quarta-feira, 28 de outubro de 2020

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

O recente plebiscito no Chile com o propósito de consultar o povo sobre a necessidade, ou não, de se convocar assembleia nacional constituinte, agitou nações sul-americanas. A maioria do povo chileno votou a favor da convocação, saiu às ruas e entoou belo e comovente hino comemorativo. Evidente sinal da caducidade da Carta Magna chilena de 1980, promulgada sob o governo Pinochet. Provavelmente, em 2021, o Chile terá nova Constituição. Aqui, na terra onde canta o sabiá, alvoroçaram-se os “macaquitos brasileños” (royalties para os argentinos). Pretendem imitar os chilenos, apesar das diferenças. Agem como macacos em loja de louças. Anacrônicos, pois o contragolpe brasileiro já foi desferido em 1988.       

Assembleia constituinte compõe-se de representantes eleitos pelo povo com a finalidade de elaborar e promulgar a lei fundamental do estado. Trata-se do exercício democrático do poder constituinte. No Brasil, isso aconteceu em 1891, 1934, 1946 e 1988. A experiência política brasileira também passou pelo exercício autocrático do poder constituinte em 1824 (imperador), 1937 (ditador) e 1967/1969 (estamento militar). O autocrata atribui a um jurista ou a uma comissão de juristas e gramáticos, a tarefa de elaborar o projeto que depois ele outorga à nação como nova lei fundamental do estado. Com algum refinamento, reserva-se o título de (i) Constituição à lei fundamental resultante do exercício democrático do poder constituinte (ii) Carta Magna à lei fundamental quando outorgada por um indivíduo (rei, ditador) ou por um grupo (civil, militar, religioso, misto). 

Poder constituinte, na dimensão política e cultural de um povo, consiste na aptidão de um sujeito singular (rei, chefe, líder) ou plural (nação, povo, grupo civil/militar) para elaborar e promulgar válida e eficazmente a lei fundamental do estado. O exercício do poder constituinte é provocado por situações de fato, eventos de natureza social, política e/ou econômica, que reclamam novo tratamento jurídico. O caso chileno é exemplar. Havia anseio popular por mudança ante os persistentes efeitos do antigo regime (ditadura). A população foi consultada sobre a necessidade de se convocar assembleia constituinte. A resposta negativa significaria que o povo estava satisfeito com a ordem constitucional vigente. A resposta positiva significaria que o povo desejava novo arcabouço jurídico às suas aspirações, aos seus atuais interesses, a uma realidade incompatível com o antigo regime. A resposta da maioria do povo chileno foi positiva.

Consoante experiência política dos povos, a iniciativa do plebiscito pode ser tomada pelo chefe de estado ou pelo parlamento: (i) ex officio (ii) por provocação escrita de entidades representativas (iii) por reivindicação popular em praça pública. Ao povo cabe responder se deseja uma assembleia (i) exclusiva, que se dissolva depois da elaboração e da promulgação do novo texto constitucional (ii) inclusiva, que funcione como legisladora constituinte e como legisladora ordinária (iii) sucessiva, que após o término da função constituinte converta-se em parlamento ordinário. 

A toda revolução política vitoriosa, armada ou desarmada, a todo golpe de estado vitorioso, armado ou desarmado, segue-se nova lei fundamental alicerçada em princípios e normas sintonizados com as ideias, os valores, os motivos e os fins revolucionários ou golpistas. Na ausência de revolução ou de golpe, a mudança constitucional opera-se mediante reforma quando fatores internos e externos assim o exigirem e a lei fundamental em vigor permitir. Há estados em que a reforma constitucional só é possível através de assembleia constituinte. Em estados como o brasileiro, a reforma compete ao poder constituído (legislativo + executivo) mediante emenda à Constituição. Se houver cláusulas pétreas, estas só podem ser legitimamente afastadas ou modificadas pelo poder constituinte (assembleia).  

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de estado (ii) o voto aberto, secreto, universal e periódico (iii) a separação dos poderes (iv) os direitos e garantias individuais”. [CRFB 60, §4º]. 

Do ponto de vista formal, entende-se por Constituição do Estado, o documento escrito, supremo na hierarquia das leis, posto pelo titular do poder constituinte, contendo os princípios e as normas que plasmam a organização política, social e econômica da nação e que obriga a todos os cidadãos (governantes e governados). Considera-se legítima tão só a Constituição de origem democrática. Trata-se de qualificação ideológica sem respaldo científico. Seja de origem democrática ou autocrática, a lei fundamental do estado tem força normativa, vigora e é eficazHá o dever geral de obedece-la e os deveres correlatos aos direitos. Cuida-se da bilateralidade atributiva característica do fenômeno jurídico. A autoridade pública tem o direito de fazer cumprir as leis. O cidadão tem o dever de respeitá-la. O cidadão tem o direito de exercer as liberdades públicas. A autoridade estatal tem o dever de respeitá-lo. Governantes e governados têm o dever de respeitar os direitos individuais declarados na Constituição. O cidadão tem o dever de exercer o seu direito nos limites da lei, sob pena de ser responsabilizado por suas ações e omissões ilícitas. 

