domingo, 27 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – IX.

O sítio do “Le Monde”, na rede mundial de computadores, divulgou a síntese da encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II (final de 2008 ou início de 2009). O sumo pontífice manifestava a esperança de reaproximar da religião católica, a filosofia e a ciência, sem prejuízo das respectivas autonomias. O papa se opunha ao positivismo, pragmatismo, historicismo e ao niilismo filosófico e científico, por incompatíveis com a crença em valores universais, absolutos e perenes. Revelava preocupação com a dissolução dos costumes e com todos os males da civilização gerados pelo moderno e equivocado divórcio entre a fé e a razão. A mensagem do papa enseja algumas ponderações.

A separação entre fé e razão constitui problema religioso e filosófico na civilização ocidental cristã. Os povos orientais (salvo os islamitas) influenciados pelo hinduísmo e pelo budismo tiram lições de vida observando a natureza e utilizando vias racionais e emocionais. Os indivíduos consideram-se parte de uma unidade transcendental e vivem a comunhão social como reflexo da lei divina. Isto ajuda a fortalecer a coesão na família e na sociedade; facilita a disciplina social e a realização dos objetivos do Estado. Os povos ocidentais, influenciados pelo judaísmo cristão ou cristianismo judeu, criado por Paulo e sua igreja, colocam ênfase no valor da pessoa natural (primazia do macho) com destino singular no mundo. Essa atitude propicia o individualismo e a separação entre fé e razão, entre igreja e comunidade científica.

A filosofia perene, substrato dos ensinamentos das escolas de mistérios antigas e modernas (rosacruzes, maçons, pitagóricos) com raízes egípcias, caldéias, babilônicas, hebraicas e gregas, coloca em plena harmonia as dimensões instintiva, emocional e racional do ser humano. Para os adeptos dessas escolas, a separação entre fé e razão não chega a ser um problema. Acreditam na existência de um ser divino a quem denominam Deus, Absoluto, Grande Arquiteto do Universo. A razão é a base e o ponto de partida para a busca das verdades espirituais. Cultivando-a, os adeptos procuram conhecer a si próprios e ao mundo em que vivem. Em sintonia com a natureza, aceitam o seu corpo sem desprezá-lo, e os instintos, sem pervertê-los. Servem-se do método racional. Vencida a etapa racional, garimpam novas respostas através da oração, da meditação, da harmonização com o divino, pelos caminhos da fé, certos de que trilharão a senda espiritual e alcançarão a luz maior se houver merecimento, sincero e persistente esforço para a compreensão de si mesmos e do mundo.

Segundo a lenda, Lavoisier costumava, antes de entrar no laboratório, depositar a bíblia no vestíbulo, artifício para não misturar a sua fé religiosa à sua fé na ciência. Norbert Wiener afirma que a ciência repousa na fé, embora fé não religiosa (“Sociedade e Cibernética”). Em abono à sua tese, o renomado cientista diz que não se pode demonstrar cientificamente: (i) que a probabilidade seja uma noção válida; (ii) que a natureza esteja submetida a leis. Diz, ainda, que podemos nos servir da lógica indutiva de Francis Bacon, porém, não podemos provar indutivamente as suas leis. Agir com base nessa lógica, constitui ato de fé. E arremata: “A ciência é um modo de vida que só pode florescer quando os homens têm liberdade de ter fé”.

A modernidade e seu estilo de vida a partir do século XVII (1601/1700), na Europa, trouxeram doenças sociais e individuais. A tomada de consciência é passo importante para a cura. A fé religiosa, a fé mística e a fé laica contribuem poderosamente para o processo de cura. Fé em Deus, nos santos, nas leis da natureza, na medicina, no terapeuta, em si mesmo, na capacidade humana para resolver problemas e enfrentar desafios, produz bons frutos, consoante lições da experiência comum. Todavia, a terapia continuará a ser paliativa se não houver mudança de paradigma. André Stéphane adverte: “não pode haver revolução fundada numa recusa da realidade” (citado por Jean-François Revel no seu livro “Nem Marx, nem Jesus”). Revolução pacífica e silenciosa. O mundo há de ser visto com realismo, sem fantasia, sem ilusão, a fim de se curar dos males que o afligem. Encarando a realidade é possível alterá-la de modo eficaz e adequado. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8: 32).

Atuar nas causas mediatas e não apenas nos sintomas e nas causas imediatas é o caminho seguro para a cura plena. Tomar consciência da unidade fundamental: Deus + Natureza (+ ser humano). O separatismo cartesiano contribuiu para os males da civilização ocidental. Para arredá-lo é necessário tomar consciência: (i) da conexão entre todos os fenômenos da natureza; (ii) da interdependência de todos os povos do planeta; (iii) de que pertencemos, concomitantemente, ao mundo natural (criado por Deus) e ao mundo cultural (criado pelo homem); (iv) de que o mundo cultural não existiria sem o mundo da natureza, inaplicável a recíproca, eis que o mundo da natureza pode subsistir sem o mundo da cultura; (v) de que o homem, como ser da natureza, comunga as leis divinas com todos os seres do universo (vi) de que as leis do mundo cultural são flexíveis, mudam com o vento e perecem com as civilizações; (vii) de que a solidariedade natural torna-se mais valiosa sob o signo da honestidade e da fraternidade.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – VIII.

Paulo criou um judaísmo cristianizado e um cristianismo judaizado. Discriminou as mulheres seguindo a tradição hebraica. “Penso que seria bom ao homem não tocar mulher alguma. Todavia, para evitar incontinência, cada homem tenha sua mulher e cada mulher o seu marido”. “Mas quero que saibais que senhor de todo homem é Cristo, senhor da mulher é o homem”. “Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres estejam caladas nas assembléias: não lhes é permitido falar, mas devem estar submissas como também ordena a lei; se querem aprender alguma coisa, perguntem-na em casa aos seus maridos” (Coríntios, 7: 1,2; 11: 1,3; 14: 34,35). “Esposas, sede submissas ao próprio marido, como convém ao Senhor” (Colossenses 3: 18).

Paulo desprezou o exemplo do grande mestre. Jesus acolhia homens e mulheres, adultos e crianças. No apostolado havia mulheres. Elas o acompanharam e apoiaram nas jornadas pelo território palestino (Galiléia + Samária + Judéia). Ele se casou com uma delas. A ceia do cordeiro (pascal) era na sexta-feira. Por algum motivo Jesus a realizou na quinta-feira com os seus discípulos e não só com os 12 apóstolos, circunstância que inclui as mulheres. (João 13:1; Mateus 26: 17/19; Marcos 14: 12/17; Lucas 22: 7/20). Lá estavam elas em frente ao palácio de Pilatos. Seguiram Jesus por toda a via crucis. Verônica enxugou-lhe o suor e o sangue do rosto cuja imagem ficou estampada no pano (ou véu) utilizado. (Essa passagem talvez seja lenda, pois não consta do NT; talvez seja real, mencionada em livro não incluído no NT, como o evangelho de Felipe e o evangelho de Maria Madalena. O pano ou véu, falso ou verdadeiro, estaria entre as relíquias de São Pedro, em Roma, por volta do ano 700). Os marmanjos que diziam amar Jesus debandaram com medo de represálias (salvo João). As mulheres retiraram Jesus da cruz, envolveram-no em lençol de linho e o colocaram no sepulcro. José de Arimatéia e Nicodemus, que não eram apóstolos e sim príncipes judeus admiradores de Jesus, prestaram auxílio. Embora a crucifixão e o sepultamento tenham ocorrido na sexta-feira, Madalena e outras mulheres só voltaram ao sepulcro no domingo, com os perfumes para ungi-lo, porque a lei mosaica, imposta a todos os palestinos, proibia atividades no sábado. Jesus não estava mais lá.

