quinta-feira, 28 de julho de 2022

ELEIÇÕES 2022 - VII

Em “Juízes Medrosos”, artigo publicado neste blog (15/07/2022) foi dito que o notável saber é insuficiente para qualificar o bom magistrado; que, para os jurisdicionados, mais importante é o bom caráter do magistrado, a sua honestidade, a sua independência, a sua serenidade e a sua coragem. Mutatis mutandi, o mesmo se aplica aos políticos. 
Ao representante do povo nas funções legislativa e executiva do estado não bastam inteligência lúcida e bem operada, vasto conhecimento, facilidade de expressão. Para o povo, mais importante é o bom caráter do legislador e do administrador público, o seu espírito público, o seu carisma voltado para o bem comum, a sua urbanidade, a sua honestidade, a sua coragem, a sua sensibilidade para com (i) as carências dos desafortunados (ii) a família (iii) o meio ambiente ecologicamente equilibrado (iv) a justiça social. 
Não merecem o voto dos eleitores os candidatos rancorosos, cheios de mágoa, invejosos, maledicentes, mentirosos, de má cepa, insensíveis à dor alheia, de índole autoritária, que não respeitam os princípios fundamentais do direito e da moral, exploradores de verdades parciais fora do contexto e predispostos à violência. A recusa dos eleitores em reeleger, nas eleições de 2022, parlamentares e chefes de governo federais e estaduais com todas ou com algumas dessas características, afastará desgraceiras como as geradas pelas eleições de 2018. 
O legislador e o administrador público devem aplicar o conhecimento brotado da sua experiência de vida, ainda que não seja amplo e acadêmico, no trato com o setor produtivo; devem cuidar dos interesses do empresário e do trabalhador de modo razoável e ponderado; devem estar sintonizados com a ordem econômica e com a ordem social juridicamente estruturadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Os princípios fundamentais enunciados nessa lei magna devem ser a espinha dorsal de todo programa de governo democrático, seja de direita, seja de esquerda. [CR 1º a 4º]. 
Razão e moral nem sempre andam juntas. Bons e bem articulados argumentos expressos em linguagem escorreita podem ocultar intenções malévolas. Mediante racional discurso e primorosa cultura, o indivíduo exibe o seu saber e a sua vaidade, porém, por detrás desse brilho, ele esconde a sua má índole, a sua tendência aos maus costumes. Sobre o divórcio entre o notável saber de alguém e a sua conduta social eticamente avaliada, citamos, no artigo mencionado no início deste, o exemplo emblemático de Francis Bacon (1561-1626), filósofo, cientista e político britânico que, depois de ter sido procurador-geral e chanceler, foi condenado por corrupção e proibido de exercer cargos públicos, conforme decisão proferida no devido processo legal (due process of law). 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