O movimento político chileno provocou, em parcela do povo brasileiro, a vontade de também convocar assembleia constituinte. Põe-se a questão: o exercício desse direito político da nação é oportuno e necessário? Para alguns, a resposta é positiva; entendem que a Constituição de 1988 caducou; não mais atende às exigências atuais do bem comum. Para outros, a resposta é negativa; entendem que a Constituição de 1988 ainda não esgotou o seu potencial, tanto na esfera pública como na esfera privada. 

A numerosa parcela nazifascista do povo brasileiro, principalmente do Sul (SP, PR, SC, RS) não suporta ouvir falar em direitos humanos; detesta as ideias de igualdade, fraternidade, solidariedade, assistência social e meio ambiente ecologicamente equilibrado; vê nessas ideias empecilho ao desenvolvimento econômico e aos seus próprios, liberais e particulares interesses; defende a elaboração de nova Constituição, quer por votação, quer mediante outorga, que expresse tal ojeriza e acolha tal pretensão. 


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

ESTUPRO IV

CASO ROBINHO

Esse jogador brasileiro responde a ação penal na Itália pela prática de estupro coletivo. Numa festa, depois de despachar a esposa para casa, ele e outros amigos levaram jovem mulher para local privado e com ela mantiveram relações sexuais. Estimulada pelos rapazes, a jovem havia se embriagado antes de ser conduzida ao camarim. A embriaguez retira a capacidade de entendimento, reduz o discernimento, relaxa o controle da vontade, deixa a pessoa sem condições de tomar decisões plenamente conscientes. A justiça italiana, no devido processo jurídico, deu provimento à acusação e condenou os réus. A sentença está sub judice na superior instância e poderá ser confirmada ou reformada. O jogador regressou ao Brasil contratado pelo Santos FC. Houve torcedores que aprovaram e outros que protestaram. Patrocinadores afastaram-se. O clube suspendeu a vigência do contrato até que o imbróglio com a justiça italiana seja definitivamente resolvido. O jogador alega inocência. Afirma que não manteve relação sexual com a vítima; que se limitou a colocar o seu pênis na boca da jovem; que ela consentiu no ato; que ele se arrepende de haver traído a esposa. No mínimo, essa parcial confissão do jogador à imprensa revela caráter mal formado e cumplicidade com a violência sexual sofrida pela jovem. Relação sexual por via oral ou anal também entra na definição genérica de conjunção carnal.      

CASO NEYMAR

A modelo e o jogador, ambos brasileiros, a milhas de distância um do outro, combinaram, por via eletrônica, encontro em Paris. Reuniram-se em quarto de hotel. No retorno ao Brasil, a mulher compareceu à delegacia de polícia e relatou acontecimentos em solo francês que tipificam crimes de lesão corporal e estupro cuja autoria atribuiu ao jogador. Por sua vez, o jogador postou na internet mensagens e fotos exibindo a nudez da modelo. Foram instaurados dois inquéritos policiais para apurar a autoria e a materialidade dos delitos de lesão corporal, estupro e violação da intimidade da mulher. As lesões corporais foram constatadas por laudo médico. A conduta violenta do jogador foi por ele próprio admitida ao afirmar que estava bêbado e meio louco (quiçá drogado). O jogador também admitiu ser o autor da divulgação das mensagens e fotos da modelo pela rede de computadores. Como a ação penal por delitos contra a liberdade sexual exige queixa, a vítima pode desistir de promover a persecutio criminis se for indenizada pelo agente. Talvez, no caso em tela, os inquéritos tenham sido arquivados por acordo entre as partes.     

CONDUTA CRIMINOSA

Diversas condutas são tipificadas no Código Penal (CP) como crimes contra a liberdade sexual: [i] constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça (estupro) [ii] constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado violento ao pudor) [iii] ter conjunção carnal com mulher mediante fraude (posse sexual mediante fraude) [iv] induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado ao pudor mediante fraude) [v] constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função (assédio sexual). Com exceção desta última, a conduta dos jogadores publicamente revelada pode ser enquadrada em qualquer das outras mencionadas. [CP 213/216]. 

