sábado, 30 de outubro de 2010

POLÍTICA

ELEGIBILIDADE.

Em política, elegibilidade significa o conjunto de requisitos a ser satisfeito por quem almeje candidatar-se a cargo eletivo. Elegível é quem preenche – e inelegível quem não preenche – esses requisitos. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, os requisitos positivos são: nacionalidade, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral, filiação partidária, idade mínima, alfabetização, vida pregressa idônea. Os requisitos negativos são: não ser cônjuge ou parente de chefe de governo no território da jurisdição do titular; não influir nas eleições mediante poder econômico e/ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública (CF 14, §§ 3º/9º). A lei complementar 64/1990, especifica os casos gerais de inelegibilidade para qualquer cargo e os casos especiais para chefia de governo e membro do legislativo nas esferas federal, estadual e municipal. Essa lei foi alterada pela lei complementar 135, de 04/06/2010, de iniciativa popular, cognominada “lei da ficha limpa”, cujo objetivo é proteger a probidade na administração pública e a moralidade no exercício do mandato político. A LC 135 estabelece hipóteses de inelegibilidades, entre as quais destaco: (1) representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, por abuso do poder econômico ou político; (2) condenação por decisão transitada em julgado ou por decisão de órgão colegiado: (a) pela prática dos crimes especificados no seu art. 2º (b) por corrupção eleitoral (c) por ato de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito; (3) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; (4) renúncia a mandato apresentada por chefes de governo ou membros do legislativo nas respectivas esferas federal, estadual e municipal, a partir do oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por violação a dispositivo constitucional ou de lei orgânica municipal. Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as argüições de inelegibilidade.

CASO DE INELEGIBILIDADE.

O senhor Jader Barbalho, político do Estado do Pará, depois de renunciar ao mandato de senador para escapar de processo por falta de decoro parlamentar, voltou a se candidatar para o senado da república. Envolvido em processos judiciais por negócios escusos, Barbalho garantiria sua impunidade por mais 8 anos, caso fosse eleito. O Tribunal Regional Eleitoral do Pará concedeu-lhe o registro da candidatura. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE aplicou a LC 135 às eleições de 2010, reformou o acórdão regional, declarou o candidato inelegível e cancelou o registro da candidatura. Barbalho recorreu ao Supremo Tribunal Federal - STF, pleiteando a reforma da decisão do TSE e a validade do registro da candidatura.

QUESTÃO JURÍDICA.

A constitucionalidade da LC 135/2010 foi questionada porque o seu projeto não retornou à Câmara dos Deputados após ter sido modificado no Senado Federal. Metade dos membros do STF entendeu desnecessário o retorno, pois a emenda ao projeto fora de simples redação sem modificar a substância das normas. Destarte, não pesava sobre a lei o vício de inconstitucionalidade. A outra metade entendeu que a lei era inconstitucional, pois a nova redação introduzida pela emenda ao projeto alterou a eficácia das normas no tempo. Alterado em ponto substancial, o projeto devia retornar à Câmara dos Deputados, como exige o processo legislativo regulado na Constituição.

Questionou-se, depois, a eficácia imediata da LC 135/2010, se compatível ou incompatível com o artigo 16, da Constituição Federal. Essa norma constitucional estabelece que, se alterar o processo eleitoral, a lei nova será aplicável a qualquer eleição somente depois de um ano da data da sua vigência. O TSE, por maioria dos seus membros, decidiu que a LC 135 não alterou o processo eleitoral e por isso era aplicável às eleições de 2010. Submetida a questão ao STF, novo empate: metade dos seus membros entendeu que a lei é inaplicável às eleições de 2010, porque alterou o processo eleitoral e a excepcional vacatio legis ainda não se esgotara.

SOLUÇÃO.

Diante do novo impasse criado pelo empate, na sessão do dia 27/10/2010, o STF decidiu não mais protelar a solução da controvérsia. Ficaram vencidos os votos para suspender o processo até nomeação de um novo ministro para preencher a vaga existente. O voto do 11º ministro desempataria, mas criaria um problema jurídico: o voto de desempate cabe ao presidente do tribunal e não ao ministro mais novo. O empate ocorreu com o voto do presidente. Novo julgamento teria de ser realizado com a presença e o voto de 11 ministros. O tribunal resolveu não esperar. A nomeação poderia demorar. A urgência e a importância do caso exigiam solução imediata.

Sobraram dois caminhos alternativos: desempatar, pelo voto de qualidade do presidente do tribunal, ou superar o impasse mediante outros critérios jurídicos.

O primeiro caminho ficou obstruído: o presidente do tribunal esquivou-se ao voto de desempate porque já votara sobre a matéria. Duas vezes votaria se utilizasse o voto de Minerva. Isto não soou bem à sua consciência. A recusa brotada do seu foro íntimo traz fortes tintas de nobreza ética e sensibilidade jurídica. Emite-se o voto de Minerva quando ímpar o número de membros do colegiado. O STF está com número par e assim continuará até o preenchimento da vaga.

O segundo caminho comporta duas soluções: uma favorável ao candidato e outra favorável ao acórdão do TSE; ambas por aplicação analógica de dispositivos regimentais.

Na hipótese de julgamento de habeas corpus em sessão plenária do STF, se houver empate, proclama-se a decisão mais favorável ao paciente (RISTF 146, p.u.). Da aplicação analógica deste preceito resultaria o provimento do recurso extraordinário e o conseqüente restabelecimento do registro da candidatura do recorrente. A eleição de Barbalho seria válida.

Na hipótese de julgamento de mandado de segurança contra ato do presidente do tribunal, se houver empate, prevalecerá o ato impugnado (RISTF 205, II). Da aplicação analógica deste preceito resultaria o improvimento do recurso. O acórdão do TSE ficaria mantido, o registro da candidatura cancelado, a eleição anulada e o candidato inelegível pelo prazo legal.

Por 7 votos a 3, vencidos os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, o STF decidiu adotar a segunda solução, sugerida pelo ministro Celso de Mello: prestigiar a decisão do TSE.

Certa vez, o primeiro Galotti, ministro do STF, afirmara que a aplicação do direito positivo se resume à lógica e ao bom senso. Realmente, se lembrarmos que a lógica tem caráter racional e o bom senso tem caráter intuitivo, concluiremos que a arte jurisprudencial consiste em combinar os dois: ciência e consciência. Essa arte há de ser fiel à realidade social e considerar a inteireza física, moral, intelectual e espiritual do ser humano em suas interações.

DEBATE ENTRE OS MINISTROS.

A discussão no STF foi longa, acalorada e com lances agressivos. Quando a matéria debatida no processo judicial é de natureza política, o clima emocional é inevitável. O debate não se limita ao enfoque jurídico. O Poder Judiciário, como poder do Estado, tem natureza política e função pacificadora: declarar o direito, controlar a constitucionalidade das leis, solucionar as controvérsias com independência e justiça servindo-se das normas legais, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais. A função judicial é incompatível com a política partidária. O magistrado deve manter eqüidistância na luta entre os partidos. Cada magistrado tem a sua própria visão de mundo. Com maior ou menor sensibilidade aos problemas sociais, o magistrado filia-se a doutrinas políticas e a sistemas econômicos. Há juízes liberais e outros deterministas; holísticos uns, cartesianos outros; democratas e autocratas. Como cidadãos da república, há juízes simpáticos aos partidos da situação e outros aos partidos da oposição. No processo judicial, a formação do juiz pode ser decisiva. Desastroso para a sociedade, quando há deformação do juiz: simpatia por gatunos de alto coturno. A Constituição abriga princípios e regras de cores ideológicas distintas, resultantes do acordo entre as diversas correntes do pensamento e da prática política atuantes na Assembléia Nacional Constituinte. Isto permite navegar de uma posição à outra, conforme os ventos que sopram na sociedade, a força da opinião pública, o poder de persuasão dos lobbies, a formação ou deformação do juiz.

