agência de câmbio, convertemos as coroas norueguesas em euros e, de taxi, rumamos para o aeroporto. Seguiu-se a rotina: check-in, exibição dos passaportes e inspeção policial. Circulamos pelas dependências do aeroporto e almoçamos (Kon Tiki Restaurant). Depois, apresentamo-nos para o embarque. Os funcionários da empresa de viação aérea (Norwegian.no) receberam os passageiros e os encaminharam à aeronave. Partimos no horário previsto. Decorridas duas horas e meia, o avião aterrissava em Paris.

terça-feira, 13 de julho de 2010

VIAGEM

DIÁRIO DE VIAGEM I

Aeroporto Tom Jobim. 19,25. Horário de Brasília. Rio de Janeiro, 24 de junho de 2010.
Jussara e eu nos apresentamos para o check-in. Graças à minha idade e à lei brasileira, tivemos prioridade. Passamos pela inspeção policial sem qualquer óbice. Embarcamos na aeronave da Ibéria. 10 horas de viagem tranqüila.

Aeroporto de Barajas. 10,15. Horário europeu. Madri, 25 de junho de 2010.
Passaportes examinados com muita simpatia. Nossa bagagem de mão sequer foi inspecionada. Seguindo o conselho do nosso filho Rafael, utilizamos duas malas pequenas (50 x 40 x 30) exclusivamente, uma para mim e outra para Jussara. Desse modo, não foi necessário usar o bagageiro inferior do avião e ficar aguardando malas na chegada. Rafael lá estava a nos esperar. Acenou. Trocamos saudosos abraços. Tomamos o trem interno que nos levou até a saída do aeroporto. Alugamos o taxi que nos deixou no hotel Hight Tech Clíper Gran Via, centro de Madri. Rafael reservara quartos para nós em hotéis de Madri, Oslo e Paris. Instalamo-nos, tomamos banho, mudamos de roupa e saímos a passear pela cidade. Largas e asfaltadas avenidas nas artérias principais. Estreitas ruas secundárias pavimentadas com pedras. Praças espaçosas com piso de pedras e cimento, monumentos a reis, heróis e episódios históricos. Em algumas praças ajardinadas e arborizadas as pessoas sentam ou deitam sobre a grama. Arquitetura antiga e moderna. Edifícios residenciais de poucos andares, estilo ibérico, exibem sacadas floridas. Movimento intenso de pessoas nas ruas, bares e restaurantes. A crise econômica não transparece. Atmosfera leve e amigável. De um modo geral, pessoas simples, educadas e atenciosas com os turistas. Temperatura moderada apesar do verão. Noite segundo o relógio até por volta das 22,00 horas quando, então, começa a noite segundo a natureza e escurece. Assistimos ao jogo de futebol Brasil x Portugal. Conhecemos a escola em que Rafael cursou o mestrado em publicidade. Em sua casa, ele nos mostrou o diploma. Eu e Jussara ficamos contentes. Rafael mora perto dessa escola, no segundo andar de um edifício de três andares, sem elevador, escada com estrutura metálica e degraus de madeira. Divide o apartamento com outras pessoas (três quartos privativos e, em comum: sala, cozinha, banheiro e área de serviço). Aluguel rateado. Nessa rua fazem ponto duas ou três prostitutas sem que os moradores se incomodem. As prostitutas mais novas circulam logo acima, em uma das principais artérias de Madri denominada Gran Via. Rafael nos levou ao Restaurante Botin, fundado em 1725, o mais antigo do mundo, segundo os espanhóis. Acolhedor, no pequeno e bem aproveitado espaço, ocupamos mesa na parte superior. Refeição deliciosa. Aliás, come-se muito bem não só em Madri, como também em Toledo e Barcelona. Variamos de restaurantes sem repetir um só. Compramos bons e bonitos óculos de sol durante o nosso passeio. Aproveitamos o conforto do trem de alta velocidade e visitamos a histórica Toledo (26/06/2010). Ali fotografamos versos de Cervantes gravados em louça branca e letras azuis, moldura cimentada no muro defronte ao portal de entrada: “Qué tengo de despedirme / de ver al Tajo dorado? / Qué há de quedar mi ganado / y yo triste he de partirme? / Qué estos árboles sombrios / y estos anchos verdes prados / no serán ya más mirados / de los tristes ojos mios?”. De novo em Madri, tomamos o trem de alta velocidade para Barcelona, no litoral do Mar Mediterrâneo e caminhamos à margem das suas praias (27/06/2010). Tiramos fotografias da igreja projetada por Gaudi, famoso arquiteto catalão. Em cada uma dessas cidades nós almoçávamos nos locais que nos agradavam. Voltávamos no mesmo dia e jantávamos em Madri. Compras estavam fora de cogitação, embora, por curiosidade, olhássemos as vitrines. Nosso objetivo era passear, conhecer as cidades, observar as pessoas. Lazer sem objetivo cultural específico e sem correria por atrações turísticas. Em Madri, cobrimos algumas distâncias de trem metropolitano. Isto permitiu proveitosa circulação.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