ELEIÇÕES 2022 - VI

As últimas estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral registram o aumento de 9 milhões de eleitores. Por ser a primeira vez, possivelmente esses novos eleitores não votarão em branco. Em 2018, o corpo eleitoral era composto de 147 milhões de eleitores. Agora, em 2022, compõe-se de 156 milhões de eleitores. Lá, 42 milhões votaram em branco; cá, espera-se redução deste número e que diminua a rejeição à classe política. O eleitorado feminino continua superior ao masculino: 82 milhões x 74 milhões (53% x 47%). No entanto, a ascensão feminina aos cargos eletivos continua bem abaixo da masculina. Nos seus 133 anos de república, o Brasil só teve uma mulher na presidência, poucas mulheres governadoras e prefeitas. Nas câmaras municipais, assembleias legislativas, câmara dos deputados e no senado federal, as mulheres são minoria quando não completamente ausentes. Na esmagadora maioria dos 5.500 municípios brasileiros, as prefeituras são ocupadas por homens. 
Mulher: “mostre a tua cara” (royalties para Cazuza), vote em mulher, ocupe os órgãos legislativos e executivos. Asim, talvez, o nível ético da classe política suba alguns patamares. No que tange à força da mulher, há um simbolismo no entrevero de Foz do Iguaçu (09/07/2022): “Bolsonaro chega empunhando arma de fogo na festa de Lula. Mulher opõe-se à sua entrada. Bolsonaro consegue entrar e atira em Lula. A mulher derruba Bolsonaro que, agachado, tenta fugir. Lula impede a fuga e atira. Bolsonaro tomba e é chutado por eleitor”. Este simbolismo parece indicar (i) que o voto feminino impedirá a reeleição do atual presidente da república (ii) que o voto masculino o chutará do cargo.  
Alcoviteiro e mentiroso compulsivo, o presidente inventa pretextos, artifícios e falsidades para depois impedir ou anular as eleições de outubro/2022. Ele está malhando em ferro frio. Faltam-lhe estofo moral e apoio popular para essas empreitadas. Os civis e os militares de terno que o apoiam são insuficientes para atingir o nefasto propósito. A mais recente artimanha foi a fracassada reunião com embaixadores por ele convocada e realizada no palácio do planalto (18/07/2022). Certamente, ele pretendeu ensombrar eventos antes organizados pelo Tribunal Superior Eleitoral com embaixadores e autoridades internacionais relacionados ao vigor da democracia e do sistema eleitoral brasileiro. Na citada reunião, ele atirou contra o sistema eleitoral, as urnas eletrônicas e a idoneidade de 3 juízes do supremo tribunal. Do vídeo dessa reunião, verifica-se que ninguém o aplaudiu. A seleta plateia mostrou-se apática. Ao descer da tribuna, o presidente ficou desnorteado. Os cumprimentos que esperava não vieram. Nada de efusivos abraços e apertos de mãos. Isto mais impressiona quando se sabe que ele deixou de convidar para essa reunião embaixadores considerados de esquerda ou hostis ao seu autoritarismo populista.
