segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

direito - relativismo

EFEITOS DELETÉRIOS DA RELATIVIDADE NO DIREITO

A relatividade dos princípios essenciais do Estado e dos direitos fundamentais da pessoa humana, sustentada pelo governo brasileiro com o aval do Supremo Tribunal Federal como, por exemplo, o da separação dos poderes, na reforma do Judiciário, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, na reforma da previdência social, serve a propósitos de países do primeiro mundo e a organismos internacionais (como o FMI).

O julgamento da ação direta de inconstitucionalidade versando a taxação dos inativos chegou a extremos que nem os ministros da ditadura de 1964/1984 ousaram chegar. O Guardião da Constituição rasgou a Constituição (CF, 102). A parceria entre os poderes da República mostrou-se efetiva, quando agentes do Executivo visitaram os membros do STF e trocaram idéias sobre matéria do interesse do governo, em julgamento.

Os direitos fundamentais da pessoa humana caíram na vala comum da relatividade. Num sofisma para agradar ao príncipe, 7 ministros do STF equipararam o conceito “absoluto” ao conceito “fundamental”, mediante um raciocínio que pode ser expresso da seguinte maneira: “direito fundamental é direito absoluto; ora, não há direito absoluto; logo, não há direito fundamental; todo direito é relativo”. A vingar essa doutrina da relatividade jurídica, só haverá efetividade dos direitos fundamentais no Brasil enquanto tais direitos não atrapalharem os propósitos do governo e dos organismos internacionais.

Direito fundamental não é absoluto nem relativo e sim preceito estrutural da ordem jurídica. Resulta, em uma democracia, da soberana vontade do povo, manifestada através do legislador constituinte. A estrutura jurídica do Estado decorre da decisão tomada pela Assembléia Constituinte, expressão da vontade da Nação. Essa vontade, no caso brasileiro, está em sintonia com as conquistas da civilização ocidental em matéria de dignidade da pessoa humana. A intangibilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana em face da ação dos governantes é uma dessas conquistas históricas. A segurança jurídica, a certeza do direito de cada cidadão, constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

A decisão majoritária do STF ignorou esses fundamentos e retrocedeu ao Estado autocrático, em que as ações dos governantes colocam-se acima das liberdades públicas e dos direitos individuais e sociais. Nesse infeliz episódio, a vocação autoritária do governo brasileiro, palatável aos organismos econômicos internacionais, encontrou guarida no STF.

A maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do ato normativo que modificou o sistema previdenciário no Brasil e tornou obrigatória a contribuição dos aposentados. Isto não quer dizer que a minoria dos juízes daquele tribunal estivesse errada, ou que o seu entendimento fosse qualitativamente inferior ao da maioria. Houve diferença de enfoque na apreciação da matéria. O da maioria foi um enfoque político; o da minoria, um enfoque jurídico. Entre respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana ou atender aos interesses financeiros do governo, a maioria dos juízes optou pelo segundo membro da alternativa. Prevaleceram os interesses do governo em face dos interesses do povo. Tal foi o resultado da ponderação nesse caso concreto.

O legislador constituinte estabeleceu os direitos fundamentais sob o artigo 5º, da Constituição de 1988. A intangibilidade desses direitos vem assegurada sob o inciso IV, do §4º, do seu artigo 60. Entre esses direitos fundamentais está o ato jurídico perfeito, expressão do princípio da segurança jurídica, cerne do Estado Democrático de Direito.

Em sentido amplo, o conceito de lei inclui a emenda constitucional. A lei nova tem efeito regular prospectivo. Deve, portanto, respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada. A lei nova não pode retroagir para prejudicar. As aposentadorias concedidas na forma da lei tipificam ato jurídico perfeito. Devem ser regidas pela lei do seu tempo, consoante preceito jurídico universal.

Ao desrespeitar as garantias constitucionais, a decisão política tomada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal:

(i) afrontou a intangibilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana;

(ii) colocou em xeque a segurança jurídica dos brasileiros;

(iii) gerou a inquietude e reforçou, na alma do povo, a desconfiança no direito positivo e na justiça nacional.

Contra a intangibilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana, militam interesses econômicos. Parte da doutrina estrangeira está a serviço desses interesses (inclusive alemã e estadunidense, que mais impressionam as mentes colonizadas). Afastar a intangibilidade dos direitos fundamentais interessa, por exemplo, ao FMI, pois o seu receituário ficará livre de um complicador.

Em França, a cumplicidade com o Executivo acarretou aos juízes a antipatia popular, a desconfiança e a falta de apreço, que se traduziram em restrições constitucionais à atividade judicial. O controle da constitucionalidade das leis em alguns países europeus não é confiado ao Poder Judiciário e sim a um Tribunal Constitucional autônomo. No Brasil, mediante emenda à Constituição, foi criado um Conselho Nacional de Justiça como reflexo da desconfiança do povo em relação aos juízes. A emenda é inconstitucional porque falta ao Poder Legislativo, competência para reformar os outros poderes. Ao legislar sobre a reforma do Judiciário, o Legislativo usurpou o poder constituinte originário do povo, representado na assembléia nacional constituinte, e atentou contra a independência e a harmonia dos poderes.

Nenhum comentário: