domingo, 29 de junho de 2014

COPA 2014 - IV



A fase de grupos encerrou-se (26/06/2014). Seleções não tradicionais progrediram. Para as partidas oitavas-de-final classificaram-se: 8 seleções americanas (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, EUA, México e Uruguai); 6 seleções européias (Alemanha, Bélgica, França, Grécia, Holanda e Suíça); 2 seleções africanas (Argélia e Nigéria). A nova fase com dois jogos por dia começou em 28/06 e terminará em 1º/07: Brasil x Chile; Colômbia x Uruguai; Holanda x México; Costa Rica x Grécia; França x Nigéria; Bélgica x EUA; Alemanha x Argélia; Argentina x Suíça. As seleções vencedoras disputarão as quartas-de-final. No primeiro jogo da nova fase a seleção brasileira empatou com a chilena: 1x1. Na decisão por pênaltis, a vitória coube à seleção brasileira. No entardecer do mesmo dia a seleção da Colômbia venceu a do Uruguai (2x0) em um jogo aguerrido onde se destacaram: James Rodriguez como artilheiro e Juan Cuadrado como o melhor e mais completo jogador colombiano até o momento. Fantástico o cabeceio dele de olhos abertos junto à trave do gol adversário para o interior da área em direção aos pés de James que marcou o segundo gol. A seleção colombiana lembrou a brasileira de outrora, ágil, confiante, alegre, eficaz, sem preocupação exagerada e sem medo de ser feliz.
A cada fase aumenta a dificuldade. Na disputa acirrada pela posse da bola jogadores agridem os adversários usando mãos, cotovelos e até os dentes. O jogador uruguaio Luis Suárez mordeu o ombro de um adversário italiano durante a partida. Lembrou a mordida que Mike Tysson aplicou na orelha de Evander Holyfield na luta de boxe em que os dois disputavam o cinturão dos pesos-pesados (1997). A FIFA excluiu Suárez do certame. Esse jogador é reincidente. Doravante será conhecido como “El Mordedor”.
Nota-se, nesta copa, certa padronização na prática do esporte decorrente do acúmulo de lições aprendidas e reproduzidas nos últimos 80 anos. Contribuem para essa reprodução: (1) os jogadores e treinadores contratados por clubes estrangeiros; (2) os clubes nacionais que circulam por países de diversos continentes para jogos oficiais ou amistosos; (3) os torneios internacionais; (4) as emissoras de televisão que transmitem jogos nacionais e internacionais. O público aprendiz aumentou em progressão geométrica a partir da segunda metade do século XX. Os ingleses inventaram o jogo de bola e as respectivas regras, praticado com os pés em terreno retangular de dimensões específicas, com duração limitada e número certo de jogadores. Enquanto a base do esporte foi criada pelos britânicos, a arte de jogar futebol foi criada e ensinada por mestres brasileiros. Quem são eles? Até agora, são apenas doze: Friedenreich, Petronilho, Leônidas, Domingos, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé, Gerson, Sócrates, Juninho Pernambucano e Robinho (ordem aproximada de antiguidade). Eles criaram e ensinaram: desarme seguro e sem falta; drible com e sem bola (curto, longo, elástico, meia-lua, corta-luz, finta de corpo; giro do corpo com a bola sob a sola da chuteira); pedalada, lençol (chapéu); passe de longa distância; troca rápida e progressiva de passes curtos em tabela; passe no espaço vazio para chegada do companheiro; toque de calcanhar eficaz como drible e como passe; cobrança de faltas com efeito especial; gol de bicicleta e de calcanhar.
Certamente por modéstia ou por não estarem cônscios do seu magistério, os citados jogadores nunca se consideraram mestres apesar das suas habilidades e criatividade. No entanto, eles ensinaram mediante o exemplo em campo tendo o público nacional e estrangeiro como testemunha e como corpo discente. O estádio era a escola. Ensino prático não premeditado e nem intencional. Jogadores nacionais e estrangeiros copiaram aquelas especiais habilidades e técnicas de execução e alguns atingiram o nível de excelência. No entanto, em sendo minoria, jogadores de excelente nível técnico nem sempre garantem vitória para sua equipe. Por diversos fatores próprios da condição humana, os jogadores têm desempenhos irregulares. Até as máquinas funcionam mal esporadicamente.
A imitação faz o costume e o costume pereniza o modelo. Imitar significa seguir o modelo que nos agrada ou interessa; reproduzir por semelhança. Cuida-se de procedimento comum responsável pela padronização de determinados tipos de conduta que caracterizam a moda, o estilo, o método, a profissão. Este significado positivo do verbo imitar não se confunde com o seu significado negativo: o de falsificar com o propósito de enganar, de imitar dolosamente em proveito próprio ou alheio. Imitar nem sempre é falsificar, mas falsificar é sempre imitar. Exemplos: (1) O comediante imita um político para divertir o público. Até aí, o artista atua legitimamente. Então, ele resolve adicionar injúria na sua representação. A partir daí, o artista ingressa na ilicitude: comete crime contra a honra do representado. (2) Pintor imita um quadro de Rembrandt para se convencer de que é tão bom quanto ele. Até aí, conduta legítima do artista e sua vaidade. Então, ele resolve vender o quadro falsificado como sendo original. A partir daí, o copista ingressa na senda do crime.
A imitação dos expoentes faz parte do processo de reprodução técnica e artística. A elegância, por exemplo, entendida como harmonia e distinção de maneiras, é imitada socialmente e supõe um modelo. Possivelmente, Ademir da Guia imitou Didi que por sua vez imitou a elegância e a eficiência de Friedenreich. A elegância prende-se à estética enquanto a eficiência prende-se à técnica. O grau de eficiência varia de um jogador para outro. Não há contradição alguma quando um jogador elegante e eficiente comete falta violenta, pois tal ação censurável se prende à ética. O senso estético, a capacidade técnica e a conduta ética nem sempre se conjugam na mesma pessoa ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Jogadores como Beckenbauer, Falcão, Geovani, Pirlo, Riquelme, Rivaldo, Valderrama, Zidane, podem ter tomado Didi e Ademir da Guia por modelo, ainda que remota e indiretamente. São hipóteses de alta probabilidade porque derivam da observação dos fatos e da comparação dos dados através dos anos que evidenciam a semelhança de estilo. Após o nosso planeta ter se tornado uma aldeia global, os fatos e as análises tornaram-se acessíveis a bilhões de pessoas nos séculos XX e XXI.
O estilo elegante e eficiente não agrada à maioria dos brasileiros, embora se mantenha vivo como bem ilustra a maneira de atuar de jogadores como Oscar (Chelsea), Paulo Henrique (São Paulo) e Zé Roberto (Grêmio). A maioria dos brasileiros aprecia e valoriza mais o estilo impetuoso e rompedor de Leônidas, imitado por atacantes nacionais e estrangeiros como Ademir Menezes, Balotelli, Careca, Eusébio, Hulk, Jairzinho, Maradona, Messi, Neymar, Pelé, Rivelino, Romário, Ronaldo, Vavá e Zico (ordem alfabética). Esse estilo desperta no torcedor o garanhão que ele gostaria de ser. Montaria do sistema político e econômico, esse tipo de torcedor espera a sua vez de ser o cavaleiro.    

sexta-feira, 27 de junho de 2014

FILOSOFIA XIII


EUROPA (1600 a 1800).