O fato de a relação sexual ser eventualmente combinada não significa que a mulher esteja obrigada a consuma-la. À caracterização do crime são indiferentes a nacionalidade, o estado civil, a profissão, a raça, a cor, a posição social e o patrimônio do agente e da vítima. O agente e a vítima podem ser celebridades artísticas, ídolos do esporte, expoentes da política, grandes empresários, ou pessoas comuns. A prostituta pode ser vítima de estupro quando decide não consumar a relação sexual com o cliente. Os crimes contra a liberdade sexual implicam fraude, constrangimento, grave ameaça e violência; são praticados contra o corpo, a vontade e a dignidade da mulher. Derivam do incontido apetite sexual do homem, da necessidade de autoafirmação, da sede de poder, da ânsia de domínio. O agente desconsidera a alma da mulher e a trata como objeto da sua lascívia. 

MACHISMO

Na sociedade brasileira ainda se nota forte presença do patriarcalismo e do machismo, em que pese a esperança implícita em “O Crepúsculo do Macho” de Fernando Gabeira. A imoralidade dos costumes vem referida direta ou indiretamente nas obras de cunho sociológico como as de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) e Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro), literárias como as de Mario Andrade (Macunaíma) e Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela), nas peças humorísticas como as encenadas na TV por Chico Anísio e Jô Soares, nas novelas de TV como "O Bem Amado", em filmes como "Pixote" e "Bacurau", no cancioneiro popular como os versos cantados por Caetano Veloso (não há pecado abaixo do equador; é proibido proibir) e Chico Buarque (se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão). 

A conjunção carnal com mulher, por bem ou por mal, ainda é vista como legítima licença do macho. A fêmea está obrigada a se submeter, a disponibilizar o seu corpo; a negativa e a resistência constituem grave ofensa aos brios do macho. A infidelidade da esposa, companheira, noiva ou namorada, autoriza o seu espancamento e a sua morte a fim de lavar a honra do macho. No tribunal do júri, o macho é absolvido sob a excludente da legítima defesa da honra. 

Certa vez, na TV Gazeta, em programa esportivo, um dos jornalistas exaltava o vigor masculino de Ronaldo, renomado jogador de futebol, porque “traçava” quem estivesse à sua frente. Os jornalistas comentavam, naquele programa, o relacionamento do jogador com travestis num motel e as desavenças em torno do pagamento dos serviços prestados. Em virtude desse escândalo, o jogador perdeu a função honorária de embaixador da UNESCO. Entre os dirigentes e técnicos do futebol brasileiro está ausente o senso moral semelhante ao dessa entidade internacional. O jogador pode ser um crápula, mas se for tecnicamente bom e útil às vitórias da equipe, será contratado para vestir a camisa do clube e da seleção. Robinho e Neymar, ambos envolvidos em crimes contra a liberdade sexual da mulher, amplamente divulgados pela imprensa nacional e estrangeira, são recebidos de braços abertos, sem pudor algum, pelos comandantes brasileiros do esporte e apoiados por alguns torcedores, jornalistas e políticos. Essa receptividade reflete a frouxidão moral de considerável parcela do povo brasileiro e reforça a imagem do Brasil como republiqueta vagabunda, paraíso dos corruptos, liderada, dirigida e governada por gentalha.  

 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

DIREITO & TORTO

O direito na antiga Roma definia-se como arte do bom e do equitativo; complexo de normas consideradas justas, necessárias e úteis, ditadas pelo costume, pelo legislador e pelo jurisconsulto, que disciplinam as relações intersubjetivas tanto dos cidadãos entre si como dos cidadãos com estrangeiros. O estudo racional, metódico e sistemático dessa arte configura a ciência do direito. A eficácia da norma de direito trilha senda tortuosa, pois depende do entendimento, da vontade, do senso moral e da cultura dos destinatários (seres humanos) e dos operadores (juízes, promotores públicos, advogados). Enquanto deus escreve certo por linhas tortas, os humanos escrevem torto por linhas retas. A experiência brasileira fornece exemplos diários dos desvios na aplicação da norma jurídica. No drama processual, os juízes conferem efetividade aos direitos declarados na Constituição e nas leis. Para alguns juízes, a primazia cabe aos direitos humanos, à proteção dos indivíduos e dos cidadãos; para outros, a primazia cabe aos deveres humanos, à sociedade e ao estado. 

Nos últimos 30 anos, no Brasil, a segurança jurídica desceu a ladeira. O fator econômico encampou o fator político e este encampou o critério jurídico nos procedimentos policiais e na atuação dos agentes do ministério público e do judiciário. Contorcionismos cerebrais, interpretações capciosas, argumentações falaciosas, posturas indecorosas, frequentam a prestação da tutela jurisdicional. Serve de exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão dos dias 14 e 15 deste mês (outubro/2020), sobre liberdade e prisão de um traficante de drogas. O STF reuniu-se para referendar, em sessão plenária, decisão monocrática do seu presidente que cassou decisão monocrática lançada pelo ministro relator de um processo de habeas corpus (HC). O impetrante, condenado em processo criminal, pleiteava sua liberdade por exaustão do prazo da sua prisão preventiva. O ministro relator deferiu o pedido liminarmente e determinou a soltura do paciente. A pedido do ministério público, o presidente do tribunal suspendeu a execução da ordem de soltura sob a justificativa de garantir a ordem pública ante a periculosidade do réu. 