VOTOS PERDIDOS.

Durante os trâmites processuais em 2010, Barbalho concorreu ao cargo de senador da república e venceu o pleito com mais de 1.700.000 votos. Grande parcela do povo do Estado do Pará, portanto, votou em candidato inelegível. Essa parcela assumiu o risco de perder o voto, pois a sociedade paraense estava ciente da impugnação ao registro do candidato. Após pronunciamento popular daquela magnitude e apesar do lastro constitucional e legal da decisão do TSE e do STF, seria de lamentar a anulação dos votos se o cargo eletivo fosse estadual, tendo em vista ser, o povo, a fonte de todo poder. Entretanto, o cargo de senador é federal. O eleito representará não apenas o povo do Pará, nem só o corpo eleitoral brasileiro (135 milhões de eleitores), mas toda a nação brasileira (200 milhões de pessoas). Isto considerado, não há o que lamentar. A corrupção que envolve esse candidato é notória. Certamente, a nação brasileira não gostaria de ver essa pessoa no senado da república. O povo brasileiro se pronunciou através dos seus representantes institucionais na esfera judiciária (TSE e STF): todo poder (legislativo, executivo, judiciário) emana do povo e é exercido por seus representantes (CF 1º, p.u.). Qualifica-se como representante institucional do povo quem se investe legitimamente em um dos poderes do Estado. A investidura legítima ocorre mediante concurso público (eleição popular ou provas) e, em alguns casos, por livre escolha do chefe de governo e aprovação do senado da república, nos termos da Constituição.

CORONELISMO.

A realidade social, econômica e política da região Norte e Nordeste do Brasil, exibe condições feudais, como no Estado do Pará, do senhor Jader Barbalho, no Estado do Maranhão do senhor José Sarney, no Estado de Alagoas, da família Collor de Mello, no Estado da Bahia, da família Magalhães. Ao assumirem funções legislativas ou executivas na esfera federal, esses personagens trazem consigo a mentalidade feudal e tratam os negócios de estado e de governo como assuntos paroquiais. Servem-se do erário em benefício privado, sem qualquer cerimônia. Obtêm concessões do governo, fundam emissoras de rádio e televisão e constroem impérios em seus feudos. Daí a submissão dos habitantes locais, apesar dos desvios de conduta dos coronéis. Patriarcas, matriarcas e parentela dispõem de reservas de eleitores bem cevados.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

PILULAS

Pesquisa eleitoral.
As emissoras de TV publicaram o resultado das pesquisas dos institutos Datafolha e Vox Populi, realizadas no período de 15 a 17 de outubro de 2010. O questionário aos eleitores é feito, total ou parcialmente, por telefone, o que lhe retira a seriedade. Não há segurança alguma quanto à identificação, qualificação e sinceridade do entrevistado, ainda mais quando o eleitor não está obrigado a declarar o seu voto. Em números redondos, cada instituto diz ter entrevistado, naquele curto período, 3.000 eleitores em 200 municípios. A média foi de 15 eleitores por município. Acontece que o Brasil tem 5.000 municípios. Somente 4% dos municípios serviram de campo, insuficiente para uma pesquisa séria. Tanto nos municípios de mais de 1 milhão como nos municípios de menos de 1 milhão de eleitores, o número dos pesquisados pelos institutos foi insignificante, sem valor algum para indicar tendência do eleitorado. O mesmo se diga do total dos eleitores pesquisados. Em se tratando de eleição de nível nacional, o campo de pesquisa há de cobrir o território nacional. Considerando o corpo eleitoral brasileiro de 135 milhões de eleitores, entrevistar só 3.000 é muito pouco, quase nada. A pesquisa é procedimento do método indutivo e estatístico: busca de dados. A indução perfeita exige que a pesquisa inclua todos os dados de um mesmo campo. A indução imperfeita contenta-se com parte desses dados, desde que sejam em número suficiente para se aproximar da verdade. Em se tratando de pesquisa de intenção de votos num campo perfeitamente quantificado e identificado, a indução teria de ser perfeita, ou seja, baseada no total dos eleitores brasileiros. Todavia, considerando a extensão do território e o pouco tempo para apresentar os resultados, tolera-se a redução do campo até 30% do eleitorado de cada região do país, sem o que a pesquisa não terá credibilidade alguma. Entretanto, as pesquisas feitas pelos citados institutos, além de se limitar a um campo minúsculo (4% dos municípios) não foram além de uma ínfima percentagem, inferior a 0,002% (dois milésimos) do eleitorado, imprestável até para amostragem. A Justiça Eleitoral devia proibir esse tipo de pesquisa cuja malícia e finalidade propagandista é indisfarçável. Pouco importa quem contrate o trabalho para lhe dar credibilidade, se uma empresa de telefonia beneficiada pelo governo, se uma emissora de TV para assegurar a concessão do seu canal, se qualquer empresa para garantir a prorrogação das suas dívidas com bancos oficiais. Importa verificar a quem realmente aproveita o trabalho do instituto. Nota-se que nestas eleições, esse proveito é do partido da situação. A pesquisa, indiferente a quem a encomende, funciona como propaganda eleitoral para induzir o eleitor a votar na candidata do governo.

Futebol.
O Grêmio Prudente, último colocado na tabela de classificação do campeonato brasileiro de futebol da série A, venceu o Santos FC, quarto colocado (17/10/2010). O clube santista tem um invejável elenco de bons jogadores e é forte candidato ao título de campeão deste ano. O Grêmio perdia o jogo de 2 x 0, mas, no segundo tempo, organizou-se e atacou de modo corajoso e determinado; superou o poderoso adversário e mudou o placar: 2 x 3. A equipe do Santos FC não conseguiu fazer um gol, sequer, no segundo tempo. O árbitro expulsou 2 jogadores do Grêmio. Mesmo com essa ajuda do árbitro e atuando com a vantagem de dois jogadores a mais, a equipe santista não venceu a heróica e aguerrida equipe gremista. O festejado jogador Neymar fica mais tempo deitado no gramado do que em pé, tentando cavar faltas, encenando contusões e chamando os holofotes para sua pessoa e seu patrocinador. Mostra-se ruim ao cobrar faltas. Perde muitos pênaltis. Nesse jogo, perdeu mais um e a chance de empatar. Apenas bom jogador, ele está convencido de que é um craque. A imprensa, o patrocínio e o clube deram-lhe fama acima do mérito. O moço ainda necessita melhor qualificação técnica e maturidade psicológica. Sem Robinho, Ganso, André, o moço ficou desamparado, inobstante a presença de outros bons jogadores em campo. No futebol, os jogadores brasileiros são os melhores do mundo. Por isso mesmo, nenhuma equipe pode desmerecer a outra. Nada estranhável a equipe menos classificada no campeonato vencer a que está mais bem classificada. Servem de exemplos as equipes do Grêmio de Porto Alegre e do Atlético de Minas Gerais que estavam mal classificadas, reagiram e saíram da zona do rebaixamento. Em jogos entre clubes brasileiros, o lado que vacilar perde a partida.