Martinho Lutero, alemão, monge agostiniano, professor de teologia, rebela-se contra os abusos da igreja católica (1453 a 1546). Insurge-se contra as vendas de indulgências. Afirmava que necessária à salvação era a expiação pelos pecados cometidos e não a fácil absolvição obtida por compra de indulgências. Martinho se opõe às vendas de cargos na hierarquia eclesiástica, à veneração de relíquias, à escandalosa vida dos clérigos e à exploração de tabernas e casas de jogos pelos monges. Considera tudo isto contrário à verdadeira religião. Apoiado nas epístolas de Paulo e na doutrina de Agostinho, ele publica noventa e cinco teses em documento que afixou na porta da igreja do castelo de Wittemberg na Saxônia (1517). Sobre esse pilar ergueu a doutrina da justificação pela fé, que negava qualquer valor ao jejum, às peregrinações e aos sacramentos. Na doutrina desse monge, a fé está acima das boas ações, a razão é a prostituta do diabo e só a revelação traz a verdade. A justificação pela fé – pedra angular da construção luterana – se opõe à salvação pelo ritual e pelos milagres da igreja católica. Por melhor que seja a pessoa, se ela não tiver fé, não terá salvação. Martinho condena: (1) a teoria do sacerdócio, do vigário de Cristo, da intermediação dos padres entre deus e os crentes; (2) os sacramentos; (3) os aditamentos medievais à fé cristã tais como: o culto à Maria, a crença no purgatório, a invocação dos santos, a veneração de relíquias e o celibato do clero. Ele foi excomungado porque se recusou a abandonar essas idéias. Alijado da igreja católica, Martinho funda a igreja alemã independente cujo rito inclui o idioma alemão. Neste idioma ele escreve o Novo Testamento tornando-o acessível a todos que soubessem ler. A todos reconhecia o direito de ler e interpretar a Bíblia. O objetivo era possibilitar aos alemães constatarem por si mesmos as discrepâncias entre os ensinamentos de Jesus e os ensinamentos e práticas da igreja católica. Martinho rejeita o sistema eclesiástico e a vida conventual. Aboliu o celibato e os sacramentos (manteve o batismo e a eucaristia). A doutrina da predestinação e as escrituras ganham autoridade suprema.
Na Alemanha havia descontentamento com Roma e interesse em passar para o domínio dos alemães as terras pertencentes à igreja. Príncipes apóiam a reforma luterana e desafiam o poder do papa. A reforma prega a liberdade de consciência e faz da religião indisfarçável tema político. Só governará o Estado quem pertencer à seita protestante. [Esta norma prevaleceu nos EUA até 1960 quando, pela primeira vez, foi eleito um presidente católico].    
A revolução protestante iniciada na Alemanha marcou uma nova fase da civilização européia. Até o século XVIII (1701 a 1800) havia só duas cidades na Europa com mais de 500 mil habitantes: Londres e Paris. Havia poucas cidades com mais de 100 mil habitantes. A maioria das cidades tinha de 2 a 20 mil habitantes, nas quais nasceram algumas celebridades como Robespierre, Babeuf e Napoleão. Predominava a vida rural. Na região nórdica (Escandinávia) e oriental (Bálcãs, Rússia) cerca de 90 a 95% da população vivia na zona rural. Na região ocidental cerca de 70 a 90% da população vivia na zona rural. A prosperidade vinha do campo. Nas cidades funcionavam as feiras e se localizavam os comerciantes e seus armarinhos (lojas de tecidos e miudezas), os negociantes dos produtos da agricultura e da pecuária, artesãos, financistas, advogados, tabeliães, nobres e clérigos.
As relações entre camponeses e proprietários das terras nem sempre eram pacíficas. Havia tensão permanente a nublar a cordialidade entre as duas classes. Os campônios produziam a riqueza enquanto os senhores da terra acumulavam-na. A pesada carga tributária também era motivo de insatisfação do campônio com o governo. O descontentamento com o alto clero católico era generalizado. Aquele momento histórico europeu foi propício à expansão do protestantismo. Milhares de pessoas perderam a liberdade e a vida em decorrência dos conflitos religiosos. Católicos e protestantes se julgavam donos da verdade; seus dogmas eram postos como certezas absolutas, sem espaço para a tolerância. Havia governos católicos (Espanha, Itália) e governos protestantes (Holanda, Inglaterra). Motivos religiosos, políticos e econômicos misturavam-se na eclosão das guerras e revoluções.
Os místicos e reformadores contribuíram para acelerar a revolução protestante. A maioria localizava-se na Alemanha e nos Países Baixos (Holanda + Bélgica). Nessa região setentrional da Europa, o misticismo se tornou uma das mais populares formas de expressão religiosa desde o século XIV (1301 a 1400). A corrente mística era contra os sacramentos, os milagres sacerdotais e a intermediação dos padres entre deus e os crentes. Os místicos entendiam suficientes: (1) a submissão a deus; (2) a extinção dos desejos egoístas. No final do século XIV, John Wycliffe antecipa-se a Martinho no ataque ao catolicismo. Do ponto de vista político, a reforma decorreu: (1) do desabrochar da consciência nacional na parte setentrional da Europa; (2) do aparecimento de governos despóticos. Os principais focos do nacionalismo e do absolutismo foram: Inglaterra, França e Alemanha. O absolutismo monárquico desafiava o poder do papa. Segundo a teoria de Wycliffe, o poder temporal do papa tinha de ser transferido para o monarca. Os príncipes europeus aspiravam ao domínio temporal e também espiritual, incluindo a riqueza da igreja. Pretendiam se compensar da tributação incidente sobre suas propriedades. Os tributos cobrados pelo papa provocavam descontentamento por canalizarem para a Itália, a riqueza dos países setentrionais. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 17



EUROPA (1000 a 1600). Final.

Francis Bacon introduziu o método experimental na pesquisa científica como indispensável ao conhecimento verdadeiro e sistemático. A natureza deve ser observada diretamente a fim de se descobrir as leis que a governam. A indução e a experimentação são as vias para este desiderato. Ao contrário da dedução, a indução tem caráter material e permite avançar no conhecimento. A partir de fatos pesquisados chega-se ao conhecimento sobre fatos não incluídos na pesquisa (generalização racional aceita).
A autoridade, a tradição e a lógica silogística devem ser evitadas. A fonte do conhecimento é sensorial e a sua base é racional. Os fenômenos naturais apresentam uma face estrutural, o esquematismo latente e também uma face dinâmica, o processo latente responsável pelas mudanças. As duas faces são conexas. “Os sentidos são como o sol que torna visível a face da terra, mas esconde a do céu. Para viajar ao reino da verdade celeste é necessário abandonar o barco da razão humana e se colocar a bordo do navio da igreja”.
Francis considera estéril a filosofia que o antecedeu por nada trazer de prático à vida dos homens. Os filósofos parecem aranhas que tecem teias maravilhosas, porém alheias à realidade. Francis tem sido mencionado como fundador da ciência moderna. A sua divisa era: “saber é poder”. Na opinião dele, a filosofia natural há de ser ativa e fecunda em resultados práticos, sendo de pouco valor o conhecimento puramente teórico ou contemplativo. [Mais tarde, Karl Marx navegaria nessas águas]. Esta opinião evidencia o caráter utilitário da filosofia de Francis. Para ele, as idéias de Aristóteles favoráveis à vida contemplativa são adequadas ao bem privado, ao prazer e à dignidade do indivíduo. Os homens, entretanto, devem saber que nesse teatro da vida humana apenas deus e os anjos podem ser espectadores.
Os ídolos e as noções falsas obstruem o intelecto humano. {A teoria dos ídolos contribuiu para os estudos sobre ideologia e comunicação}.
O ídolo da tribo é erro que decorre da natureza humana: (1) ao tomar como verdadeira a imagem produzida pelos sentidos e simplificar o complexo segundo a conveniência {inércia do espírito, oportunismo}; (2) ao ignorar os resultados negativos da adivinhação e se fixar nos resultados coincidentes com a esperança {astrologia, quiromancia}; (3) ao imaginar coisas que correspondam a necessidades numéricas {cabala, numerologia}; (4) ao tratar a ação da natureza de modo análogo à ação humana e ver simpatias e antipatias nos fenômenos {alquimia, magia}.
O ídolo da caverna é erro individual e não da espécie humana: “cada pessoa possui sua própria caverna particular; interpreta e distorce a luz da natureza”. O indivíduo vê as coisas sob a luz a que está acostumado. [Pode estar tão enfurnado na sua profissão técnica, científica, artística, religiosa, que tudo interpreta à luz dessa atividade].
O ídolo do foro é erro decorrente da ambigüidade das palavras utilizadas na comunicação entre pessoas. A mesma palavra utilizada com significados diferentes gera desentendimento entre as pessoas. “O homem crê que a razão governa as palavras, mas também é certo que as palavras atuam sobre o intelecto e é isso que torna sofística e ociosa a filosofia e a ciência”.
O ídolo do teatro é erro proveniente dos sistemas filosóficos fundados em invenções como as peças de teatro que não retratam fielmente os fatos. Francis refere-se a Platão como trocista que cometeu o maior dos erros ao confundir teologia com filosofia. Ele qualifica Aristóteles de “pior dos sofistas”.
O método indutivo proposto por Francis compreende as tábuas de investigação. A primeira é a tábua de presença onde são arroladas as características concordantes do objeto sob observação. A segunda é a tábua de ausência onde são arrolados os casos discordantes. A terceira é a tábua das graduações onde são anotados os graus de variação ocorridos no objeto da investigação com o fim de identificar possíveis correlações entre eventuais mudanças.
Além das tábuas, há procedimentos complementares tais como: prolongar, transferir, inverter, mudar condições. Há fatores que o filósofo denomina de instâncias prerrogativas que forçam a investigação a um sentido determinado. Francis arrola mais de vinte fatores entre os quais as instâncias: (1) solidárias, quando os corpos são iguais em tudo salvo uma única característica; (2) migrantes, quando a natureza se manifesta repentinamente; (3) ostensivas, quando certa característica é evidente; (4) analógicas, quando um fenômeno esclarece outro.