Esse processo foi um festival de chicana. O advogado do impetrante jogou com o sistema de distribuição para o HC cair nas mãos de algum juiz cujo pensamento jurídico coincidisse com a sua pretensão. O procurador-geral da república jogou com os dias da semana para protocolar a sua petição no sábado. Poderia fazê-lo na segunda-feira. O tribunal não estava em recesso. O procurador-geral buscou e obteve o despacho do presidente cuja visão favorecia o deferimento da petição. Tal como o advogado, o procurador-geral escolheu o juiz que lhe convinha. O presidente jogou com preceito que autoriza o exame de questões urgentes no recesso do tribunal; relevou o proposital error in procedendo do procurador-geral. Como processualista e juiz da suprema corte, o presidente sabia da traquinagem, ou seja, sabia que a petição do procurador-geral não podia substituir o recurso processual adequado (agravo) para impugnar a decisão monocrática do relator. Sabia mais (i) que não há hierarquia entre juízes do mesmo tribunal (ii) que o presidente vela pelo serviço administrativo sem ser superior hierárquico dos ministros (iii) que não lhe cabe a função de revisor das decisões dos seus colegas (iv) que tal função cabe à turma ou ao plenário. O presidente agiu de má-fé e se deixou vencer pela vaidade de aparecer como destemido herói perante a opinião pública. Além de violar a garantia do devido processo jurídico, o abusivo comportamento do presidente feriu o decoro da instituição judiciária. Ao plenário da corte faltou coragem para recusar o referendo à decisão antijurídica e deselegante do seu presidente. Prevaleceu o espírito de corporação e de submissão.    

Buscando recuperar-se da queda da sua autoridade moral, o STF, num lance demagógico e, ao mesmo tempo, corporativo, cedeu à pressão da opinião pública favorável à prisão do traficante. Ao ceder à vox populi, decidiu contra legem. A autoridade estatal deixou passar in albis o prazo para renovar o decreto de prisão preventiva. Em consequência, a prisão adentrou o campo da ilegalidade. Correta, pois, a soltura do paciente, seja este perigoso ou não, pois o risco é ônus de se viver sob o império da lei na sociedade civilizada e no estado democrático de direito. 

O legislador brasileiro impôs o limite de 90 dias para duração da prisão preventiva a fim de evitar (i) os abusos praticados pelas autoridades como aqueles da operação lava-jato de Curitiba (ii) que a medida restritiva da liberdade se eternize. Dura lex sed lex. A soltura do réu é consequência imediata da ilegalidade tipificada pela omissão da autoridade estatal. Afigura-se estúpido o argumento de que não há soltura automática. Só fatos periféricos ao processo explicam tamanho disparate (rivalidades, animosidades, tensão entre os ministros). Constatada a ilegalidade ou o abuso, o juiz pode – e deve – ordenar ex officio a soltura do paciente. “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder”. O preceito constitucional refere-se a “alguém”, pessoa humana, chame-se Anastácio ou Elvira, seja indivíduo perigoso ou não, do colarinho branco ou macacão azul, pele branca ou preta, pobre ou rico. Regra hermenêutica essencial: quando a norma jurídica não distingue não cabe ao intérprete ou ao julgador criar distinção. [CR 5º, LXVIII + CPP 654 §2º]. 

Nos votos dos ministros foi mencionada a prisão do condenado em segunda instância antes de a sentença penal condenatória transitar em julgado. O pleito é inconstitucional e politicamente oportunista. A presunção de inocência é garantia fixada em cláusula pétrea da Constituição da República. No estado de direito democrático em vigor no Brasil, essa garantia não pode ser retirada e nem modificada por emenda constitucional. Somente nova assembleia nacional constituinte (específica ou genérica) poderá dispor de forma diferente. Na crise moral que atravessa o judiciário brasileiro, os preceitos constitucionais e legais têm sido flexibilizados conforme o nome e a cara do freguês. [CR 5º, LVII + 60, §4º, IV].  