sábado, 23 de outubro de 2010

POLÍTICA

PROPAGANDA ELEITORAL.
A propaganda, transparente ou subliminar, implica um conjunto de técnicas sonoras e visuais para divulgar idéias e coisas, obter adesão do público e propiciar consumo. Incluem-se entre os fins da propaganda: educar, criar necessidades, conquistar corações e mentes, ampliar o mercado consumidor. Para ilustrar esse conceito, cita-se, na área política, a propaganda dos nazistas e dos comunistas para unir o povo em torno da doutrina, do programa e dos projetos do partido e suas lideranças. Na área econômica, mencionam-se as técnicas propagandísticas dos EUA, para aumentar as vendas dos mais variados produtos (até geladeiras para a zona ártica e aquecedores para a zona equatorial). Na área social, há publicidade sobre esportes, práticas físicas e espirituais visando à boa saúde e à iluminação da mente, ensino privado, centros de arte, costumes na família e na sociedade.

A legislação brasileira admite propaganda política: (i) institucional, promovida pela Justiça Eleitoral com o propósito de incentivar e aperfeiçoar o exercício da cidadania e bem esclarecer o eleitorado sobre o processo eleitoral; (ii) partidária, promovida pelos partidos políticos com o propósito de difundir os respectivos programas, transmitir mensagens corporativas aos seus filiados e divulgar a posição do partido em relação a temas que interessam à sociedade; (iii) eleitoral, promovida pelos candidatos, partidos e coligações durante a campanha eleitoral em ano de eleição para chefia de governo municipal, estadual e federal e para câmara municipal, assembléia estadual, câmara federal e senado. A propaganda eleitoral, veiculada nas emissoras de TV, mostra imagens irreais, enganosas, que enfastiam parcela da população. Sinal disto: a manifestação de alguns jornalistas ajustada à opinião pública. Na TV Gazeta, Maria Lídia, âncora do programa e Markun, comentarista político, abordaram essa matéria demonstrando inconformismo. A atitude lembra o jornalista Bóris Casoy, ex-âncora do noticiário da TV Record, que utilizava o bordão “isto é uma vergonha” para manifestar discordância ante as mazelas do governo. Para intimidar a classe dos jornalistas e lembrar aos donos das emissoras de quem concede os canais de TV também pode cancelar a concessão, o governo pugnou pela demissão do jornalista. Desse modo, o Grande Companheiro colocou cabresto nas emissoras e estas colocaram as barbas de molho diante da afinidade política e ideológica entre Luis Inácio e Hugo Chávez.

Observadora sutil, a âncora da TV Gazeta notou como o aspecto das pessoas na propaganda eleitoral destoava da atividade profissional ali representada; como aquele mundo maravilhoso, alegre, feliz, não se via nas ruas, bairros e cidades; como nos debates, ao vivo, os candidatos se mostravam diferentes, sem aquela aura fulgurante. Aliás, falta carisma aos dois candidatos que disputam a presidência da república no segundo turno. Quanto à candidata, nota-se dificuldade de expressão ao se apresentar ao vivo, nas entrevistas, nas ruas, nos eventos. Ela aparenta indigência intelectual. Vocabulário pobre, ela se embaraça com as palavras, erros de concordância, uso de estereótipos, frases padronizadas para qualquer assunto. Os referidos jornalistas criticaram o costume dos políticos de camuflar idéias, sentimentos e intenções; que se manifestam ora a favor, ora contra o mesmo assunto, segundo a maré eleitoreira. Comunista que pegou em armas para cubanizar o Brasil, a candidata agora freqüenta igreja católica com ares compungidos, fazendo o sinal da cruz, visando aos votos dos eleitores católicos. O materialismo da doutrina comunista opõe-se à espiritualidade da religião. Ao sair da igreja, a candidata reassume a dureza do olhar e do gestual. Por falta de hábito, o sorriso lhe vai à artificialidade. Os dois concorrentes (PT e PSDB) participam da enganação. O PSDB amedrontou o eleitorado com a extinção do plano real, caso o PT vencesse a eleição presidencial (1998). O PT amedronta o eleitorado com a extinção do programa bolsa família e com a privatização da Petrobrás e do Pré-Sal, caso o PSDB vença a eleição (2010). Na campanha de 2002, o PT criticou a podridão do governo Fernando Henrique. Na campanha de 2010, o PSDB critica a podridão do governo Luis Inácio.

O direito busca preservar a ética na política e a igualdade de oportunidade entre os candidatos na disputa pelos cargos eletivos, estabelecendo sanções aos transgressores das normas. O pleito presidencial, neste segundo turno, descambou para a violência. Durante comício na campanha de 2002, o petista José Dirceu incitou os companheiros a baterem nos adversários. Essa voz de comando ficou entranhada no partido. As agressões verbais se fazem acompanhar das físicas. Pancadaria nas ruas. Adversários tratados como inimigos em guerrilha urbana. Intolerância. Há pessoas de bem no PT, como diz Marina Silva, porém, sobressaem as ações criminosas dos baderneiros incentivados por pessoas da cúpula do partido e pelo presidente da república. Luis Inácio, sem afastamento oficial do cargo presidencial, participa da campanha eleitoral em favor da sua candidata. Falta ao dever, como representante do povo brasileiro, de eqüidistância do pleito. Exercer papel de cabo eleitoral simultaneamente ao de chefe de governo e chefe de Estado constitui indevida intromissão no processo eleitoral. Do rol das atribuições presidenciais não consta a de participar do processo eleitoral (CF 84). Nos seus deslocamentos, o presidente se utiliza de recursos do erário e dos meios de transporte do governo federal. Pronuncia-se contra candidato da oposição em recintos abertos ou fechados, de empresas públicas ou privadas, aproveitando-se de eventos criados maliciosamente no período de campanha eleitoral, como aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul. O presidente da república usa retórica agressiva, raivosa e insultuosa, apta a gerar violência dos seus partidários contra os adversários políticos. Falta-lhe compostura. Com lubricidade e fescenino discurso, Luis Inácio falta ao decoro que se exige de um chefe de Estado (CF 85). Vencido no pleito, ele ficará mal perante os filiados por enfiar a candidata goela abaixo do partido. Essa probabilidade o destempera.

Na propaganda eleitoral, os candidatos são maquiados e exibidos como produtos e os eleitores vistos como consumidores. Diante dessa realidade, cabível a aplicação subsidiária do código do consumidor (lei 8.078/90) à propaganda eleitoral: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”. O código considera: (i) enganosa, a informação falsa ou que seja capaz de induzir a erro o consumidor a respeito das características de produtos e serviços; (ii) abusiva, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo, a superstição ou capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou à segurança; (iii) omissão ilícita, sonegar informação sobre dado essencial do produto. Esses preceitos decorrem da vulnerabilidade do consumidor e da necessidade de boa fé, de equilíbrio de interesses, de educação e informação dos consumidores e fornecedores, de controle da qualidade e segurança do produto, de coibir abusos, inclusive concorrência desleal e utilização indevida de nomes e signos (art. 4º + 37 + 67/69).

