terça-feira, 30 de agosto de 2016

IMPEACHMENT XVI

Prostituição.

Com o interrogatório da Presidente da República encerra-se a fase da instrução processual caso nenhuma diligência seja determinada. Inicia-se a fase de julgamento com as alegações finais dos advogados de acusação e de defesa. Nos termos do artigo 500 do Código de Processo Penal (CPP), essas alegações devem ser apresentadas por escrito no prazo de 3 dias. Esse dispositivo é aplicável ao processo de impeachment a partir da promulgação da Constituição de 1988 que transferiu da Câmara dos Deputados para o Senado Federal a instrução processual. Neste particular, o rito previsto nos artigos 24 a 31, da lei 1.079/50, deve adaptar-se à nova Constituição. O rito adotado pelos presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal permite apenas alegações orais, o que conflita com o CPP e a Constituição. Os trâmites a toque-de-caixa não se compadecem com a relevância da questão.
Senadores e senadoras da República na função de magistrados no processo de impeachment fizeram do Senado Federal um prostíbulo. Na zona do meretrício, no bordel ou nas ruas, a prostituta presta favores sexuais em troca de dinheiro; aluga o seu corpo, mas não vende a sua consciência. No bordel político, os prostitutos e as prostitutas da República vendem ou alugam as suas consciências (e até os corpos, se lhes convier) em troca de dinheiro, de cargos e de outros benefícios particulares que o afastamento da Presidente possa lhes trazer.
Senadores e senadoras, para justificar o golpe, apoiam-se na forma: o processo de impeachment está previsto na Constituição. Aproveitaram-se da forma para recheá-la com massa podre. Na sua formalidade, o rito exibe a plástica e sensual beleza da dança do ventre encenada num prostíbulo. 
Senadores e senadoras não apenas prostituem o tribunal parlamentar como também se deixam prostituir. Juiz que corrompe e/ou se deixa corromper, prostitui a Justiça. No tribunal parlamentar ora reunido, muitos são os juízes que não se importam com a justiça, com o direito e com a moral. Tampouco estão preocupados com o interesse nacional e com o bem-comum. O principal objetivo é o ganho particular, a alienação do patrimônio estratégico do Brasil, o desmonte dos programas sociais que tanto beneficiaram os trabalhadores e as famílias pobres. Ação devastadora que o governo interino já começou com força total.
Do interrogatório da Presidente, participou uma das prostitutas da República. Vestia roupa verde e amarela para mostrar aos seus eleitores que era patriota. Tentava disfarçar a sua torpeza ou, talvez, a sua loura burrice. Envergonhada de julgar pessoa que lhe é moralmente superior, disse que ali estava para julgar apenas os atos da Presidente. Ela e os outros prostitutos já haviam condenado a Presidente muito antes da relação processual instaurada. A base erguida para a condenação da Presidente não é moral e nem jurídica e sim política partidária. A intenção dos prostitutos não é a de fazer justiça e sim a de afastar a Presidente a qualquer preço em função dos interesses privados.     
Na história do Brasil republicano os golpes de Estado foram praticados por pessoas que se diziam patriotas. Costumavam vestir as cores verde e amarela para encobrir a farda ditatorial e a ideologia antidemocrática. O discurso era o da “salvação nacional” e da moralização dos costumes políticos. No seio de uma nação onde a corrupção é endêmica, esse discurso impressiona a massa popular. A fase atual da política brasileira atesta que esse quadro não mudou. Os golpistas se fantasiam de verde e amarelo enquanto conspurcam as instituições democráticas.   

domingo, 28 de agosto de 2016

IMPEACHMENT XV

Defesa.

O direito de defesa é sagrado em toda nação democrática. A Constituição define o Brasil como república democrática de direito. Sujeito passivo da defesa não é apenas a pessoa física, mas também a pessoa jurídica, as instituições nacionais e o próprio Estado.
Ao advogado cabe defender, judicial ou extrajudicialmente, os interesses e direitos das pessoas, das instituições e do Estado. Nos termos da Constituição da República, o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão. Ao advogado público lotado nas respectivas defensorias e procuradorias cabe defender, judicial ou extrajudicialmente, como consultor e assessor jurídico, os interesses e direitos dos necessitados, da União Federal, dos Estados Federados, do Distrito Federal e dos Municípios.
À Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cabe defender a Constituição da República, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Ao Ministério Público (MP) cabe defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.
Ao Presidente da República, às Forças Armadas (Marinha + Exército + Aeronáutica) e ao sistema de segurança pública (polícia civil e militar, federal e estadual) cabe defender o Estado, as instituições democráticas, os poderes constitucionais, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, a lei e a ordem.
A defesa judicial ou extrajudicial exige coragem, intrepidez e combatividade do advogado, seja ele privado ou público, tenha esse nome ou o de promotor ou o de procurador. O profissional do direito que representa e defende interesses e direitos alheios públicos e privados deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito, ser independente na sua específica atividade, não ter receio de desagradar às autoridades e nem de incorrer em impopularidade.
No processo de impeachment ora em andamento no Senado Federal, a atuação do advogado contratado pela Presidente da República não se mostra à altura da gravidade do caso. Necessária e útil seria a atuação de advogado da têmpera de Evandro Lins e Silva, de Antonio Evaristo de Moraes, de Nilo Batista, entre outros mortos e vivos. José Eduardo Cardoso é vaselina, confunde ética com frouxidão, quer se mostrar muito republicano e educado confraternizando com os adversários da Presidente, conduta própria de politiqueiro. O advogado não precisa ser inimigo da parte contrária, mas também não deve com ela almoçar ou se deitar enquanto dura o litígio.
O comportamento de José Eduardo como diplomático parlamentar prejudica a postura que devia ter como advogado de defesa. A senadora-juíza Gleisi Hoffmann denunciou publicamente, durante a sessão plenária do tribunal parlamentar (Senado) a falta de autoridade moral de senadores-juízes. Cabia ao advogado desempenhar esse papel mediante a adequada e oportuna exceção de suspeição dos bandidos, corruptos, sem idoneidade moral para exercerem a função de magistrados, senadores carentes de bom caráter para julgar pessoa alguma, muito menos a Presidente da República.
Enquanto a advogada de acusação bate firme, mostra disposição para o combate, não se acovarda e nem se intimida diante de autoridades legais, intelectuais e morais, nem se preocupa em agradar, ser simpática e boazinha, o advogado de defesa se comporta de modo oposto. Senadoras-juízas como Gleisi Hoffmann, Kátia Abreu e outras, mostram coragem e firmeza nas suas atitudes e lógica nos seus argumentos, são aguerridas e nas sessões plenárias enfrentam os abutres e as hienas.
A advogada de acusação merece os honorários recebidos. O senador-juiz Aloysio Nunes faz por merecer os 300 mil recebidos. Afrontoso, velhaco e mentiroso, o senador-juiz procura com atitudes bizarras esconder a vergonha de ser golpista, de ter virado a casaca, de ter lutado pela democracia no passado, mas no presente empreender sórdida campanha contra a democracia e a favor do seu bolso. Foi esse senador-juiz que em nome seu e dos seus comparsas afirmou a intenção de sangrar a Presidente da República. Na sessão plenária do dia 27/08/2016, ele teve a petulância de qualificar de falso o depoimento da testemunha Nelson Barbosa, depoimento este prestado com apoio em documentos e dados idôneos. A acusação do senador-juiz, falsa e leviana, é produto da ousadia dos canalhas (royalties para Nelson Rodrigues).  
A suspeição dos senadores-juízes parciais, facciosos, bandidos notórios, corruptos, sem idoneidade moral para a função de juiz, se não for promovida pelo advogado de defesa, pode ser argüida pelo MP, pela OAB, e/ou por regular entidade de classe, tendo em vista a finalidade institucional e a supremacia do interesse nacional. Essa argüição, instruída com documentos e depoimentos prestados em inquéritos e ações judiciais, pode ser feita no bojo do processo de impeachment, no tribunal parlamentar (Senado) ou de forma autônoma perante o tribunal judiciário (STF). Ao defender a boa aplicação das normas processuais e materiais no caso concreto, essas instituições defendem concomitantemente a democracia que está à deriva no Brasil.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

IMPEACHMENT XIV

Suspeição.