Certamente, a apatia deve-se ao grau de informação e de cultura dos diplomatas e à percepção de estarem ali servindo de instrumento às manobras eleitoreiras e/ou golpistas do presidente. Como é próprio do presidencialismo, ele acumula as chefias do estado e do governo. Chefe de estado, ele representa o Brasil perante as nações do mundo. A ele cabe manter relações com estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos. Inadmissível, portanto, que perante tais representantes ele (i) se insurja contra o Brasil (ii) desmoralize magistrados e o sistema eleitoral (iii) argumente com premissas falsas (iv) aponte defeitos que não existem. 
Usar verdades parciais para enganar o público é desonestidade e falta de decoro. A expressão “célula criminosa” por ele usada, relativa a magistrados, lembra terminologia semelhante à usada na ditadura militar: “célula comunista”. A operação lava-jato revelou condutas imorais e ilegais de magistrados do piso à abóboda da justiça federal. Isto ocorreu na fatia que, ao participar do jogo político partidário, feriu a ética judiciária. Entretanto, não se afigura justo estender essa vergonha a toda a magistratura federal e estadual. Se ainda há juízes lavajatistas, há também juízes que primam pela imparcialidade, pela independência, pela honestidade, pela coragem e cumprem os seus deveres com exatidão, serenidade e urbanidade.  
Ao colocar o seu sentimento e interesse pessoal acima da dignidade da nação brasileira, o presidente tornou-se passível de enquadramento nos crimes políticos definidos nas leis 1.079/1950 e 14.197/2021. Esta última introduziu no Código Penal o título XII: crimes contra o estado democrático de direito, definindo os crimes contra a soberania nacional, contra as instituições democráticas, contra o processo eleitoral, contra o funcionamento dos serviços essenciais. Essa lei revogou a lei de segurança nacional (7.170/1983). 
A expressão “segurança nacional” estigmatizada entre nós em decorrência da ditadura militar, significa o conjunto de mecanismos legais e factuais para garantir a integridade do território, do povo e do governo. Em razão do estigma, o legislador brasileiro mudou o nome da lei, mas, o objetivo continua o mesmo, salvo no que tange ao governo cuja forma passou de autocrática para democrática. Portanto, pretender restaurar a forma autocrática é adentrar o campo da inconstitucionalidade e da criminalidade política. 
Considera-se crime político toda ação violenta ou fraudulenta, clandestina ou não, contrária ao novo estatuto da segurança nacional. Esse conceito doutrinário pode constar, ou não, do texto constitucional ou de alguma lei. No Brasil, os diversos tipos de crime político estão definidos na legislação infraconstitucional. São crimes políticos, por exemplo: (i) a violenta passagem de um regime político a outro (ii) fornecer dados secretos a país estrangeiro (iii) atacar o sistema eleitoral (iv) impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do sufrágio (v) promover desordem prejudicial aos trabalhos eleitorais. 