domingo, 22 de junho de 2014

COPA 2014 - III



A festa de abertura da copa mundial de futebol foi singela se comparada à festa das Olimpíadas, porém de bom gosto, excelente sintonia de todos os componentes, com exposição da cultura popular brasileira e sofisticada tecnologia com uma bola artificial no centro do campo que depois de múltiplas imagens abriu-se como se fora uma flor e transformou-se no palco em que se apresentaram duas cantoras carnudas e curvilíneas e um cantor esquálido (se comparado a elas). Momento de confraternização dos povos na Arena Corinthians localizada no bairro Itaquera, na cidade de São Paulo. Havia pessoas de todos os continentes. Preço dos ingressos proibitivo para a maior parte da população nacional. Alguns brasileiros de maior poder aquisitivo ocuparam lugares caros. Desse grupo, certamente com diploma universitário, mas sem boa educação cívica, partiram ofensas à presidente do Brasil com palavras de baixo calão pronunciadas por algumas meretrizes platinadas e alguns inaladores do pó branco. Ofenderam a mulher, mãe e avó que ocupa o mais alto cargo da república como Chefe de Estado e de Governo. Politicagem de uma ala putrefata da elite brasileira cuja pátria é Nova Iorque e Paris, cujo coração mora na Quinta Avenida e nos Campos Elíseos. Nas eleições que se aproximam a maioria do povo brasileiro dará o troco a essa corja moralmente podre. Para felicidade geral da nação, essas hienas perfumadas terão de engolir a senhora Dilma Rousseff por mais quatro anos no governo da república.       
O público nacional e estrangeiro mostra-se alegre e descontraído nos estádios das diferentes regiões do país onde as partidas são disputadas. Bandeiras, alegorias, fantasias, figurinos, perucas coloridas, rostos pintados, hinos, palavras de ordem, movimentos coletivos improvisados ou ensaiados, tudo em clima de festa. As pessoas vibram quando aparecem na enorme tela do estádio. De um modo geral, as japonesas e coreanas se exibem um tanto encabuladas, as européias um tanto comedidas e as latino-americanas um tanto extrovertidas. Congraçamento nas arquibancadas e nos gramados antes e depois dos jogos. Precedendo o início de cada jogo observa-se o cerimonial da FIFA em admirável ordem que inclui o hino nacional de cada seleção. Dá prazer de ver e ouvir. Chefes de Estado compareceram aos estádios em que atuavam as seleções dos seus países para lhes dar apoio moral. Não se ouviu vaias e xingamentos a eles dirigidos. Gente educada é outra coisa. Os japoneses, inclusive, recolhem o lixo que produzem no estádio. Alguns circundantes seguem o bom exemplo.  
O progresso individual e coletivo na prática do futebol tem sido modesto nesta década. Os jogadores e as seleções apresentaram nível técnico apenas razoável. Pouquíssimos jogadores perderam as estribeiras. A maioria demonstrou espírito esportivo. Ao fim de cada partida os jogadores se cumprimentam e permanecem em campo aplaudindo o público. Raras expulsões (cartão vermelho). Poucas advertências apesar das numerosas faltas (cartão amarelo). Arbitragem sofrível, aquém do alto nível esperado. Para não serem vítimas da malandragem dos jogadores, os árbitros acabam por deixar impunes faltas que realmente ocorrem principalmente dentro da área.
Nota-se padronização na dinâmica das equipes tendo por paradigma o clube de Barcelona da Era Guardiola. Diante do fiasco espanhol na copa de 2014, certamente o modelo será questionado. Em seleções de todos os continentes foram vistos alguns jogadores hábeis nos desarmes, na armação, nos passes de longa distância, no amortecimento da bola no peito e nos pés, nos dribles e pedaladas. Assimilaram a técnica e a habilidade individual dos mestres brasileiros exibidas no curso de 80 anos. Apesar disto, prevaleceram finalizações tíbias e ineficazes. Oportunidades de gol perdidas de modo incrível. Alguns jogadores tiveram atuação acima da média: Marcelo e Oscar (Brasil), Cuadrado (Colômbia), Gervinho (Costa do Marfim), Campbell e Bolaños (Costa Rica), Robben e Van Persie (Holanda), Guardado e Ochoa (México), Cáceres e Suárez (Uruguai). Algumas figuras carimbadas não estiveram à altura da fama. Pois é. Ao praticar solitariamente o caratê shoto-kan no pátio da minha casa, o meu desempenho é extraordinário. Ao enfrentar outro faixa-preta na academia, o meu desempenho é apenas ordinário. Mutatis mutandis, é o que acontece com alguns jogadores.
Obtiveram vitórias (até 21/06): 9 seleções americanas {Argentina (2), Brasil, Chile (2), Colômbia (2), Costa Rica (2), Equador, Estados Unidos, México e Uruguai}; 8 seleções européias {Alemanha, Bélgica, Croácia, França (2), Holanda (2), Itália, Rússia e Suíça}; 2 seleções africanas (Costa do Marfim e Nigéria). As seleções americanas venceram 13 partidas e as européias 10. A Europa tem 13 seleções disputando a copa. A América tem 10 seleções, a África 5 e a Ásia 4. Até agora, em termos proporcionais, nota-se vantagem do futebol americano sobre o futebol europeu e a superioridade de ambos em relação ao futebol africano e ao futebol asiático. No confronto direto entre seleções da América e da Europa, as americanas (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica e Uruguai) venceram 6 partidas e as européias (França e Suíça) venceram 2 partidas.
Competindo nesta copa estão 32 seleções distribuídas em 8 grupos. Cada grupo se compõe de quatro seleções que disputam entre si a classificação. A seleção que se classificar em primeiro lugar num grupo jogará contra a seleção que no grupo seguinte classificar-se em segundo lugar. A seleção que se classificar em segundo lugar no grupo antecedente jogará contra a seleção que no grupo seguinte classificar-se em primeiro lugar, critério que será observado até os dois últimos grupos inclusive. Duas seleções de cada grupo passarão para a fase seguinte do certame. Ao todo, portanto, 16 seleções classificar-se-ão para a fase denominada oitavas-de-final (oito jogos eliminatórios). As 8 seleções vencedoras nas oitavas classificar-se-ão para a fase denominada quartas-de-final (quatro jogos eliminatórios). As 4 seleções vencedoras nas quartas classificar-se-ão para a fase denominada semi-final (dois jogos eliminatórios). As 2 vencedoras disputarão um único jogo do qual sairá a seleção campeã da copa.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 16



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Johan Althaus (Althusius), alemão, cristão protestante calvinista, professor de direito, foi autor da teoria do Estado exposta no livro intitulado Política Methodice Digesta Atque Exemplis Sacris et Profanis Illustrata (1557 a 1638). Apesar de publicado em 1603, só dois séculos depois o livro teve sua importância reconhecida. O título já anuncia o rigor lógico da obra. Funda-se no caráter orgânico e comunitário da vida social. Política, na definição de Althusius, é a arte de estabelecer, cultivar e conservar a comunhão entre os homens (consociatio) inerente à existência conjunta (symbiosis). A sociedade se compõe de uma série hierárquica de comunidades simbióticas a partir da família, célula inicial, alçando-se à companhia (ou colégio). Os seus membros são companheiros. A reunião dessas comunidades civis constitui a cidade, comunidade mista e pública cujos membros são cidadãos, não por serem homens e sim por serem companheiros. A reunião de cidades constitui a província e a reunião de províncias constitui o Estado. Em cada escalão superior à família intervém a livre adesão. O consenso se estabelece entre comunidades e não entre indivíduos. O Estado é uma comunidade de comunidades {um ente cultural complexo}. O Estado, portanto, não surgiu de um contrato firmado entre indivíduos e sim da passagem sucessiva de uma realidade orgânica para outra maior e superior. O Estado é essa comunidade simbiótica pública superior, universal, integral, perfeita e capaz de satisfazer as necessidades básicas dos cidadãos. O direito de majestade (jus majestatis) pertence ao Estado, direito de comandar sem sócio e sem superior, que compreende o poder de decisão sobre tudo o que é necessário à salvação espiritual e corporal dos membros da comunidade. Esse direito é indivisível, intransferível e imprescritível. O povo é o único titular da majestade {soberania}. Em nome do povo, o governante administra o Estado. {No esquema de Althusius, o governo cabe aos éforos e ao magistrado supremo (summus magistratus)}. Eleitos pelo povo, os éforos formam um colegiado com autoridade estatal suprema, acima do magistrado supremo. Este é eleito pelos éforos. O tipo misto de governo (monárquico + aristocrático + democrático) é mais adequado à comunidade simbiótica, pois a mistura é da essência da vida. Cabe ao colégio de éforos impedir que o magistrado supremo se torne um tirano. Os éforos e o povo têm o direito de combater a tirania, de resistir ao governo despótico. O tirano deve ser substituído e até assassinado. [Mediante o processo genético de construção do Estado, Althusius chega à democracia corporativa].