Como processo de natureza jurídica, o impeachment está sujeito às normas da processualística em vigor no país, contidas na Constituição, nos códigos e leis esparsas que compõem o sistema jurídico brasileiro.

O processo de impeachment tem por fim apurar a responsabilidade penal da autoridade pública. No caso do Presidente da Republica, o processo tem seus trâmites perante o Senado Federal, que funciona como tribunal parlamentar. A função de tribunal de justiça do Senado, nesse tipo de processo, vem de Constituições anteriores. O legislador constituinte de 1988 manteve essa função. Atribuiu ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), juiz togado, a direção do processo e do julgamento do impeachment do Presidente da República.

Destarte, os senadores funcionam como juízes nesse tribunal de justiça. Após o encerramento da instrução processual, fase em que as provas são produzidas, a fase seguinte é a do julgamento que termina com os senadores-juízes absolvendo ou condenando o Presidente da República.

O exercício dessa alta jurisdição penal exige dos senadores-juízes idoneidade moral, sob pena de nulidade do julgamento. Em sessão plenária do dia 25/08/2016, a senadora-juíza Gleisi Hoffmann declarou verbal, clara e expressamente, faltar autoridade moral a senadores-juízes. Outras fontes emitem o mesmo conceito como, por exemplo: (1) Jornal do Brasil eletrônico, colunista Leonardo Boff; (2) blogues dos jornalistas Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif e outros; (3) entidades representativas dos trabalhadores; (4) manifestações de rua. 
 
A suspeição de alguns senadores-juízes decorre de fatos públicos e notórios. Citam-se com freqüência: Aécio Neves, José Serra, Romero Jucá, Aloysio Nunes, Agripino Maia, Antonio Anastasia, Ronaldo Caiado, Cássio Cunha Lima, Fernando Collor de Mello, entre outros, envolvidos nos escândalos apurados na Operação Lava Jato e em outras operações e investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive com ações penais em trâmites no STF e representações junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

Além da falta de idoneidade moral, esses (e outros) senadores-juízes têm interesse direto na condenação da Presidente da República. Com o afastamento definitivo da Presidente, pretendem se manter nos cargos que ora ocupam no Executivo e/ou permanecer ativamente no governo da nação sem que para tanto tenham sido eleitos. Os objetivos dos senadores-juízes incluem a venda do patrimônio estratégico do Estado brasileiro, principalmente o pré-sal, desmontar as relações internacionais estabelecidas pelo governo Rousseff e os programas sociais.

Os senadores-juízes acima citados manifestaram de modo inequívoco, por diversas vezes e em diferentes ocasiões, a intenção de afastar a Presidente sem que houvesse fato típico de crime de responsabilidade ou desonestidade da parte dela. Organizaram ou participaram de movimento político e social para esse fim. O ódio desses senadores em relação à Presidente da República revelou-se de modos diferentes, nas atitudes e palavras, como a de “sangrar” a Presidente. 

Portanto, tais senadores-juízes devem ser afastados da sessão de julgamento por evidente suspeição e por descumprimento dos deveres da magistratura que exercem temporariamente. Enquanto durar o processo, os senadores, na condição de juízes, estão sujeitos aos deveres impostos aos magistrados em geral. 

Nos termos do código de processo penal, o juiz (no caso, o senador) dar-se-á por suspeito e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: (1) se for inimigo capital de qualquer das partes (no caso, inimigo da acusada); (2) se estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia (no caso, o próprio relator responde a esse tipo de processo); (3) se tiver aconselhado qualquer das partes (no caso, os denunciantes foram orientados por alguns senadores-juízes ao oferecerem a peça acusatória).

O código de processo civil também considera suspeito o juiz (no caso, o senador): (1) inimigo de qualquer das partes (Aloysio Nunes e comparsas); (2) que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa (principalmente das petroleiras estrangeiras); (3) interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes (senadores-juízes em favor deles próprios e do patrocinador da acusação).

A lei orgânica da magistratura nacional inclui entre os deveres do magistrado (no caso, do senador-juiz), cumprir com independência, serenidade e exatidão as disposições legais, tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados e as testemunhas. Quem exerce a função de juiz deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, sendo-lhe vedado: (1) manifestar opinião sobre processo pendente do seu julgamento; (2) emitir juízo depreciativo sobre decisões de órgãos judiciais.   

Se os senadores-juízes acima mencionados, além de outros, não se declararem suspeitos, poderão ser afastados compulsoriamente do julgamento por determinação do presidente da sessão. Se o presidente não agir de ofício, os advogados de defesa poderão provocar a decisão mediante exceção de suspeição. Em consequência, o processo ficará suspenso até que a exceção seja julgada no tribunal parlamentar ou, em definitivo, no tribunal judiciário.

A nação brasileira ficará coberta de vergonha caso atuem como juízes senadores sem idoneidade moral, corruptos, que não escondem o seu imediato e direto interesse no afastamento da Presidente da República.

Portanto, como o julgamento interessa a toda a nação brasileira, instituições nacionais poderão intervir no processo, sustentando a suspeição de senadores-juízes. Entre as instituições está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que presta serviço público, nos termos do seu estatuto, e que tem por finalidade defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. A OAB tem legitimidade para intervir no processo a fim de assegurar o cumprimento da lei e um julgamento justo, dentro dos parâmetros éticos.    
 
Em nome do respeito que merece a nação brasileira diante das demais nações do mundo civilizado, em nome da dignidade da justiça, o presidente da sessão de julgamento, juiz togado, deve se recusar a dirigir um tribunal de juízes sem idoneidade moral, de juízes corruptos, de juízes diretamente interessados na condenação da ré e que até divulgaram essa intenção.

Em nome desse respeito e dessa dignidade, em nome do respeito ao Poder Judiciário do qual é Chefe, do respeito a si próprio e à sua biografia como jurista e cidadão, o presidente da sessão deve se retirar do julgamento até que sejam afastados os senadores-juízes desqualificados.  

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

IMPEACHMENT XIII



Depoimentos.

No momento, o processo de impeachment da Presidente da República no tribunal parlamentar (Senado Federal) está na fase de inquirição das testemunhas.

Os senadores têm perguntado a opinião dos depoentes. Isto não se compadece com a finalidade da prova oral. Cabe ao presidente da sessão de julgamento coibir esse desvio de finalidade.  As perguntas e as respostas devem ser objetivas e se limitar ao caso concreto, ou seja, aos fatos relativos à materialidade e à autoria do delito.

O papel dos inquiridores não é o de fazer discurso laudatório ou acusatório e sim o de fazer perguntas pertinentes aos fatos narrados na denúncia. Antes de a pessoa iniciar o seu depoimento, os inquiridores poderão contraditá-la, argüir circunstâncias ou defeitos que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de fé. Se, apesar da contradita, a pessoa for admitida a prestar declarações na condição de informante, não cabe mais insistir na argüição de suspeição, até porque o depoimento já será prestado com essa mácula. Os senadores farão seus discursos de condenação ou absolvição na fase processual adequada.

O papel dos informantes, testemunhas e peritos não é o de fazer apreciações pessoais ou emitir parecer judicial sobre o caso, nem formular juízos de condenação ou absolvição, tampouco avaliar a honestidade ou a desonestidade da acusada. A função legal dos depoentes é a de prestar declarações e esclarecimentos sobre os fatos dos quais têm conhecimento direto e próprio e que tenham relação com a matéria do litígio.

Quando o depoimento é de um perito sobre o trabalho realizado para instruir o processo, a sua opinião deve se limitar aos elementos da perícia, como esses elementos foram obtidos e o que significam tecnicamente.

Compete ao presidente da sessão de julgamento estabelecer os limites da controvérsia a fim de que os senadores disponham das balizas necessárias às suas perguntas e os trabalhos se desenvolvam em ordem e com desejável eficácia.          

O julgamento sobre a conduta da acusada se foi regular ou não, se foi honesta ou não, se foi lícita ou não, se foi dolosa ou não, compete aos juízes, no caso, aos senadores e não aos informantes, testemunhas e peritos.

Os senadores devem fundamentar o seu julgamento no que foi apurado na instrução processual, em consonância com a prova, com a lei e com a Constituição.   

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

IMPEACHMENT XII

Quesitos.

O Jornal do Brasil eletrônico (18/08/2016) noticiou encontro do Presidente do Senado Federal com o Presidente do Supremo Tribunal Federal. A finalidade do encontro foi a de estabelecer o rito do julgamento do impeachment. Do que se depreende da noticia, foi adotado o rito do tribunal do júri: encerrada a instrução processual, apresentadas as alegações finais da acusação e da defesa, os senadores farão o debate entre si e depois responderão aos quesitos formulados pelo presidente da sessão de julgamento.
Acontece que, de acordo com a notícia, não haverá quesitos e sim um único e complexo quesito já elaborado pelos dois presidentes e transcrito no jornal.
Se a notícia e a transcrição estiverem corretas, constatar-se-á o divórcio do quesito em relação à lógica e ao direito, especialmente no que tange às regras contidas no artigo 484, do Código de Processo Penal, cuja aplicação subsidiária vem autorizada pelo artigo 38 da Lei 1.079/1950.
Realmente, o quesito publicado no jornal, cuja elaboração é atribuída aos dois presidentes, parte da premissa oculta e presumida de que o caráter criminoso dos fatos está definido e o respectivo entendimento é indiscutível e pacífico. Essa formulação torna o quesito falacioso. O que está em jogo é justamente a questão de saber se os fatos descritos na denúncia revestem ou não revestem caráter criminoso. Esta é a questão central a ser examinada e julgada pelos senadores.
O quesito único e complexo, tal como publicado, incide na falácia denominada “petição de princípio”: supõe conhecido o que ainda depende de cognição; considera incontroverso o que ainda é controvertido; toma por aceito o que ainda precisa ser debatido pelos senadores.
Do ponto de vista lógico e jurídico, a questão de mérito no caso concreto exige uma sequência de, pelo menos, cinco quesitos: os dois primeiros versando a materialidade do crime; o terceiro, a autoria do crime; o quarto, a culpabilidade; e o quinto, a pena. A redação pode ser aproximadamente a seguinte:

1) A tomada de empréstimos junto à instituição financeira controlada pela União, nas condições provadas no processo, tipifica crime de responsabilidade?
2) A abertura de créditos sem autorização do Congresso Nacional, nas condições provadas no processo, tipifica crime de responsabilidade?
Se a resposta às perguntas for negativa, o presidente da sessão de julgamento promulga o resultado, o processo será extinto e arquivado. Se a resposta for positiva, ainda que seja a uma só das perguntas, o questionamento prosseguirá.

3) Considerando o que foi apurado na instrução processual, a ré praticou as ações referidas nos quesitos anteriores?
Se a resposta for negativa, a ré será absolvida, o presidente promulga o resultado, o processo será extinto e arquivado. Se a resposta for positiva, o questionamento prosseguirá.

4) A conduta da ré foi dolosa?
Se a resposta for negativa, a ré será absolvida, o presidente promulga o resultado, o processo será extinto e arquivado. Se a resposta for positiva, o questionamento prosseguirá.

5) A pena cominada ao crime de responsabilidade (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública) deve ser aplicada à ré?
Se a resposta for negativa, a ré voltará à função (decisão política). Se a resposta for positiva, a ré perderá o cargo. Ambas as hipóteses implicam a extinção do processo com resolução do mérito. O presidente promulga o resultado e arquiva o processo.

A falta desta mínima sequência de quesitos no caso concreto contraria regra da lógica e implica violação da lei e das garantias constitucionais da acusada.
Considerando a supremacia do princípio constitucional do devido processo jurídico na sua dupla dimensão formal e material, vícios formais e/ou materiais no processo de impeachment poderão ser sanados tanto pelo tribunal parlamentar como pelo tribunal judiciário.

