segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

VEREADORES
Antonio Sebastião de Lima

Os discursos sobre o Estado variam da apologia (Hegel) à aversão (Nietzsche) e à negação final (Marx). Cada teoria reflete a idéia que o pensador faz do homem e da sociedade. Através dos sentidos humanos, o indivíduo percebe o Estado de modo fragmentário. Ele capta visualmente a arquitetura estatal: monumentos, palácios e outros edifícios da chefia do governo, dos ministérios, do parlamento, dos tribunais, do governo estadual, da assembléia legislativa, da prefeitura, da câmara municipal, do fórum, dos quartéis, delegacias, escolas, bibliotecas, museus. O indivíduo sente a efetividade do Estado pela ação política e administrativa: (i) construção, manutenção e conservação de estradas, pontes, viadutos, canais, represas, usinas de energia e outros bens públicos (ii) fornecimento de água e luz elétrica (iii) serviços de educação, saúde, transportes, limpeza, esgotos (iv) proteção à família, aos menores, idosos, índios e deficientes (v) defesa nacional, segurança pública, seguridade social, defesa do meio ambiente (vi) apoio e incentivo à cultura, à ciência e à tecnologia (vii) cobrança de tributos, serviços cartorários. A realidade do Estado também é percebida pela presença dos seus agentes: chefes de governo, ministros, parlamentares, magistrados, secretários, fiscais, policiais, soldados e outros servidores internos e externos. Tais atividades e agentes compõem um dos elementos do Estado: o governo (os outros elementos são: o território e o povo).
A arquitetura, as atividades e os agentes do Estado adquiriram maior visibilidade com as emissoras de televisão. A distinção entre Estado, governo e agente ficou mais nítida. O Estado pode ser relevante ou irrelevante e o governo pode estar bem ou mal organizado, porém jamais serão falsos ou verdadeiros, honestos ou desonestos. Ambos exibem natureza cultural e realidade fática. Idéias erradas e falhas de caráter são próprias dos agentes e não das instituições. Os agentes, em geral, primam pela mentira e servem-se do governo para obter vantagens indevidas em proveito próprio, da sua família e do seu grupo. A afirmativa falsa do presidente dos EUA, George Bush, sobre armas nucleares e gases tóxicos no Iraque serve de exemplo. No Estado moderno, apesar dos serviços e das obras públicas, o governo dá maior atenção e garantia a uma camada social (nobreza, burguesia, nomenclatura). Na crise atual (2008) os agentes do governo auxiliaram prontamente as instituições financeiras. Com menos de 5% dessa ajuda, os governantes acabariam com a fome no mundo. Isto mostra a falácia do discurso político e o tamanho do descaso em relação à camada pobre.
O Congresso Nacional pretende aumentar o número de vereadores. No entanto, a necessidade é de redução. Pela nocividade (corrupção, atuação contrária ao interesse público) os legislativos federal, estadual e municipal deviam sofrer drástica redução no número de cadeiras. Tome-se como paradigma a câmara municipal de Itatiaia/RJ. Compõe-se de nove vereadores e realiza duas sessões por semana com duração média de 5 minutos cada uma. No ano de 2008, mais de 20 sessões não se realizaram por falta de quorum e, salvo o presidente, os demais vereadores faltaram a mais da metade das sessões, sem desconto nos subsídios e sem perder o cargo (fonte: ruicamejo.blogspot.com). Os vereadores recebem 15 subsídios mensais por ano. Além disso, ganham verba para turismo político. A pequena produtividade torna a câmara dispensável. Melhor substituí-la por um conselho comunitário formado pelas diretorias das associações de bairro com poderes para fiscalizar e controlar os atos do prefeito. Poupa-se dinheiro. As necessidades do município serão bem atendidas. Tal substituição devia ocorrer em todos os municípios com menos de duzentos mil habitantes. No legislativo federal, os representantes do povo nada fazem para: (i) coibir os abusos praticados pelos bancos e pelas empresas concessionárias na cobrança de tarifas e pedágios (ii) apurar a responsabilidade do presidente do Banco Central (raposa no galinheiro) por manter a taxa de juros em patamares elevados, fora da realidade internacional e contra os interesses nacionais, em evidente abuso de poder (iii) garantir os direitos dos trabalhadores (iv) nacionalizar as empresas indevidamente privatizadas no governo Cardoso e que agora demitem trabalhadores e acenam com mais demissões (nas empresas públicas prevalecem os fatores estratégico e social, enquanto na empresa privada prevalece o lucro) (v) apurar a responsabilidade do Presidente da República pelos cartões corporativos, por manter a raposa no galinheiro e pelas demais falcatruas de conhecimento público e notório (vi) livrar a Amazônia brasileira da presença de pessoas naturais e jurídicas que desafiam a soberania nacional, exploram e desviam as riquezas lá existentes.