O HC é uma das mais importantes e antigas garantias contra ilegalidade e abuso de poder. Valiosa garantia da liberdade contra os erros e excessos da autoridade pública. Os seus trâmites nos tribunais têm preferência em relação aos demais processos. Todavia, no STF não tem sido assim. Ali, os trâmites dependem de circunstâncias alheias ao direito. Certo HC interposto a favor de político da esquerda repousa na gaveta. Tucano roxo, o ministro relator protela o julgamento que poderá favorecer o petista. 


domingo, 11 de outubro de 2020

O PRESIDENTE E O INTERROGATÓRIO

O atual presidente da república e o ex-ministro da justiça do seu governo figuram como investigados no inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre ilegal intervenção na polícia federal. [Inq 4831]. A relatoria coube ao ministro Celso de Mello. O pedido de reconhecimento da prerrogativa do presidente de responder o interrogatório por escrito foi indeferido por decisão monocrática do relator da qual houve recurso (agravo) submetido à apreciação do plenário do STF. Iniciado na quinta-feira (08/10/2020), o julgamento do agravo prosseguirá em nova data a ser designada pela presidência do tribunal. Na sessão inicial só o relator votou. O seu entendimento poderá prevalecer ou não, conforme votarem os demais ministros. O relator manteve a sua anterior, correta e justa decisão. Voto extenso, linguagem escorreita e bem articulada, rigor lógico, fina sintonia com o direito positivo, sustentado em farta e pertinente pesquisa legal, jurisprudencial e doutrinária. Sob ângulo topográfico, a matéria localiza-se no artigo 221, pertencente ao Capítulo VI, do Título VII, do Livro I, do Código de Processo Penal (CPP), que trata da prova testemunhal. Na sensata compreensão do relator, as prerrogativas incidem quando os titulares funcionam como testemunhas e não como investigados.

A autoridade processante tem o dever de ouvir o que o indiciado diz e não o de ler o que ele escreve. [CPP 6º, V]. Necessária, pois, a presença física do indiciado no ato processual, motivo da referência feita no retro mencionado artigo ao Capítulo III, do Título VII, do Livro I, do CPP, que trata do interrogatório do acusado. O investigado (ou réu) e a testemunha recebem tratamento legal distinto. O investigado (ou réu), embora alvo da perseguição criminal (persecutio criminis) não está obrigado a: (i) dizer a verdade quando interrogado (ii) comparecer perante a autoridade processante para ser interrogado. A testemunha, por sua vez: (i) não é o alvo da perseguição criminal (ii) está obrigada a comparecer e a dizer a verdade sob as penas da lei. Se o indiciado (ou réu) comparecer perante a autoridade, será qualificado e interrogado, mas tem o direito de não responder às perguntas que lhe forem formuladas. Se ele não comparecer, o inquérito prosseguirá regularmente, sem solução de continuidade. [CPP 185 + 186]. 

No direito moderno, a confissão perdeu o status de “rainha das provas” e não pode ser extraída do indiciado (ou réu) mediante tortura física e/ou psíquica. [CR 5º, III + CPP 197/200]. O STF já pacificou o entendimento de que o interrogatório é peça de defesa. Portanto, não pode ser utilizado pelo estado como arma de ataque contra o investigado (ou réu). Cuida-se de um direito da pessoa natural cujo exercício é facultativo. A pessoa tanto pode exercer como não exercer o seu direito; pode abdicar do exercício do seu direito sem abdicar do direito em si. 

Destarte, no caso em tela, se o presidente não tiver interesse no interrogatório, basta enviar ofício à autoridade processante informando: (i) a sua qualificação civil (ii) que não exercerá o seu direito ao interrogatório (iii) que não responderá a pergunta alguma no procedimento investigativo (iv) que acompanhará, por intermédio do seu advogado, os demais trâmites do inquérito. Se o presidente tiver interesse no interrogatório, poderá se valer, por aplicação analógica, do disposto nos incisos I e IV, do artigo 33, da lei complementar 35/1979 - lei orgânica da magistratura: “são prerrogativas do magistrado: (i) ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou juiz de instância igual ou inferior (ii) não estar sujeito a notificação ou a intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial”. Mutatis mutandis, essa disposição legal pode ser aplicada aos presidentes da República, da Câmara dos Deputados e do Senado, inclusive para interrogatórios. 

Amparado no deferimento de anterior e igual pedido formulado pelo ex-presidente Michel Temer, o atual presidente também pretende ser interrogado por escrito e responder por escrito. No entanto, tal precedente afrontou o princípio isonômico: “todos são iguais perante a lei”, equivale dizer, no caso concreto: todos os indiciados são iguais perante a lei, vedado o tratamento privilegiado incompatível com o modelo republicano de estado vigente no Brasil. O STF abriu exceção para Temer. Se o peticionário fosse Luiz Inácio Lula da Silva ou alguém da esquerda, não haveria exceção alguma; a lei seria aplicada com o máximo rigor; os vícios do procedimento seriam ignorados ou relevados; nada que beneficiasse o réu (ou investigado) seria considerado.  