domingo, 21 de agosto de 2016

FUTEBOL

Comentário final.
As olimpíadas e as copas de futebol são eventos internacionais. As olimpíadas congregam atletas de todos os continentes para, individualmente e em equipe, disputarem diversas modalidades esportivas, enquanto que nas copas, uma só modalidade é praticada: futebol. Tanto nas olimpíadas como nas copas é dominante o interesse econômico dos organizadores, dos patrocinadores e das emissoras de TV. A partir das duas últimas décadas do século XX, cresceu a exploração econômica do futebol. Atualmente, até o posto de capitão da equipe pode ser objeto de compra, venda ou aluguel. 
Entre as seleções olímpicas de futebol e as seleções seniores há diferenças e semelhanças. Os jogadores olímpicos têm limite de idade e são mais novos do que os seniores. Todavia, olímpicos e seniores são jogadores profissionais. As seleções olímpicas disputam jogos nos quais deve prevalecer o espírito olímpico. Importante é competir, confraternizar, respeitar os concorrentes, cumprimentar o vitorioso. Vencer é secundário, embora gratificante. Com ou sem medalha, o importante é ter participado desse marcante evento internacional que, por algumas semanas, torna realidade o sentimento fraterno entre as nações.
Às vezes, irmãos se desentendem; nem todos se comportam segundo as regras do jogo, as convenções sociais, os preceitos religiosos, morais e legais. As falhas técnicas nos jogos de futebol da Olimpíada/2016 já eram esperadas. Erros nos passes e nas finalizações eram frequentes. Raros jogadores e jogadoras se apresentaram com habilidade acima da média. Ocasionalmente, alguém se destacava por excepcional jogada. Faltas realmente existentes não foram assinaladas pelos árbitros. As reclamações dos jogadores contra a arbitragem geralmente careciam de fundamento. Por seu turno, os árbitros não se destacaram pelo primor.
As jogadoras e os jogadores brasileiros são esforçados e de bom nível técnico. A habilidade individual ainda faz a diferença, principalmente diante das seleções europeias. As seleções olímpicas brasileiras, feminina e masculina, mostraram equilíbrio entre o individual e o coletivo. Avaliar previamente a capacidade do jogador ou da equipe de superar seus limites e suas fraquezas assemelha-se à adivinhação. O diagnóstico elaborado pelo treinador, professor de educação física, médico, psicólogo ou fisioterapeuta, está sempre sujeito a alteração por fatores aleatórios (estado psíquico, abalo nervoso, mudanças climáticas). Na dinâmica do jogo, a avaliação pode ser feita com mais segurança. Nesta olimpíada, no que tange ao futebol, não foi possível notar claramente casos de superação de limites, quer em nível individual, quer em nível de equipe. Em alguns casos, notou-se retrocesso; em outros, progresso dentro do potencial de cada jogador ou de cada equipe.  
Cantar o hino furiosamente pode ser sintoma de insegurança oculta sob a aparência de raiva e determinação. Há nessa atitude certa infantilidade. Essa atitude também pode ser efeito da pressão a que está submetido o jogador ou jogadora. No que tange a um possível resultado positivo para a equipe, esse modo de cantar, verdadeira explosão neurológica, não se mostra eficiente. Basta lembrar de David Luis na Copa/2014 e de Marta na Olimpíada/2016.
Deveres esportivos não se confundem necessariamente com obrigações contratuais. “Chamar a si a responsabilidade” e “carregar a equipe nas costas” afigura-se duvidoso heroísmo tendo em vista os componentes de superioridade implicados nessa atitude em relação aos companheiros (vaidade, arrogância). Tal conduta difere da real liderança. Todos os jogadores devem atuar em estreita colaboração e solidariedade. Comissão técnica e jogadores, todos são responsáveis pela vitória, pelo empate ou pela derrota. Quando houver falhas, melhor investigar e remover as causas ao invés de apontar o dedo acusador. Cada jogador, ou jogadora, tem o ético dever de lealdade; de empregar nos jogos o seu conhecimento, a sua experiência, a sua técnica e o seu vigor; de se dedicar ao máximo para obter bons resultados. Natural que eventualmente alguém se destaque no jogo. Todavia, isto deve ocorrer sem que os demais companheiros sejam desvalorizados ou humilhados. Todos os jogadores da equipe devem sentir-se prestigiados. Rivalidades podem surgir. Cabe à comissão técnica mediar e amenizar a situação.
As seleções olímpicas brasileiras de futebol feminino e masculino colocaram-se entre as melhores do planeta. Não há motivo, pois, para desânimo e lamento. Bem ao contrário: há motivo para aumentar a estima de si próprio, o seu valor como atleta e como pessoa, e a satisfação de ter vestido e honrado a camisa da seleção brasileira. Irrigar o torneio com espírito olímpico é necessário e louvável. A febre do ouro não deve suplantar o prazer e a alegria de competir, de exibir talento e habilidade, independente do resultado.
Força, velocidade, resistência, superação, destreza, plasticidade, criatividade, estratégia, são elementos da competição olímpica. Desprendimento, poesia e oração, ajudam a elevar o nível ético e espiritual dos jogos.    

sábado, 20 de agosto de 2016

FUTEBOL

Masculino.
Nas partidas quartas-de-final do futebol olímpico (13/08/2016) a seleção alemã venceu a portuguesa (4 x 0); a seleção nigeriana venceu a dinamarquesa (2 x 0); a seleção hondurenha venceu a coreana (1 x 0); a seleção brasileira venceu a colombiana (2 x 0). Os alemães mostraram vigor, determinação e desempenho superior ao das partidas anteriores. Os portugueses exibiram bom futebol, porém insuficiente para vencer a forte equipe adversária. Os nigerianos têm um estilo semelhante ao futebol americano. Habilidosos com os pés e flexíveis no que tange à disciplina tática, eles superaram os dinamarqueses mais disciplinados, porém menos habilidosos individualmente. Os hondurenhos jogaram bem sob os dois aspectos: individual e coletivo. Eles haviam eliminado a seleção argentina e agora enfrentavam a seleção coreana. A tradicional obediência asiática às regras e ao comando do treinador, a velocidade, o bom preparo físico e a tenacidade dos jogadores coreanos não foram suficientes para romper a defesa adversária. Ao se aproximar o final da partida e diante do catimbau hondurenho, alguns coreanos ficaram nervosos, esqueceram o espírito olímpico e partiram para a agressão física.
A seleção brasileira, apesar dos seus bons jogadores, empatou sem gols com as seleções da África do Sul e do Iraque, mas venceu com folga a seleção da Dinamarca. Nas quartas-de-final, enfrentou a seleção colombiana. Os colombianos colocaram as barbas de molho ante a goleada imposta pela seleção brasileira à dinamarquesa. Esse fato pesou em favor dos brasileiros no paralelogramo de forças desenhado pelas duas equipes. Partida tensa, com violência de ambos os lados. O capitão da seleção brasileira finalmente acertou uma cobrança de falta e marcou o primeiro gol da partida. Isto aliviou a pressão interna da equipe. Depois, o capitão retornou ao seu medíocre desempenho e à sua enfezada molecagem. Agrediu um jogador colombiano. O árbitro contemporizou e não expulsou o capitão do time brasileiro. No segundo tempo, o jogador Luan chutou de fora da área, marcou bonito gol e sacramentou a vitória.
Na partida semifinal (17/08/2016), a seleção brasileira, que vinha aumentando sua eficiência, venceu a hondurenha (6 x 0). O capitão da equipe brasileira marcou o primeiro gol ao se chocar acidentalmente com o goleiro (aos 14´´) e o último gol da partida ao cobrar pênalti no minuto final. O segundo e o terceiro gols foram marcados por Gabriel Jesus, que se aproveitou do vacilo da defesa hondurenha. O quarto e o quinto gols, marcados no segundo tempo da partida por Marquinhos e Luan, dentro da pequena área hondurenha, resultaram de boa trama do ataque brasileiro. A partida se desenrolou na pior hora do dia. 
Na outra partida semifinal, em fresco fim de tarde, a seleção alemã venceu a nigeriana com um gol no primeiro tempo e outro no segundo (2 x 0). No primeiro tempo, os nigerianos perderam excelente oportunidade de empatar a partida quando o goleiro alemão furou ao tentar chutar a bola. Da cautela com que atuaram as duas equipes resultou um jogo morno sem que os jogadores exibissem as suas melhores qualidades técnicas. Os jogadores das duas seleções mostraram bom preparo físico e não apresentavam sinais de exaustão.
Nas partidas finais (20/08/2016), a seleção nigeriana disputou o bronze com a seleção hondurenha (África x América) e a seleção brasileira disputou o ouro com a seleção alemã (América x Europa).
Na pior hora do dia para jogar futebol, a seleção nigeriana venceu a hondurenha (3 x 2). As duas seleções estavam empenhadas em conquistar a medalha de bronze e atuaram de modo solto, franco e aberto, sem preocupação tática, defendendo e atacando o tempo todo. No primeiro tempo, houve um gol apenas, que resultou do oportunismo do atacante nigeriano Sadiq ao receber a bola de um cruzamento para a pequena área hondurenha. Foi esse mesmo jogador que na partida com a seleção alemã, ainda no primeiro tempo, perdeu um gol que poderia ter mudado a história desta olimpíada no que tange ao futebol masculino. Já contra a seleção hondurenha, logo no início do segundo tempo, ele recebeu a bola próximo da grande área, driblou o zagueiro e marcou outro gol. Na seqüência, os nigerianos marcaram mais um gol e os hondurenhos dois, sem tempo para empatar o jogo. Tanto o árbitro como os jogadores demonstravam sentir os efeitos do calor. Sol forte e horário ruim. Pequeno público no estádio mineiro. Os nigerianos que, no futebol, haviam conquistado medalhas de ouro e de prata em olimpíadas passadas, agora se mostravam alegres e felizes com a medalha de bronze.      
Em horário ameno, houve o confronto das seleções brasileira e alemã. Maracanã recebeu grande e alegre público, a maioria de brasileiros. As duas equipes vinham de jornada ascensional e mantiveram o bom nível técnico. A brasileira atacou mais no primeiro tempo e, ao cobrar falta, o capitão da equipe marcou belo gol. A seleção alemã primou pela defesa, porém seus ataques foram perigosos com duas bolas na trave e uma grande defesa do goleiro brasileiro. O primeiro tempo terminou com a vantagem da seleção brasileira pelo escore mínimo (1 x 0). No segundo tempo, a partida continuou no mesmo diapasão. Em um dos seus poucos ataques a seleção alemã marcou bonito gol. Os alemães mantiveram a calma e o toque de bola. Os brasileiros um pouco mais nervosos, porém controlados. O segundo tempo encerrou-se com empate (1 x 1). Houve prorrogação sem gols. Jogadores cansados, alguns com câimbra, perderam o vigor. Assim mesmo, as zagas foram pressionadas, mais a alemã do que a brasileira. O capitão da seleção brasileira parecia estar com câimbra ou contundido. Após milagroso atendimento, deu um pique de mais de 50 metros em direção à meta adversária sem mancar ou exibir dor. Encerrada a prorrogação, ele voltou a mancar. Desse modo, antecipava desculpa por eventual erro na cobrança do pênalti e derrota. Ao cobrar o pênalti não mancava e nem demonstrava qualquer lesão ou dificuldade em correr e chutar.  Além de ser bom jogador, o capitão mostrou que também é bom ator. Na decisão por pênaltis, os jogadores alemães converteram quatro e o goleiro brasileiro defendeu a quinta cobrança. Os jogadores brasileiros acertaram os cinco pênaltis. A seleção brasileira saiu vitoriosa e conquistou a medalha de ouro.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