Francis Bacon, inglês, cristão, nasceu em Londres no seio de rica e puritana família (1561 a 1626). Acreditava na excelência da monarquia. Defendia o absolutismo do monarca e a limitação dos poderes do Parlamento. Seguiu carreira pública e chegou a Lorde Chanceler (1618). Acusado de receber propinas em processos sob sua presidência, Francis foi multado e preso. O rei Jaime I perdoou a multa e reduziu a pena privativa de liberdade para quatro dias apenas. Em liberdade, Francis se dedicou a escrever e expor o seu pensamento. Da sua produção intelectual sobressaem: Novum Organum (lógica), O Progresso do Saber (ciência), Ensaios (idéias sobre as paixões e a natureza humana) e História Natural. Em sua obra literária e utópica intitulada Nova Atlântida, Francis descreve um Estado imaginário cuja organização propicia felicidade geral. O controle científico da natureza possibilita a harmonia e o bem-estar aos habitantes daquele Estado cuja vida é orientada pelos sábios que trabalham na Casa de Salomão. [Ao escolher o nome da casa de ciência, Francis acolheu a lendária sabedoria desse rei hebreu. O filósofo abdicou do seu método científico para investigar se a lenda tinha algum fundo de verdade. Certamente, agiu por cautela, pois discordar da Bíblia naquele período histórico era suicídio. Ele perderia a sua posição na corte, seus bens, sua liberdade e sua vida. O credo rosacruz não exigia tal sacrifício]. Segundo a sua visão rosacruciana e a utópica narrativa da “Nova Atlântida”, mais importante do que governar homens é dominar a natureza, cujas forças são objeto de estudo pelos sábios. Hospital, usina de energia, centro agrícola, instituições em geral, tudo vinculado à Casa de Salomão. A obra científica resulta do trabalho coletivo de pesquisadores e intérpretes. A investigação científica tem por objeto a realidade e um sentido prático: aumentar a duração da vida humana, combater doenças, criar máquinas inclusive para transitar no ar e sob água.


quarta-feira, 18 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 15



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Desidério Erasmo, holandês, teólogo, filósofo, professor, escritor, acreditava na bondade inata do homem e foi reconhecido internacionalmente como o príncipe dos humanistas (1464 a 1536). Dedicou-se ao ensino, à literatura e à reflexão filosófica. Suas principais obras são: O Elogio da Loucura (sátira do pedantismo e dogmatismo dos teólogos e da ignorância e credulidade das massas); Manual do Cavaleiro Cristão (censura à religião eclesiástica e defesa do retorno aos ensinamentos de Jesus “que nada mais ordenava do que o amor ao próximo”); A Lamentação da Paz (em que expressa o horror à guerra e ao despotismo) e Colóquios Familiares. Na opinião de Erasmo, as trevas da superstição, da ignorância e do ódio são afastadas pela luz da razão. Equidade e conciliação caracterizam o espírito liberal. O formalismo, o dogmatismo e a superstição da igreja merecem censura e indicam a necessidade de uma reforma religiosa. Impõe-se nova religião humanista, simples, de nobre conduta, alicerçada na filosofia de Cristo. [Esta crítica de Erasmo contribuiu para a reforma protestante. Ele pensava também que da ciência poderia advir grosseiro materialismo apto a distanciar os homens da literatura e da filosofia]. Voltar ao evangelho é o remédio para as desordens políticas, para curar os vícios sociais, para purificar a religião e para regenerar o ser humano. O governante há de ser virtuoso e ter a assistência de um preceptor cuidadosamente escolhido. A ética é uma só para governantes e governados. O governante deve seguir o caminho indicado por Jesus Cristo, pois da perfeição moral de um governante depende a felicidade de um povo. A guerra é um escândalo ante os ensinamentos de Jesus. A guerra é provocada pelas paixões humanas e não por necessidade. Cada lado apresenta sua causa como justa. A celebração da missa em cada um dos lados da guerra é uma monstruosidade. A arbitragem resolve pacificamente as controvérsias. A paz é a condição da prosperidade, fonte e mãe conservadora e protetora de todas as boas coisas.

François Rabelais (1469 a 1527), francês, médico, filósofo, humanista, escritor, satirizou as práticas da igreja apesar de ter sido educado em mosteiro [talvez, por isto mesmo]. Ridicularizou a escolástica, zombou das superstições e expôs as formas de opressão e hipocrisia. As suas obras mais conhecidas são Gargantuá e Pantagruel, nomes dos lendários gigantes medievais de prodigiosa força física e enorme apetite. Na abadia de Gargantuá não havia celibato, nem submissão perpétua. Os seus moradores viviam como irmãos. Cada qual seguia a sua livre vontade na busca do prazer. Havia uma só regra de observância obrigatória: “fazei o que quiserdes”. Na opinião de Rabelais, a bondade é inerente ao ser humano. Todos os instintos são bons, desde que não levem à tirania.

Thomas Morus, inglês, cristão, advogado, professor, locutor da Câmara dos Comuns, Lorde Chanceler da Inglaterra, inscreve-se entre os filósofos humanistas (1478 a 1535). Ao se opor ao divórcio entre o rei Henrique VIII e Catarina de Aragão, recusar o convite para assistir à coroação de Ana Bolena, discordar da pretensão do rei de estabelecer uma igreja nacional sob o controle do Estado, negar ao Parlamento legitimidade para fazer do rei o chefe da referida igreja (anglicana), Thomas foi acusado de traição, preso na Torre de Londres, processado, condenado e decapitado. Trezentos anos depois, considerado mártir da fé católica, ele foi beatificado pelo papa Leão XIII (1886). Posteriormente, foi canonizado pelo papa Pio XI (1935). Na esteira de dois diálogos de Platão intitulados República (modelo de Estado) e Crítias (mito da Atlântida), Thomas escreveu “Utopia”, livro que contém o seu pensamento filosófico expresso numa crítica à sociedade do seu tempo em que vigoravam a injustiça social e o absoluto direito de propriedade privada, os camponeses eram lançados à miséria em decorrência da transformação dos campos cultivados em pastos de carneiros (indústria da lã) e o dinheiro era visto como a medida de todas as coisas. Na história imaginada por Thomas, um marinheiro náufrago narra a sua experiência em uma ilha onde viveu durante cinco anos. Lá existia uma sociedade igualitária, sem pobreza, sem riqueza imerecida, sem guerra, sem punições drásticas e sem perseguição religiosa. Os habitantes tinham bens em comum. A propriedade privada não era permitida. O campo era cultivado por todos com as mesmas técnicas. As fazendas eram dirigidas nos mesmos moldes. Os habitantes vestiam o mesmo tipo de roupa, sem os caprichos da moda. Todos trabalhavam seis horas por dia. As horas restantes eram destinadas ao lazer, estudo e cultivo das virtudes clássicas: sabedoria, temperança, fortaleza e justiça. Os que se dedicavam ao trabalho intelectual compunham a aristocracia. Dentre os membros da aristocracia eram selecionados aqueles que comporiam a assembléia governante. Os magistrados eram eleitos. Havia treinamento de homens e mulheres para defesa do reino. Não existia vida conventual. Os cultos que reconheciam a existência de deus e a imortalidade da alma eram aceitos sem discriminação. Os ateus não tinham direito de cidadania e nem acesso ao governo.

Michel de Montaigne, francês, advogado, filósofo, escritor, diz que o ceticismo é a essência da filosofia (1533 a 1592). Aos 37 anos de idade ele se retira para a propriedade dos seus ancestrais e devota o resto da sua vida ao estudo, à contemplação e à escrita. Carlos IX o titulou honrosamente como homem gentil. O papa concedeu-lhe o título de cidadão romano. Margarida de França o mimou com especiais favores. O poeta americano Ralph Waldo Emerson o incluiu entre os homens representativos. O seu pensamento está contido nos Ensaios escritos durante os anos de retiro (história, política, moral e filosofia). Diante da diversidade das crenças, da balbúrdia de costumes revelados pelas descobertas de outras regiões do planeta, das perturbadoras conclusões da ciência, Montaigne afirmava que nenhuma seita era senhora da verdade ditada de uma vez por todas. A religião e a moralidade eram produtos do costume tal como a moda e a maneira de comer. O conhecimento não é a via adequada para alcançar deus. Os homens devem desprezar a morte, viver nobremente nesta vida sem almejar vida piedosa em outro mundo cuja existência é duvidosa. Os homens podem ser enganados tanto pela razão como pelos sentidos. Quanto mais depressa os homens se convencerem de que não há certeza em lugar algum, mais oportuno será escapar à tirania que jorra da superstição e da carolice. O caminho da salvação está na dúvida e não na fé. As instituições humanas são fúteis. Tolice empenhar-se em guerra para substituir umas por outras. Ideal algum justifica queimar o vizinho. “Sentemo-nos no mais alto trono do mundo e ainda estaremos sentados sobre o nosso próprio assento”, dizia Montaigne, ironicamente.         

domingo, 15 de junho de 2014

ÉTICA NO FORUM E NO STADIUM



Ao se abrir a sessão plenária do dia 11.06.2014, no Supremo Tribunal Federal – STF, advogado pede a palavra e levanta questão de ordem. Invoca norma regimental sobre a prioridade de processos criminais de réus presos. Diz que o seu cliente pleiteia regime domiciliar para cumprir a pena de prisão a que foi condenado na ação penal 470 (caso mensalão). Informa que o pleito recebeu parecer favorável do Ministério Público. Pretende sejam ouvidos os ministros para que o assunto não permaneça sob a exclusiva apreciação do relator. Requer a inclusão do processo na pauta da sessão. De forma atenciosa, o presidente do STF (que foi o relator da ação principal e dirige a execução penal ex vi legis) responde que o processo já estava pautado. O advogado contestou e insistiu no pedido em tom alto, agressivo e desrespeitoso. O presidente encerrou a intervenção. O advogado discordou e se recusou a desocupar a tribuna. Com a mesma agressividade, acusou o presidente de protelar a apreciação do pedido do seu cliente. O presidente cassou a palavra. O advogado não acatou a ordem. Continuou a gesticular e a falar em altos brados. O presidente determinou ao secretário que desligasse o som. Ainda assim, o advogado continuou a esbravejar. O presidente determinou aos funcionários encarregados da segurança que o retirassem do recinto, o que realmente aconteceu. Foi pouco. O ofensor devia ser preso em flagrante delito e encaminhado à delegacia de polícia. O tribunal pode selecionar diferentes dias da semana para apreciar separadamente processos cíveis e processos criminais. Naquela quarta-feira, o primeiro processo da pauta tinha relevância política. A matéria era do interesse da nação. Implicava a representação popular e a separação dos poderes. Questionava-se a competência do Tribunal Superior Eleitoral para alterar o número de vagas de deputados.