Palavras de Jesus aos apóstolos, ignoradas por Paulo: “Sabeis que os chefes das nações as subjugam e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro, se faça vosso escravo” (Mateus 20: 25/27; Marcos 10: 42/44; Lucas 22: 25/26). Visando a harmonia no seio da congregação, Jesus adverte: “Nisto todos conhecerão que vós sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (João 13: 34/35); “não vos façais chamar rabi, porque um só é vosso preceptor e vós sois todos irmãos” (Mateus 23: 8). Para evitar o “primus inter pares”, Jesus constituiu o colégio com um numero par de apóstolos: 12. Obediência “interna corporis” por reverência e não por subordinação.

Contrariando a organização e os fins preconizados por Jesus, a igreja se hierarquizou. Passo a passo, foi reduzindo a liberdade inicial. Primeiro passo: anciãos e sacerdotes se constituíram em colégios; o culto e o ensino passaram dos lares para prédio exclusivo, realizados na forma eclesiástica. Segundo passo: quem rejeitasse total ou parcialmente a doutrina elaborada pelo colégio de presbíteros (anciãos + sacerdotes) era expulso da comunidade (excomunhão). Terceiro passo: os presbíteros da cidade principal de uma região ou de uma província tomam o nome de bispos metropolitanos e se revestem de autoridade sobre os presbíteros das paróquias. (Tiago, irmão de sangue de Jesus, tornou-se bispo de Jerusalém). Quarto passo: os bispos das comunidades maiores e mais importantes como Constantinopla, Antioquia, Alexandria e Roma tomam o nome de patriarcas e se revestem de autoridade sobre o clero das suas respectivas circunscrições no século V (401/500). Quinto passo: o patriarca de Roma, apoiado no decreto do ano 455, expedido pelo imperador Valentiniano III, revestiu-se de autoridade universal sobre toda a comunidade cristã, adotou o título de “Pontifex Maximus” e se declarou sucessor do apóstolo Pedro. O Concílio do Vaticano acrescentou o dogma da infalibilidade no que tange à doutrina sobre fé e moral (1870).

Impostura e incoerência. Ainda que sucessão houvesse – apesar de decorridos 370 anos entre a morte de Pedro e a criação do papado – o sucedido seria Paulo, o fundador da igreja, e não Pedro, o apóstolo de Cristo. O poder pontifical se estendeu sobre reis e reinos. No período da história européia entre os séculos V e XIII (401/1300) o papado preencheu o vazio deixado pela queda do império romano. Com a extinção do regime feudal e a conquista da soberania laica pelos monarcas europeus, o império secular da igreja católica desmorona. O império espiritual (unidade católica) também ruiu com o advento do protestantismo no século XVI (1501/1600) seguido, nos séculos posteriores, da expansão do islamismo e da invasão das doutrinas e práticas orientais no Ocidente (hinduísmo, budismo, ópio). Antes disto, houve reação aos desvios éticos e ao formalismo da igreja, movimentos religiosos de retorno ao cristianismo simples de Jesus. Exemplos: (i) os “Pobres de Lião” (ou Valdenses, por causa do nome do seu fundador Pedro Valdo), no final do século XII (1101/1200) no sul da França, de origem tradicional nos apóstolos de Cristo; (ii) os “Irmãos da Vida Comum”, no século XV (1401/1500), nos países baixos e na Alemanha, cuja doutrina foi exposta por Thomas Kempis no livro “Imitação de Cristo” (1453).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – VII.

Intelectualmente mais preparado do que os apóstolos, doutor nas escrituras judaicas, aguerrido e ambicioso, Paulo assumiu a liderança após superar a resistência da comunidade cristã. A resistência deveu-se aos sofrimentos que Paulo havia causado aos cristãos somados ao fato de ele ser adventício. Os membros da congregação desconfiavam da sinceridade de Paulo. Ele teve a petulância de censurar Pedro, apóstolo da primeira hora e presidente do colégio apostólico, na presença dos demais apóstolos e seguidores: “Se tu, que és judeu, vives como os gentios e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como os judeus?” (Epístola aos Gálatas 2: 11/14).

Censura equivocada e injusta, além de petulante e subversiva. Pedro a ninguém obrigava, porque a lição de Jesus era a de não obrigar pessoa alguma. Pedro deixava a cada pagão convertido a opção de se circuncidar ou não. Quanto à naturalidade, Pedro, tal como Jesus, era galileu (natural da Galiléia); ambos nunca foram judeus (naturais da Judéia). No episódio do Sinédrio, Pedro foi ameaçado e Jesus insultado porque ambos eram gentios, ou seja, estrangeiros em relação à Judéia e ao judaísmo (Mateus 26: 69,73; Marcos 14: 70; Lucas 22: 59). Antes desse episódio, Jesus, por ser gentio, quase foi apedrejado pelos judeus: “Responderam então os judeus: Não dizemos com razão, que és samaritano e estás possesso de um demônio?” (João 8: 48). Jesus só negou estar possesso.

Vil e oportunista, Paulo serviu-se daquela censura para mostrar à comunidade cristã que a sua autoridade era maior do que a de Pedro. Conseguiu. Suas epístolas, escritas entre os anos 50 e 60, precederam os livros de Mateus, Marcos, Lucas e João. Percebe-se notável influência das doutrinas contidas nas epístolas de Paulo sobre o espírito dos evangelistas. A igreja selecionou aqueles quatro livros para compor o Novo Testamento. Isto ocorreu no século IV (301/400) durante os concílios africanos de Hipona e Cartago. A seleção foi confirmada nos concílios europeus de Florença, no século XV (1401/1500) e de Trento, no século XVI (1501/1600). Dezenas de livros (rolos) – inclusive de autoria atribuída a outros apóstolos – não foram incluídos nesse testamento. Entraram apenas os rolos (livros) que convinham ao clero.