Aos partidos cabe a responsabilidade pela apresentação de candidatos idôneos do ponto de vista moral, intelectual e profissional, pela propaganda eleitoral veraz e por excessos cometidos pelos candidatos e/ou seus adeptos (código eleitoral: lei 4.737/65, art. 87, 237 e 241). Considera-se antijurídico: (i) provocar intencionalmente estados mentais, emocionais ou passionais na opinião pública; (ii) incitar atentado contra pessoas e bens; (iii) caluniar, difamar e injuriar quem exerce autoridade pública ou, na propaganda eleitoral, qualquer outra pessoa; (iv) falsificar documentos para fins eleitorais; (v) omitir declaração em documento destinado à instrução eleitoral ou nele inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita (art. 242/243; 324/326; 348/354). Lei posterior (9.504/97) veda qualquer propaganda que possa ridicularizar ou degradar o candidato ou que seja ofensiva à honra do candidato, à moral e aos bons costumes (art. 44 e 53).

O código assegura propaganda lícita e proíbe divulgação, na quinzena que antecede a eleição, de resultados de prévias ou testes pré-eleitorais (art. 248 e 255). Apesar dessa proibição, as pesquisas de intenção de voto realizam-se até o dia das eleições em virtude de lei posterior que tipifica como conduta criminosa a divulgação de pesquisa fraudulenta. Essa lei não revogou expressamente o mencionado dispositivo, embora tenha revogado outros (lei 9.504/97, art. 33, §4º + 107). Os institutos são pagos pelos clientes. A função propagandista da pesquisa é evidente e estremece norma constitucional sobre sigilo do voto. A fraude lhe é inerente. O seu volátil objeto (intenção de voto dos eleitores) mergulha na incerteza das probabilidades; os dados são de fidelidade duvidosa, passíveis de fácil manipulação. Pensando na sua longa permanência no cargo, o legislador e o chefe de governo, potenciais clientes dos institutos, regularam as pesquisas contornando a lei anterior.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DIREITO

O SUPREMO TRIBUNAL E A EXTRADIÇÃO.

O governo da Áustria solicitou a extradição de um brasileiro naturalizado. Afirma que, antes de obter a nacionalidade brasileira, o indivíduo praticara delitos na Áustria e, por isso, fora condenado judicialmente. Instaurado processo no Ministério da Justiça, constatou-se falsidade no processo de naturalização: o requerente omitira existência de processo por delitos praticados no país natal. Diante disto, o Ministro da Justiça cancelou o ato de naturalização e extraditou o delinqüente. Este propôs medida judicial para anular a decisão do ministro; alegou que a competência para decretar a perda da nacionalidade brasileira é do Judiciário e não do Executivo (CF 12, §4º, I).

O austríaco obteve naturalização mediante procedimento administrativo em que ele devia provar a inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação por crime doloso (estatuto do estrangeiro, lei 6.815/80, art. 112, VII). Essa prova se faz por certidão negativa expedida pelo órgão judiciário do país de origem (Áustria, no caso). Se esse documento não constava dos autos, a naturalização devia ser recusada. Processado criminalmente por desvio de dinheiro, o austríaco fugiu para o Brasil, paraíso dos ladravazes, com a mala abarrotada de euros. Convinha-lhe urgente naturalização. Na linha dos maus costumes brasileiros, provavelmente alguém recebeu propina para negligenciar a aferição dos requisitos. Parte da propina talvez se destinasse ao partido que estava no governo (PSDB ou PT). Depreende-se do relato do caso no Supremo Tribunal Federal - STF, que o Executivo se contentou com mera declaração do requerente, o que tipifica negligência, leviandade e/ou cumplicidade.

O STF, na sessão do dia 13/10/2010, discutiu se o Executivo, ao cancelar a naturalização, praticou ato político ou administrativo, válido ou inválido. O ministro Lewandowski votou pelo híbrido caráter do ato que cassou a naturalização (administrativo na forma e político no conteúdo) e pela validade do cancelamento, eis que a nacionalidade fora obtida mediante fraude praticada no processo administrativo. A naturalização fora cancelada legitimamente pela mesma via e pelo mesmo poder que a concedera. O ministro Marco Aurélio votou pela invalidade do ato. Entendeu que o assunto cabe exclusivamente à esfera jurisdicional por envolver direitos adquiridos com a naturalização. O ministro Dias Tofolli o acompanhou. Houve discussão entre os ministros fora da ordem regimental. A ministra Carmen Lúcia pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. O ministro Celso de Mello saudou o pedido de vista como ensejo para maior estudo e reflexão sobre o tema. Isto lembra os primórdios da experiência jurídica na antiga Roma, quando o Direito recebia o nome de Jurisprudentiae por ser entendido como prudência (razoabilidade e proporcionalidade) e não como ciência no sentido cartesiano e moderno do termo.

A naturalização e a extradição têm características e procedimentos próprios, são institutos distintos, por isso mesmo, não ficou claro, na sessão de julgamento, se a medida judicial veio estribada, também, na competência do STF para processar e julgar a extradição (CF 102, I, g). Além disso, vislumbra-se, no debate, inversão da ordem lógica: coloca-se a perda da nacionalidade como antecedente quando, na verdade, ela é conseqüente. O cancelamento antecede a declaração de perda da nacionalidade. O cancelamento pode ocorrer por via administrativa ou por via judicial, nos limites da competência do Executivo e do Judiciário.

Diante da entrega do cidadão à Áustria, pela polícia federal do Brasil, o seu destino foi selado, o que autoriza a extinção do processo por ausência de interesse. O tribunal brasileiro não há de perder tempo com filigranas para salvar a pele de um ladrão. Os juízes da Áustria são tão bons quanto os juízes do Brasil. Lá, o indivíduo foi processado e condenado no devido processo legal. Isto significa que houve prova suficiente: (i) da autoria e materialidade do crime; (ii) da culpa do agente. O delinqüente extraditado deve estar preso na Áustria há muito tempo. Decisão do Judiciário brasileiro restabelecendo a naturalização e anulando o ato de extradição será ineficaz no plano internacional. Caso o Brasil solicite a repatriação, duas coisas podem acontecer: (i) o governo da Áustria se recusar a devolver o estelionatário e gerar incidente diplomático; (ii) a opinião pública mundial notar a predileção e o mimo que autoridades brasileiras têm por gatunos de alto coturno. A mais alta corte de justiça do Brasil será vista como o “Abre-te Sésamo” da mais alta e refinada malandragem.

