sábado, 28 de maio de 2022

ELEIÇÕES 2022 - IV

No Brasil, deputados e senadores representam: [1] De modo abstrato, o povo como unidade nacional [2] De modo concreto, a sociedade civil como multiplicidade de interesses privados. Para se eleger deputado ou senador, o candidato busca apoio em setores da sociedade civil. A existência de bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal atesta a distinção entre a voz do parlamentar e a voz do povo. 
Desprovida de sonoridade real e própria, “voz do povo” é expressão figurativa utilizada para fins políticos e poéticos. Ouve-se o ruído de multidão no espaço público e a voz de pessoas representativas, mas não a "voz do povo". Do ponto de vista jurídico, povo significa a parcela da população composta de mulheres e homens titulares dos direitos políticos (sufrágio universal, voto direto e secreto, alistamento eleitoral, elegibilidade). Nas relações internas do povo há divergências e convergências; satisfações e insatisfações; vozes opostas, vozes concordantes e mudez. Essa realidade é dramática nas republiquetas da América Latina e da África, onde campeiam a desigualdade e a injustiça social, além da desonestidade e do autoritarismo dos governantes. 
Na atual legislatura brasileira, destacam-se as bancadas da Bíblia (igrejas protestantes), da bala (armamento, milícia), dos ruralistas (agronegócio, pecuária, latifúndio), dos empresários (indústria, comércio, serviços) e dos trabalhadores. Sob o prisma ideológico, a corrente nazifascista engolfou as correntes liberal e socialista. As eleitoras e os eleitores poderão mudar esse quadro nas eleições deste ano: (i) se não reelegerem os nazifascistas e os corruptos que, entre outras safadezas, aprovam orçamentos secretos e apoiam ilicitudes do presidente da república (ii) se elegerem gente honesta, dotada de espírito público, comprometida verdadeiramente com a república democrática e com os princípios da moral e do direito. 
A representação política está pulverizada. Cabe às eleitoras e aos eleitores, pelo poder do voto, torná-la mais concentrada ou polarizada. Exemplo: (i) selecionar 5 partidos de maior expressão nacional (ii) dessa base, escolher a candidata ou o candidato mais confiável. Como a aprovação dos projetos de lei depende do voto da maioria, quer nas comissões, quer no plenário, a negociação entre os parlamentares é inevitável. A busca de consenso e o debate são procedimentos essenciais da função parlamentar e do processo democrático. Geralmente, o parlamentar brasileiro se preocupa e se ocupa: [1] Em primeiro lugar, com a sua reeleição e os seus negócios particulares [2] Em segundo lugar, com os interesses do seu grupo [3] Em terceiro lugar, com as demandas dos outros grupos e setores da sociedade [4] Em quarto lugar, com o programa do seu partido [5] Em penúltimo lugar, com os assuntos de interesse geral da nação [6] Em último lugar, com a moralidade.  