Paulo ditou regras incompatíveis com a mensagem de Jesus. Soa falsa a narrativa das curas que ele afirma ter feito. Transparece a intenção de se mostrar igual a Jesus em poder espiritual e autoridade moral, de exibir superioridade em relação aos demais membros do apostolado e de se substituir a Jesus no coração e na mente dos seguidores. Em ato falho, Paulo revela aquela intenção quando diz: “Isto aparecerá claramente no dia em que segundo o MEU evangelho, Deus julgar as ações secretas dos homens, por Jesus Cristo.” (Epístola aos Romanos 2: 16). A palavra “evangelho” significa “boa nova”. Examinada a sua aplicação no texto do Novo Testamento, ver-se-á que a novidade a que se referia era a chegada do messias, encarnado por Jesus. Isto, para os judeus, significava o fim de uma longa espera, o advento da nova doutrina trazida por Jesus e a sua missão terapêutica e redentora (libertá-los das suas misérias e cegueira física, mental e espiritual). A doutrina era divulgada oralmente por Jesus e apóstolos. Após a morte de Jesus, houve divulgação também por escrito a partir do ano 50, primeiro pelas cartas dos apóstolos e depois pelos relatos em rolos (livros) denominados “evangelho segundo fulano, segundo beltrano ou cicrano”, nem sempre escritos pelo próprio apóstolo. Esses livros, além da doutrina e das curas, narravam momentos da vida e da morte de Jesus e de João Batista. A missão terapêutica e redentora era exercida mediante a palavra, o exemplo e a ação direta de Jesus e seus apóstolos. Sem fé, não havia cura nem redenção.

Paulo atribui a si próprio a missão de anunciar o “evangelho de Deus” (e não de Jesus). Falsamente, afirma ter sido escolhido apóstolo por Jesus e o coloca na linhagem real de Davi (Epístola aos Romanos 1: 1/3). A mentalidade farisaica de Paulo emerge inúmeras vezes.
Exemplo: dizendo-se portador do espírito santo, Paulo provoca cegueira no mago Élimas. O pecado do mago foi argumentar contra as razões expostas por Paulo no debate diante do proconsul Sérgio Paulo, em Chipre (Atos dos Apóstolos 13: 8/11). Sem argumentos para a réplica, Paulo recorreu à maldade. Este episódio, ainda que se inclua no rol das mentiras de Paulo, revela a sua distância do espírito cristão. Paulo teria agido como agiria Jeová, o cruel e vingativo deus hebreu, e como agiam os judeus em sintonia com a sanguinária lei de Moisés. O perfil de Jesus e do Pai Celestial desenhado pelos evangelistas não se encaixa naquele perverso modo de agir. Na altercação com os judeus, Jesus evidencia a distinção entre o seu Deus e o deus dos hebreus: “Vós sois filhos do diabo e quereis cumprir o desejo do vosso pai; ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade porque a verdade não está nele”. “Meu Pai é que me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso deus e, entretanto, vós não o tendes conhecido, mas eu o conheço” (João 8: 44, 54, 55).
Outro exemplo: Barnabé, apóstolo de Cristo, fundador da igreja em Antioquia, preparava-se para uma viagem supervisora às igrejas de várias cidades e pretendia levar João Marcos com ele. Paulo se opôs tenazmente, porque o seu escolhido era Silas. Discutiram acidamente. Separaram-se. Barnabé e João Marcos partiram para Chipre; Paulo e Silas para a Síria (Atos dos Apóstolos 15: 36/40). Em mais de uma ocasião, Paulo revelou esse temperamento ditatorial e arreliento. Por causa disto, ele foi surrado e expulso de algumas cidades. Essa reação de judeus e pagãos não era motivada pela exposição da nova e deturpada doutrina, mas sim pelo modo agressivo e ofensivo pelo qual Paulo a pregava.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – VI.

O papa Urbano II convoca um concílio e exorta os senhores feudais a guerrear os turcos e tomar Jerusalém (século XI – 1001/1100). Começam as cruzadas, a mortandade e os saques. A igreja patrocinou direta e indiretamente este e outros episódios contrários ao espírito cristão, tais como: as batalhas contra os mouros na Espanha, os horrores da inquisição, as nebulosas relações do Vaticano com o governo nazista da Alemanha. Fizeram da igreja um Estado soberano com sede em pequena área da cidade de Roma (Vaticano) desprezando a lição de Jesus sobre o divórcio entre política e religião: dar a César, o que é de César e a Deus, o que é de Deus (Mateus 22: 21; Marcos 12: 17; Lucas 20: 25).

Ao contrário da política da igreja, a doutrina de Jesus é pacifista e amorosa. Jesus tomou como sua própria, a piedosa missão descrita pelo profeta Isaías: anunciar a boa nova aos humildes, a redenção aos cativos, a restauração da vista aos cegos e curar os corações doloridos (Lucas 4: 18; Isaías 61: 1). Os ditames da lei de Jesus distinguem-se dos ditames da lei de Moisés. Ao contrário deste, o grande mestre diz: “Não resistais ao mau; se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem” (Mateus 5: 38/44). Jesus rejeitou a lei mosaica de amar o amigo e odiar o inimigo, do olho por olho, dente por dente (lei do talião inscrita no código de Hamurabi).

Em nível existencial, católicos e protestantes são judeus. Alicerçam-se no Antigo Testamento e cultuam a Jeová. O evangelho de Jesus é figura decorativa para salvar aparências. Paulo de Tarso deu contornos judaicos à igreja e fundou um falso cristianismo. Nascido romano, na cidade de Tarso, no seio de família de judeus fariseus, Paulo teve Gamaliel como preceptor, notável doutor da lei mosaica. Fariseu, iniciado na doutrina judaica desde a juventude, perseguidor de cristãos, Paulo, em certo momento, resolveu mudar de lado. Inventou o encontro na estrada de Damasco e que ficara cego com a luz que emanava de Jesus. Paulo não conheceu Jesus em vida. Inventou a cegueira para evitar o risco de descrever Jesus aos apóstolos e se ver desmascarado. Havia apóstolos ainda vivos, como Pedro e João, que conheceram Jesus pessoalmente e poderiam desmascarar Paulo se a descrição não fosse correta. A aparência de Jesus antes da crucifixão era a de um nazareno; depois da crucifixão era a de uma pessoa comum. O episódio inventado por Paulo teria ocorrido de 6 a 10 anos depois da crucifixão, entre os anos 36 e 40 da era cristã.

Jesus nunca cegaria pessoa alguma, bem ao contrário, curava a cegueira física e mental. A luz que emanava de Jesus era espiritual e não física; ao invés de cegar, iluminava a personalidade anímica de cada ser humano. Na mentira contada por Paulo, influiu a sua formação judaica. Na cultura judia imagina-se a divindade cruel, raivosa, vingativa, que fere e mata. Traído por sua arquitetura mental e seu berço cultural, Paulo atribuiu a Jesus características da divindade judia. Entretanto, conforme se extrai das narrativas do Novo Testamento, outros eram os atributos da personalidade de Jesus: sabedoria, humildade, sinceridade, fortaleza, tolerância, bondade, fé inabalável no Pai Celestial (e não em Jeová). A expulsão dos mercadores que negociavam no templo foi um ato de indignação que não implicou violência contra pessoas e sim contra mercadorias e moedas expostas. As demais agressões contra pessoas e cidades foram verbais. Exemplo: Jesus chamava de hipócritas os sacerdotes e escribas judeus que não praticavam o que ensinavam; praguejava contra Corozaim, Besaida e Cafarnaum, por considerá-las cidades impenitentes (Mateus 11: 20/24 + 23: 13/29).

sábado, 19 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – V.