domingo, 17 de julho de 2022

DUELO NO OESTE

Em Foz do Iguaçu, comarca situada no oeste do Paraná, fronteira com o Paraguai, onde funcionei como juiz substituto estadual (1972), houve troca de tiros de revólver entre um bolsonarista e um lulista durante festa particular de aniversário em salão decorado com poster de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à presidência da república (09/07/2022). Os convidados se dispersaram em polvorosa. O duelo repercutiu dentro e fora do Estado do Paraná. Vídeo circulando na rede de computadores mostra homem em pé (bolsonarista) disparando arma de fogo contra homem deitado (lulista). Mulher surge correndo e derruba o bolsonarista. Agachado, o bolsonarista sai em direção à porta dos fundos. O lulista, ainda deitado, revida atirando contra o bolsonarista que tomba. Aparece um homem que chuta o bolsonarista. 
Internados no hospital, o lulista morreu e o bolsonarista sobreviveu, pelo menos, até o momento em que este artigo está sendo escrito. Se ele morrer, o inquério policial será arquivado. A morte é causa extintiva da punibilidade. Ainda que o inquérito esteja concluído, o promotor de justiça não poderá oferecer denúncia contra pessoa morta.
Se o bolsonarista continuar vivo, uma vez concluído o inquérito policial, o promotor de justiça poderá pedir o arquivamento se lhe parecer presente causa de exclusão de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito). Se disto não se convencer, o promotor oferecerá denúncia (petição inicial da ação penal), tendo em vista que a materialidade e a autoria do delito estão evidenciadas. A controvérsia, neste caso concreto, limita-se à culpabilidade.  
Se o juiz não receber a denúncia (indeferir o processamento), o caso será arquivado; se o juiz receber a denúncia (deferir o processamento) instaura-se o processo criminal no bojo do qual será apurada a responsabilidade do acusado. Este e as testemunhas serão ouvidos. Laudos periciais e outros documentos atinentes ao caso, se houver, serão examinados. O promotor e o defensor apresentarão as suas razões. Busca-se esclarecer os motivos e as circunstâncias do fato sub judice. O resultado dessa busca pode não coincidir com as versões e opiniões extrajudiciais. A palavra final caberá ao júri por se tratar de homicídio. Cabem recursos às instâncias superiores do judiciário.  
As versões e opiniões extrajudiciais sobre o ocorrido brotam de diversas fontes: (i) a do homicida, sua esposa, parentes e defensores (ii) a da esposa, parentes e defensores da vítima (iii) a de amigos, adversários, jornalistas e juristas. Sobre o motivo do crime, divergem se foi político ou se foi exclusivamente pessoal. 
1. Motivo político partidário e/ou ideológico, determina o agir tanto no crime político como no crime comum. Crimes politicos referidos - mas não definidos - na Constituição, devem ser garimpados nas leis esparsas como a (i) 14.197/2021 sobre segurança nacional (ii) 1.079/1950 sobre responsabilidade do presidente da república, dos ministros, inclusive os do supremo tribunal, procurador-geral da república, governadores e secretários dos estados (iii) 2.889/1958 sobre genocídio (iv) 4.898/1965 sobre abuso de autoridade (v) o decreto-lei 201/1967 sobre prefeitos e vereadores.
2. Motivo pessoal inclui o aspecto moral: retorquir ofensas.
Esses e outros motivos como, por exemplo, rivalidade entre agentes de segurança de distintos órgãos públicos, podem convergir para o mesmo episódio. O fato ocorreu no interior do país onde é dominante a figura do macho caracterizado por (i) aguda sensibilidade à honra pessoal (ii) instinto brioso (iii) predisposição ao sacrifício, à carranca e à violência (iv) fidelidade ao chefe (coronel fazendeiro, capitão da indústria, dono do mercado, líder político). “Não levar desaforo para casa” é o seu lema. “Lavar a honra” é imperativo da sua dignidade pessoal. Tudo isto explica - mas não justifica - o homicídio. 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