Assuntos do interesse geral da nação que dependem da conjuntura são empurrados com a barriga, como acontece com reformas estruturais (administrativa, tributária). Alguns desses assuntos, prontamente cuidados a curto prazo sob pressão dos meios de comunicação social, depois, a médio prazo, perdem o impulso inicial. Exemplos: (i) medidas preventivas contra as catástrofes naturais que se repetem regular e periodicamente em algumas regiões do país (ii) proteção ao meio ambiente, às riquezas naturais, às comunidades indígenas (iii) incentivo à cultura (iv) investimento em infraestrutura. 
Das bancadas da Câmara e do Senado, a da Bíblia tem sido a mais atuante. No campo espiritual, havia grande disparidade no seio da nação brasileira quando, em 1987-1988, foi elaborada a Constituição. Havia mulheres e homens: [1] Ateus, que não acreditavam na existência de deus [2] Deístas, que acreditavam na existência de um deus que não interfere no mundo por ele criado [3] Teístas, que acreditavam em um deus pessoal que, mediante a providência divina, a revelação e o milagre, interfere no mundo por ele criado [4] Politeístas, que acreditavam na existência de vários deuses (i) com supremacia de um deles ou (ii) sem hierarquia, com poderes iguais. Das raízes teológicas brotam os troncos monoteísta (judaísmo, cristianismo, islamismo) e politeísta (hinduísmo, budismo, espiritismo). 
Portanto, a Bíblia não é o único livro “sagrado” dos brasileiros. Há outros, tais como: Livro dos Espíritos, Corão e os textos “sagrados” do hinduísmo e do budismo. A religiosidade brasileira comporta vertentes: cristã (católica + protestante), espírita (kardecista + africana), xamã (nativa), islâmica, judaica e budista. Nos termos da Constituição, a liberdade de consciência, crença e culto religioso é plena. Logo, ateus e crentes podem igualmente exercer direitos políticos.
Crentes de distintos ramos do protestantismo constituem a bancada da Bíblia. Em benefício próprio, eles fazem da fé religiosa instrumento de realização das suas ambições políticas e econômicas. O truque das igrejas consiste em fazer dos crentes um rebanho. Isto implica vendar os olhos dos fiéis, vedar-lhes a análise racional das escrituras por si próprios. Questionar é visto como sacrílégio. O pastor seleciona o texto bíblico, diz como deve ser lido e interpretado e dita a regra de conduta como sendo a vontade divina. Os fiéis acreditam e obedecem. Esse poder sacerdotal influi nas escolhas do crente. 
A fim de resguardar a lisura do mandato parlamentar, a Constituição veda aos deputados e senadores, desde a posse no cargo, a propriedade, o controle ou a direção de certas empresas. A mesma cautela é necessária em relação à influência econômica e social dos proprietários, controladores e diretores de igrejas. Privados do uso da razão em matéria religiosa, com o cérebro obnubilado pela hipnótica doutrinação, mulheres e homens ficam nivelados aos animais irracionais, atrelados às rédeas do padre, do pastor, do missionário, do rabino ou do guru.  