Paz, humildade e desapego aos bens materiais são inerentes ao espírito cristão, conforme se depreende das várias passagens do evangelho: “Não podeis servir a Deus e à riqueza”. “Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, nem mochila para a viagem, nem duas túnicas, nem calçados, nem bastão, pois o operário merece o seu sustento”. “Vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me”. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”. “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem as traças nem a ferrugem e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro está teu coração” (Mateus 6: 19/21, 24 + 10: 9/10 + 19: 21/24; Marcos 6: 7/9 + 10: 21/25; Lucas 18: 22/25).

O apego da igreja “cristã” (católica e protestante) à riqueza material, ao poder secular, à falsificação paulina, colide com a moral cristã. Sacerdotes, pastores e missionários servem-se das emissoras de TV para angariar dinheiro e conquistar novos crentes; ensinam aos crentes como preencher cheques e fazer remessas bancárias; exibem pessoas para testemunhar sucesso nos negócios e ganhos patrimoniais depois que se filiaram à igreja evangélica; movimentam-se diante das câmeras como artistas profissionais, com gestual e discurso bem estudados e treinados. As igrejas disputam entre si o mercado da fé mediante fraude, engodo, estelionato, indiferentes às palavras do evangelho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14: 6).
O caminho: Jesus como exemplo a ser seguido. Esse homem vestia apenas uma túnica, andava de sandálias, vivia cada dia sem vãs preocupações, sem domicílio certo, centrando-se no essencial: pregar os ensinamentos que recebia do Pai Celestial. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça” (Mateus 6: 33; Lucas 12: 31).
A verdade: Jesus como depositário da sabedoria que lhe veio da harmonização com o Pai Celestial. “Eu e o Pai somos um; as palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; o Pai que está em mim realiza as suas próprias obras”. (João 10: 30; 14: 10).
A vida: Jesus como portador da energia física, mental e espiritual em nível cósmico. “Dei-lhes a glória que me deste para que sejam um, como nós somos um, eu neles e tu em mim para que sejam perfeitos na unidade” (João 17: 22/23).

A voz de Cristo foi emudecida pelo ouro e pelo luxo nos palácios da igreja e nas vestes do papa e dos cardeais; pelo dinheiro nos cofres de sacerdotes, pastores e missionários. Ostentação, opulência, narcisismo, pedofilia, ambição, ausência de espiritualidade, entre outros vícios, pululam nas igrejas “cristãs”. Outra seria a sociedade contemporânea se a igreja fosse realmente cristã.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – IV.

Na rede mundial de computadores, em 10.02.2011, a página Yahoo traz notícia da mensagem para o 48º Dia Mundial de Rezas para as Vocações, em que o papa Bento XVI manifesta preocupação com o abandono da fé católica. Diz que a sociedade contemporânea asfixiou a voz de Cristo. O papa conclama os sacerdotes ao trabalho de recrutamento de novos fiéis.

“Hoje que as posições religiosas diferem mais do que nunca, nada se admitiu com maior unanimidade e segurança, por todos que se ocupam da religião de um modo inteligente, do que isto: que a origem da religião no espírito humano é radical e essencialmente distinta da filosofia e da metafísica; que os fundadores das religiões, os grandes “homines religiosi”, têm sido tipos do espírito humano, completamente distintos dos metafísicos e dos filósofos; e que as grandes transformações históricas devidas a eles nunca, em parte alguma, tiveram lugar por virtude de uma nova metafísica, mas sim de uma forma completamente diferente” (Scheler, in “Do Eterno no Homem”).

O princípio da causalidade de que se servem os defensores da teologia natural não tem o caráter lógico e epistemológico que deveria ter para atingir o fim que se propõe, ou seja, chegar ao divino, objeto da religião. A religião é uma esfera de valor autônoma, descansa em bases próprias, independentemente de qualquer outra esfera de valor. O seu fundamento de validade repousa nela própria, na certeza imediata peculiar ao conhecimento religioso. A desconfiança no poder próprio da consciência religiosa decorre da confusão entre a objetividade e a validade universal. Um juízo pode ter objetividade sem ter validade universal. O intelectualismo religioso derivado da confusão entre religião e filosofia pode causar o abandono da fé religiosa.

Outra causa do abandono da fé religiosa está no aumento do volume e da velocidade dos meios de comunicação de massa, informando, esclarecendo, derrubando tabus, com audiência de centenas de milhões de pessoas, reduzindo o campo da ignorância ao expor de maneira ampla e livre os mais diversos tópicos: costumes, técnica, arte, ciência, filosofia, religião, misticismo.

Fé em Deus e na doutrina de Jesus é uma coisa; fé na igreja e nos seus representantes é coisa bem diferente. Como virtude, a fé compara-se a jóia preciosa: devemos reservá-la às ocasiões especiais. Como confiança, a fé deve ser depositada em pessoas de caráter sem jaça. Como crença religiosa, a fé deve ser reservada a Deus. Podemos refletir sobre teorias e doutrinas, admirar e louvar os seus autores, porém, fé religiosa somente em Deus havemos de colocar. A sociedade contemporânea guarda reservas quanto à igreja e aos seus representantes (padres, pastores, missionários). Apesar disto, ainda é numerosa a parcela da humanidade que se atemoriza pelas ameaças de castigo no outro mundo. Cobrem-na as nuvens da ignorância. Missa católica aos domingos, culto evangélico aos sábados, celebrações diárias pelas emissoras de rádio e TV, páginas na rede de computadores, refletem esforços para contrabalançar as mensagens leigas passadas por esses veículos de comunicação de massa (noticiários, documentários, entrevistas, filmes). As religiões institucionalizadas se mantêm graças a essa ignorância e ao medo que daí decorre.

Assiste razão ao papa quando diz que é árduo ser cristão. Isto explica o fato de ele e sua igreja jamais terem sido cristãos. Católicos, sim; cristãos, nunca. Não basta seguir objetiva e mecanicamente mandamentos e rituais. Isto os fariseus também faziam.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – III.

Jeová ou Javé, deus de um povo, de Abraão, Isaac e Jacó (Exodus 3: 6). Esse deus não se confunde com o bondoso e misericordioso Pai Celestial de Jesus, nem com o Deus de luz, vida e amor dos místicos. As promessas de Javé a Abraão circunscrevem-se a bens e interesses mundanos; nada de elevação espiritual (Gênesis 12: 1/3). Promessas semelhantes foram feitas a Jesus por esse mesmo deus. Jesus o rechaçou e lhe deu outro nome: Satanás (Mateus 4: 3/10; Lucas 4: 3/12). Na concepção mística, Deus não faz promessa, não celebra contrato ou pacto. Sendo onipotente e onisciente, Deus não depende da concordância ou discordância, da fidelidade ou infidelidade dos seres humanos. Sendo bondoso e misericordioso, Deus não ordena a matança de homens, mulheres, crianças e meninos de peito, bois, ovelhas, camelos e jumentos como faz esse deus Javé (Samuel – I – 15: 2/3). O Pai Celestial de Jesus e o Deus dos místicos não exigem, de pessoa alguma, o pagamento dos dízimos ao tesouro do templo, como exigiu a divindade hebréia (Malaquias 3: 10).