JUÍZES MEDROSOS

O vice-presidente da república opinou sobre o noticiado temor dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a eventual plano do presidente da república de tumultuar ou impedir as eleições de outubro/2022. Disse (i) que se Lula vencer as eleições, as forças armadas o respeitarão, não por sua pessoa e sim por seu posto (ii) que “tem magistrado com medo da própria sombra”.
Como general, o vice-presidente capta o sentimento dominante na caserna. O resultado das urnas será respeitado. O vencedor ocupará o posto de comandante supremo das forças armadas e será acatado pelos militares consoante o princípio da hierarquia e disciplina. [CR 172].
Recear e falar em golpe é sucumbir diante da provocação e da fanfarronice do atual presidente da república e dos seus asseclas. A resposta deve ser o enfrentamento e a prevenção, sem medo de ser feliz. O Tribunal Superior Eleitoral certamente reforçará as medidas que ordinariamente determina nesses períodos a fim de evitar o tumulto nas eleições. O medo dos democratas da direita e da esquerda estimula os nazifascistas a imitarem Trump e sua quadrilha. Cabe à polícia, ao ministério público, ao judiciário, à maioria do povo e seus representantes, cortar as asas dessa gente. O momento exige coragem no discurso e na ação dos defensores da democracia: políticos, juristas, intelectuais, jornalistas, empresários, trabalhadores, cidadãos em geral.
O medo, a covardia e a venalidade do magistrado mancham o virtuoso tecido da Justiça. Ao jurisdicionado importa mais o caráter sem jaça, a honestidade, a coragem, a independência, o espírito alforriado do magistrado, do que o saber jurídico. [Apesar do seu enciclopédico saber, Francis Bacon, político nobre, cientista e filósofo inglês, introdutor do método científico, perdeu o seu cargo de ministro (chanceler) por comprovada corrupção. Processado e condenado, recebeu o perdão do rei].    
Da função judicante são próprios: o criterioso exame dos fatos, a serenidade, a cautela, a reflexão, a razoabilidade, na busca de soluções bem ponderadas e justas nos casos sub judice. Essas propriedades não se confundem com medo e covardia que, aliás, não são apanágios exclusivos dos magistrados. Medo é sentimento próprio da natureza humana. Medroso é o portador de medo excessivo. A experiência forense mostra que existem juízes medrosos. A toga esconde a fraqueza de quem a veste. A ética judiciária recomenda que o magistrado mantenha prudente distância do jogo político partidário. No exercício da sua cidadania, o magistrado (i) deve ser mais discreto do que o cidadão comum (ii) deve manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. Desde o final da ditadura militar no Brasil, essa discrição não tem sido observada a contento. Há magistrados falando pelos cotovelos e exibindo as suas fraquezas. 
Frise-se: a falada “judicialização da política” se deve às frequentes inconstitucionalidades e ilegalidades praticadas nas casas do Congresso Nacional, na Presidência da República, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais, nos governos estaduais, nas prefeituras municipais e também por partidos políticos e por ativistas políticos filiados ou não a partido. Serve de exemplo, a recente e escandalosa proposta de emenda à Constituição baseada num falso estado de emergência. A “emergência” dura 6 anos! A parcela vulnerável da população aumentou a partir do golpe de 2016. O governo acordou só agora, nas vésperas das eleições? O presidente da Câmara dos Deputados, na proximidade das eleições, teve a desfaçatez de mudar o regimento interno durante os trâmites da PEC no indisfarçável intuito de satisfazer interesses seus e do presidente da república. Baita compra de votos no atacado. 
Sessão legislativa sem o quórum regimental e/ou sem matéria a ser nela tratada fica sujeita à anulação por sentença judicial, sem prejuizo do princípio da separação dos poderes. Tipifica fraude no processo legislativo: [1] Abrir e fechar sessão num minuto visando apenas contagem de turnos, sem discussão e votação de matéria alguma [2] Sessão fora do horário regimental presidida por quem não tem competência [3] Registro de presença de quem está ausente [4] Ferir a ordem dos trabalhos (pequeno e grande expedientes, ordem do dia, comunicações). Sem trabalho não há sessão real e sim pura ficção. Norma regimental que acolhe essas fraudes é nula de pleno direito. Todas as normas infraconstitucionais (leis, decretos, medidas provisórias, resoluções) devem estar em sintonia com os princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade e legalidade.  
No sistema jurídico brasileiro, a validade das regras não escritas (praxe, costume) depende da sua sintonia com a lei e a Constituição. Quando a regra contida nos usos e costumes for incompatível com a regra contida na lei do estado, prevalece esta última. Se a lei do estado for omissa em relação a algum caso concreto, recorre-se à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito para preencher a lacuna. Na falta de lei do estado, vige a regra costumeira, que não se confunde com o direito natural. Os princípios do direito natural (vida, liberdade, igualdade, fraternidade, propriedade, segurança) migraram da oralidade para a forma escrita desde a declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão (1789) e constam das constituições de vários países na Idade Contemporânea.  