domingo, 15 de maio de 2022

ELEIÇÕES 2022 - III

Mulheres na política. Erundina, Fátima, Gabriela, Gleisi, Heloísa, Kátia, Manuela, Marília, Simone, nomes de mulheres entre muitas que honram o eleitorado feminino. Independente da linha ideológica de cada uma, essas mulheres têm em comum a fidelidade a princípios éticos e jurídicos e ao compromisso moral com as eleitoras, sem desprezar o voto masculino. Assim, por exemplo, depois de candidatar-se à presidência da república por seu partido, Simone recusou convite para ser vice na chapa da terceira via. Demonstrou não só amor-próprio como também preocupação em não endossar o costume de se colocar as mulheres em segundo plano. O aperfeiçoamento da política brasileira necessita de mulheres com esse perfil na Câmara dos Deputados e no Senado.
Cuidados na escolha. Eleitoras e eleitores contribuirão ao aperfeiçoamento da política brasileira: [1] se votarem em candidatas e candidatos de espírito público, que seguem princípios éticos, respeitam os bons costumes e os preceitos constitucionais [2] se não reelegerem os pilantras que fizeram do Congresso Nacional um canil de vira-latas. As eleitoras e os eleitores que não forem cegos e nem surdos, identificarão facilmente alguns desses pilantras: são aqueles deputados e senadores: [1] que carregam a Bíblia nas mãos e na língua [2] que com Bíblia ou sem Bíblia (i) aprovam orçamentos secretos (ii) apoiam safadezas do atual presidente da república. 
Controle do dinheiro público. Tanto na república capitalista como na república socialista a obrigatoriedade do administrador público de prestar contas é regra visceral. O segredo na distribuição e aplicação das verbas públicas é incompatível com a forma republicana de estado cristalizada na Constituição brasileira de 1988. Todo funcionário público lato sensu (civil, militar, agente político, agente administrativo, funcionário público stricto sensu), tem a obrigação moral e jurídica de gastar com parcimônia e de prestar contas. A licitação pública para compras e para contratar obras e prestadores de serviços, também é obrigatória. Nos excepcionais casos de dispensa, o administrador público honesto evita utilizar-se dessa legal faculdade e prefere a licitação. 
O legislador ordinário exagerou na casuística das exceções e facilitou a corrupção. A farra com o uso do cartão corporativo de crédito, por exemplo, é inadmissível numa república democrática. Quem faz uso desse cartão de crédito está obrigado a prestar contas aos órgãos oficiais de controle do dinheiro público. A negativa de cumprir essa obrigação suscita a presunção de uso ilícito e provoca a instauração de processos administrativo e judicial. O responsável por gasto excessivo no uso do cartão deve reembolsar o erário. Na hipótese de excesso doloso, o usuário do cartão será processado criminalmente. Aliás, a existência desse tipo de cartão de crédito, por si mesma, já é escandalosa. Esse modo de driblar o obrigatório processo de licitação pública nas compras fere os princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade. Embora a Constituição e a lei permitam exceções à obrigatoriedade da licitação, isto não significa permissão (i) para o abuso e o excesso (ii) para gastos contrários ao interesse público (iii) para universalizar a particularidade dos casos (iv) para enriquecimento do usuário. [CR 37, XXI + lei 8666/93, art. 24 e incisos].
O cartão corporativo de crédito criado no governo tucano (1995-2002) continua a ser utilizado. Ainda que tenha previsão legal, a existência desse cartão é imoral; a legalidade acoberta a imoralidade e isto caracteriza ilegitimidade incompatível com o espírito republicano democrático da vigente Constituição. Comissões parlamentares, tribunal de contas, ministério público, ordem dos advogados, partidos políticos, associações civis defensoras da transparência nos negócios da administração pública, todas essas instituições, por se omitirem, são coniventes com a bandalheira. Tal ausência da desejável, oportuna e necessária reação institucional coloca o Brasil entre as republiquetas governadas por elites moralmente podres. Mostra que o Brasil, de fato, “não é um país sério”. 
Abundância de poucos e miséria de muitos. Essa prática imoral, inconstitucional, contrária ao espírito republicano democrático, fica mais abjeta ainda num país de numeroso contingente de desempregados e de flagelados pela fome. A canalha com assento nos 3 poderes da república se farta enquanto grande parcela da população perde o pouco que tem. Comidas e bebidas requintadas de alto preço e em grande quantidade para alguns civis e militares, suprema humilhação para a massa popular famélica. Isto lembra episódio da monarquia francesa no século XVIII, inventado e difundido pela propaganda da oposição revolucionária, afirmando que Maria Antonieta, ao ser informada que o povo estava sem pão para comer, teria dito: “então, que comam brioches”. A anedota tinha por escopo salientar a insensibilidade, a falta de compaixão, a indecorosa indiferença da realeza ante o sofrimento do povo, as mesmas que hoje, século XXI, anos 2016-2022, nota-se no comportamento olímpico das autoridades civis e militares do Brasil.