FUTEBOL

Feminino.
Na Olimpíada/2016 foi possível notar que o jogo é mais limpo no futebol feminino do que no masculino; menos faltoso, sem muita malícia, reclamações poucas e quase nenhuma acintosa; mais comunicação verbal entre as jogadoras e orientações recíprocas durante as partidas. As jogadoras são aguerridas, despretensiosas e mostram familiaridade com os fundamentos do esporte. Muitas vezes, a fraca impulsão da bola nos passes de curta distância permite a interceptação pela adversária. Raros chutes fortes nas finalizações. 
Apesar de atuar bem e do seu favoritismo, a seleção estadunidense tetracampeã olímpica foi desclassificada nas quartas-de-final. Empatou pelo placar mínimo com a seleção sueca e perdeu na decisão por pênaltis. A seleção brasileira classificou-se para as semifinais ao empatar com a boa seleção australiana e obter a vitória na decisão por pênaltis (12/08/2016). Na quinta cobrança, o chute da jogadora Marta saiu fraco e a goleira defendeu. Marta ficou desolada. Bárbara defendeu o chute da australiana e equilibrou o placar. Renovaram-se as cobranças. Bárbara tornou a defender e deu a vitória à seleção brasileira. Australianas e brasileiras merecem aplauso pelo denodado esforço que demonstraram durante a partida.
Na semifinal entre a seleção brasileira e a sueca também houve empate sem gols (16/08/2016). Na disputa por pênaltis, a seleção brasileira perdeu. O chute de Marta saiu fraco, a goleira tocou na bola, mas não evitou o gol. As bolas chutadas por Cristiane e Andressinha foram defendidas. As suecas perderam apenas o chute que propiciou defesa primorosa de Bárbara.
Craques brasileiros e estrangeiros também já perderam pênaltis (Zico, Romário, Baggio, Messi, C. Ronaldo). Confiança excessiva, peso da fama e receio de frustrar a torcida, pressão interna e externa, cansaço físico e mental, esgotamento nervoso, corridinha miúda, parada com chute colocado para exibir categoria, são fatores que concorrem para o insucesso na cobrança de pênaltis feita por craques.
A seleção sueca serviu-se da mesma tática que utilizou contra a seleção estadunidense: inteligência, paciência e persistência; fechar-se na defesa e apostar no êxito de um ataque esporádico contra a equipe adversária; tudo para assegurar um resultado favorável. No jogo com a seleção brasileira, a sueca não conseguiu marcar, mas também não sofreu gol e garantiu a decisão por pênaltis. As jogadoras brasileiras ocuparam o campo adversário e pressionaram as suecas pelo tempo que durou o jogo. A defesa brasileira teve pouco trabalho. O sistema defensivo sueco suportou com galhardia a intensidade do ataque brasileiro. Apesar da dedicação e do inaudito esforço das jogadoras brasileiras, o bloqueio sueco mostrou-se eficiente e assegurou o empate.
Na outra semifinal, a seleção alemã venceu a seleção canadense no tempo normal (2 x 0). As alemãs souberam equilibrar o sistema ofensivo com o defensivo. Fizeram um gol de bola parada no primeiro tempo (pênalti) e um gol no segundo tempo depois de passes bem concatenados no campo canadense, do centro para a direita e da direita para a esquerda e um chute de fora da área. As canadenses reagiram com firmeza até o minuto final da partida, mas não conseguiram mudar o escore.   
Nas partidas finais (19/08/2016), América e Europa dividiram as medalhas: a de bronze coube ao Canadá, a de prata à Suécia e a de ouro à Alemanha.
A seleção canadense venceu a brasileira (2 x 1). Desde a execução do hino, as brasileiras estampavam certo desânimo nos rostos. Elas gostariam de disputar e ganhar a medalha de ouro e não escondiam o seu inconformismo. Esse desânimo se refletiu no primeiro tempo da partida que terminou com a seleção canadense vencendo (1 x 0). Logo no início do segundo tempo, a canadense marcou outro gol. Do ponto de vista individual, as jogadoras brasileiras mostraram-se mais habilidosas do que as canadenses. Quando a seleção brasileira marcou o seu gol restavam cerca de 10 minutos para o final da partida. Apesar de individualmente menos habilidosas do que as brasileiras, as jogadoras canadenses tinham melhor disciplina tática, mais objetividade e disposição para disputar a medalha de bronze. Concentravam-se mais na defesa, marcavam bem as brasileiras, atacavam pouco, mas com eficiência e determinação. Mereceram a vitória. Manifestaram grande alegria e felicidade por conquistar a medalha de bronze e um lugar no pódio. O desânimo e a tristeza das brasileiras não se justificam do ponto de vista esportivo e olímpico. A torcida foi mais compreensiva, reconheceu o valor das jogadoras brasileiras e aplaudiu a seleção. Afinal, nesta olimpíada, a seleção brasileira classificou-se entre as quatro melhores seleções de futebol feminino do planeta, o que não é pouco!    
A seleção alemã venceu a sueca (2 x 1). Jogo bem disputado, à altura de uma final olímpica. O mais notável estava fora das quatro linhas: o embate entre duas estrategistas: a treinadora alemã e a sueca. A seleção alemã mais ofensiva, segundo a máxima da arte marcial: o ataque é a melhor defesa. A seleção sueca mais defensiva, apostando no contra-ataque. Empataram sem gols no primeiro tempo da partida. A seleção alemã ofereceu mais perigo ao gol sueco do que a seleção sueca ao gol alemão. Depois de jogada bem tramada, a alemã fez um belo gol com um chute de fora da área. O segundo gol começou de fora da grande área. Numa cobrança de falta, a bola bateu na trave, voltou para o centro da pequena área e a zagueira sueca, por uma infelicidade, a tocou para dentro do seu próprio gol. Depois, num bem coordenado ataque, as suecas marcaram o seu gol de honra. Elas podiam ter melhor sorte se exibissem maior habilidade individual e atacassem mais durante todo o tempo da partida. A seleção alemã não era uma adversária superior. As duas seleções pareciam ter chegado à sua máxima capacidade técnica, pois se apresentaram melhor do que nas partidas anteriores. A seleção sueca não desanimou com a goleada sofrida diante da seleção brasileira na fase de grupos. A lição foi assimilada pela treinadora e pelas jogadoras. As suecas não entraram em depressão e nem perderam a esperança. Continuaram firmes no torneio, com dignidade, melhorando o desempenho progressivamente até a partida final. Mereceram a medalha de prata e mereciam também a medalha de ouro.  