domingo, 14 de dezembro de 2008

QUESTÃO INDÍGENA
Antonio Sebastião de Lima

As constituições brasileiras de 1934 e 1946 e as cartas fundamentais de 1937 e 1967 previam a incorporação dos silvícolas à comunhão nacional e reconheciam a posse das terras por eles ocupadas tradicionalmente. A Constituição de 1988 incluiu essas terras entre os bens da União, o que obstou a propriedade privada. O ritmo lento das demarcações pelo governo contrastava com o ritmo veloz das invasões pelos colonos, madeireiros e mineradores. A ação judicial em trâmites no Supremo Tribunal Federal (STF) para tornar sem efeito a demarcação da reserva indígena situada no Estado de Roraima representa mais um capítulo dessa novela. Até o momento, 8 ministros decidiram pela validade do processo demarcatório. Houve 4 votos prolixos, repetitivos, enfadonhos, cada um gastando mais de 60 minutos ao ser proferido (ministros Ayres Britto, Meneses Direito, Carmem Lúcia e Ricardo Levandowski). Os outros 4 votos foram de menor duração (ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, César Peluso e Ellen Gracie). Todos concordaram em inserir regras na parte dispositiva da sentença do tribunal (acórdão). Normalmente, lança-se no dispositivo da sentença apenas o juízo de acolhimento ou de rejeição (total ou parcial) da pretensão deduzida na petição inicial, resolvendo as questões suscitadas pelos litigantes. Embora bem intencionado ao mirar a efetividade do julgado e prevenir futuros litígios, o STF extrapolou os limites da lide (CPC 128 + 460). A ação judicial não era de mandado de injunção. O tribunal invadiu competência do Legislativo ao ditar normas de caráter geral que regulam situações futuras. O princípio da separação dos Poderes restou violado.
Na sessão de julgamento (10/12/08) foi louvada a sutileza do legislador constituinte por empregar “povos indígenas” em lugar de “nações indígenas”. Na verdade, o legislador usou os termos seguintes: populações indígenas, índios, grupos, comunidades. População é conceito demográfico, enquanto povo é conceito jurídico e nação é conceito sociológico. Na linguagem vulgar, tais vocábulos são empregados como sinônimos. “Nação indígena” é expressão sociologicamente correta. Enquanto nação, os índios podem se espalhar por vários países, como acontecia com os judeus até a primeira metade do século XX. Diferentemente dos judeus, os índios carecem do grau de civilização suficiente para constituir um Estado. A incidência eventual do princípio das nacionalidades (“cada nação, um Estado”) exige um prévio e longo processo de aquisição de ciência e tecnologia e de formação de uma complexa organização política. A parcela de índios localizada em solo brasileiro está submetida ao direito brasileiro e passa a integrar o povo brasileiro após se emancipar do regime tutelar. O índio se emancipa ao completar 21 anos de idade, entender a língua portuguesa, compreender os usos e costumes da sociedade brasileira e exercer atividade lícita e útil. A comunidade indígena se emancipa quando a maioria dos seus membros preenche os citados requisitos.
Os índios participaram das lutas entre europeus na América do Sul. Na disputa pelo Rio de Janeiro (França Antártica) em 1555, lutaram ao lado dos franceses, os chefiados por Cunhambebe, e ao lado dos portugueses, os chefiados por Araribóia. Na batalha de 1633/1634, travada no Nordeste, os índios chefiados por Poti lutaram ao lado dos portugueses e os chefiados por Nhanduí, ao lado dos holandeses. Na época, o Brasil não existia como nação, nem como Estado. Os índios perderam suas terras para o conquistador europeu. Com a independência do Brasil, as terras ficaram sob domínio exclusivo do Estado brasileiro. Aos índios foram assegurados: (i) a posse sobre as áreas que ocupavam por tradição (ii) o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes. Como titular da soberania territorial, o Estado brasileiro declarou aquelas áreas inalienáveis e indisponíveis. Reserva indígena supõe terras contínuas. Sem isto, a comunidade se desestrutura. Ao indígena é vital a área ecológica cuja fauna e flora não lhe guardam segredos, onde são conhecidos os caminhos que levam aos recursos naturais e as condições climáticas que norteiam a sua vida econômica.
Como acentuou o ministro Peluso, a autonomia da reserva indígena não impede que agentes do governo federal, com objetivos estratégicos, científicos e humanitários, lá penetrem, permaneçam, locomovam-se e construam. A autonomia dos índios reside na sua organização social, nos seus costumes, crenças e tradições. Entram na categoria de terras tradicionalmente ocupadas, aquelas terras por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessárias a sua reprodução física e cultural. A demarcação respectiva compete à União Federal. O acatamento cabe a todos.