quarta-feira, 11 de maio de 2022

ARBITRAGEM

As relações humanas conflituosas têm sido resolvidas ora de modo violento (olho por olho, justiça pelas próprias mãos) ora de modo pacífico (acordo, arbitragem). O modo pacífico institucionalizou-se com a passagem da barbárie à civilização e a ordenação racional das relações humanas. A arbitragem comporta duas modalidades: (i) a convencional, quando as partes em disputa escolhem os árbitros (ii) a oficial, quando a disputa é submetida à apreciação de árbitros nomeados pelo estado (juízes togados, tribunais de justiça). Apesar da institucionalização dos processos de julgamento, o sentimento de vingança persiste, principalmente, nos crimes contra a pessoa (homicídio, lesão corporal, estupro). A súplica por “justiça” implica o desejo de punir o culpado e encobre o sentimento de vingança. Nas relações internacionais, tal sentimento também persiste. Depois de ofendida, uma nação ataca a nação ofensora para se vingar. Exemplo: Os EUA atacaram o Afeganistão. Em represália, os afegãos atacaram as torres gêmeas de NY. Em represália, os EUA tornaram a atacar o Afeganistão.   
Assim como foram estabelecidas regras disciplinando as relações humanas na sociedade e no estado, também foram estabelecidas regras sociais específicas para disciplinar a conduta dos jogadores, o funcionamento dos clubes e dos árbitros no mundo esportivo. No bojo do direito social formou-se o direito desportivo. Arbitragem individual (juiz privado) e arbitragem colegiada (tribunal desportivo) foram constituídas. Ao juiz privado (organização desportiva) costuma-se reservar o nome de árbitro a fim de distingui-lo do juiz togado (organização do estado). Das decisões tomadas em campo pelo árbitro há previsão de recurso à instância superior (“tapete vermelho”).     
Tal como o juiz togado, o árbitro esportivo também acerta e erra nos seus julgamentos; interpreta e aplica as regras de modo equivocado por vários motivos: parcialidade, deficiência física, moral, técnica, interesse pessoal, pressão externa (torcida, imprensa, opinião pública). Ao invés da rigorosa e literal aplicação da regra do impedimento, o árbitro acerta ao decidir a favor da arte e da beleza do espetáculo. A estética compõe o jogo esportivo. A vitória traz alegria e sorriso aos vencedores, tristeza e lágrimas aos perdedores, porém, o calor da emoção paira sobre a frieza da geometria. Sem prejuízo da ética e sem incentivo à violência, o árbitro, antes de punir, deve considerar o caráter dinâmico e varonil do futebol. O VAR é tecnologia que auxilia o árbitro na elucidação das jogadas. Todavia, ao árbitro cabe a decisão final, ainda que divergente. No caso de impedimento, por exemplo, se o árbitro discordar do VAR, apontará o centro do gramado a indicar a validade do gol e a prevalência do seu juízo pessoal. Chamando para si a responsabilidade, denota coragem e firmeza. 
No domingo, 08/05/2022, jogo Flamengo x Botafogo, as linhas do VAR pareciam indicar posição de impedimento no momento da cobrança de falta. Atacantes e defensores estavam alinhados em frente à área do Botafogo. De cabeceio, o atacante do Flamengo marcou o gol. O árbitro surfou na onda do VAR e anulou a bela e legítima jogada. Frustrou o time e a torcida. Devia ter mantido a sua correta decisão anterior. Esse tipo de anulação tem sido constante. O Brasil foi criativo na arte de jogar futebol. Precisa ser criativo também na arbitragem. Cuidar para não estragar belas jogadas por causa do rigor exagerado na aplicação da regra. 
A submissão às regras estabelecidas pelos colonizadores não deve colocar a arbitragem brasileira na posição colonizada. O árbitro nacional, mostrando autonomia, deve aplicar o princípio da insignificância adotado no direito penal. Assim, por exemplo, no que se refere à regra 11, em campeonato nacional, para considerar o jogador impedido, a comissão brasileira de arbitragem, na sua função de regulamentar a regra, devia baixar instrução: [1] estabelecendo a distância de 1(um) metro entre o atacante mais próximo da linha de fundo e o penúltimo oponente (o último é o goleiro) [2] determinando aos árbitros: (i) mais atenção na avançada posição da cabeça, do tronco e dos pés do atacante (ii) só marcarem o impedimento quando o atacante estiver plantado naquele espaço (iii) não marcar o impedimento quando o atacante ali chegar na dinâmica da jogada. A distância será medida pelo VAR caso o árbitro de campo tenha dúvida. 
A regulamentação da regra beneficiará a plasticidade e o lado artístico do esporte, atenderá ao senso de justiça e exigirá mais atenção e perícia dos defensores e treinadores. A doutrina da supremacia do resultado sobre a beleza é própria de treinador europeu. Jogar bonito não é o forte do jogador europeu, salvo raras exceções (Beckenbauer, C.Ronaldo, Zidane). Da índole e da tradição do jogador brasileiro é jogar bonito, com arte, para satisfazer a si próprio e com eficiência, para satisfazer a equipe e a torcida (Didi, Sócrates, Vini). Daí, a admiração e o respeito dos estrangeiros ao futebol brasileiro. Às vezes, rola inveja.  