No âmbito interno, decisão judicial favorável ao larápio austríaco ensejará instauração de processo para apurar a responsabilidade das autoridades envolvidas, sejam do governo atual, sejam do governo anterior. Importará no reconhecimento, explícito ou implícito, de usurpação da competência do Poder Judiciário pelas autoridades do Executivo. Na arena de tal processo atuará o vibrátil espírito de condescendência e cumplicidade próprio da esfera política. O precedente de Fernando Collor não serve para contestar esse espírito. O afastamento desse presidente resultou de um sórdido conluio de gente sem escrúpulo que se viu alijada da “República das Alagoas”. Fruto de indecoroso oportunismo, o impeachment não foi motivado por relevante interesse nacional e sim por mesquinhos interesses privados. A corrupção nos governos de Fernando Henrique e Luis Inácio atingiu níveis estratosféricos. No entanto, nada ameaçou a permanência deles na presidência da república. Ambos distribuíram o produto da roubalheira e, desse modo, asseguraram a impunidade. A canalha incrustada no Executivo alienou o patrimônio econômico e estratégico do Brasil formado com o sacrifício de várias gerações de brasileiros; desfalcou o erário com cartões corporativos e fraudulentas licitações; invadiu e loteou a administração pública; jogou sobre os ombros da população carga tributária gigantesca; inibiu o setor produtivo da economia brasileira com elevadas taxas de juros; aumentou a dívida pública para mais de trilhão de reais.

Outro pálido efeito interno da decisão do STF, caso insista no julgamento do mérito, será o de formar jurisprudência. Diante da divergência já desenhada entre os ministros, esse precedente poderá modificar-se quando mudar a composição do tribunal. A matéria está sob a égide do estatuto do estrangeiro: lei 6.815/80. Essa lei foi recepcionada pela Constituição brasileira de 1988. Segundo esse estatuto, compete exclusivamente ao Poder Executivo conceder naturalização mediante portaria do Ministro da Justiça. A naturalização ficará sem efeito se no prazo de 12 meses, contados da data de publicação da portaria no diário oficial, o requerente não procurar o respectivo certificado junto à autoridade competente. A naturalização também poderá ser cancelada a qualquer tempo se verificada falsidade, ideológica ou material, de qualquer dos requisitos exigidos pelo estatuto. Tanto a perda de eficácia da portaria por omissão do interessado, como a declaração de nulidade do ato por vício procedimental, ocorrem no âmbito do Ministério da Justiça, sem interferência do Poder Judiciário (estatuto, art. 111, 112, §§ 2º e 3º, 119, §3º). Vige a regra: quem pode conceder, pode cancelar (poder do administrador público de rever seus próprios atos).

O cancelamento da naturalização ocorre, ainda, no bojo de processo judicial, a fim de proteger interesse nacional (CF 12, §4º, I + lei 818/1949, art. 24/34 + estatuto, art. 128). A conseqüência é a mesma da via administrativa: perda da nacionalidade brasileira sem implicar, necessária e automaticamente, expulsão ou extradição. O motivo do cancelamento na via administrativa é formal: perda da eficácia da portaria ou fraude no processo de obtenção da nacionalidade brasileira. Na via judicial, o motivo é substancial: atividade nociva ao interesse nacional. A administrativa e a judicial são vias independentes e de efeito jurídico pleno. Apesar do cancelamento do ato de naturalização, quer pela via administrativa, quer pela via judicial, o ex-brasileiro poderá permanecer no território nacional e responder por delitos aqui praticados. O retorno ao status quo ante, ou seja, à condição de estrangeiro, não acarreta automática expulsão ou extradição do ex-brasileiro. Esses dois institutos têm regulação própria no estatuto, distinta do regime da naturalização.

A expulsão – à qual não está sujeito o brasileiro nato ou naturalizado – consiste em colocar para fora das fronteiras do país o estrangeiro que atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública, a economia popular, ou cuja conduta se mostre nociva aos interesses nacionais (estatuto, art. 65). A expulsão está condicionada a sentença penal condenatória transitada em julgado. Apoiado em tal sentença, o Ministro da Justiça instaura inquérito para expulsão do estrangeiro. O inquérito admite o contraditório e se esgota na esfera administrativa. Cabe ao Presidente da República resolver sobre a expulsão de modo soberano e em caráter definitivo (estatuto, art. 66/68).

A extradição – à qual não está sujeito o brasileiro nato – consiste na entrega, pelo governo brasileiro ao governo de outro país, de pessoa física residente no território brasileiro. A extradição está condicionada ao pedido do país estrangeiro e à existência de tratado ou de promessa de reciprocidade entre o Brasil e o Estado solicitante (estatuto, art. 76). Além disto, o pedido de extradição deve estar: (i) motivado em crime praticado pelo extraditando no território do Estado solicitante; (ii) instruído com cópia autêntica da sentença condenatória ou do decreto de prisão. No Brasil, só estrangeiro e brasileiro naturalizado podem ser extraditados, observadas as reservas constitucionais e legais (CF 5º, LI, LII + estatuto, art. 77). Do processo de extradição participa o STF (CF 102, I, g + estatuto, art. 77, §§2º e 3º e art. 83). Ao tribunal cabe verificar a idoneidade da documentação apresentada pelo Estado solicitante, se há envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, se extinta ou não a punibilidade do extraditando nos termos da lei brasileira, se o crime foi comum e praticado antes da naturalização (o crime político não autoriza a extradição, nem o crime comum praticado após a naturalização: CF 5º, LI).

No caso concreto, sub judice, o larápio foi extraditado, o que supõe audiência prévia do STF. Há, prima facie, óbice ético para o STF inquinar ato do Executivo para o qual colaborou. Todavia, pelo que se viu e ouviu na sessão de julgamento, parece que o STF não participou do processo de extradição. No processo de declaração da nulidade do ato de naturalização com seus exclusivos trâmites no âmbito do Executivo, a interferência do Judiciário era descabida, porém, no processo de extradição essa interferência é imprescindível ex vi legis. Nenhum estrangeiro ou brasileiro naturalizado poderá ser extraditado sem o pronunciamento do STF (CF 102, I, g + estatuto, art. 83). Se o pedido de extradição do larápio austríaco foi subtraído à apreciação do tribunal, a invalidade do respectivo ato se impõe. Nesta hipótese, a afronta à Constituição e ao estatuto dos estrangeiros estará evidenciada.

A gravidade do caso tornar-se-á intolerável se constatada malícia do Executivo para se esquivar da necessária, legal e constitucional interferência do Judiciário no processo de extradição do bandido austríaco. Do que se ouviu na sessão do STF, depreende-se que o cancelamento do ato de naturalização e o pedido de extradição foram objeto de um único processo e de uma só e mesma decisão no Ministério da Justiça. De cambulhada, a extradição e o referido cancelamento foram assim reunidos para compensar, em relação ao Judiciário, a dependência da primeira (extradição) com a independência do segundo (cancelamento). A prolação e execução da sentença administrativa foram facilitadas pela esperta, enganosa e indevida mistura. Há fortes indícios de ação e omissão criminosas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

POLÍTICA

GASTOS PRIVADOS-DINHEIRO PÚBLICO.

Os candidatos à presidência da república, neste segundo turno (outubro/2010) não se pronunciaram, até o momento, sobre os cartões corporativos, entre outras questões graves e de interesse geral do povo brasileiro. Provavelmente, ambos os lados pretendem manter a imoralidade em proveito próprio.

No governo Luis Inácio tornou-se pública a existência de cartões corporativos e o volume enorme das despesas pagas com o dinheiro do contribuinte, o que escandalizou a sociedade brasileira. A maioria do povo brasileiro desconhecia o uso desses cartões pelo presidente da república e esposa, vice-presidente e esposa, ministros e outros funcionários do alto escalão da administração pública federal.