Da leitura do Gênesis vem a indagação: se o homem ainda não fora criado, quem ouviu esse deus falar? Com quem esse deus falava? Em que idioma? Depois de dois milênios do nascimento de Adão (indivíduo que só existiu na cabeça do escritor hebreu) Jeová certamente conversou com o sacerdote Esdras em aramaico e entre um copo e outro de vinho contou o que fizera e dissera ao criar o mundo. Esdras deve ter gravado a conversa em fita magnética para nada esquecer e não filmou Javé a pedido da divindade. Depois do porre, escreveu tudo, reuniu o povo em praça pública e procedeu à leitura (Neemias 8: 1/8).

Além de investigar e explicar os fenômenos naturais, de procurar as causas das doenças, de elaborar processos de cura, a razão avança até a esfera metafísica para chegar a uma visão filosófica, mística e religiosa do universo físico e espiritual. Segundo Kant, a metafísica exige uma lógica especial quando se refere aos juízos “a priori” e não à experiência sensível. Denominou-a “Lógica Transcendental”. A fé religiosa também inclui uma interpretação do universo físico e espiritual. Em face disto, uns defendem a identidade essencial entre a filosofia e a religião, enquanto outros defendem a diferença essencial.

Para o primeiro grupo, a filosofia e a religião buscam a gnose, sob o mesmo impulso cognoscitivo. A religião é um grau inferior do conhecimento filosófico; este cuida de conceitos abstratos; aquela cuida de representações concretas. Segundo Johannes Hessen (“Teoria do Conhecimento”) entram nessa corrente o budismo, o neoplatonismo e o gnosticismo, na idade antiga; Spinoza, Fichte, Schelling, Hegel e Hartmann, na idade moderna. Para outros membros desse grupo como De Maistre, De Bonald e Lamennais, a filosofia é que se integra à religião. Há variantes, como a de Tomás de Aquino, que defende a identidade parcial entre filosofia e religião, porque ambas têm uma esfera comum, que é a teologia natural (escolástica) ou a teologia racional (iluminismo). Essa teologia busca demonstrar a existência de Deus e definir a sua essência mediante as forças naturais da razão. Nesta hipótese, a fé repousa no saber racional.

No segundo grupo, que defende a diferença essencial entre filosofia e religião, encontram-se os dualistas radicais e os dualistas moderados. Os radicais, liderados por Kant, separam completamente as duas esferas: a do saber, o mundo fenomênico; a da fé, o mundo metafísico. A metafísica é impossível como ciência. Os moderados, como Scheler, aceitam um ponto comum entre as duas esferas: a idéia do absoluto. A metafísica é possível como ciência a nos conduzir ao absoluto e ao princípio do universo. A filosofia aborda esse ponto sob a ótica cosmológica racional, fundada na idéia de um princípio espiritual do universo, enquanto a religião do livro (torá, evangelho, alcorão) o aborda sob o ponto de vista moral, fundada na idéia de um deus pessoal.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – II.

A cultura humana produz benefícios e malefícios. Entre os males do mundo da cultura estão o genocídio, o terrorismo, o racismo, o narcisismo, o fanatismo ideológico e religioso, a intolerância, a violência, o preconceito, a frouxidão dos costumes (consumo de drogas, prostituição, tráfico de mulheres e crianças, libertinagem, corrupção, deterioração dos laços da família, precária e seletiva transmissão do conhecimento, caráter mal formado, ausência de espírito fraterno), as moléstias derivadas da competição desenfreada (depressão, hipertensão, diabetes), o materialismo, o consumismo, as desigualdades sociais e econômicas (desemprego, miséria, fome), a poluição ambiental, conflitos internos e externos, rebaixamento da dignidade humana.

Desde os primórdios da civilização há uso de alucinógenos, sensualismo, cobiça, inveja, orgulho, insensatez, mentira, traição, perversidade, difamação, fraude, saques, assassinatos, guerras, ações predatórias. Processos mentais configuram o egocentrismo, o nacionalismo exacerbado, a disputa por riqueza, poder, fama, honrarias. Distintos interesses separam pessoas e nações. O Jardim do Éden nunca existiu e nem o homem ali foi criado há seis mil anos. Cuida-se de lenda, como a de Shangri-lá e Atlântida. Francis Bacon sugere que a Atlântida de Platão pode ser o continente americano, desconhecido naquela época. O paraíso e a queda do homem são crenças infantis. Não houve degradação alguma e sim evolução física e mental da espécie humana através de milhões de anos.

Todos os males biológicos e psíquicos que afligem a humanidade decorrem dos equívocos na dieta, no comportamento individual e social, na medicina, na ciência, na filosofia e na religião. Há excesso de população e seitas que se opõem ao controle da natalidade. Entre alguns povos a produção de alimentos é insuficiente para atender a demanda. A fome desespera, enfraquece e mata. Nos países capitalistas os ganhos na economia formal ficam restritos a uma parcela da população. A probabilidade de perder o emprego ou de a empresa falir por causa das crises periódicas gera tensão e ansiedade nas pessoas. O desemprego e a falta de recursos desesperam e deprimem. Os excluídos moram na periferia das cidades, em locais insalubres e inseguros, sujeitos a infecções, inundações, perda de vidas e de bens. A competição para galgar boas posições no Estado, na empresa, na profissão, na sociedade, provoca exaustão física e mental. As religiões disputam o recrutamento de crentes, ambicionam a hegemonia espiritual e o crescimento patrimonial; despertam ódios e criam um clima desfavorável à fraternidade universal. A competição entre as nações pelas riquezas naturais do planeta e pelo desenvolvimento econômico ilimitado causa angústia, guerra, morte e destruição.

Se a raça humana fosse extinta, nenhuma falta faria a Deus e à natureza. O ser humano está longe, muito longe de gozar qualquer privilégio divino e de ser a imagem e semelhança de Deus. O escritor hebreu referia-se ao deus hebreu quando lançou a seguinte inversão que colou na civilização ocidental: “Então deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênesis I: 26,27). A verdade que se extrai ao longo do Antigo Testamento está na forma contrária: o escritor hebreu criou esse deus à imagem e semelhança do homem hebreu e o chamou de Javé (ou Jeová): genocida, cruel, exclusivista, materialista, invasor, belicoso. O deus hebreu e o homem, mais do que semelhantes, são iguais.


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – I.