quinta-feira, 5 de maio de 2022

ACADEMIA

No programa "Seleção” do canal 39, de 04/05/2022, veio à balha a opinião de Ademir da Guia, antigo craque de futebol do Palmeiras, que adjetivou de “Terceira Academia”, a atual equipe de futebol masculino do referido clube. Discutiu-se, em bom tom, se o melhor adjetivo seria “Quarta Academia” para fazer justiça a outra equipe anterior também de excelsas virtudes. Além do elemento técnico e dos dados estatísticos, os jornalistas acrescentaram o elemento ético (?) na avaliação das equipes. 
Nenhum dos debatedores teve a deselegância de desmerecer a opinião do jogador que no passado fez parte do elenco do Palmeiras. Trata-se de um craque inserido por seus próprios méritos entre os maiores jogadores de futebol do mundo. Estilo de jogar elegante, refinado, eficaz nos dribles, nos passes, nas finalizações, pessoa bem-educada, disciplinada, inteligente, boa visão de jogo e liderança em campo. 
No entanto, a maioria do público e dos jornalistas esportivos aprecia [I] mais o futebol taurino de jogadores: (i) brasileiros, como Garrincha, Leônidas, Pelé, Romário, Ronaldo, Vavá, Zico (ii) estrangeiros, como Baggio, Eusébio, Gullit, Klose, Maradona, Messi, Rossi, Puskas, Robben, Totti [II] do que o futebol felino e sutil de jogadores: (i) brasileiros, como Ademir da Guia, Alex, Didi, Diego, Falcão, Ganso, Giovane, Raí, Sócrates, Zé Roberto, Zizinho (ii) estrangeiros, como Beckenbauer, Beckham, Cristiano Ronaldo, Ibrahimovic, Iniesta, Pirlo, Riquelme, Sneijder, Valderrama, Zidane. 
 A divergência no citado programa girou em torno (i) de um anterior elenco do Palmeiras merecedor do título “Academia” (ii) da ética como critério de avaliação.
Todos estavam certos. Os enfoques eram distintos. Como disse um deles: a ética de 1970 não é a mesma de 2022. Realmente, as mudanças sociais e econômicas no curso da história influem na hierarquização dos valores. Exemplos: [1] Dominante na Idade Média (501-1700), a religião católica já não é mais dominante na Idade Moderna [2] Progressista na Idade Moderna (1701-1900), destacando-se na revolução francesa, a maçonaria tornou-se conservadora e reacionária na Idade Contemporânea (1901-2000).   