FUTEBOL

HORA DA VERDADE II
O mau agouro vingou. A passagem prévia por Brasília impregnou a seleção brasileira da vibração negativa do presidente Luiz Inácio. O desconforto do técnico e dos jogadores notado na ocasião espelhava, provavelmente, o temor aos maus fluídos presidenciais. Verificada tal hipótese no plano dos fatos, a seleção venceu obstáculos exotéricos, mas sucumbiu na arena esotérica. A comissão técnica desempenhou bem a sua função. O treinador mostrou-se competente no seu ofício. Dedicou-se com afinco à seleção brasileira durante os últimos quatro anos. Enfrentou a súcia da mídia esportiva que o detratava. Respondeu bravamente as críticas infundadas e até ofensivas que lhe foram dirigidas por jornalistas e outras pessoas.
A dissolução da comissão técnica não se deve à derrota da seleção brasileira e sim ao encerramento da sua participação na copa, consoante política da Confederação Brasileira de Futebol - CBF, também adotada em outros países. Não houve demissão punitiva alguma. Nada impede que membros da comissão técnica dissolvida participem da nova comissão para a próxima copa. No Brasil, o presidente da CBF escolhe o técnico e este os jogadores visando ao êxito nas competições e não apenas aos interesses dos patrocinadores e da imprensa.
O ex-técnico acertou: (1) na convocação dos jogadores, em geral; (2) no trabalho e na disciplina da equipe; (3) no modo sério e proveitoso de dirigir a seleção; (4) na proteção à privacidade dos treinos e da concentração; (5) na reação às atitudes pejorativas de jornalistas mequetrefes. O ex-técnico errou: (1) ao convocar KK fora de forma e não convocar Ronaldo Gaúcho que recuperara a forma; (2) no jogo contra a Holanda (i) ao deixar de substituir Felipe Melo a tempo de evitar a previsível expulsão (ii) ao demorar para substituir Luis Fabiano (iii) ao manter KK em campo apesar da má atuação desse jogador em todos os jogos.
Durante as partidas, os jogadores brasileiros se esforçaram. Como sempre, o mais esforçado foi Robinho, embora estranhamente nervoso. Elano, Juan, Lúcio e Maicon destacaram-se pela técnica e eficiência. Os demais atuaram em nível ordinário. Na sua última partida, a seleção brasileira dominou a holandesa no primeiro tempo e foi por ela dominada no segundo. A seleção holandesa voltou com novo esquema de jogo e derrotou os brasileiros. Vitória tática do técnico holandês, roborada pela bactéria urucubaciae lulaensis que infectou a comitiva brasileira em Brasília. Seleções melhores do que a brasileira se apresentaram não só nesta de 2010, como também em outras copas. Em compensação, a seleção brasileira apresentou-se melhor do que as outras nas copas de 1950, 1958, 1962, 1970 e 1982 (embora sem vencer as de 1950 e 1982). Em 1994 e 2002, a seleção canarinho venceu, mas não convenceu.
Salvo alguma raridade, semelhante a Djalma Santos, a próxima equipe provavelmente será de jogadores que em 2014 terão idade máxima igual ou inferior a 35 anos. A CBF é uma organização profissional de caráter privado que projeta as atividades da seleção. Haverá de reduzir o peso da intervenção dos patrocinadores, inobstante a indiscutível importância do lado financeiro. Evitar-se-ão episódios prejudiciais à seleção brasileira, como o de KK e Ronaldo Gaucho na copa de 2010 e outros ocorridos na copa de 2006. A seleção encarna a nação brasileira na área esportiva. O sacrifício dos valores nacionais em prol de interesses econômicos privados tipifica violação a princípios éticos e jurídicos. O técnico a ser escolhido certamente executará o projeto elaborado pela CBF.

Em todas as partidas da copa houve falhas individuais no controle da bola, nos passes, cruzamentos e finalizações, cujo excesso não pode ser atribuído exclusivamente à deficiência técnica dos jogadores. A bola adotada pela FIFA (jabulani) contribuiu para o excesso de erros. O que era piada aconteceu de fato: a bola atrapalhou os jogadores. Cristiano Ronaldo, Fernando Torres, KK, Messi, Rooney, jogadores endeusados pela imprensa cativa, atuaram em nível ordinário. Já os holandeses Robben e Sneijder, os alemães Schweinsteiger e Özil, os espanhóis Villa e Iniesta, os uruguaios Forlán e Suarez, atuaram acima da média, embora distante da genialidade.
A lógica prevaleceu. As seleções que melhor se apresentaram em campo chegaram ao fim do certame: Alemanha, Espanha, Holanda e Uruguai. Em dramáticos finais de partidas, a seleção holandesa venceu a uruguaia e a seleção espanhola venceu a alemã. Holanda e Espanha enfrentar-se-ão na partida final desta copa do mundo de futebol. Alemanha e Uruguai disputarão o terceiro lugar. Japão e Gana representaram bem a Ásia e a África, considerada a ausência de conquista de copas no histórico das suas equipes. No curso desta copa (2010) se viu rostos pintados com as bandeiras dos diversos países, cujas expressões de alegria, às vezes, não se repetiam após as partidas. Os vencidos prostravam-se e vertiam lágrimas. Os vencedores sorriam e trocavam beijos e abraços efusivamente. Aleluia! Vivas ao esporte e à fraternidade universal!