Cura significa estabelecimento ou restabelecimento de um bom estado de saúde. O processo da cura tem por destinatário um sujeito singular (homem, mulher, adulto, criança) ou um sujeito coletivo (comunidade, humanidade) e comporta duas vias: racional e irracional. A via racional compreende a medicina convencional e a medicina alternativa (utilizam-se produtos químicos e fitoterápicos, cirurgia, aparelhos, agulhas). A via irracional compreende as artes fundadas na fé (harmonização espiritual, passes mediúnicos, cromoterapia, magia indígena, orações, exorcismos, chás e outras beberagens). Quanto ao estabelecimento da saúde do sujeito coletivo, a tarefa cabe aos profetas, gurus, santos, líderes, cientistas, filósofos e, de um modo geral, ao Estado e à Sociedade (leis, programas, ações, medidas preventivas e repressivas, atividades educativas e esportivas, tudo com o propósito de debelar os males sociais).

A fonte primária de todos os males está no ser humano como espécie do reino animal. No entanto, há fontes telúricas que independem do pensamento e da ação humana: tempestades, raios, inundações, terremotos, maremotos. Além dessas, há outras fontes naturais como as epidemias e as pragas. Essas forças da natureza atuariam mesmo que no planeta não houvesse vida humana. Matam e ferem vegetais e animais, causam danos, indiferente se a vida é humana, se as pessoas e os bichos são pecadores ou inocentes, se as casas, móveis e veículos são de ricos ou de pobres. As forças da natureza são cegas aos valores éticos e religiosos da humanidade. No sentido amplo, vida é a energia fundamental que gerou o universo e o mantém em movimento. Vida biológica é conceito restrito aos seres vivos. A vida biológica terminará em nosso planeta quando o Sol se apagar, o que está previsto para daqui a milhões de anos. Antes mesmo da escuridão, a baixa temperatura extinguirá espécies, inclusive a humana. O Sol será mais uma estrela a se converter em buraco negro, como tantas outras observadas pelos astrônomos. Diante dessa realidade, caem por terra as ridículas e pretensiosas fantasias das escrituras religiosas (hebraica, cristã, muçulmana).

Perante Deus, não há diferença entre o nosso planeta e qualquer outro astro do universo; entre o ser humano e qualquer outro ser vivo do universo. A vida biológica pode surgir e desaparecer em qualquer parte do universo, desde que presentes as condições ambientais de nascimento e morte. Se houvesse predileção divina pelos humanos não haveria morte e destruição decorrentes das leis naturais (que são leis inflexíveis promulgadas por Deus). Os fenômenos telúricos acontecem na Terra, no sistema solar, na Via Láctea e em qualquer outra galáxia. Não se trata, pois, de castigo. A mente doentia, contaminada por falsos axiomas e dogmas, invadida pelo medo, vê nos fatos naturais “castigo de Deus por causa dos nossos pecados”. Essa visão deformada permeia a bíblia. A praga de gafanhotos serve de exemplo (Joel, capítulos 1 e 2). Não há pecado algum responsável por esses fenômenos. Os danos por eles causados devem ser debitados ao determinismo da natureza e/ou à incúria humana, conforme o caso. Exemplo: ao construir, morar ou exercer atividades ao nível do mar, às margens dos rios, ao pé de montanhas nevadas, nos morros, cavernas e minas, os seres humanos cavam a própria sepultura.

Deus, Adão e Eva nada têm a ver com isso. Aliás, esse casal inventado pelo escritor hebreu nunca existiu. Trata-se de um conto da carochinha para crianças, como dizia o cientista Albert Einstein (Sec. XX – 1901/2000). A bíblia é uma fraude colossal, afirmava o filósofo Baruch Spinoza (Sec. XVII – 1601/1700). Em conseqüência da sua crítica racional, Spinoza foi expulso da sinagoga e da comunidade judia na Holanda. A fraude é útil para manter os judeus unidos, a versão de que eles são eleitos de Deus e introdutores do monoteísmo. Ambos, cientista e filósofo, eram judeus, portanto, insuspeitos ao emitirem tais juízos de valor sobre a escritura religiosa do seu povo. Thomas Hobbes (Sec. XVII – 1601/1700) filósofo inglês, ao tratar do Estado Cristão na terceira parte do seu livro Leviatã, já informava que o Antigo Testamento (AT) fora escrito no século IV a.C. (400/301) por um judeu chamado Esdras que se dizia inspirado por Deus. Verifica-se, pois, que o AT saiu da cabeça desse sacerdote qualificado de erudito. Hobbes transcreve os versículos 21, 22 e 45, do capítulo 14, do segundo livro de Esdras, onde o escritor judeu confessa a autoria da falsidade ideológica. Faço meus estudos em duas bíblias católicas e uma protestante. Em nenhuma delas encontrei o capítulo 14, do segundo livro de Esdras, mencionado e transcrito por Hobbes. O capítulo sumiu da bíblia após a publicação do Leviatã. Adições e exclusões nas escrituras “sagradas” são constantes para afeiçoá-las à doutrina e aos interesses eclesiásticos. Livros, doutrinas, escolas, inspirados na escritura hebraica e cristã, desde Santo Agostinho, passando pela escolástica até os nossos dias, não merecem fé alguma. Caracterizam-se pelo engodo, pela enxurrada de palavras vazias sobre idéias falsas, fantasiosas, distantes da realidade. E pensar que alguns dos pilares da civilização ocidental assentam-se nesse terreno falso!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

POLÍTICA

Autoridade x Liberdade.

A tensão entre poder e direito acompanha a civilização ocidental. Essa tensão fica mais evidente diante da autonomia do direito em relação à filosofia, à moral e à religião, a partir da produção jurídica romana. Chega ao ápice no século XVIII (1701/1800) quando a autoridade pública sufoca a liberdade do povo, avança nos bens da burguesia, abusa do poder de tributar, prender, torturar e matar pessoas. A opressão gerou revolta no povo, capitaneada por intelectuais, comerciantes e produtores. Na América do Norte, 13 colônias, com luta, derramamento de sangue e ajuda francesa, romperam o vínculo político com a Inglaterra. Na França, revolução sangrenta derrubou a monarquia (restaurada posteriormente). O mérito maior dessa revolução foi parir a declaração dos direitos do homem e do cidadão que se espraiou pelo mundo. Esses movimentos políticos e as idéias que os inspiravam chegaram à América Portuguesa. Habitantes da colônia estavam descontentes com a cobrança de tributos sobre a exportação do açúcar e do algodão e sobre a produção do ouro. Pequena parcela do povo se rebelou contra o monopólio da metrópole (proibição de atividades comerciais, industriais e de informação). Intelectuais e membros ricos e remediados da colônia conspiraram contra o poder real. Foram descobertos, presos e deportados. O mais pobre deles, de poucas letras, humilde alferes, foi enforcado e esquartejado. No século seguinte (1801/1900) a colônia obteve independência com apoio de um príncipe português.