O presidente é responsável pela polícia do tribunal. A ele cabe manter a ordem e zelar pela austeridade e respeitabilidade da corte. O advogado abusou das prerrogativas legais concedidas à nobre classe. A sua tresloucada atitude para extrair do tribunal a qualquer custo, com urgência e a fórceps, o regime da prisão domiciliar, talvez se deva ao desejo do seu cliente de assistir em casa e confortavelmente aos jogos da copa do mundo de futebol. A sua conduta, além de inconveniente e desabrida, foi injuriosa. Ele desacatou autoridade que estava no legítimo e sereno exercício da sua função no mais alto tribunal do país. Ao proceder assim, o advogado ficou sujeito a processo criminal. Além disto, poderá responder a processo disciplinar perante a Ordem dos Advogados por evidente transgressão dos preceitos do vigente Código de Ética, inclusive os relativos aos deveres de urbanidade e decoro.

O pleito a que se referia o advogado ainda não fora apregoado pelo presidente. Havia outros processos na pauta. O advogado precipitou-se e tumultuou a sessão. Quem organiza a pauta é o presidente e não o advogado ou o procurador-geral. Quem durante a sessão decide sobre a oportunidade e conveniência de inverter a ordem dos processos na pauta é o presidente (que pode ouvir os seus pares se entender necessário). As causas criminais que têm prioridade são aquelas que constam da pauta da sessão. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória não há mais causa criminal. Há, tão só, execução do que foi decidido pelo tribunal. A jurisdição foi prestada. O julgamento acabou. A prisão é definitiva e não provisória. Juridicamente não há mais acusado ou réu e sim presidiário ou condenado apenas. O pleito do presidiário por mudança de regime é de índole administrativa; não caracteriza causa criminal. Por mais este ângulo se mostra incabível a prioridade pretendida pelo advogado. Isto acentua e agrava a sua impertinência e indisciplina.

O ministro Joaquim Barbosa tem sido alvo de comentários desairosos e até ofensivos na rede de computadores não só por causa deste incidente como também por ter conduzido de modo rigoroso o processo criminal que resultou na condenação de políticos da base do atual governo. O partido dos trabalhadores ficou amuado porque apenas os seus afiliados foram processados e condenados enquanto os larápios do partido da social democracia ficaram impunes. Acontece que o STF não é responsável por essa impunidade. Para processar alguém, o tribunal depende da provocação do Ministério Público e este, por sua vez, depende das tarefas do Legislativo (inquérito parlamentar) e da polícia judiciária (inquérito policial). Do caso resolvido pelo STF (mensalão) e dos comentários injuriosos constata-se que o partido não é só dos trabalhadores, mas também dos vagabundos, ladrões e difamadores.

Parcela da população brasileira, principalmente se filiada a partido político, não gosta de rigor na aplicação da lei pelos juizes. Cônscia da sua vocação para o crime, para o ilícito civil, para a tradicional esperteza malandra, essa parcela gosta da frouxidão e da impunidade. Por isso, ataca a autoridade judiciária que atua com coragem e rigor na apuração da responsabilidade dos agentes envolvidos em práticas ilícitas. Essa parcela é a mesma que louva o jeitinho malandro, que gosta de levar vantagem em tudo e passar os outros para trás, que admira a esperteza enganosa. Integram essa parcela tanto pessoas ricas como pessoas remediadas e pobres. Está na hora de o povo brasileiro se livrar dessa colonial herança lusitana. 

A má conduta ocorre em todos os setores da sociedade. No setor esportivo a deslealdade e a desonestidade são freqüentes. Na esfera da prática esportiva houve exemplo recente. Jogador propiciou vantagem à seleção brasileira ao simular pênalti no jogo contra a Croácia realizado na arena Corinthians em São Paulo (12/06/2014). Outro jogador agrediu o adversário e tentou disfarçar. Recebeu punição leve. Parte da imprensa esportiva e do público aceita a simulação e o disfarce como condutas dignas de elogios. Em canal de TV, jornalista elogiou o jogador por ter sido inteligente ao forjar a falta dentro da área croata. A inteligência é usada para o bem e para o mal, tanto na paz como na guerra. Agradável surpresa foi a consensual opinião dos jornalistas e de um treinador (ex-jogador) em programa de TV realizado após o citado jogo, em bonito cenário na Ilha Fiscal (Baía da Guanabara, Rio de Janeiro). Todos reprovaram a malandragem. Aqui na aldeia pessoas também censuraram. Bom sinal a indicar que outra parcela da imprensa e do público rejeita aquele tipo de comportamento.

No sentido do bem, ponto positivo para os jogadores e o público que continuaram a cantar com fervor e alegria o hino nacional embora cessada a música. Emocionante espetáculo de fé cívica, independência e patriotismo. A extraordinária atuação de Oscar durante a partida combinou com a bela e magnífica festa de abertura da copa. O rapaz estava inspirado e feliz. Jogou limpo. Serve-lhe como luva o carinhoso apelido de “formiguinha” dado ao jogador Zagalo por seu eficiente e intenso trabalho na copa de 1958. A seleção não precisava de expediente escuso para vencer.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 14


EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Niccolò Machiavelli (Nicolau Maquiavel, 1469 a 1527), nascido em Florença, cientista político, filósofo, historiador, escritor, chefiou a segunda chancelaria da república florentina. Morre afastado da vida pública, frustrado por não retornar à chancelaria apesar dos relevantes serviços prestados à pátria. Entre as suas obras constam: “O Príncipe” (De Principatibus = Dos Principados), que ele qualifica de opúsculo introdutório de um livro substancioso que ele não terminou de escrever intitulado “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. Maquiavel escreveu ainda: “A Arte da Guerra”, “O Asno”, “O Demônio que se Casou” e “A Mandrágora”, comédia teatral considerada obra-prima do teatro italiano, sátira de espírito lascivo que tem por alvo a sociedade renascentista.
Ao escrever “O Príncipe”, Maquiavel toma César Bórgia por modelo. Num gesto adulatório e interesseiro, dedica o livro a Lourenço de Médici. Consegue, assim, deixar o exílio e retornar a Florença, porém não recupera a sua antiga posição. Nesse opúsculo, ele mostra com realismo o divórcio entre a política e a moral e a relação nem sempre harmônica entre ação e especulação. De modo objetivo, faz a distinção entre o que é e o que deve ser: “Muitos imaginaram repúblicas e principados que nunca foram vistos e nem tidos como verdadeiros. Mas existe uma tão grande distância entre a maneira como se vive e aquela como se deveria viver que aquele que trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a se perder do que a se conservar”. O seu opúsculo acabou sendo o marco inicial da ciência política, estudo racional e sistemático dos fatos, daquilo que é na realidade e não do que deve ser. Esse livro alicerçou a conduta de governantes modernos, repercutiu na civilização ocidental, inclusive com as desastrosas conseqüências do fascismo e do nazismo. 
Com os olhos pousados na história e na sociedade do seu tempo, Maquiavel defende o absolutismo como necessário à estabilidade social e política. Acontecimentos extraordinários autorizam a instauração de uma ditadura legal e temporária nos moldes da antiga república romana. Ele considera válido qualquer meio para manter o poder do príncipe e a segurança do país, independente “de justiça ou injustiça, de humanidade ou crueldade, de ignomínia ou glória”. Se for lícito dizer que há bem no mal, então o príncipe deve praticar as crueldades necessárias para se livrar dos rivais. O príncipe deve aparentar bondade, mas possuí-la realmente poderá levá-lo à ruína. Convém disfarçar a maldade com as cores da lealdade, da justiça, do direito e do respeito às convenções. Na ação política, os fins justificam os meios; se o fato o acusa, o resultado o escusa.
Maquiavel introduz o termo “Estado”, isoladamente, no vocabulário jurídico e político, para significar a organização capaz de exercer a força e controlar o seu uso sobre determinado povo nos limites de um território. Na opinião dele, o Estado é a armadura e o abrigo da pátria terrena. [Esse tipo de sociedade política era tratado como reino ou república (regnum, status rei publica)]. Há dois tipos de Estado, diz Maquiavel: república e principado. Os principados podem ser hereditários e novos. A linhagem do príncipe que antes dominava deve ser aniquilada. A organização de colônias é eficaz ao domínio. Aqueles de quem se tomam os campos e as moradas são os únicos prejudicados. Sendo minoria, espalhados e empobrecidos, nenhum dano eles causarão ao príncipe. Os que não sofreram prejuízo ficarão quietos, receosos de que tal também lhes aconteça.
O Estado deve se expandir para evitar a ruína. A lei do Estado substitui a lei da natureza. Os homens são guiados pelo desejo de poder pessoal e de prosperidade material; são rivais daquele que governa; são ávidos, interesseiros, invejosos, ciumentos, insaciáveis nos seus desejos, eternamente descontentes, dissimulados, mentirosos, velhacos, faltam à palavra empenhada ao menor pretexto. Medrosos e covardes, os homens temem o castigo. Crédulos e medíocres, os homens se deixam enganar ou seduzir pelas aparências. Os homens resignam-se mais facilmente com a morte do pai do que com a perda do patrimônio. A natureza humana não muda mais do que o céu e o sol. Os homens nascem, vivem e morrem seguindo sempre a mesma ordem e as mesmas leis eternas; obedecem sempre aos mesmos desejos e às mesmas paixões. No mundo há igual massa de bem e de mal. Atirar os homens uns contra os outros é técnica eficiente de governar a todos. A corrupção do governo sempre começa pela corrupção do princípio que o estruturou e legitimou.
Em província com língua, costumes e leis diferentes, o príncipe deve: (1) tornar-se defensor dos mais fracos; (2) debilitar os poderosos locais; (3) acautelar-se contra a entrada de um estrangeiro tão poderoso quanto ele. O desejo de conquistar é natural e comum. Os homens capazes de satisfazê-lo sempre serão louvados. Há três maneiras de preservar a posse de Estados acostumados a governar-se por leis próprias: (1) devasta-los; (2) morar neles; (3) permitir que vivam com suas leis, arrecadando um tributo e formando governo de poucas pessoas. Alguém pode se tornar príncipe: (1) pela fortuna; (2) pelo valor próprio; (3) pela perversidade, por meios criminosos contrários às leis humanas e divinas; (4) pelo favor dos compatriotas. Para se chegar ao principado civil não há necessidade de muitos méritos e nem de grande fortuna; bastam astúcia, mercê dos concidadãos e permanecer amigo do povo. As injúrias devem ser feitas todas de um só golpe para que, experimentado menos o seu sabor, ofendam menos. Os benefícios devem ser cedidos aos poucos, de sorte que sejam mais bem saboreados. Sem estar apoiado na sua própria força, nenhum principado estará seguro. Para se conservar, o príncipe deve ser mau, dispor de boas armas e disto servir-se quando necessário; há de ser raposa para conhecer as armadilhas internacionais e leão para aterrorizar os lobos que se avizinham do seu reino. Na guerra, triunfar pela força, pela astúcia e pela fraude. Quem despreza a arte guerreira produz a sua própria ruína. Ante a maldade humana, guardar a fé jurada e a palavra empenhada será tolice. Mais prósperos nos negócios são os que seduzem pela astúcia. O príncipe deve ter poucas despesas, evitar ser odiado, amar as virtudes, honrar os que se destacam em qualquer arte, oferecer festas e espetáculos ao povo. A prudência consiste em conhecer a natureza dos inconvenientes e adotar o menos prejudicial como sendo bom. O príncipe deve escolher ministros bons, competentes, leais, e prestigiar a função disciplinadora da religião, ainda que pessoalmente não tenha fé. A religião cristã debilita o povo e o faz presa fácil. As cortes estão repletas de aduladores. O príncipe deve evitá-los. Melhor é ser impetuoso do que prudente, porque a fortuna é mulher e para lhe ter o domínio mistér se faz bater nela e contrariá-la. A mulher se deixa subjugar mais pelos impetuosos do que pelos indiferentes. Como a mulher, a fortuna é sempre amiga dos jovens, pois são menos circunspetos, mais impetuosos e com maior audácia a dominam.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 13



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

John Wycliffe, padre secular, doutor em teologia, professor em Oxford, faz oposição a igreja de Roma (1320 a 1384). Na opinião dele, a ordem divina é necessária e restrita a deus. O mundo não pode ser diferente do que é. Ele censura o mundanismo de papas e bispos enquanto os fiéis vivem em extrema pobreza {Inglaterra do século XIV}. Somente os probos têm direito à propriedade e a aspirar à autoridade legítima. O clero ímprobo fica sujeito a julgamento pela autoridade civil (Estado) e pode perder a propriedade. Ademais, se Cristo e apóstolos nada possuíam, o clero também deve nada possuir. O rei é o vigário de deus e representa a divina realeza de Cristo. Portanto, deve ser obedecido sem contestação ou resistência. No cisma da igreja (papado italiano x papado francês, 1378 a 1417) John qualificou o papa de anticristo; elaborou versão inglesa da Vulgata {Bíblia vertida do grego para o latim por Jerônimo e do latim para o inglês por John}; fundou uma ordem secular de padres pobres (pregadores itinerantes); e discordou da doutrina da transubstanciação {mudança de substância: o pão e o vinho mudam para corpo e sangue de Cristo quando o sacerdote pronuncia as palavras de consagração durante a missa; permanece a forma ou aparência do pão e do vinho}. Na opinião de John, a igreja hierárquica, dominada pela cúria romana, deve ser substituída por uma igreja nacional, reformada e governada segundo o cânon bíblico. [A pregação de John surtiu efeito com a fundação da igreja anglicana por Henrique VIII. O particularismo nacional (inglês) superou o universalismo (romano)].

Após derrotar o movimento conciliar que advogava a supremacia do concílio geral dentro da igreja, o papa admite a soberania nacional de cada reino ao celebrar acordos bilaterais com os reis (concordatas). Chega ao fim a res publica christiana (unidade temporal e espiritual de todos os povos sob o báculo pontifical). Sobreveio novo dogma: a igreja existe em cada nação {ainda que não abranja todas as nações}.   

Os costumes, crenças e idéias medievais são expostos na obra de Dante Alighieri, toda ela penetrada por textos bíblicos. Ele foi banido de Florença quando o partido rival assumiu o poder. Morreu exilado em Ravena (1321). Na Divina Comédia, o florentino narra uma viagem do inferno ao céu, passando pelo purgatório, cheia de digressões e alusões que refletem a sua experiência de vida e a sociedade do seu tempo. Dante reserva um enclave no inferno aos filósofos gregos que não eram batizados na fé cristã (velada crítica a Tomás de Aquino que esposou o pensamento aristotélico). Na obra intitulada Da Monarchia, Dante expõe o seu pensamento político contrário à intromissão do papa nos negócios de Estado. Tem diante dos olhos o reinado de Frederico II. Nega a supremacia da igreja e rebate a teoria das duas espadas. Considera juridicamente nula a doação de Constantino, posto que a ninguém é lícito praticar, através do cargo que ocupa no Estado, atos contrários à respectiva função. O imperador não pode alienar a dignidade do Império e nem o Império se autodestruir. A autoridade do monarca depende diretamente de deus e não do vigário {absolutismo do rei}. Só deus – que não está subordinado a poder algum – elege o imperador. O objetivo principal da política é a ação e não a especulação, diz o florentino. A ação supõe uma finalidade comum a todos os homens: a paz universal. [No entanto, os homens (primitivos e civilizados) amam o combate físico e intelectual. A dialética é vista como guerra entre opostos. A guerra é vista como lei da natureza. Há quem faça apologia da guerra]. Na opinião de Dante, para alcançar a paz é necessário alguém que reine e esse alguém deve ser o imperador, juiz supremo das controvérsias entre os príncipes. Melhor os homens serem governados por um só (monarquia) do que por muitos (aristocracia e democracia).       

Reagindo contra a escolástica e o endeusamento de Aristóteles, alguns filósofos como Pletone, Ficino e Mirandola recorreram a Platão. Seguiam as pegadas de Plotino. Tentavam conciliar platonismo e cristianismo. Giovanni Picco de la Mirandola defendia uma religião universal que combinava platonismo, cabala e cristianismo (1463 a 1494). Ele, Pietro Pomponazzi (1462 a 1525) e outros, não se esquivavam da magia; desta, retiraram os aspectos naturais. Marsílio Ficino (1433 a 1499) e Tommaso Campanella (1568 a 1638) também admitiam a magia, porém na sua expressão mais espiritual ou demoníaca. Alguns filósofos aderem ao estoicismo, ao epicurismo e ao ceticismo. Lorenzo Valla, Pietro Pomponazzi, Leonardo da Vinci e Niccolò Machiavelli são os grandes nomes do período. Para Lorenzo, o prazer tranqüilo era o supremo bem, o ascetismo era inútil e morrer pelo país uma irracionalidade. Quanto a Pietro, lecionava filosofia na Universidade de Pádua e refutou o misticismo neoplatônico. Ele interpretou o universo em termos de causa e efeito. Na opinião dele, a crença em recompensas e punições depois da morte não pode servir de base à Ética. A recompensa pela virtude é a própria virtude que faz o homem feliz. A punição do vício é o próprio vício que faz o homem infeliz. Leonardo não escreveu obra filosófica, mas pensou como filósofo ao rejeitar a autoridade como fonte da verdade, ao aplicar o método indutivo nas suas pesquisas, ao condenar a guerra como a mais bestial das loucuras, ao qualificar de atrocidade o homicídio e ao defender o segredo de invenção para evitar o seu mau uso pelos governantes. [No mundo moderno, o conhecimento científico está a serviço da política e da economia].   