Mediante o uso desses cartões adquirem-se bens e serviços em proveito particular dos seus titulares. Descobriu-se que esses cartões foram criados no governo Fernando Henrique e mantidos no governo Luis Inácio. O uso dos cartões não cessou após o escândalo. A desonestidade e a falta de vergonha dessa gente são descomunais.

O cartão corporativo justifica-se na empresa privada. As despesas são pagas com o dinheiro da empresa. Na administração pública as despesas são pagas pelo erário, isto é, com o dinheiro do contribuinte. Por isso mesmo, esse cartão é incompatível com os princípios republicanos e com a moralidade administrativa. O titular do cartão tem ampla liberdade para utilizar o dinheiro do povo e o faz em benefício próprio e sem controle. Esse tipo de despesa não atende ao interesse público, à utilidade pública ou à necessidade pública, além do que desobedece às normas da contabilidade pública.

A pessoa física ou jurídica que utilize dinheiro, bens e valores públicos está obrigada a prestar contas. Trata-se de exigência da forma republicana de governo adotada pela Constituição brasileira. As dotações orçamentárias para pessoal estão vinculadas ao serviço público e não se destinam a gastos particulares, nem tampouco às esposas, aos maridos e parentes das autoridades públicas. Os cartões não podem servir, indireta e maliciosamente, de complemento aos subsídios, vencimentos e salários das autoridades, dos funcionários e empregados da administração pública. A remuneração do servidor público é aquela fixada em lei, exclusivamente, segundo os parâmetros constitucionais.

Padece do vício de inconstitucionalidade a lei que institua cartão corporativo na administração pública. Padece do vício de ilegalidade o decreto que o instituir. Cabe ao Ministério Público, mediante ação civil pública, pedir a anulação da lei ou do decreto e o imediato cancelamento de todos os cartões. Em assim agindo, o Ministério Público estará na defesa do patrimônio público. Se essa instituição se omitir, cabe a qualquer cidadão propor ação popular para anular o ato lesivo ao patrimônio público, como permite a vigente Constituição brasileira.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

POLÍTICA

CACARECOS E TIRIRICAS.

O sujeito, homem ou mulher, escolhido pelos eleitores, assume o governo acompanhado de centenas de pessoas ligadas a ele e ao partido. Como se viu nos governos de Fernando Henrique e de Luis Inácio, essas pessoas formam quadrilhas que assaltam o erário, celebram negociatas, controlam os pontos nevrálgicos e estratégicos da administração pública e têm acesso aos dados sigilosos da população, dos quais se servem para fins ilícitos. Parcela do eleitorado, sensível à ética e ao direito, ficará embaraçada no segundo turno desta eleição presidencial, pois terá de escolher entre duas quadrilhas. O eleitorado necessita, portanto, de ser informado sobre qual delas roubou mais, se a do PT ou se a do PSDB. O PT deve apurar a roubalheira do governo Fernando Henrique e o PSDB deve apurar a roubalheira do governo Luis Inácio. A justiça eleitoral publicará o resultado dessas auditorias. Assim informados, os eleitores poderão escolher a quadrilha que menos roubou e menos contribuiu para a colossal dívida pública que já entrou na casa do trilhão de reais. Quanto a mim, não apoiarei quadrilha alguma. Anularei o meu voto.

Governar um país é a mais alta responsabilidade de uma pessoa e de um partido. O destino da nação e de cada família fica ligado às decisões e atitudes do governante e do seu grupo. Daí, a necessária e sensata exigência de que os candidatos sejam cidadãos bem qualificados do ponto de vista moral, intelectual e profissional. Os partidos devem selecionar bem os candidatos e as pessoas que os auxiliarão. Escolher quem vai governar o país é ato de liberdade e de poder. Para praticá-lo, os eleitores necessitam de ser informados acerca da vida pregressa, do desempenho profissional, da capacidade intelectual e do caráter do candidato. Além disto, o eleitor deve ficar atento ao corpo de auxiliares. Eleitorado bem informado, lúcido, cônscio da responsabilidade pelo bem estar e felicidade da nação, eleva a democracia às alturas. Os eleitores só votam em cacarecos e tiriricas quando o organismo político está podre e não há candidatos decentes e bem preparados em número suficiente para escoimá-lo da podridão.

Em decorrência da imensa importância do legislador e do chefe de governo para a paz e a prosperidade da nação, o poder de escolha (voto) por muito tempo, em alguns povos, era reservado a certas pessoas supostamente mais lúcidas, conforme a idade, o sexo, a renda, o patrimônio, o grau de escolaridade. No Brasil, esse voto censitário vigorou por algum tempo no Império (legislaturas) e na República (legislaturas e presidência). Na década de 30, do século XX, as mulheres foram incluídas no corpo eleitoral, a capacidade eleitoral foi reduzida para 18 anos, não foram incluídos os analfabetos, os mendigos, os cabos e soldados e todos que estivessem privados dos direitos políticos. A Constituição de 1988 incluiu os militares, os analfabetos, os adolescentes com idade igual ou superior a 16 anos, não exigiu renda mínima nem patrimônio para o cidadão ser eleitor ou candidato, silenciou sobre os mendigos, não incluiu os conscritos (durante o período de serviço militar obrigatório) e nem os estrangeiros. Atualmente (outubro/2010) o corpo eleitoral brasileiro é composto de 135.804.433 eleitores.

A inclusão, no corpo eleitoral, de pessoas ignorantes, analfabetas, sem renda, sem patrimônio, sem eira nem beira e dos presos aguardando julgamento final (como se a liberdade não fosse essencial ao sufrágio) estimulou o populismo, a demagogia e a disputa pelos cargos eletivos por gente desqualificada do ponto de vista moral, intelectual e profissional. Tal gente cerca esse eleitorado com benesses, promessas e ameaças, formando currais eleitorais. Servem de exemplo as bolsas concedidas pelo governo Fernando Henrique, depois reunidas na bolsa família pelo governo Luis Inácio, cuja distribuição criou formidável reserva que garante votos ao partido do presidente, situação bem retratada nos mapas elaborados pela justiça eleitoral, com destaque para as regiões Norte e Nordeste.

As bolsas têm um lado positivo: são auxílios necessários às famílias carentes, ainda mais quando não há emprego para todos e nem todos podem se dedicar à economia informal. O seu valor é mesquinho, vergonhoso, o que revela o lado negativo da bolsa: a motivação eleitoreira da sua criação. O valor da bolsa devia ser igual ou superior ao salário mínimo, conforme o tamanho da família. Se o governo acabar com a roubalheira e com a corrupção, haverá sobra de dinheiro para esse programa social. A bolsa deve ser mantida mesmo que o beneficiário consiga renda do trabalho. Nesse caso, modificada a lei, aplicar-se-ia um redutor ao quantum da bolsa proporcional ao aumento daquela renda. A circulação desse dinheiro incrementaria o comércio e ensejaria vagas aos trabalhadores. A senadora Marina Silva apoiou a bolsa família e teve uma votação enorme graças à sua mentalidade política hodierna, holística e honesta: aproveitar e aperfeiçoar o que deu certo no governo anterior, além de lançar novos projetos para o desenvolvimento sustentável.