terça-feira, 12 de julho de 2022

MARCHAS

Os evangélicos repetiram no sábado (09/07/2022), pelas ruas da cidade de São Paulo, a “Marcha para Jesus”, inventada há dois anos por um pastor protestante. As finalidades desse tipo de marcha são perceptíveis: (i) manter os fiéis unidos (ii) garantir o recebimento do dízimo (iii) aumentar a visibilidade, a importância e a credibilidade da igreja protestante e dos seus pastores (iv) abrir caminho para a conquista do poder político (v) usar a imagem de Jesus para obter êxito nos negócios mundanos.  
A igreja católica também organiza marchas (procissões internas e externas) para solidificar a fé na sua doutrina, em Jesus, na Virgem Maria e nos santos. Na Antiguidade, com suas nuances culturais e suas crenças monoteístas e politeístas, os povos também faziam marchas ou procissões. Poder-se-ia, então, falar em: [i] Marcha para Aquenaton (Amenhotep IV) faraó egípcio que instituiu o monoteísmo durante o seu reinado [ii] Marcha para Moisés, príncipe egípcio introdutor desse monoteísmo no povo hebreu tradicionalmente politeísta que habitava o Egito por 450 anos (judeus + israelitas) [iii] Marchas para as divindades das civilizações antigas como a egípcia, a mesopotâmica, a chinesa, a indiana, a grega, a romana [iv] Marchas para avatares como Krishna e Buda [v] Marchas para líderes políticos religiosos como Maomé e Gandhi.
Fora do campo religioso também há marchas. A militar serve de exemplo. A marcha militar fortalece o vínculo psicológico e o sentimento patriótico no seio da tropa. O desfile militar nas ruas aproxima o exército do povo, alegra as crianças, provoca a admiração do público e o respeito de outras nações pela ordem unida e pelo poderio bélico exibidos. A Companhia do Quartel General do Exército, então sediada na praça Ruy Barbosa, em Curitiba/PR, onde eu prestava serviço militar (1958/1959), de vez em quando botava a tropa a marchar na rua. Numa dessas ocasiões, coube-me tocar o tambor-surdo que marcava a cadência. Iniciei com batidas fortes e ritmo acelerado. Depois, comecei a diminuir o ritmo, molengando a marcha. Batida compassada. Os soldados rasos (como eu) divertiram-se à beça. O curioso foi que o jovem encorpado e temível primeiro-tenente que comandava a marcha não interferiu, nem me admoestou. Talvez, não tenha percebido o amolecimento do passo, a languidez do movimento. Se percebeu, compreendeu e não se importou. 
Há marchas cívicas reunindo a população, organizadas por ocasionais lideranças. Os objetivos variam: (i) defesa da democracia, de um governo, de uma classe ou de uma pessoa (ii) protesto contra a carestia, os maus costumes, a má aplicação do dinheiro público, a má prestação dos serviços públicos, a má execução das obras públicas (iii) celebração fúnebre de alguma pessoa representativa (iv) assim por diante. Em geral, essas caminhadas pelas vias públicas são ordeiras, seguem um trajeto previamente combinado com a autoridade pública e visam ao êxito das suas pretensões. O passo é lento, cadenciado, com ou sem tambor e instrumentos musicais, com ou sem cantorias e palavras de ordem. A atmosfera reinante no grupo pode ser de alegria ou de tristeza, de guerra ou de paz. Conforme a ocasião e o contexto social, econômico e político, pode haver confronto entre grupos opostos ou entre os caminhantes e as forças de segurança do estado. Então, a marcha pacífica descamba para a violência. 
Importante não é só a marcha para Jesus, mas, também, as marchas para todos os demais seres iluminados que viveram antes e depois dele. Mais importante do que todas essas marchas, sem exceção alguma, é a presença de Deus em nossos corações. Menos importante é o nome com o qual diferentes povos batizam a divindade. Importante é abrir as portas do coração à divindade, dar passagem à Luz Maior. Assim, as mentes e o caminho para a paz ficarão iluminados. Entretanto, isto é mais fácil almejar do que fazer. A humanidade ainda levará 100 séculos para chegar a esse elevado estágio da espiritualidade [caso, antes disto, não destrua as condições propiciadoras de vida neste planeta].   