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

CARTA A BARROSO

Post scriptum.
Caro Luis Roberto. 
Lembrei de complementar informação contida na carta a você dirigida e aqui publicada em 12/08/2016. Aproveito o ensejo para comentar opinião de uma senadora golpista lá dos pampas. O nome dela é Amélia, mas nada tem em comum com a Amélia do Ataulfo Alves.
Na mencionada carta, citei as propostas que apresentei à assembleia nacional constituinte em 1987 e que defendi no congresso da magistratura em Recife e na convenção do instituto de direito constitucional em Porto Alegre. Pois bem. Esclareço que todas as propostas foram acompanhadas das correspondentes justificativas. A proposta que tinha por objeto a democratização interna do Poder Judiciário enfatizava a justiça estadual porque o presidente, além de dirigir o tribunal, é também Chefe do Poder Judiciário Estadual e, por isto mesmo, devia ser eleito por todos os juízes estaduais, tendo em vista que eles exercem aquele poder e integram a respectiva estrutura. A ênfase na justiça estadual não afastava a aplicação da norma eleitoral à justiça federal comum. 
Em sessão do Senado, na fase de "pronúncia" do processo de impeachment, a mencionada senadora gaúcha serviu-se de um sofisma utilizado pelos golpistas. Sofisma é artifício lógico utilizado por quem foge da verdade. Na opinião dela, o que está previsto na Constituição não configura golpe (premissa maior oculta); “o impeachment está previsto na Constituição” (premissa menor declarada); logo, “o impeachment não é golpe” (conclusão explícita). No seu sofístico raciocínio, a senadora esqueceu-se de considerar o caráter instrumental do processo.
O gaúcho pode usar as esporas para fechar pastel, dançar fandango ou cavalgar. O gaúcho pode usar o facão para bater de chapa, cortar mato ou porfiar. O gaúcho pode usar a faca para fazer a ponta do espeto, cortar a carne do churrasco ou cravá-la no peito do desafeto. O covarde e traidor crava a faca nas costas de quem lhe mete medo, ou de quem lhe é superior na força e/ou no caráter.
O processo de impeachment pode ser utilizado com boas ou más intenções, urdido na superfície ou no subsolo, às claras ou na obscuridade, amparado na moral e no direito ou desamparado. O processo contra Collor exemplifica o bom uso político, ético e jurídico; o processo contra Rousseff exemplifica o mau uso. O questionamento não se limita ao aspecto formal do impeachment. Há que ingressar no aspecto material: indagar se os fatos descritos na denúncia tipificam ou não tipificam crime de responsabilidade; se há prova da autoria, da materialidade e da conduta dolosa, e assim por diante. Caso haja desvirtuamento, como acontece com o processo ora em andamento no Senado, caracterizado estará o golpe de estado.    
Por outro lado, essa fase de “pronúncia” introduzida no processo de impeachment por imitação do processo próprio do crime de homicídio é completamente desnecessária; pior do que isto, verdadeira palhaçada, servindo apenas para manter os senadores sob os holofotes por maior tempo. A denúncia passou pelo crivo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Ambas as casas, ainda que motivadas politicamente e sem amparo no direito, emitiram juízo de admissibilidade após larga instrução processual onde o direito de defesa foi exercido amplamente sem embaraço da produção de prova oral, documental e pericial. Não há sentido repetir tudo numa segunda fase intitulada “pronúncia”, equivalente a novo juízo de admissibilidade, seguida de uma terceira fase intitulada “julgamento” quando tudo será repetido pela terceira vez: razões da acusação, razões da defesa, produção de prova oral, documental e pericial, alegações finais dos acusadores e dos defensores, debate entre os julgadores (senadores), votação e proclamação do resultado.  
Acrescente-se a tais excessos e à qualificada palhaçada, o fato notório de que a Presidente da República já foi julgada antes da instauração do processo e independentemente dos seus trâmites, pela maioria dos senadores, alguns a favor e outros contra o impedimento, por motivos políticos partidários. Escancarada batalha entre facções nas quais não faltam corruptos. Nessa batalha, justiça não entra em campo. O interesse nacional e o direito em vigor ocupam plano secundário. Restaram poucos senadores indecisos que poderão obstar a consumação do golpe e assim evitar: (1) o constitucional recurso da Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal; (2) a entrega às empresas estrangeiras do que restou do patrimônio estratégico nacional: (3) a vergonhosa imagem do Brasil como republiqueta de corpo grande e alma pequena; (4) o vergonhoso conceito do Brasil como país que não é sério.
Após assumir o governo, os salteadores das riquezas nacionais passaram a agir rapidamente. Sem esperar a definição do impeachment, começaram a venda do pré-sal e a implantar o criticado modelo neoliberal em prejuízo da economia brasileira e dos benefícios sociais.  Larápios à solta.
Este P.S. ficou longo. Vou encerrá-lo. Aceite o meu fraternal abraço.
ASLima.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