domingo, 7 de dezembro de 2008

SAQUEADORES
Antonio Sebastião de Lima

Os saques durante a tragédia coletiva no Estado de Santa Catarina (chuvas, inundações, desmoronamentos, perdas de vidas e de bens materiais em novembro e dezembro de 2008) não é conduta exclusiva de brasileiros. Há saques também em outros países, durante calamidades públicas quando algumas pessoas liberam instintos e afrouxam os freios éticos, jurídicos e religiosos. Daí o direito penal considerar circunstância agravante o fato de o agente praticar crimes aproveitando-se da ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública. Todavia, sob outra ótica, o direito não considera crime o ato praticado em estado de necessidade. Diante de situações excepcionais, cabe à autoridade buscar a norma ou o princípio adequado ao caso.
Em programa de TV, um experiente engenheiro, especialista nesse tipo de catástrofe, questionado sobre a falta de medidas preventivas, incluiu na resposta a probabilidade de omissão intencional dos governantes. A omissão teria por objetivo arrecadar polpuda receita extra para o Município e/ou para o Estado, a cada catástrofe. Do ser humano, tudo se espera, de bom e de ruim. Prevenção e visão de futuro são moedas raras na administração pública brasileira federal, estadual e municipal. Estão aí favelas cada vez mais numerosas, excesso de veículos e falta de vias de trânsito para suportá-lo, calçadas obstruídas, excesso de população em algumas cidades e pequena densidade demográfica em outras, poluição ambiental em todas as modalidades, perda de recursos naturais, falta de recursos artificiais, fronteiras nacionais ameaçadas, governantes politiqueiros, governados lenientes, desonestidade geral, e assim por diante. Evitar problemas a tempo ou solucioná-los de maneira plena, satisfatória e definitiva, reclama gente honesta, inteligente, solidária, operosa, com senso de responsabilidade e espírito público.
A União Federal destinou 1 (um) bilhão e 49 milhões de reais ao Estado de Santa Catarina, a fundo perdido (sem prestação de contas) por causa das inundações. Além disso, pessoas naturais e jurídicas enviaram ajuda em dinheiro (milhões de reais) e em coisas (artigos de higiene, remédios, água potável, mobiliário, eletrodomésticos, alimentos, roupas, calçados, brinquedos). Esses bens não são contabilizados. Ficam sujeitos, portanto, ao desvio, ao armazenamento e entesouramento para uso futuro de políticos sem escrúpulos. Cuida-se, nessa hipótese, de indústria da desgraça coletiva.
Isto explica a existência de problemas crônicos nas diversas regiões do país, que solicitam verbas públicas e ajuda humanitária da população. Por diversas vezes, o povo brasileiro se mostrou generoso, sensível ao sofrimento dos seus irmãos de pátria. Milhares de brasileiros prestam serviços gratuitamente e enviam dinheiro e bens materiais em socorro dos flagelados. Campanhas por jornais, rádio e TV solicitam auxílio e arrecadam dinheiro e coisas. Missas e cultos são realizados pedindo ajuda divina. Houve época em que casais doaram até as alianças de casamento para abastecer de ouro o Brasil. Em todas essas ocasiões os saqueadores, oportunistas e aproveitadores estiveram presentes. A população não fica sabendo se o produto foi entregue de fato a quem dele necessitava.
Tal como o programa bolsa-família, que o governo pouco fiscaliza e o dinheiro é entregue a quem menos necessita, assim, também, a crise financeira mundial serve aos saqueadores do dinheiro público. Aproveitam-se do estado psicológico favorável e do mimetismo próprio do povo brasileiro, para forjar situação semelhante à das empresas e estabelecimentos bancários do hemisfério norte. Desse modo, arrancam dinheiro dos cofres públicos (Banco Central, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Alegam queda na produção e despedem empregados para coagir o governo (quando, na véspera, os balanços apresentavam lucros extraordinários, principalmente os balanços dos bancos privados). O capitalismo moderado pelo Estado, a partir de 1930, foi apenas uma camuflagem do capitalismo selvagem e amoral. Segundo o employment act, de 1946, o governo dos EUA se comprometia a atenuar os efeitos das flutuações econômicas e a manter a economia em expansão com o máximo de emprego, de produção e de poder de compra. Aos poucos, os donos do capital privado e do crédito foram se soltando. No caso de turbulência, o tesouro dos EUA resolveria. Realmente, na atual crise, os agentes financeiros privados foram prontamente atendidos pelo governo estadunidense. O mesmo ocorreu na França e na Inglaterra. Os trabalhadores, entretanto, estão amargando demissões em massa e férias coletivas. As empresas usam os trabalhadores como aríete contra o Executivo e Legislativo, a fim de obterem bilhões de dólares sem aumento da produção. Lá e cá, a democracia continua a ser um regime de proprietários e de vigaristas.