Na avaliação, entram fatores pessoais do avaliador além do contexto social em que vive. Para avaliar tanto o desempenho imediato como o desempenho histórico das equipes esportivas, sob o prisma da beleza do espetáculo, o senso estético do avaliador e do público é determinante. A coreografia em campo, o conjunto harmonioso, as táticas em moda, a excelência técnica, os recursos materiais disponíveis, a preparação física e psicológica, a elegância ao executar as jogadas com eficácia, tudo compondo a beleza plástica do espetáculo esportivo que entra pelos olhos e pousa na memória e no coração. Grandes equipes fascinam o público, em geral, e aqueles que vivem do esporte, em particular. 
Academia, nome inspirado em Academos, herói lendário, dado ao jardim onde Platão, filósofo grego e os seus discípulos se reuniam, foi e tem sido usado nas línguas latinas até os nossos dias por instituições de ensino e cultura. Por extensão, esse vocábulo também é usado como denominação de sociedades civis, inclusive desportivas e recreativas. 
A Sociedade Esportiva Palmeiras recebeu o cognome de “Academia” por batismo profano (não religioso) há alguns anos. Na segunda metade do século XX, diante da maestria coletiva do time e individual dos jogadores, ela foi assim batizada. As competições com equipes adversárias eram autênticas aulas práticas de como jogar futebol com excelência e arte. 
Trata-se, pois, de cognome do clube como instituição esportiva, embora a origem esteja na maestria de uma equipe que se tornou tradicional. As equipes posteriores seguem a tradição, algumas mais próximas do nível original, outras nem tanto. O elenco atual do Palmeiras situa-se nesse nível original, de acordo com a abalizada opinião de Ademir da Guia. Esse elenco não é o único e talvez não seja o último a alcançar o alto nível. Elencos passados alcançaram-no e elencos futuros provavelmente alcançá-lo-ão.       
Ao tocar no assunto, Ademir da Guia certamente referia-se ao seu clube, à história do seu clube, aos elencos do seu clube através dos anos, sem comparar com outros clubes. O Santos FC, do tempo de Pelé, por exemplo, também merecia o título de “Academia”, mas foi o Palmeiras que adquiriu o direito de uso desse nome. O Barcelona de Ronaldinho e Messi também merece o honroso título.   
Desde 1949, eu sou fiel torcedor do São Paulo FC, que também merece o título de “Academia”. Quando minha família morava em Ponta Grossa/PR, eu tinha um amigo tricolor, da minha idade (10 anos), nosso vizinho, que torcia para o São Paulo e para o Fluminense. Por companheirismo, também adotei os tricolores. Apesar disto, eu sou apreciador do bom futebol. Para mim pouco importa a cor da camisa e a nacionalidade do clube e do jogador, desde que o espetáculo mereça admiração e aplauso. 