O interrogatório e o testemunho são provas orais. Responder interrogatório e prestar depoimento tudo por escrito significa desvirtuar a prova oral, trocar informações como se fora correspondência epistolar e não interrogatório ou depoimento no sentido jurídico processual. Significa ainda: (i) criar obrigação fora do rol das atribuições da autoridade processante, ou seja, obrigação de formular questionário por escrito (ii) inverter papéis (iii) capitis deminutio da autoridade processante. Exceção permitida tão só para inquirição dos deficientes auditivos. Declarações, confissões e depoimentos podem ser dados validamente por escrito através de instrumento particular com firma reconhecida ou de instrumento público lavrado em cartório. Todavia, tais atos tipificam prova documental obtida sem a garantia do contraditório. [CPP 231]. A prova oral é produzida com a garantia do contraditório no devido processo jurídico. Dotada do conhecimento “todo de experiência feito” (referido por Camões) e da “psicologia comum” (referida por Nelson Hungria, ex-ministro do STF), a autoridade processante avalia a verdade, a sinceridade, a falsidade e a perfídia do que está sendo dito e de quem está dizendo; observa peculiaridades tais como: expressão dos olhos, aperto dos lábios, tonalidade da voz, tremor das mãos, tamborilar dos dedos, roçar no colarinho. Apesar de lhe faltar esse peso, o documento poderá valer como prova oral se ratificado na presença da autoridade processante, ocasião em que o réu (ou investigado) estará sujeito ao questionamento oral. O exercício do direito ao silêncio, nesta hipótese, prejudicará o valor do documento.  

Uma vez concluído o inquérito, o ministério público poderá: [i] pedir o arquivamento por falta ou insuficiência de prova para sustentar a petição inicial da ação penal (denúncia) [ii] oferecer denúncia contra os dois investigados ou apenas contra um deles, se entender suficientes os elementos de prova contidos no inquérito,  


quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O PRESIDENTE E O STF

Honestidade, lealdade, bondade, verdade, justiça, compostura, decência, honra, são valores cada vez mais ausentes nas relações humanas do mundo contemporâneo, embora presentes nos códigos civis, militares e religiosos dos diversos países. Evidenciam esse fato os conteúdos publicados nos meios de comunicação social, inclusive redes de computadores, a falta de boa educação, a licenciosidade, a agressividade, violência sexual, uso ilícito de drogas, ódio, assassinato, genocídio, desrespeito à soberania e à autodeterminação dos povos, testemunhados na rua, no estádio, no clube, no lar, na escola, na empresa, no governo, na esfera internacional. Nas relações econômicas capitalistas a moral e o espírito humanitário são descartados; imperam o individualismo possessivo e a competição selvagem. 

Dentro de tal cenário, neste mês de outubro, abrir-se-á vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) decorrente da aposentadoria do ministro Celso de Mello. O respectivo preenchimento obedece a uma complexa tramitação (órgãos diferentes para o mesmo ato). O presidente da república indica brasileiro nato, com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. O cidadão indicado poderá ser: [i] advogado particular [ii] advogado público (membro da defensoria pública, procurador de entes públicos administrativos) [iii] agente do ministério público [iv] magistrado [v] do sexo feminino ou masculino, homossexual ou heterossexual [vi] solteiro, casado, amigado, separado, divorciado, viúvo [vii] do centro, da esquerda, da direita, filiado ou não a partido político [viii] rico ou remediado [ix] católico, protestante, espírita, judeu, muçulmano, budista ou de qualquer outra crença religiosa, desde que compatível com a lei e os bons costumes.

A liberdade religiosa deve conviver com a laicidade do estado. A nação brasileira é religiosa, porém, o estado brasileiro é laico. Isto significa inexistência de religião oficial, refração ao fundamentalismo religioso e inconstitucionalidade de símbolos e rituais religiosos nas repartições públicas, no Legislativo, Executivo e Judiciário. 

Para obter a indicação, os aspirantes organizam suas campanhas à semelhança do que ocorre na disputa por cargos públicos eletivos do Legislativo e do Executivo. Os aspirantes procuram aproximar-se do presidente da república e agrada-lo; fazem romaria pelos gabinetes de ministros de estado, principalmente do ministro da justiça; procuram apoio (i) de parlamentares simpáticos ao chefe de governo (ii) de jornalistas (iii) de sócios de emissoras de televisão (iv) de empresários e banqueiros (v) de órgãos classistas. Em suma, apelam ao tráfico de influência. 

Ao ser interpelado por um senador tucano durante a sabatina, Luiz Edson Fachin admitiu ter contratado agência publicitária para fazer sua campanha. Justificou-se dizendo que fora instruído a assim proceder para ter alguma chance de sucesso. Luiz Fux, em espontânea manifestação, admitiu ter feito campanha para ser indicado. Certamente, outros ministros também fizeram suas campanhas. 