domingo, 8 de junho de 2014

COPA 2014 - II



No esporte coletivo (futebol, basquete) o vocábulo amistoso tem significado próprio. No Paraná, anos 50, jogar baralho ou futebol a “leite de pato” significava jogar sem apostar, disputar sem prêmio em dinheiro ou troféu ao vencedor. Este é o sentido de “amistoso” no futebol: disputa fora de campeonato, “a leite de pato”. Amizade e cordialidade são componentes do espírito esportivo: as equipes não se tratam como inimigas e se pautam pela civilidade, lealdade, respeito humano. Isto não obsta a virilidade na luta pela vitória, ainda que o jogo seja amistoso. O jogador violento está sujeito à sanção aplicada pelo árbitro (expulsão de campo), pelo clube (censura) e pelo tribunal (suspensão).
Nos jogos amistosos da seleção brasileira com as seleções do Panamá e da Sérvia (03 e 06 de junho/2014) houve lances ríspidos e revides. A brasileira foi vitoriosa, porém não convenceu. Está no caminho. A vedete da seleção parece incorrer no equívoco de se preocupar em ser o melhor jogador do mundo sem levar em conta as peripécias nos bastidores da FIFA para essa escolha. A pretensão é justificável, mas não a preocupação. Esta é óbice psíquico a atrapalhar o bom desempenho do jogador, como ficou evidente nestes amistosos. A preocupação dos jogadores com o aplauso do público foi outro óbice que influiu no rendimento de toda a equipe. Ótimos em seus clubes, na seleção alguns não exibiram o mesmo nível. A badalação gera esse efeito negativo. Os dirigentes da seleção certamente sabem disto, mas para eles o resultado financeiro positivo é mais importante do que o bom resultado esportivo.
“Treino é treino; jogo é jogo”, dizia o mestre Didi. Os amistosos foram treinos. Espera-se que nos jogos da copa a seleção brasileira seja mais convincente. A rapaziada folga sábado e domingo. Os treinos recomeçam na segunda-feira (09/06). O primeiro jogo é contra a seleção da Croácia, na quinta-feira (12/06). Empate e derrota da seleção brasileira não estão descartados. Ufanistas, preparai-vos!
Na Europa oriental, a Iugoslávia era respeitável escola de futebol. Dessa república federativa socialista faziam parte: Bósnia/Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia. Os quatro primeiros estados se retiraram da federação logo após a dissolução da união soviética em 1991. Os dois remanescentes (Montenegro e Sérvia) constituíram a República Federal da Iugoslávia, que se extinguiu em 2003. A sobrevivente comunidade Montenegro + Sérvia foi rompida em 2006. Diante dessa fragmentação política, o futebol iugoslavo (“eslavo do sul”) parece que perdeu a sua primitiva força, apesar do talento de alguns jogadores. Bósnia e Croácia mostram-se dispostas a manter a tradição. O público avaliará o nível do futebol eslavo durante a copa.
No público dos esportes coletivos prevalece a emoção. Isto dificulta análise desapaixonada. Todavia, funciona a inteligência emocional. O público percebe o que está bom ou ruim nas equipes. Daí, as vaias ocasionais. No estádio do Morumbi, localizado na cidade de São Paulo, o público gritou o nome de Fabiano durante o jogo entre as seleções do Brasil e da Sérvia. O público – que não é cego e nem idiota – sabia que aquele jogador não estava no banco dos reservas e nem integrava o elenco e, portanto, não poderia participar do jogo e nem da copa. O grito foi de protesto contra a injusta exclusão de Fabiano. O público sabe que esse jogador está em boa forma e que por sua visão de jogo, por saber driblar, prestar assistência e finalizar com sucesso é tecnicamente superior a Fred, Jô e outros convocados.
Nos amistosos desta semana, jogadores brasileiros, inclusive a vedete criada pela imprensa esportiva e pela propaganda comercial, mostraram-se tão temperamentais quanto Fabiano e mais vacilantes do que ele. O público manifestou a sua opinião e a sua discordância de modo legítimo. A liberdade de manifestação do pensamento é garantida pela vigente Constituição brasileira. Em país democrático, no qual todo o poder emana do povo, a vontade popular há de ser respeitada, ainda mais quando manifestada publicamente, de forma plural, clara e inequívoca. No campo esportivo, entretanto, a democracia ainda não chegou. Persiste a ditadura civil dos dirigentes das entidades esportivas com o apoio de setores da imprensa.                  

sexta-feira, 6 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 12



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e Miguel de Cesena (Geral da Ordem Franciscana) foram excomungados porque apoiaram os rebeldes franciscanos que haviam desafiado a autoridade do papa em assunto patrimonial. Acoitaram-se na corte do imperador Luís da Baviera. A excomunhão, espada de Dámocles sobre a cabeça de todo cristão, abria aos excomungados as portas de entrada do inferno. Sobre a existência de portas de saída, há divergência. Na opinião de alguns, após estágio no inferno, a alma do pecador ascende ao céu. Na opinião de outros, o inferno é a morada definitiva e eterna da alma do pecador. Sobre o local dessa morada também há discordância. Para uns, fica na Terra: ou no interior do planeta (centro de elevada temperatura) ou na superfície (sociedade humana infernal). Para outros, o inferno localiza-se em mundo distinto (físico ou espiritual). O povo cristão não tem idéia clara do que seja o inferno, mas apenas elementar noção de ser lugar de padecimentos horrorosos. Fora do âmbito religioso, o inferno é visto como invenção de uma elite sacerdotal para disciplinar a massa popular através do medo.
Marsílio, italiano de Pádua, médico, professor na faculdade de artes de Paris, formula idéias sobre a estrutura e o funcionamento dos poderes secular e espiritual (1275 a 1343). Escreveu “Defensor Pacis” (em homenagem ao imperador), “De Translatione Imperii” e “Defensor Minor”. A teoria política de Marsílio repousa nas lições de Aristóteles, na idéia de supremacia da comunidade e da lei, e na sua própria experiência de vida nas comunas italianas. Segundo esse filósofo, a soberania reside no povo; a força criadora das instituições humanas emana do povo. Do concílio {assembléia magna de dignitários eclesiásticos} o povo deve participar. A decisão sobre excomunhão deve competir ao concílio e ser sancionada pelo povo. [Evidente a intenção de Marsílio de retirar do papa o poder de decisão nessa matéria]. O concílio não devia se imiscuir em assuntos de Estado. O poder eclesiástico não deve se estender à sociedade civil cujo governo compete exclusivamente ao imperador. A saúde do reino (paz) consiste na boa organização em que as partes (campônios, artesãos, soldados, mercadores, sacerdotes, príncipe) realizam as obras que lhes são próprias segundo a razão e a sua instituição. A pretensão dos bispos de Roma a uma jurisdição coercitiva sobre o mundo inteiro animada pelo desejo de governar constitui “autêntica peste maligna inimiga irredutível de toda paz e de toda felicidade humana”. As coisas do mundo material, o poder coercitivo principalmente, competem ao príncipe. Se o governante abusar do poder, o povo que o investiu poderá depô-lo. O povo deve escolher homens prudentes e experientes para que elaborem as leis. O clero é necessário para educar e conduzir os homens à salvação espiritual. A igreja se compõe do clero e de todos os crentes. O povo da Igreja (sacerdotes e leigos) e o povo do Estado (cidadãos) são um só, indistintamente. A igreja integra a comunidade civil e está sujeita às leis humanas e à autoridade do imperador. O clero carece de força coativa para impor os seus preceitos; sua autoridade é moral, restrita aos assuntos espirituais. A coação não traz qualquer benefício espiritual para a salvação eterna de quem a sofre. O sacerdote avalia se um ato é ou não é herético, mas compete ao monarca aplicar pena ao réu se comprovada a heresia. Da saúde do corpo, cuida o médico; da saúde da alma, o sacerdote.  
Guilherme (1290 a 1350), inglês, frade franciscano, nascido em Ockham, lecionou em Oxford e Paris. Por tangenciar a ortodoxia, ele foi repreendido pelo papa em 1324 e 1328, antes de ser excomungado. Guilherme adota empirismo radical contrário à metafísica. A realidade é inerente às coisas singulares. Estas se submetem à experiência. Disto, advém conhecimento certo e direto. Para explicar o ser, inútil fazer com mais o que pode ser feito com menos; os entes não devem ser multiplicados além do necessário. Se a Física basta, desnecessário recorrer à Metafísica. Se a explicação simples basta, desnecessário complicar. A Lógica trata das palavras e nela há conhecimento geral do significado. Cuida-se de abstração e não de apreensão direta da realidade. A Lógica há de ser vista como instrumento verbal que se ocupa do significado dos termos no sentido aristotélico. Os conceitos utilizados no discurso são produtos da mente. Declarações sobre coisas (que são singulares ou particulares) não se confundem com declarações sobre palavras (que são universais). O conhecimento de deus é matéria de exclusivamente. O aparato racional é inadequado para esse tipo de investigação e também para explicar o conjunto de dogmas da religião.
O pensamento de Guilherme provoca o divórcio entre filosofia e teologia. Razão e fé são incompatíveis. [A preeminência da igreja no campo filosófico cessa a partir do século XVI]. Na opinião de Guilherme, a igreja é a soma dos cristãos individualmente considerados. [Posteriormente, Lutero quebrou essa unidade e a igreja se dividiu em católica (bizantina + romana) e protestante]. O papa tem primazia no terreno espiritual, porém deve respeitar os direitos dos homens concedidos por deus ou decorrentes da natureza. No domínio temporal, os leigos são mais competentes do que o papa. A intervenção do papa nessa área deve revestir caráter excepcional, longe da plenitude do poder. O papa e o concílio geral (ecumênico) não são infalíveis, inclusive em matéria de fé. Inexiste outro magistério doutrinal além da escritura e da razão. A evidência desse magistério deve ser defendida até contra autoridade (secular ou religiosa). O concílio geral deve ser composto de clérigos e leigos {príncipes e pessoas eminentes, o que lhe dá uma feição aristocrática}. “Defende-me com a espada e eu te defenderei com a pena”, diz Guilherme ao imperador. Compromisso honrado. Guilherme redige textos vigorosos censurando a conduta mundana do papa e defendendo a soberania do imperador. A fonte do poder imperial não está no papa e sim no consenso do povo. [Vox populi vox Dei]. As escrituras, diz ele, não negam ao imperador competência em matéria espiritual. À autoridade secular cabe defender a nobreza de deus e da fé católica e punir o papa ou qualquer sacerdote que se comporte de modo herético ou escandaloso. O imperador deve estar consciente da sua missão espiritual e respeitar os direitos e as liberdades do povo.      
Razão livre dos óbices metafísicos e teológicos abre caminho à investigação científica. No campo da fé, as extravagâncias provocam reação, um movimento místico censor fundado na sensatez. Mestre Eckhart, frade dominicano, foi o grande nome desse movimento. Ele ignora propositalmente as exigências da ortodoxia. Temendo mais o místico do que o livre pensador, a igreja declara heréticas as doutrinas desse frade (1329).