quinta-feira, 7 de julho de 2022

CEGUEIRAS

A incapacidade visual plena caracteriza a cegueira, estado físico que pode ser de nascença ou adquirido posteriormente ao nascimento. Nesse estado, nada se enxerga, mesmo em ambiente iluminado. Na capacidade visual plena, a pessoa enxerga tudo o que estiver no seu raio de ação. Na capacidade visual reduzida, aumenta-se o campo de visão com o auxílio de lentes em óculos, binóculos, telescópios, microscópios. No escuro, os olhos nus buscam sem encontrar, porém, recebem ajuda do tato, do olfato, ou de equipamento ótico especial como o dos agentes de segurança do estado em diligências noturnas. Dá-se o nome de “ponto cego” à posição do objeto que o deixa fora do campo de visão do sujeito. 
Há também visão mental. O conjunto das ideias que alguém forma sobre os humanos, a natureza, a sociedade, o estado e a divindade, recebe o nome de visão de mundo. Perceber numa só mirada diversas coisas é ter visão de conjunto. Compreender a conexão entre as coisas e suas mútuas relações num todo é ter visão holística. Graças aos seus estudos e experimentos na primeira metade do século XX, Ernest Rutherford, cientista neozelandês, “viu” o que não podia ser visto com olhos físicos: a estrutura do átomo. Concebeu o modelo atômico semelhante ao sistema solar. Esse modelo serviu de base aos estudos e experimentos de Niels Bohr e de outros cientistas na área da física nuclear. Planetas foram “vistos” pelos astrônomos mediante cálculos matemáticos antes de serem vistos por telescópio.  
A cegueira mental consiste na incapacidade de entender. Quando alguém diz que fulano “não enxerga um palmo adiante do nariz”, pode estar se referindo - não aos olhos físicos - e sim ao olho mental. Tratar-se-ia, então, de crítica à incapacidade de entendimento do fulano, menos contundente do que chamá-lo de burro. A expressão "fulano ficou cego de raiva" indica momentânea falta de capacidade de “ver” as consequências do ato praticado. No processo criminal, esse tipo de cegueira momentânea, se provocado por ato injusto da vítima, atenua a aplicação da pena. A hipótese da incapacidade mental norteia o legislador ao fixar a idade a partir da qual a pessoa se torna juridicamente responsável por seus atos. Segundo a lei brasileira, a pessoa natural é penalmente imputável a partir dos 18 anos de idade. Em qualquer idade (i) o retardamento mental gera a absoluta incapacidade do paciente para os atos da vida civil (ii) a fraqueza mental gera a relativa incapacidade do paciente.
Manter a cegueira mental dos governados, principalmente nos países subdesenvolvidos, interessa aos governantes. “Na terra de cegos, quem tem um olho é rei”. Os espertalhões aproveitam-se da ignorância da massa popular para usar o poder político como instrumento dos seus propósitos particulares. Interessa-lhes a precariedade do entendimento dos governados sobre (i) os negócios de estado (ii) as ideias e os projetos políticos, econômicos e sociais (iii) o leque de opções para solucionar problemas nacionais. Pouco lhes interessa a transparência na ação governamental. Justificam o sigilo em quase todos os assuntos como necessário à segurança nacional.
Manter a massa popular no estado de ignorância, ou de incerteza, interessa aos autocratas, aos demagogos e aos pastores do rebanho humano. Eles fazem da cultura, privilégio de uma elite domesticada. O acesso da massa à universidade, ao conhecimento científico e filosófico, à ampla informação, à livre manifestação do pensamento, é visto pela canalha como um perigo para a estabilidade das instituições políticas e religiosas. Essa visão distorcida explica a censura oficial (calar os livres pensadores, controlar as obras artísticas, científicas, filosóficas, literárias, a imprensa, o rádio, o teatro, o cinema, a televisão). 
A cegueira momentânea pode ser intencional. “Pior cego é aquele que não quer ver”. Por algum motivo, a pessoa finge não ver o que está acontecendo ao seu redor. Esse fingimento pode tipificar cumplicidade se o objeto da esquiva for uma ação delituosa. Exemplo: O empregado finge que não vê (i) o seu colega furtando ferramenta da fábrica em que trabalham (ii) a operária, sua colega de trabalho, sendo abusada sexualmente por seu chefe.
Considera-se abuso toda ação ou omissão que extrapola os limites do razoável, dos bons costumes, da moral e do direito. Exemplos: 1. O indivíduo (i) consumir comida, bebida, cigarros, remédios, drogas, em quantidade acima do que suporta o seu organismo (ii) exercitar-se até a exaustão física (iii) ir além do que lhe foi confiado ou permitido (iv) exorbitar no uso da sua autoridade doméstica ou profissional, nas esferas civil, militar e religiosa. 2. Rigor excessivo na aplicação da lei ou no comando hierárquico. 3. Submeter alguém a indevido constrangimento físico e/ou moral. 4. Violar a casa, a correspondência, a vida privada ou a intimidade de alguém. 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