Forte era a presença do imperador na monarquia constitucional instaurada em território brasileiro. Legislativo e Judiciário adequaram-se ao autoritarismo. O povo submeteu-se. Direitos contra o Estado, nem pensar. Na primeira república federativa democrática (1889/1930) o panorama pouco mudou: à parcela maior da população, os deveres; à elite governante, os direitos. No interregno autocrático civil (1930/1945) os direitos dos trabalhadores foram reconhecidos em lei; justiça específica e administrativa foi criada. Na segunda república federativa democrática (1945/1964) as desigualdades sociais e econômicas permaneceram; liberdade e igualdade jurídica foram asseguradas, porém, no plano dos fatos, de pouca valia para os desafortunados. Os trabalhadores se fortaleceram mediante organização e atividade sindical, mas encontraram forte resistência da classe produtora e da classe média aliadas à igreja católica e aos militares a serviço dos interesses do governo dos EUA (guerra fria). No período autocrático militar (1964/1985) a população sentiu o aumento da tributação e de outros encargos, além da perda da liberdade. Esta última foi mais sentida pela imprensa e pelos ativistas políticos contrários ao regime em vigor.

Descoberta a mina (o bolso do povo) os governos da terceira república federativa democrática (1985/2010) prosseguem no abuso: servem-se do Estado de Direito como biombo; a opressão vem com a capa da lei; tributação em níveis altíssimos; manipulação e elevação artificial dos juros; extrema elasticidade dada à função social da propriedade e à desapropriação por interesse social; direitos humanos esterilizados; poder governamental excessivo, corrupção desenfreada. Aumentou a parcela da população brasileira colocada à margem dos benefícios da produção econômica e cultural nos diversos momentos da história republicana. Somente no segundo governo de Luiz Inácio (2007/2010) a situação dessa gente começou a melhorar. Para atender aos interesses de privilegiados setores internos e externos (reais donos do poder) o congresso nacional remendou mais de sessenta vezes a Constituição de 1988, em afronto e desrespeito à soberania da Assembléia Nacional Constituinte.

A relação entre liberdade e autoridade é pendular, ora para lá, ora para cá, segundo o contexto político. Indiferente ao regime em vigor, se autocrático ou democrático, a prática autoritária no Brasil tem superado a prática liberal. O mecanismo social compensa as polaridades no tempo, sem equilibrá-las. Em determinados contextos sociais e econômicos, os trabalhadores concordam em reduzir salários para preservar empregos; o governo reduz o campo da sua autoridade, ainda que em distensão lenta e gradual, de modo a evitar confrontos e revoltas. No governo democrático a vontade popular deve prevalecer, mas, na realidade, prevalece a vontade dos donos do poder (elite política e econômica distinta da elite social e moral). Apesar disto, projetos de iniciativa popular são recebidos, debatidos e votados no congresso nacional e sancionados pelo chefe de governo. Esses projetos versam matéria que os legisladores e chefes de governo gostariam de engavetar. A matéria interessa ao povo, mas não aos seus representantes. A lei da ficha limpa não constaria do ordenamento jurídico se não houvesse iniciativa popular. As concessionárias de obras e serviços públicos cobram tarifas exorbitantes com o beneplácito das agências do governo. Servem de exemplo: (i) o aumento contínuo e exorbitante do pedágio nas rodovias federais, em detrimento do patrimônio e da liberdade de ir e vir dos usuários; (ii) cobrança de assinatura em contas de telefonia; (iii) serviços públicos prestados de modo deficiente e negligente.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

PILULAS

APAGÃO.

Vários Estados nordestinos ficaram sem energia elétrica no início de fevereiro do corrente ano (2011). Em anos anteriores, outras regiões brasileiras sofreram interrupção do fornecimento de energia elétrica. O Ministro das Minas e Energia, politiqueiro e mau administrador, afirma que o sistema brasileiro de distribuição de energia elétrica é o melhor do mundo. Explica as falhas no sistema como sendo comuns e acontecerem em outros países, principalmente pela intervenção de fatores naturais, como neve, tempestade e raios. Explica, mas não convence. Estruturalmente, o sistema brasileiro pode ser bom, com material de boa qualidade e conexões bem articuladas. Funcionalmente, porém, há deficiência no sistema, falhas na utilização e conservação daquele material, na fiscalização e manutenção das conexões, bem como, na administração do serviço de um modo geral. Menosprezando a inteligência do povo brasileiro, o politiqueiro Ministro julga que fala a mentecaptos ao negar o apagão e afirmar que houve apenas falha temporária no fornecimento da energia. Meras palavras para enganar o consumidor. Temporária sempre será a falta de força e luz, porque o prestador de serviço – Estado ou empresa concessionária – restabelecerá o fornecimento. Aqui, não se há de confundir tempo e espaço. O tempo no restabelecimento será curto ou longo, dependendo dos fatores naturais e técnicos, da disponibilidade mediata ou imediata de meios e da eficiência administrativa. O espaço no escuro terá maior ou menor extensão territorial. Se a interrupção do fornecimento for geral o povo diz que houve “apagão”, quer tenha ocorrido no bairro, na cidade, na região metropolitana, no Estado ou em vários Estados. No sul fluminense, por exemplo, a concessionária Ampla mostra-se ineficiente. As interrupções no fornecimento de energia elétrica são freqüentes no Município de Itatiaia, mormente no distrito turístico de Penedo, com os notórios prejuízos aos consumidores (aparelhos eletrônicos e produtos naturais que se estragam, solução de continuidade na atividade dos setores comercial e turístico). Respondendo a reclamação formal e escrita sobre essa deficiência, a Agencia Nacional de Eletricidade diz que a empresa concessionária tem direito a certo número de interrupções e, por isso mesmo, ser impossível revogar a concessão ou aplicar qualquer outra punição. Essa cláusula liberando as concessionárias de responderem por suas falhas e que lhes permite ganhos sem risco, ainda que conste do contrato ou de ato ministerial, não perde o seu caráter imoral e antijurídico. A estapafúrdia resposta da Agência sugere conivência. A tolerância com a ineficiência traz consigo a certeza de que os agentes públicos recebem propinas das empresas concessionárias para amortecer o impacto das falhas na prestação do serviço ou na realização das obras públicas. Considerando o alto nível de corrupção no Brasil, a conivência não é de se estranhar e nem se pode enquadrá-la nas exceções, posto haver alcançado foro de regra geral.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

PILULAS

Atividade da presidenta.

No final de janeiro (2011) em sua primeira viagem internacional, a Presidente da República Federativa do Brasil visitou a presidenta da Argentina. Isto parece indicar preferência brasileira à valorização do relacionamento com os países da América Latina e às organizações regionais. Pode-se ver nessa atitude, implícito recado ao governo dos EUA: podemos continuar parceiros, mas a política externa brasileira admite e cultiva outras parcerias. Há notícia de que o presidente dos EUA visitará o Brasil no primeiro semestre deste ano (2011). Estratégia, talvez, para reanimar as relações entre os dois países e desculpar a ausência daquele presidente à posse da presidenta. Diferença de estilo: (1) Luiz Inácio, mesmo antes de tomar posse no cargo de Presidente da República, correu aos EUA lamber as botas texanas de Bush; (2) Dilma Rousseff só viajou após tomar posse no cargo. Foi abraçar carinhosa e fraternalmente a sua colega argentina que recentemente perdera o marido. Gentil e apropriadamente, em atenção ao luto da argentina, a brasileira apresentou-se com vestido escuro.