No primeiro turno da eleição para presidente da república, votaram positivamente 101.590.153 eleitores; negativamente votaram 34.214.280 eleitores assim distribuídos: nulos 6.124.254, em branco 3.479.340 e abstenções 24.610.686. A candidata do governo (Dilma) obteve 47.651.434, o opositor (Serra) 33.132.283 e a onda verde (Marina) 19.636.359. Se tomarmos por base de cálculo o total do eleitorado – e não apenas dos votos positivos – verificaremos que 35% votaram em Dilma, 25% em Serra, 15% em Marina e 25% não escolheram (a votação dos demais candidatos foi pouco significativa). As previsões dos institutos de pesquisas ficaram na poeira da estrada. Os institutos não trabalham de graça. As pesquisas são instrumento da propaganda eleitoral para quem pagar mais, o que explica o elevado índice de popularidade atribuído ao presidente e a vertiginosa escalada da candidata do governo (de menos de 20% no início foi para mais de 50% das “intenções de voto” em poucos dias). Na verdade, a candidata nunca teve a preferência da metade do eleitorado brasileiro e sim de 1/3, aproximadamente. Falta base fática aos argumentos dos institutos que, para justificarem seus erros e malícias, atribuem a queda de Dilma aos assuntos vindos a lume na semana que antecedeu a votação: homossexualismo e aborto. Queda real nunca houve; não se cai de onde nunca se esteve. Clodovil era homossexual e obteve enorme votação para deputado federal. Parte do eleitorado paulista gostava dele e reconhecia suas virtudes. A votação aquém do esperado pelo partido não se deve ao lesbianismo e sim à avaliação das virtudes da candidata. Mulher viver 15 anos com uma companheira não é motivo de censura. Abandonar a companheira depois desse tempo, sem lhe prestar auxílio, obrigando-a a propor ação judicial, como noticiado na rede de computadores, isto sim, é censurável; descumprir obrigações civis (domésticas, sociais, profissionais) não é boa recomendação à pessoa que pretende governar o país. Também não é boa recomendação: (i) esquema de corrupção no gabinete civil da presidência da república; (ii) pressionar funcionária da receita federal que presidia processo administrativo cuja matéria interessava ao aliado político; (iii) integrar a cúpula de um governo corrupto. Quanto ao aborto, Fernando Henrique, ateu e amoral, foi eleito duas vezes sem que o impedisse tal questão. O seu ponto positivo foi dar continuidade ao plano real do governo Itamar Franco. Quando vigora a liberdade de consciência e de crença, a pessoa, embora desfavorável ao aborto, pode entender injusto punir a mulher que o praticou, tendo em vista os vários motivos de ordem psicológica, social e econômica.

A pesquisa induz o eleitor a aprovar a política do governo e a votar nos seus candidatos. Quando se aproxima a data da votação, os institutos procuram ajustar as previsões à realidade, porém, sem êxito, como se viu nesta e em outras eleições. A pesquisa eleitoral carece de neutralidade e rigor científico. O objeto da pesquisa (opinião dos eleitores) é volátil e facilmente manipulável. Além disto, os agentes da pesquisa podem escolher setores da cidade ou do país que favoreçam o cliente. A pesquisa afronta o sigilo do voto e facilita a propaganda subliminar. A justiça eleitoral fica quieta, sem reconhecer a capacidade indutora das pesquisas como forma de propaganda eleitoral. Os candidatos e os partidos ficam quietos, esperando o momento de também delas se servirem quando estiverem no governo. A mass media (jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão) fica quieta para o bem dos seus cofres.

Serra e Dilma evitam propostas transparentes e viáveis, questões de real interesse da população. Não fazem referência alguma sobre como pretendem pagar ou reduzir a dívida pública e de como colocar em dia o pagamento dos precatórios judiciais (dívida líquida e certa da União, dos Estados e dos Municípios para com pessoas físicas e jurídicas). Ao protelar o cumprimento dessas obrigações, o governante mostra a sua face caloteira e estelionatária. Os candidatos calam acerca da corrupção; não apresentam programa para impedi-la. Silenciam sobre as agências reguladoras responsáveis pelos aumentos das tarifas dos serviços públicos. O valor dos pedágios nas estradas federais, por exemplo, têm despudorados e seguidos aumentos com o aval da agência, o que representa aumento no valor das passagens e dos fretes e repercute no preço final das mercadorias. As agências atuam para enriquecer as empresas concessionárias em detrimento dos interesses dos consumidores. No quadro dos costumes nefandos e endêmicos da administração pública brasileira, os responsáveis por essas agências certamente recebem robustas propinas. Não se descarta a hipótese de partidos que apóiam o governo receberem parte dessas propinas.

A redução da carga tributária e da taxa de juros é tabu. Eliminando a roubalheira e a corrupção, essa redução é possível sem reflexo negativo no orçamento, desde que haja vontade política e honestidade. A carga tributária e a taxa de juros repercutem nos preços e oneram os consumidores. O produtor, o distribuidor de mercadorias e o prestador de serviço recolhem tributos aos cofres públicos, mas, na ponta, são os consumidores que os pagam. A elevada taxa de juros, em muitos casos, inibe a expansão da indústria, do comércio, da agricultura e do setor de serviços; beneficia os banqueiros; prejudica a todos que necessitam de emprego. Colocar um banqueiro para dirigir o Banco Central é o mesmo que colocar a raposa para cuidar do galinheiro, consoante metáfora popular. O cargo aparentemente técnico, na verdade é político, pois o seu exercício deve estar em sintonia com o interesse nacional e com a economia popular. Administrador sério e capaz, moralmente íntegro, pode comandar o Banco Central, atender ao setor produtivo e obedecer a uma sadia política governamental, seguindo as diretrizes da Constituição.

sábado, 2 de outubro de 2010

DIREITO

FICHA LIMPA

A podridão moral no organismo político gerou a necessidade de normas jurídicas para exigir honestidade e conduta ilibada dos candidatos a cargos eletivos. Parcela do povo brasileiro formulou projeto de lei e o apresentou ao Congresso Nacional para ampliar os casos de inelegibilidade, mormente no que tange à vida pregressa do candidato, visando à proteção da moralidade para o exercício do mandato. A malta que dita leis aos brasileiros estava inerte nessa matéria. A moralização do mandato não lhe interessava. Depois da iniciativa popular, tentou engavetar o projeto. Pressionada pela opinião pública, deu seguimento aos trâmites legislativos, mas introduziu maliciosas modificações.

Senador acusado de faltar ao decoro parlamentar renunciou ao mandato antes da instauração do processo. Evitou, assim, o risco de condenação. Depois, o ex-senador pediu registro da sua candidatura ao governo do Distrito Federal. A lei da ficha limpa veda o registro de candidatura de quem renunciou ao mandato para fugir de processo. Com base nesse dispositivo, a justiça eleitoral indeferiu o pedido. O ex-senador recorreu ao Supremo Tribunal Federal - STF, alegando que a lei nova não pode retroagir para prejudicar o direito adquirido (à candidatura) e o ato jurídico perfeito (renúncia); que a lei da ficha limpa alterou o processo eleitoral e por isso produz efeito só depois de 1 (um) ano a partir do início da sua vigência. Advogados ocuparam a tribuna e apresentaram razões contra e a favor da decisão do Tribunal Superior Eleitoral - TSE. O Procurador Geral da República opinou pela manutenção do indeferimento do registro e pela conseqüente rejeição do recurso. O ministro relator votou a favor da decisão do TSE, negou provimento ao recurso e declarou inelegível o ex-senador.