Juristas de escol não se submetem a campanhas humilhantes, constrangedoras e comprometedoras. Daí, as vagas disputadas pelo rebotalho, por vaidosos, ambiciosos, bajuladores, barnabés carreiristas, que se valem dos expedientes próprios do processo eleitoral. 

A escolha do futuro ministro normalmente recai sobre pessoa amiga e/ou de confiança, afinada com o ideário político e com as crenças do presidente da república. Nos EUA sempre foi assim: o presidente escolhe pessoa da sua confiança, do seu partido ou sem partido, mas adepta dos mesmos princípios políticos, ideológicos e religiosos. No Brasil, o governo petista, por ingênuo, equivocado e excessivo republicanismo, fugiu desse padrão e até hoje sofre os efeitos negativos da sua imprudência. Aliás, o governo petista fortaleceu também os seus outros inimigos: a polícia federal e o ministério público.    

Feita a indicação, o candidato submete-se à sabatina perante comissão do Senado. O plenário do Senado poderá concordar ou discordar do parecer dessa comissão. Se o candidato for aprovado, o presidente o nomeará ministro do STF; se não for aprovado, o presidente indicará outra pessoa. O Senado costuma aprovar já na primeira indicação, mesmo que a pessoa não esteja à altura do cargo. A sabatina tem sido mera encenação. Portanto, não se há de estranhar a presença de “juízes de merda” (royalties para Saulo Ramos) na mais alta corte judiciária do estado brasileiro. 

Feita a nomeação, o escolhido tomará posse perante o STF e, no prazo legal, entrará no exercício do cargo de ministro. Certa vez, o Superior Tribunal Militar (STM) negou-se a dar posse a pessoa nomeada pelo presidente Sarney. Aprovar, cabe ao Senado; nomear, cabe ao presidente; empossar, cabe ao tribunal. Se não preencher requisitos morais e de eficiência técnica, o nomeado pode ser recusado pelo tribunal. Entretanto, faltam autoridade moral e coragem ao STF para atitudes dessa envergadura. Por outro lado, como se viu nos últimos 20 anos, sobra-lhe disposição para engavetar, tergiversar, sofismar, colocar a política acima do direito, atuar com intencional parcialidade, desmoralizar a instituição judiciária.  

Precipitou-se, o atual presidente da república, ao indicar desembargador para ocupar cadeira de ministro no STF sem que a vaga estivesse aberta. Talvez, a pressa se justifique pelo temor de eventual rejeição. Além da peraltice por não simpatizar com o ministro que se aposentará, a intenção do presidente parece a de evitar especulações e pressões inconvenientes. Então, faz sondagem no Congresso Nacional, no STF e em outras áreas, para se inteirar do grau de aceitação da pessoa indicada. Acautela-se contra possíveis e indesejáveis resistências, inobstante a indicação e a posterior nomeação serem da sua privativa e soberana competência. 


sábado, 3 de outubro de 2020

1930

Completa 90 anos a revolução que transformou a sociedade brasileira. Em 03 de outubro de 1930, no Rio Grande do Sul, o governador Getúlio Vargas dava início ao golpe contra o governo federal. Apoiaram-no os governadores de Minas Gerais e da Paraíba. Atravessava-lhe a garganta a derrota sofrida nas eleições para presidente da república realizadas no primeiro semestre. Ecoava o estertor da primeira república (1889/1930).

O mercado europeu retraíra-se em consequência do conflito mundial (1914/1918). O preço do café despencou e, com ele, a economia brasileira. A fim de adiar o pagamento da dívida externa, o governo valeu-se da moratória até 1927. Ante a crise mundial do capitalismo a situação agravou-se (1929). Do fornecimento de cacau, açúcar e borracha aos aliados durante a guerra, nada mais havia a receber. Enquanto o governo dos EUA substituía o capitalismo sem rédeas pelo capitalismo com rédeas (new deal), o governo brasileiro buscava solução caseira. Disputavam a presidência da república: (i) o paulista Júlio Prestes, pela situação (ii) o gaúcho Getúlio Vargas, pela oposição. Naquela época, o processo eleitoral estava sob os cuidados dos parlamentares. Isto facilitava a vitória do candidato indicado pelo presidente da república cuja autoridade ainda evocava a resplandecente aura imperial. Numa eleição era indicado candidato paulista; na seguinte, candidato mineiro. A esse acordo deu-se o apelido de política do café (SP) com leite (MG). O presidente Washington Luiz, paulista, quebrou esse acordo ao indicar outro paulista para sucedê-lo. Descontente com a traição, o governador de MG aderiu ao golpe. 