No começo de fevereiro de 2011 (02/02/11), a presidenta compareceu à abertura da 54ª Legislatura do Brasil. Traje claro, simples e elegante. Mudou a praxe. Regularmente, a mensagem presidencial era lida pelo chefe do gabinete civil da presidência da República. Dilma revelou senso político e autonomia em relação ao cerimonial. Com o seu gesto, cativou eleitores e eleitos, além de prestigiar o Congresso Nacional como instituição legislativa. No seu discurso escrito, como convém à solenidade, tratou genericamente das metas do seu governo nos diferentes setores da administração pública. Leitura tranqüila, serena, em tom moderado. Diferença de estilo: (1) Luiz Inácio discursava de maneira espalhafatosa e vulgar, como se estivesse em palanque eleitoral; (2) Dilma Rousseff discursa de maneira recatada, como se estivesse no recinto de uma academia de letras. Presentes os parlamentares da nova legislatura, os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outras autoridades, em cerimônia de forte simbolismo cívico. O presidente do STF leu a mensagem do Poder Judiciário. Outra boa inovação, pelo seu significado político institucional, foi dar voz, na cerimônia, ao presidente do TSE que, de modo objetivo, relatou o processo eleitoral de 2010.

Revolução no Egito.

O povo egípcio cansou da autocracia. Seguramente, não é o mesmo povo que suportou a monarquia teocrática dos faraós por três mil e duzentos anos até a queda da sua civilização no alvorecer da era cristã. O governo de Hosni Mubarak dura, apenas, 30 anos. Esse militar se manteve no poder graças à aura de libertador, a permanente propaganda em torno da sua pessoa e à continuidade da aliança com os EUA e Israel. Em nome de Deus e da democracia o governo estadunidense invade países e desrespeita valores culturais de outras nações. No entanto, apóia ditaduras civis e militares em qualquer país, desde que os interesses econômicos e estratégicos dos EUA estejam atendidos.

Assim foi na América Latina, durante a guerra fria: o governo estadunidense deu apoio doutrinário e logístico a ditaduras em todos os países para impedir governos socialistas. Havia escola nos EUA para doutrinar – como de fato doutrinava – os militares latino-americanos para instituírem ditaduras. Salvador Allende, presidente eleito pelo povo chileno, foi uma das inúmeras vítimas da trama política engendrada pelo governo estadunidense. Tentaram acabar com Fidel Castro e o regime cubano, mas não conseguiram. No Brasil, sob os auspícios do governo estadunidense, com o objetivo de implantar e assegurar regime ditatorial, foram afastados do poder e eliminados líderes políticos como João Goulart e Juscelino Kubitschek.

No Iraque, depois de apoiar o ditador Saddam Hussein por longos anos, o governo estadunidense providenciou a sua morte. Aquela ditadura já não lhe servia mais. Agora, o citado governo pretende se descartar de outra ditadura que recebeu seu apoio durante 30 anos: a de Mubarak, no Egito. O assassinato do ditador poderá entrar na pauta dos assuntos internacionais dos EUA. Diante da forte determinação de parcela significativa do povo egípcio de afastar o ditador e votar nova Constituição, o governo dos EUA tenta um modo engenhoso de transição a fim de evitar que o poder egípcio caia em mãos muçulmanas. Os governos dos EUA e Israel querem manter um títere no Egito que não se alie ao governo do Irã ou a qualquer outro que não esteja afinado com os interesses daqueles dois países. O governo dos EUA pretende conservar as atuais e ganhar novas posições no tabuleiro do Oriente Médio e do norte da África. A situação política no Egito pode frustrar essa pretensão.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

POESIAS

O vaso azul destas verbenas / partiu-o um leque que o tocou: / golpe sutil, roçou-o apenas / pois nem um ruído revelou. / Mas a ferida persistente / mordendo-o sempre e sem sinal / fez, firme e imperceptivelmente / a volta toda do cristal. / A água fugiu calada e fria / a seiva toda se esgotou / ninguém de nada desconfia / não toquem, não, que se quebrou. / Assim, a mão de alguém, roçando / num coração, enche-o de dor / e ele se vai, calmo, quebrando / e morre a flor do seu amor; / embora intacto ao olhar do mundo / sente, na sua solidão / crescer seu mal fino e profundo / já se quebrou: não toquem, não. (“O Vaso Partido” – René François Armand Prudhomme).

De Palos – como a errar, longe do azul natal / os gerifaltos vão – em chusmas, audaciosos / ávidos capitães, pilotos cobiçosos / partiram navegando empós de estranho ideal... / vão conquistar além, das minas do metal / que Cipango entesoura, os veios fabulosos; / sonham, boiando em luz países misteriosos / praias, climas, regiões do mundo ocidental... / sulcam assim, mar alto, infatigavelmente / miragens tropicais, longe, enganosamente / esboçam construções e torres de ouro no ar... / e eles à proa vão das alvas caravelas / vendo só, despenhado em turbilhões de estrelas / todo o infinito céu sobre o infinito mar.../ (“Os Argonautas” – José Maria de Heredia).

De repente uns desejos fúteis / tivestes, de escutar um pouco / as várias músicas inúteis / das minhas flautas de som rouco. / Esta canção que eu comecei / ante a paisagem, frio e grave / ficou melhor quando a cessei / para olhar vosso olhar suave. / Sim, este vão sopro que expulso / até meu último limite / (meus dedos, hirtos movo a pulso) / falha se imita, embora imite / o vosso claro, natural / riso infantil e matinal. (“Folha de Álbum” – Stephane Mallarmé.)

“Para os puros tudo é puro” – assim fala o povo. / Mas eu vos digo: para os porcos tudo é porco! / Por isso os fanáticos e os que curvam a cerviz que também têm o coração inclinado / predicam desta forma: “o próprio mundo é um monstro lamacento!” / Por que todos esses têm o espírito sujo, especialmente os que se não dão paz nem sossego / enquanto não vêem o mundo por detrás: são os crentes do mundo posterior. / A esses lhes digo eu na cara conquanto não soe muito bem: o mundo parece-se com o homem por ter traseiro também; isto é uma verdade! / Há no mundo muita lama; isto é grande verdade! / Mas, nem por isso, o mundo é um monstro lamacento! / É sensato haver no mundo muitas coisas que cheirem mal; o próprio asco cria asas e forças que pressentem mananciais! / Até nos melhores há qualquer coisa repugnante / e até o melhor é coisa que se deve superar! / Oh! Meus irmãos! É sensato haver muita lama no mundo! (Trecho de “Assim Falou Zaratustra” – poema bíblico em prosa de Friedrich Wilhelm Nietzche).