CARTA

Prezado Luis Roberto.
Espero que esta missiva o encontre com saúde e bem disposto. 
Na rede de computadores, eu vi comentário em tom pejorativo classificando você de esquerdista. Nas sessões plenárias do Supremo Tribunal Federal (STF) não há ninguém à sua direita; à sua esquerda postam-se Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Esquisito esse esquerdismo de direita. Considerada a posição central do presidente da sessão, você e seus colegas retro mencionados ficam na bancada da direita. Isto lembra a divisão do espectro político em direita e esquerda que entrou para o vocabulário comum a partir do posicionamento dos deputados na assembleia nacional francesa: os socialistas ficavam à esquerda e os conservadores à direita. No Brasil, o paradoxal esquerdismo de direita foi inaugurado no governo de Fernando Henrique Cardoso: social democracia de direita (e corrupta). 
Em palestra gravada e publicada na citada rede, você se declarou o mais antigo constitucionalista brasileiro depois do cearense Paulo Bonavides. No entanto, há vetustos professores e doutrinadores aí mesmo no tribunal e em universidades brasileiras, alguns aposentados, mas intelectualmente ativos, tais como: Dalmo de Abeu Dallari, José Afonso da Silva, Fernando Whitaker da Cunha, Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Quando o seu decanado chegar, você provavelmente estará na faixa dos sexagenários. Desde cedo, você mostrou interesse pelo direito constitucional. Lembro que em 1987, antes dos seus 30 anos de idade, na convenção de Porto Alegre/RS realizada pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, você defendia propostas para a futura Constituição (1988). Na época, eu era juiz de direito na capital do Estado do Rio de Janeiro e participava daquela convenção em terra gaúcha por conta própria para defender 16 propostas de minha autoria, as mesmas que eu havia apresentado e defendido em Recife/PE, no X Congresso Nacional da Magistratura, das quais apenas a metade foi incorporada à Constituição. Das propostas restantes, uma recuperou o fôlego depois de quase trinta anos: Presidente de Tribunal de Justiça eleito pelos juízes estaduais vitalícios. Judiciário estadual democrático.  
Recentemente, você declarou à imprensa que não pediu para ser ministro, que torcia pelo bem da senhora Dilma Rousseff, mas não se sentia devedor. Penso que a gratidão é possível sem o vínculo obrigacional e que há mais virtude em ser juiz do que em ser ministro. Até o momento, ao meu sentir, a sua independência como juiz é inquestionável, assim como o seu preparo moral e jurídico. A Presidente da República acertou ao nomeá-lo. Ainda que não tenha pedido, o fato é que você aceitou o cargo. Acredito que algum esforço, direto ou indireto, você despendeu para ser nomeado, pois como sincera e francamente admitiram os ministros Fux e Fachin, a peleja é renhida e os candidatos promovem suas campanhas de diversos modos. Talvez, a sua discrição no episódio se deva à louvável cautela quanto a uma futura ação judicial proposta pela Presidente da República perante o STF em cujo processo você terá de atuar. Realmente, se na sentença definitiva o Senado declarar o impeachment, a Presidente poderá recorrer ao STF em defesa do seu mandato, denunciando os vícios formais e materiais daquele processo (CR 5º, XXXV).
Ao senso comum parece que: (1) a gratidão gera dívida e dívida gera obrigação de pagar; (2) isto faz do nomeado um juiz parcial; (3) ao apreciar causa do interesse da autoridade que o nomeou, o juiz a favorece. Ciente disto, o juiz aciona um mecanismo psicológico de defesa das suas virtudes e acaba por cometer injustiça: julga improcedente pretensão moral e juridicamente legítima.
Pelo que assisti nas sessões plenárias através da TV, o seu desempenho no cargo, desde a posse até a presente data, mostra que você julga de acordo com a sua consciência, com base na Constituição, na lei, na jurisprudência e na doutrina, sem se contagiar com a opinião publicada nos meios de comunicação social e sem se dobrar a pressões internas e externas, tudo de forma bem educada e cavalheiresca. Outrora, eu assistia às sessões do tribunal com mais frequência. Cansei daquele blá-blá-blá dos ministros e das transgressões ao regimento interno, principalmente no que tange à falta de pontualidade no início das sessões, aos apartes inoportunos e sem prévio consentimento, às conversas paralelas e simultâneas, à falta de decoro. Parece mais uma academia do que um tribunal. Poupo-me do desconforto de ver o modo enjambrado de alguns ministros vestirem as capas, desleixo indicativo da falta de apreço pela nobreza da toga. Quando Gilmar é relator, eu desligo o som, retiro-me da sala e só volto quando começa a votação. Além de prestar tutela jurisdicional sob a bandeira de partido político, esse ministro é um porre. Após ouvir o voto do Fachin, o seu e o do Teori, eu desligo o aparelho de TV.
No enlevo golpista, Michel Temer, advogado, professor de direito constitucional, supervisor honorário do Porto de Santos, propinatário de empreiteiras, ficha eleitoral suja, Vice-Presidente no interino exercício da Presidência da República, qualificou de político o processo de impeachment. Sub-repticiamente, Michel advoga em causa própria. Nesse tipo de processo a vontade política incide apenas sobre a parte executiva do dispositivo da sentença (se convém ou não convém aplicar a pena). A manifestação do esperto Vice-Presidente é tendenciosa, tem por objetivo ocultar a natureza jurídica do processo e apoiar o tratamento político da questão pelo Senado no intuito de defenestrar a legítima titular do cargo. Decisão política inapelável é somente aquela tomada no devido processo pelo Legislativo (municipal, estadual ou federal) sobre as contas do Executivo. Até as decisões políticas tomadas no processo legislativo estão sujeitas à apreciação judicial quando as normas decorrentes contrariam princípios e regras constitucionais.    
A afirmativa de Michel encontra óbice intransponível no fato de o processo de impeachment ter por finalidade a apuração de crime para o qual é cominada pena de perda do cargo e inabilitação para exercício de função pública. Esse tipo de pena, por ser diferente da privativa de liberdade e da pecuniária, não retira a índole criminal do processo. O bem que a Constituição e a Lei protegem no impeachment é de natureza política e administrativa, porém o processo que o protege é de natureza jurídica. As condutas prejudiciais a esse bem são tipificadas como crime de responsabilidade. No propósito de justificar uma artificiosa e exclusiva natureza política do impeachment e o subtrair da apreciação judicial, afirma-se: (1) que não é crime o que a norma jurídica diz que é crime de responsabilidade; (2) que se trata de ilícito administrativo indevidamente qualificado de crime pelo legislador. Tal argumentação escapa ao bom senso, à boa-fé e à sanidade mental. A Constituição e a Lei definem como crime de responsabilidade as condutas que mencionam. Em se tratando de crime e de aplicação da pena a ele cominada, jurídico é o processo que apura a responsabilidade do acusado de praticá-lo. Assim é no vigor do Estado Democrático de Direito.
O princípio do devido processo jurídico vigora plenamente na dupla dimensão formal e substancial no âmbito dos três poderes da república democrática. Se a questão de fato envolve crime de conteúdo político, administrativo, civil ou militar, tratar-se-á de ação ou omissão criminosa cujo processo e julgamento são disciplinados pelo direito, quer o órgão processante e julgador pertença à estrutura do Poder Legislativo, quer pertença à estrutura do Poder Judiciário. Em qualquer desses órgãos, inarredável a necessidade da decisão revestir-se de juridicidade. O interesse nacional pela preservação da ordem jurídica e democrática está acima das disputas políticas partidárias.
No processo de impeachment, a decisão do tribunal parlamentar versa sobre crime; logo, passível de revisão pelo tribunal judiciário. A última palavra sobre a tipificação da conduta como criminosa cabe ao tribunal judiciário (no caso, ao STF, Guardião da Constituição). Somente é política a parte da decisão do tribunal parlamentar que, ao declarar procedente a denúncia, deixa de aplicar a pena. A decisão desse tribunal que julgar procedente a denúncia e aplicar a pena terá de estar amparada no direito, jamais na caprichosa vontade política dos senadores. A sentença condenatória está sujeita à revisão pelo STF. Condenação sem que estejam provadas a materialidade e a autoria do crime, ou a conduta dolosa do agente, ou que esteja fundada em artifícios e ginástica cerebrina, não tem amparo na moral e no direito, mormente quando parcela dos julgadores é corrupta. O princípio da moralidade foi incorporado ao sistema constitucional brasileiro.
Com os votos de que você prossiga com o mesmo denodo na magistratura e receba o merecido reconhecimento da nação brasileira, subscrevo-me atenciosamente.
Antonio Sebastião de Lima.  