PALAVRAS II

As palavras do presidente da república e dos seus filhos não merecem crédito imediato e acrítico, nem exagerada preocupação de quem as ouve. Esperar dessas pessoas decência, honestidade, respeito, veracidade, bom caráter, é o mesmo que esperar suco doce da folha da espinha-de-veado. As palavras e atitudes dessas pessoas estão condicionadas pelo cenário político eleitoral e alicerçadas no preconceito relativo à ignorância e à covardia do povo brasileiro. Essas pessoas valem-se da tática usada por Fernando Henrique ao disputar a reeleição e por José Serra ao disputar a eleição para presidente da república: infundir medo no eleitorado. Atemorizam o público com ameaças e insinuações de golpe de estado caso o presidente não seja reeleito. Insinuam que serão imitadas aqui no Brasil a criminosa conduta de Trump e a criminosa invasão do Capitólio. O medo corrói a alma e conturba a mente. Nessas ocasiões, a coragem é virtude necessária e indispensável. . 
Políticos, jornalistas e a parcela maior do eleitorado provavelmente não ficarão intimidados com tais ameaças e insinuações. A derrota de Jair é de alta probabilidade. Ao espernear, ele mostra que sabe e reconhece que vai ser derrotado. Ele sabe que os seus 15 ou 20 milhões de fiéis eleitores, todos nazistas, fascistas, antidemocráticos, espalhados pelo território nacional, são insuficientes para vencer as eleições. Ele sabe que os 130 milhões de eleitores restantes estão descontentes com o seu governo por  diversos e graves motivos, tais como: 1. Amesquinhar a soberania nacional ao prestar continência à bandeira dos EUA. 2. Desrespeito rotineiro à dignidade da pessoa humana. 3. Desapreço à vida humana (i) facilitando a morte de milhares de pessoas ao protelar o combate à pandemia (ii) abrindo a porteira da Amazônia “para passar a boiada” e, assim, tacitamente, validar invasões e explorações ilegais e agravar conflitos e mortes de pessoas, como aconteceu recentemente com um indigenista brasileiro e um jornalista britânico. 4. Nomeação de apaniguados desqualificados para o exercício de altas funções, como atestam os recentes episódios de deterioração moral de um Ministro da Educação e de um presidente da Caixa Econômica Federal. 5. Intervenção na polícia federal em busca de blindagem para si próprio, familiares e comparsas. 6. Uso da Procuradoria-Geral da República como escudo contra denúncias de ilicitudes praticadas por ele e comparsas. 7. Gastos com o cartão corporativo excessivos e estranhos ao interesse público. 8. Falar e agir de modo incompatível com o decoro exigido pela liturgia do cargo. 
Dizer que os EUA ficarão isolados na América Latina se Luiz Inácio vencer as eleições é tolice rematada e claro sinal de desespero. Luiz Inácio governou o Brasil por 8 anos sem qualquer isolamento dos EUA. O presidente daquele país, num momento de descontração, deixou escapar a admiração que devotava ao presidente Luiz Inácio. Potência mundial isola-se por suas próprias vontade e estratégia, como os EUA antes da segunda guerra mundial. 
Dizer que a América Latina ficará toda vermelha com a eleição de Luiz Inácio é anacronismo e exagero. Linguagem do século XX aplicada à realidade do século XXI. Neste século, a direita ainda governa países americanos, ou seja, a América é bicolor: azul e vermelha. Reflete o jogo democrático: capitalismo versus socialismo, quando viceja a liberdade.  
Dizer que, se Jair perder as eleições, nunca mais a esquerda deixará o poder é linguagem vazia. Inexiste essa eternidade na política. Até na separação de amantes, o nunca mais tem prazo de validade, assim como, em reverso, na união de amantes “o amor é eterno enquanto dura” (Vinícius de Morais).
Dizer que o resultado das urnas será rejeitado é linguagem que expressa, ora de modo explícito, ora de modo implícito, zombaria, provocação, fanfarronice estribada no golpe de 1964, incentivo aos nazifascistas para agirem ilegalmente. O processo eleitoral está disciplinado na Constituição, no Código Eleitoral, em leis e resoluções esparsas e integra a forma democrática de governo estabelecida pelo legislador constituinte. Violar essa ordem jurídica é ingressar no campo do ilícito criminal. Tumultuar as eleições tipifica crime eleitoral. Os agressores devem ser identificados, processados e punidos na forma da lei. A polícia e o ministério público, como medida cautelar, devem promover sindicâncias a fim de apurar a autoria e a materialidade das ameaças e insinuações, pois, é provável que os autores sejam brasileiros nazifascistas (inclusive o presidente, seus filhos e comparsas), portanto, inimigos da democracia. Diz o vulgo: melhor prevenir do que remediar. Quem é ativo inimigo do regime democrático não pode usar os direitos constitucionais para destruir a liberdade e a democracia.