quarta-feira, 4 de junho de 2014

FILOSOFIA XII - 11



EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

A escolástica teve seus grandes dias no século XIII, coincidindo com a luta feroz entre o papa e o imperador (1201 a 1300). A religião institucionalizada (ecclesia romana) exercia forte influência sobre o povo. Isto contribuiu mais para a estática do que para a dinâmica social. O sistema de valores da igreja cristã – de maior eficácia junto ao povo do que junto ao clero – não era propício ao desenvolvimento econômico e ao governo civil independente, o que afligia estadistas e negocistas (reis, ministros, banqueiros, mercadores, produtores).
Os expoentes da escolástica foram: Alberto Magno, alemão, nascido em 1193, e seu discípulo Tomás, italiano, nascido na aldeia de Aquino, próxima de Monte Cassino, em 1225. Ambos eram frades dominicanos, professores na Universidade de Paris e estudiosos da obra de Aristóteles. Tal qual o filósofo grego, Alberto tratou de vários assuntos (botânica, fisiologia, cosmologia), valorizou a experimentação e definiu a filosofia natural como “conhecimento que decorre da investigação das causas dos fenômenos naturais”.
Tomás escreveu a Suma Teológica (que deixou inconclusa) e textos sobre política, economia e outras matérias. Parou de escrever após êxtase espiritual ocorrido enquanto celebrava missa em Nápoles (06/12/1273). Indagado sobre o motivo de interromper o seu lavor intelectual, ele responde que lhe foram reveladas coisas de tal ordem que diante delas tudo o que escrevera parecia palha. Antes de comunicar o conteúdo da revelação resultante desse transe, ele morre a caminho de Lyon, onde participaria de um concílio da igreja. Tomás introduziu na doutrina católica a filosofia aristotélica. Da sua obra, nota-se o propósito de demonstrar a racionalidade do universo e de estabelecer o primado da razão. Ele admite duas fontes legítimas do conhecimento: (1) a razão, que extrai da experiência sensorial a matéria do pensamento; (2) a revelação, que permite a visão e compreensão daquilo que a razão não pode alcançar.
Na concepção de Tomás, o plano cristão visava justiça e paz na Terra, bem como a salvação da humanidade em um novo mundo. Igreja e Estado reinam sobre a humanidade. O poder político tem por fim implantar o reino da justiça. Todo poder emana de deus e tudo segue a lei eterna, razão própria do governo das coisas. Ao governante compete realizar o bem comum. A igreja conduz o povo ao porto da salvação eterna. Tomás acreditava na capacidade do homem para conhecer e compreender o mundo. Na sua douta opinião, a piedade é mais um produto do conhecimento do que da fé. Embora não provadas pelo intelecto, a trindade e a criação do mundo trazem em si a racionalidade de deus. O supremo bem do homem é a realização da sua verdadeira natureza, que consiste no conhecimento de deus acessível pela razão nesta vida e efetivada com perfeição na vida extraterrena.
Na teologia de Tomás, deus é a fonte de tudo que existe. Em deus se confundem essência e existência. “O princípio exterior aos atos humanos que conduz ao bem é deus, que nos instrui através da lei e nos ajuda através da graça”. Dessa fonte divina brota o sistema cósmico no qual se inserem a lei natural e a lei positiva. Esta última (lei positiva) é uma ordem visando ao bem comum ditada pela razão e elaborada por quem comanda a sociedade. O objetivo da lei humana positiva é a utilidade dos homens. Essa lei deve ser ordenada ao bem comum da cidade. A lei divina pode ser revelada e constar das escrituras sagradas. A razão humana é insuficiente para explicar e interpretar essa lei divina positiva
O dever de obediência do povo cessa quando o governante afasta-se do bem comum e transgride a lei. Resistir à tirania e derrubar o tirano (sem matá-lo) constitui ação legítima do povo (sem tipificar sedição). Apesar do perigo de tirania, o governo de um só rei (monarquia) é mais vantajoso do que o governo de muitos (aristocracia e democracia). No final do século XIX (1801 a 1900), Tomás foi eleito filósofo oficial da igreja católica pelo papa Leão XIII. O tomismo é ensinado nas escolas católicas e tem adeptos dentro e fora da igreja. Na Idade Moderna, o tomismo sofre a concorrência do materialismo dialético, doutrina oficial do socialismo.
Roger Bacon, inglês, professor, frade franciscano, contemporâneo de Tomás, valoriza o estudo empírico em detrimento da especulação metafísica. Ele separa as esferas da razão e da fé, a filosofia da teologia, afasta a investigação racional do domínio religioso. Cada setor deve manter o seu cabedal e respeitar os dogmas do outro. A independência de um setor se conserva desde que não entre em liça com o outro. Convivência pacífica entre dialética e revelação. Sem prejuízo da sua pesquisa, o cientista pode ter crença religiosa. {O mesmo pensava Lavoisier (1743 a 1794): deixo a Bíblia no console à entrada do meu laboratório e apanho-a na saída}. As conclusões oriundas do método dedutivo devem passar pelo teste da experiência a fim de adquirir legitimidade. Desconfiando das traduções, por ele qualificadas de precárias, Roger criticou Tomás por se colocar como autoridade em Aristóteles quando incapaz de ler no original a obra do grego. Banido de Oxford por suas idéias, Roger exilou-se em Paris (1257). Atendendo ao pedido do papa Clemente IV, Roger lhe fornece um sumário da sua filosofia. Recebeu permissão para retornar a Oxford. Após a morte do papa, Roger foi condenado e passou quinze anos na prisão. Morreu em liberdade (1294).       
Duns Scotus, escocês, frade franciscano, lecionou em Oxford, Paris e Colônia (1270 a 1308). Considerado o último dos escolásticos, ele aprofunda a ruptura entre fé e razão, dá ênfase ao aspecto emocional e prático da religião (misticismo) em detrimento do aspecto intelectual. Tudo deve ser aceito pela fé. A teologia não se confunde com a filosofia. Os argumentos de Tomás e de Agostinho não são adequados, porque o primeiro se apóia na experiência sensorial e o segundo na iluminação divina. Além disto, argumento e prova pertencem à filosofia e não à teologia, posto ser esta o conjunto das crenças derivadas da revelação. O poder supremo reside na vontade de deus. Na alma humana, a vontade governa o intelecto. O poder da vontade dá liberdade ao homem. O intelecto se restringe pelo objeto ao qual se aplica. O poder volitivo limita-se ao que é finito. Diante da necessidade, a liberdade é impossível. A existência do infinito é necessária; a liberdade não tem lugar nesse campo. A doutrina da liberdade oposta à necessidade sintoniza com o pensamento de Agostinho.
O nominalismo foi uma das causas do declínio da escolástica. Para os nominalistas somente as coisas individuais (singulares ou particulares) são reais. Os universais são invenções do espírito para exprimir as qualidades comuns a certo número de objetos. Todo conhecimento tem sua fonte na experiência. As verdades da religião não podem ser demonstradas mediante o raciocínio lógico. Ressuscitado no século XIV (1301 a 1400), o nominalismo popularizou-se na Europa ocidental, serviu de base ao progresso científico e foi o cimento intelectual dos movimentos que culminaram na revolução protestante.