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

IRRESIGNAÇÃO

Sentindo-se ameaçado em seus direitos, desamparado pelas instituições judiciárias e vendo a democracia brasileira ser golpeada por quarenta ladrões, o cidadão Luiz Inácio da Silva, ex-presidente da república (2003/2010), recorreu ao foro internacional acusando de parcialidade e abuso de autoridade o juiz e os procuradores que atuam na denominada Operação Lava-Jato.
Tal iniciativa foi repudiada pelas associações dos magistrados estaduais e federais (AMB + AJUFE), que são pessoas jurídicas de direito privado cuja finalidade é defender a magistratura como classe social, sem legitimidade para falar em nome do Poder Judiciário. Defender associado que pratica atos ilícitos é característica do corporativismo abjeto. As notas divulgadas indicam postura política desfavorável ao investigado. Isto reforça o acerto da iniciativa do investigado em buscar amparo no foro internacional.
Há juízes que discordam: (1) da abusiva, demagógica e espetaculosa atuação do juiz curitibano; (2) do apoio dado a esse juiz pelas associações. O combate à corrupção não justifica a incestuosa simbiose entre juiz e procurador defendida na esfera classista. Em ação penal pública, o procurador da república (Ministério Público) é autor, ocupa o polo ativo da relação processual. A sua cumplicidade com o juiz da causa fere de morte a garantia da imparcialidade e do devido processo jurídico. Espetáculos circenses também são inadequados para extirpar corrupção.
A deficiência moral está no DNA do tipo de brasileiro que gosta do jeitinho enganoso e de levar vantagem em tudo. O combate eficiente há de ser travado no campo da educação moral e cívica de maneira metódica e ininterrupta. Na área forense, o combate é adjutório, punitivo e efêmero. (A Itália que o diga). A olímpica safadeza de dois bilhões de reais, a falência dos Estados, a negociata petroleira de bilhões de reais, o assalto ao erário de outros bilhões para garantir a presidência ao vice-presidente, a ciclovia da morte, são exemplos recentíssimos de que a operação não assustou os corruptos e não impediu a avassaladora corrupção. 
Neste início de século, a dita operação poderia ser o fato mais importante da república brasileira na área do combate ao crime se não houvesse desvirtuamento, a predominância do caráter inquisitório, parcial e arbitrário, típico da Idade Média. Sob o pretexto de combater a corrupção, o juiz curitibano continua a praticar as arbitrariedades e os abusos denunciados. Mandados coercitivos expedidos sem que houvesse anteriores intimações para voluntário e espontâneo comparecimento. Prisões preventivas a rodo, mudando a exceção em regra. Pessoas presas psicologicamente constrangidas a confessar e a delatar. Privacidades invadidas, inclusive de parlamentares, Presidente da República e ministros do supremo tribunal. Emissoras de TV e jornais impressos utilizados para acobertar ilicitudes, publicar matéria sigilosa e manipular a opinião pública. Nesse contexto, o principal e oculto objetivo da referida operação veio à tona: (1) impedir eventual candidatura do cidadão Luiz Inácio à presidência da república; (2) apurar fatos incriminadores, ou cria-los artificiosamente, vinculados aos partidos e agentes do governo Rousseff; (3) deixar de apurar os fatos incriminadores vinculados aos partidos e agentes da oposição ao governo Rousseff.
Na sua nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) diz que o Comitê de Direitos Humanos da ONU não deve ser utilizado para “constranger o andamento de quaisquer investigações em curso, principalmente as que têm como prioridade o combate à corrupção”. A AMB partiu do pressuposto de que o Comitê é constituído de mentecaptos. Sofismou. Do que foi publicado, constata-se que o propósito da comunicação feita ao setor de petição do Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU (Genebra, 28/07/2016), não é “constranger” e sim denunciar a má conduta do juiz e dos procuradores naquela operação. Se tiver fundamento, a pretensão do comunicante será atendida; se não tiver, será rejeitada.
Ao censurar a iniciativa de um cidadão brasileiro buscar proteção junto ao órgão internacional competente para conhecer e julgar o caso, a AMB parece estar sob a direção de gente estranha à arte e à ciência do direito, de gente que ignora a existência do direito subjetivo aos recursos postos à disposição das pessoas pelo direito internacional. O Comitê, distante da arena onde se digladiam os partidos políticos e pululam as idiossincrasias locais, decidirá se a representação do cidadão brasileiro é procedente ou improcedente.
Todo homem tem direito: (1) à vida, à liberdade e à segurança pessoal; (2) em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial; (3) de ser presumido inocente até que sua culpa tenha sido provada de acordo com a lei. Ninguém será: (4) arbitrariamente preso, detido ou exilado; (5) sujeito a interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar, na sua correspondência; nem a ataques à sua honra e reputação. (Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigos III, IX a XII, ONU/1948).    
Toda pessoa pode se resignar diante dos fenômenos da natureza e dos fatos sociais. A resignação é atitude de renúncia à resistência, de conformação com os reveses da vida, de não reagir à violência. Essa passividade faz parte da doutrina cristã. “Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra; se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa”. Orientação de Jesus, o Cristo, aos seus discípulos no sermão da montanha. Essa doutrina de Jesus visa a santificar o homem comum.
A doutrina jurídica visa a civilizar as relações humanas. O homem comum não santificado resiste aos ataques sofridos, reage às ofensas, mostra indisposição para se resignar. A irresignação é atitude natural de inconformismo do homem não santificado motivada por: (1) agressão física sofrida; (2) perda da pessoa amada ou do patrimônio; (3) situação contrária ao seu interesse, à sua crença religiosa, aos seus valores morais, ao seu código de vida. O legislador estabelece regras para disciplinar a irresignação e evitar que: (I) as pessoas façam justiça pelas próprias mãos; (II) provoquem “guerra de todos contra todos”; (III) "o homem seja o lobo do homem"  (Hobbes).
O direito coloca à disposição das pessoas: (i) normas materiais e processuais para defenderem a sua liberdade, o seu patrimônio, a sua integridade física e moral: (ii) ações judiciais para a solução de controvérsias; (iii) recursos contra as decisões dos juízes e tribunais; (iv) mecanismos disciplinares contra a má conduta dos juízes.
Recorrendo ao foro internacional, o ex-presidente da república brasileira mostrou a sua irresignação com a conduta e as decisões das autoridades da sua pátria. Ele exerceu de forma legítima o direito em vigor na comunidade das nações.
Sintomática a alusão feita pela AMB ao projeto de lei 280/16, do Senado Federal, que tipifica como crime de abuso de autoridade diversos atos “comuns” no curso das investigações. Na opinião dessa classista entidade: (I) o texto do projeto é clara tentativa de amordaçar a magistratura, contrária ao interesse da nação em ter um Poder Judiciário forte e independente; (II) se o texto estivesse em vigor, a Operação Lava-Jato não teria sido possível. Sofisma. A ética judiciária preceitua: juiz só deve falar nos autos do processo e se abster de pronunciamentos públicos e de proselitismo. Se o texto do projeto estivesse em vigor, o combate à corrupção seria possível; improváveis seriam as arbitrariedades e os abusos praticados. O juiz curitibano também se manifestou contra o projeto e rogou o arquivamento aos senadores.
Da posição contrária ao projeto, verifica-se que a AMB quer para os magistrados o que todo bandido quer para si mesmo: ampla liberdade de ação, sem os limites constitucionais e legais. Ninguém gosta de freios, porém os freios postos pelos bons costumes, pela moral e pelo direito, são necessários à nação civilizada. Através do projeto, o Senado está dizendo ao povo: aquela conduta é nefasta e antijurídica; a lei em vigor mostrou-se insuficiente para coibi-la.
O projeto preserva os magistrados que: (1) exercem o seu ofício em sintonia com a Constituição, a Lei e a Ética; (2) respeitam os jurisdicionados; (3) encarnam virtudes cardeais: honestidade, imparcialidade, coragem, independência, serenidade, senso de justiça, cultura jurídica, lucidez, sensatez, pontualidade, urbanidade, isenção política partidária, conduta irrepreensível na vida pública e particular. 
“Não há tribunais que bastem para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados” (Ruy Barbosa).