quarta-feira, 4 de maio de 2022

ELEIÇÕES 2022 - II

As candidaturas à presidência da república, noticiadas até o momento, são as de Luiz Inácio (PT), Jair Bolsonaro (PL), João Dória (PSDB), Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT). Diante da possível polarização entre dois candidatos, aventou-se a criação de uma terceira via, aglomerado de partidos da direita que se convencionou chamar de “centrão”. Objetivo: [1] Indicar um único candidato dessa faixa do espectro para concorrer com Luiz Inácio e Jair [2] Dar prioridade ao liberalismo econômico. 
A segunda via consiste no aglomerado dos partidos políticos da extrema direita que apoiam o atual presidente do Brasil. Esses partidos pretendem a reeleição pela força do voto ou pela força das armas. Objetivo: [1] Manter o status quo e, assim, continuar no usufruto das benesses do poder [2] Mudar o regime político e outorgar nova Constituição. 
A primeira via consiste no aglomerado dos partidos políticos da esquerda e da direita que apoiam o ex-presidente do Brasil. Objetivo: [1] Reposição do país nos trilhos da Constituição de 1988 [2] Reconstrução do país depois do terremoto nazifascista que destruiu a economia, acabou com direitos trabalhistas e fez do Brasil pária internacional. 
Se a terceira via não acontecer, a vitória de Luiz Inácio poderá ocorrer no primeiro turno. Nas eleições de 2018, a direita moderada, fincada na operação lava-jato de Curitiba/PR, apostou no candidato tucano (Alckmin). Perdeu a aposta. Os outros candidatos da direita (Ciro e Bolsonaro) obtiveram mais votos do que o tucano. Essa rachadura no teto da direita ensejou o segundo turno e a vitória da extrema direita. 
O atual presidente da república dificilmente será reeleito depois de ter revelado à nação brasileira: (i) o nazifascismo do seu pensamento e da sua conduta antidemocrática (ii) submissão à bandeira e ao governo dos EUA (iii) falta de senso moral e de compaixão principalmente na pandemia (iv) disposição mais para vadiar do que para trabalhar (v) incapacidade administrativa [vi] ações e omissões que tipificam crimes comuns e crimes de responsabilidade (vii) desprezo pelos direitos dos trabalhadores, dos indígenas, das mulheres e dos homossexuais (viii) discriminação racial (ix) gratuita animosidade contra nações amigas. Desde o início da sua congestionante gestão ele declarou guerra a imprensa e a Constituição da República (especialmente aos artigos 1º a 4º). Discurso e comportamento inadequados, ele estimulou o ódio entre os brasileiros. Ainda como deputado, ele defendia a tortura, o torturador, o assassinato dos subversivos e a ditadura militar. A parcela do eleitorado da direita moderada que o apoiou em 2018 certamente não o apoiará em 2022 e engrossará a turma dos abstencionistas ou votará na chapa da esquerda por simpatia ao tucano que dela participa. 
A máquina administrativa do estado será aparelhada por pessoas do aglomerado que vencer a eleição. O da terceira via dificilmente acontecerá. Ciosos dos seus potenciais, embalados por vaidades e rivalidades, preocupados com seus próprios interesses, os pretendentes resistem em ceder lugar na disputa eleitoral. Provavelmente, por burrice e insensatez, repetir-se-á o erro de 2018. Paradoxo: pessoas cultas e inteligentes fazem burrices na atividade política partidária. As paixões e os interesses mesquinhos ofuscam a inteligência e o bom senso. Os milhões de eleitores brasileiros inclinados à direita moderada, mais numerosos do que os da extrema, colocariam o candidato da terceira via no segundo turno para enfrentar o candidato da esquerda. Fissurada a ossatura da direita no primeiro turno, a  esquerda levará vantagem, pois, desta vez, o candidato nazifascista terá pouca chance de vencer.
A burrice acoplada à esperteza malandra, ainda que restrita à disputa política, não é insuficiência mental exclusiva dos homens e mulheres filiados aos partidos. Grande parcela do eleitorado brasileiro é constituída de gente politicamente burra, imatura e leviana, embora se tenha na conta de muito esperta. Esse perfil coincide com o defeituoso caráter do Macunaíma, personagem do livro de Mário de Andrade. Essa realidade social sustenta a ideológica afirmativa de civis e militares adeptos da ditadura: “brasileiro não sabe votar”. Esse eleitor macunaíma sabe ir ao local da votação com seu título e teclar a urna eletrônica. A sua ignorância é cultural. Ele não tem ideia do valor e das consequências do ato de votar. A sua enganosa esperteza é ilusória. As suas escolhas são funestas, prejudiciais a ele próprio, à sua família e ao restante da comunidade. Esse tipo de eleitor, um dia, será parte ínfima do eleitorado. A democracia e o processo eleitoral devem ser preservados. Os partidos políticos têm o seu quinhão de responsabilidade nesse subdesenvolvimento político de grande parcela do povo brasileiro, quando oferecem candidatos sem qualificação moral e sem espírito público, oportunistas de caráter mal formado. Os órgãos legislativos de representação popular assemelham-se a canis de vira-latas.