Inobstante ser corriqueira, naquela quadra da história republicana, a fraude no processo eleitoral serviu de pretexto à rebelião de Vargas. Pela rede ferroviária, o comboio rebelde seguia rumo ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil e sede do governo federal. Estacionara na estratégica cidade de Ponta-Grossa/PR e se preparava para enfrentar as tropas legalistas na cidade paulista de Itararé, fronteira com o Estado do Paraná (Sengés). Contudo, a oportuna destituição do presidente da república pelas forças armadas amorteceu o ímpeto bélico. A batalha foi cancelada. Washington Luiz permaneceu no exílio por 17 anos. Júlio Prestes foi impedido de tomar posse. Os comandantes militares formaram uma junta governativa. Chegando ileso ao seu destino, Vargas recebeu da junta militar a chefia do governo (03/11/1930). O seu programa de governo constava da plataforma da Aliança Liberal por ele defendida na campanha eleitoral. 

Aboletado no Palácio do Catete, Vargas instituiu o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil mediante o decreto 19.398 de 11/11/1930, propondo-se a garantir a ordem e a reorganizar a república. Isto implicava o exercício pleno e concentrado das funções legislativa e executiva até que fosse eleita uma assembleia constituinte. Superado o movimento reivindicatório dos paulistas (1932), tal assembleia foi eleita (1933), reuniu-se, elaborou e promulgou a nova Constituição (1934). Os parlamentares, representantes do povo brasileiro, elegeram Vargas presidente da nova república. 

O seu mandato estava prestes a terminar quando ele suspende as eleições previstas para a sucessão presidencial. O aguerrido confronto dos comunistas liderados por Luiz Carlos Prestes com os fascistas liderados por Plínio Salgado na disputa eleitoral serviu de justificativa para a suspensão. Vargas preencheu o vácuo outorgando nova carta constitucional e instaurou ditadura civil (1937/1945). Nomeou interventores para administrarem cada estado. Todos os estados reduzidos a províncias. De federativa, a república brasileira passou a ser unitária e com governo centralizado. 

No período revolucionário, a tensão entre liberalismo e socialismo foi marcante (1930/1945). O governo era para o povo, mas não pelo povo. [O imperador Pedro I defendia igual princípio]. O poder do governo central era incontrastável e acabou com a chamada política dos governadores. Houve notável progresso social e econômico, apesar do cerceamento das liberdades públicas. Vargas suspendeu o pagamento da dívida pública externa e deferiu ao Banco do Brasil o monopólio cambial (1938). Reconheceu e amparou os direitos dos trabalhadores. Criou institutos de previdência social. Visou a paridade de forças nas questões trabalhistas e eleitorais ao criar a justiça do trabalho e a justiça eleitoral. Estendeu o direito de voto às mulheres.  

Bacharel, rico estancieiro, Vargas atendia interesses das oligarquias, porém, quando multidões o aclamaram no Rio de Janeiro e em São Paulo, percebeu que se tratava de apoio ao mito, ao herói da revolução, ao homem providencial. Aceitou o papel. A fim de organizar um estado intervencionista, fundado no bem-estar geral, ele se colocou no centro, entre os liberais e os socialistas; inaugurou um regime social autocrático à moda fascista. Ele defendeu o Estado Novo contra a aristocracia conservadora (rural e urbana) a fim de evitar retrocesso. 

No início dos anos 40, em plena guerra mundial, Vargas, acostumado ao mate amargo, resiste aos seus próprios e íntimos pendores nazifascistas; honra a posição firmada na conferência dos chanceleres de 1932, realizada no Rio de Janeiro; rompe a aliança com a Alemanha, principal parceira comercial do Brasil e maior potência militar e econômica do planeta nos anos 30; alia-se aos EUA visando a industrializar o país com foco na siderurgia e na mineração. 

Na defesa do povo brasileiro, da soberania e do interesse nacional, Getúlio Dornelles Vargas revelou-se o maior estadista da república até ser superado, em diferente conjuntura política, social e econômica, pelo excelente desempenho de Luiz Inácio Lula da Silva no governo do Brasil (2003/2010).

Todos os movimentos de ruptura institucional no Brasil foram iniciados, organizados e executados por elite civil e militar, sem participação popular ativa. Isto aconteceu nos golpes de 1822, contra o reino unido; de 1889, contra a monarquia; de 1930, contra a república oligárquica; de 1945, contra a república autocrática; de 1964 e de 2016, contra a república democrática. 

No ciclo autocrático militar, anos 60/70, houve resistência popular: (i) armada, oposta por pequena, incômoda e quixotesca parcela comunista guerrilheira (ii) desarmada, oposta por outra parcela da esquerda e da direita moderada que persistiu até a exaustão da ditadura militar (1985). A resistência desarmada e reivindicante aproveitou a distensão lenta e gradual do regime militar para fundar o partido da classe trabalhadora (1980).