domingo, 1 de maio de 2022

ABUSO DE DIREITO

Conforme notícia recente, a Organização das Nações Unidas (ONU) ao examinar o Caso Lula, concluiu que o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva era preso político. Isto significa internacional reconhecimento da inocência de Luiz Inácio no que tange aos crimes de cuja prática foi acusado pelo ministério público federal e condenado pela justiça federal. A decisão da ONU coincide com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que anulou todos os processos criminais instaurados contra Luiz Inácio. O tribunal reconheceu tanto a parcialidade do juiz como a incompetência de foro. A motivação política desses processos foi percebida desde o início da operação lava-jato de Curitiba/PR. Prova forjada. Acusação forjada. Sentença forjada. Juízes parciais, do piso à cúpula da justiça federal, movidos pela paixão política, aviltaram o direito e conspurcaram a toga. Apoio de empresas de comunicação social e de partidos políticos ao movimento antijurídico e antidemocrático.
Ao comentar a decisão da ONU durante o programa Studio i, da Globonews, canal 40, de 29/04/2022, a apresentadora, jornalista Maria Beltrão, cheia de gestos, caras e bocas, usando argumento falacioso, com argúcia negou a inocência do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva. A jornalista se colocou acima das jurisdições nacional e internacional e contra princípio geral de direito. Com visível intuito politiqueiro neste ano de eleições, ela desprezou o fato de, atualmente, inexistir (i) sentença penal alguma condenando o ex-presidente (ii) inquérito policial ou processo criminal em andamento. Essa inclinação à direita revelada pela maliciosa conduta da jornalista talvez seja herança paterna. Ela é filha de Hélio Beltrão, serviçal da ditadura militar tal como também o era a própria emissora Globo de televisão (1964-1985). “Filho de peixe, peixinho é” (ditado popular).
A falácia da esperta jornalista consistiu no jogo das polaridades: (a) absolvição x condenação + (b) inocência x culpabilidade. Para sustentar a sua falsa acusação, ela criou uma terceira e incongruente polaridade: (c) inocência x absolvição. Se é certo que, ao anular os processos, o STF não absolveu direta e imediatamente o réu, certo também é que a renovação dos processos perante os juízos competentes não exclui a presunção de inocência. Se é certo que sentença que anula processo penal não se confunde com sentença absolutória, também é certo que tal sentença não afasta a presunção de inocência. Destarte, a inocência de Luiz Inácio permanece intacta, pois, nos termos da Constituição da República, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. [Art. 5º, LVII]. 
Qualquer sentença proferida em processo anulado não tem valor jurídico algum. Outrossim, segundo informam os advogados de Luiz Inácio, nenhum dos processos anulados foi renovado nos juízos competentes. Ante o mecanismo da polaridade (b), a negativa de que alguém é inocente implica a afirmativa de que esse alguém é culpado. Se Luiz Inácio não é inocente, como disse a jornalista, então ele é culpado. Cabe à jornalista informar qual o crime que ele praticou e exibir prova idônea da veracidade dessa informação. Se nada fizer, a jornalista apresentadora poderá ser interpelada judicialmente. Caso não responda à interpelação, ou, se a responder de modo insatisfatório, ela responderá no juízo criminal por crime contra a honra. No juízo cível, ela responderá por dano moral. O ofendido ainda poderá, na forma da lei, usar o seu direito de resposta por igual tempo e no mesmo espaço do programa em que a ofensa foi proferida. 
O direito à liberdade de imprensa não socorre a quem dele abusa para cometer delitos. Diferente da extensão ilimitada da liberdade divina, a liberdade humana tem limites naturais e culturais. A liberdade de manifestar o pensamento e de agir está limitada por preceitos morais e jurídicos contidos nos costumes, nas leis canônicas e nas leis civis. “A liberdade universal não pode produzir nem uma obra positiva nem uma operação positiva; não lhe sobra senão uma operação negativa; ela é somente a fúria da destruição.” [Hegel ao comentar a revolução francesa, citado por Vicente Ferreira da Silva in Obras Completas, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, 1966, vol. II, pág.457]. 
Inocência é o estado em que se encontra a pessoa que (i) não pecou (ii) não praticou crime (iii) não tem capacidade de discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, o lícito e o ilícito. No processo judicial, inocência significa ausência de culpa. Considera-se inocente todo aquele (i) que agiu ou se omitiu no estado de inocência (ii) contra quem não se provou ter agido ou se omitido culposa ou dolosamente (iii) que agiu (a) em legítima defesa (b) no estrito cumprimento do dever legal (c) em estado de necessidade. 
Todo réu será absolvido quando faltar prova da existência do fato tido como criminoso, ou, se houver prova, for verificado que tal fato não constitui infração penal. Constatada a existência da infração, ainda assim o réu será absolvido se não ficar provada a sua participação no fato delituoso. A absolvição também se impõe (i) se existir circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena (ii) se não existir prova suficiente para a condenação.