Sem dar a palavra ao votante seguinte, o presidente do STF apresenta “questão de ordem”: inconstitucionalidade da lei. Afirma que o projeto foi modificado no Senado e não retornou à Câmara dos Deputados, como determina a Constituição. Justifica a sua intervenção: o exame de ofício da constitucionalidade de lei está no âmbito da competência do STF. Destarte, se essa questão fosse acolhida, o exame do recurso seria dispensável; se desacolhida, proceder-se-ia ao exame; se houvesse empate na votação, o processo ficaria suspenso e o exame da matéria de fundo seria dispensável. Contra a técnica processual, examinou-se em conjunto a preliminar e a matéria de fundo. Perdeu-se um tempo enorme!

A citada “questão de ordem” é na verdade uma questão preliminar prejudicial ao exame do mérito do recurso. A questão de ordem é de natureza administrativa (regimento interno do STF, art. 13, inciso VII) e pode se referir ao registro ou classificação das ações, à seqüência dos trabalhos nas sessões, enquanto que a questão preliminar ao exame do mérito é de natureza jurisdicional e se acolhida extingue o processo. Embora corte constitucional, o STF está sujeito à regra geral que proíbe os juízes de agir de ofício. O tribunal não pode cuidar de questões não suscitadas e que exigem a iniciativa das partes. No que tange ao controle difuso da constitucionalidade das leis, em instância recursal, se o tribunal verificar que a lei aplicável não se ajusta à Constituição e que não houve manifestação a respeito, deverá ouvir as partes e o Ministério Público, em atenção ao princípio do contraditório. Desse modo, os litigantes não serão surpreendidos com uma decisão sobre matéria que não foi objeto da demanda.

O ministro Lewandowski defendeu a constitucionalidade da lei da ficha limpa; sustenta que a emenda feita no Senado foi de mera redação e que a questão posta pelo presidente do tribunal não merece exame porque o processo está na seara do controle difuso. A ministra Carmen Lúcia lembra a obediência devida ao princípio do contraditório a exigir pronunciamento das partes (e do Procurador Geral da República). A sessão foi suspensa e prosseguiu na quinta-feira (23/09/2010) até a madrugada da sexta-feira. Na ordem de votação, o ministro mais novo discordou do relator e deu provimento ao recurso para reconhecer a elegibilidade do ex-senador. Na seqüência, 4 ministros acompanharam esse voto divergente e 4 acompanharam o voto do relator. O julgamento terminou empatado. O ex-senador desistiu do recurso. Em conseqüência, permanece em vigor a decisão recorrida (do TSE).

Os ministros discutiram sobre o tempo verbal aplicado nos dispositivos da lei da ficha limpa. Os efeitos jurídicos seriam distintos conforme o tempo do verbo fosse o passado ou o futuro. O ministro Lewandowski teve o cuidado e a humildade de consultar catedrático de lingüística da Universidade de Campinas, cujo parecer elucidou a questão. A Assembléia Nacional Constituinte consultou especialistas para a redação final da Constituição de 1988. Na elaboração de códigos é comum a consulta aos estudiosos do idioma. A redação do Código Civil de 1916, por exemplo, foi alvo de acesa polêmica entre Rui Barbosa e o professor Ernesto Carneiro Ribeiro (1903/1904). O presidente do STF menosprezou o parecer do professor consultado e sem modéstia alguma se colocou acima do especialista. Esse presidente costuma exibir impaciência e irritabilidade nas sessões do tribunal, como se algum vírus lhe estivesse a beliscar o fígado. Se o trabalho o desagrada ou cansa em demasia, deve aposentar-se e dar lugar a quem estiver mais bem disposto. Um juiz mal com a vida não é boa recomendação para a serena e imparcial distribuição de justiça.

Em matéria de linguagem, os magistrados têm suas limitações. Nas sessões do STF, com uma ou outra exceção, a regra é a verbosidade dos ministros, excesso de palavras, repetições, erros de concordância, idéias sem encadeamento lógico ou sem pertinência com a matéria, divagações, pausas embaraçosas para retomar o rumo do discurso, palavras mal empregadas, redundâncias, rabugices e assim por diante. Há falta de clareza e de síntese. Pelo excessivo e, por vezes, decorativo apoio nas muletas da doutrina e da jurisprudência, nota-se nos ministros a ausência de pensamento amadurecido e autêntico. Votos extensos, rebarbativos, leitura enfadonha que prolonga os julgamentos e as sessões. Daí o acúmulo de milhares de processos e o atraso na prestação jurisdicional. Os ministros se assemelham aos parlamentares que alongam os seus discursos na tribuna para permanecer o máximo de tempo possível sob a luz dos holofotes (TV). A vaidade sobrepõe-se à necessidade de imprimir um ritmo célere aos trabalhos. O assento no STF devia caber a juízes de carreira, cultos, experientes, sadios e operosos ao invés de caber a ministros.

Para julgar o recurso do ex-senador bastavam poucos minutos de um só dia. Os ministros levaram dois dias! Como havia duas posições opostas, uma rejeitando e outra acolhendo o recurso, era suficiente que os ministros se alinhassem com o voto do relator ou com o voto divergente, num simples voto de adesão. Cada ministro gastaria 3 minutos, no máximo. Pouco tempo de exposição na mídia. Os ministros precisam de mais tempo para rasgar seda, exibir erudição, ler seus longos votos, cada grupo com as mesmas lições de doutrina, os mesmos precedentes jurisprudenciais, os mesmos fatos, os mesmos argumentos, repetidos ad nauseam. Vaidade, tudo vaidade, como diria Salomão, o rei hebreu.

DOCUMENTOS PARA VOTAR.

O Supremo Tribunal Federal – STF, na sessão de julgamento do dia 30/09/2010, deferiu liminarmente medida cautelar requerida pelo Partido dos Trabalhadores - PT em ação judicial cujo pedido é alternativo, conforme lido pela relatora: declaração da inconstitucionalidade da lei que exige dois documentos para o eleitor votar, ou interpretação dessa lei conforme a Constituição. O PT afirma excesso da lei incompatível com o princípio da proporcionalidade e do devido processo legal em sua projeção material.

Questão saneadora preliminar foi negligenciada (CPC 267, 3º): a legitimidade do partido político para pedir suspensão ou anulação de lei por ele próprio elaborada, aprovada e sancionada. Incide a máxima: a ninguém é lícito aproveitar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). É vedado à parte pleitear nulidade a que deu causa (CPC 243). O PT participou da elaboração da lei; o presidente de honra do PT a sancionou e publicou. Falta, pois, legitimidade moral e jurídica ao pleito.

Do ponto de vista formal, essa lei não apresenta vício algum: a sua elaboração obedeceu aos trâmites e às cautelas constitucionais e regimentais. O vício é substancial. Ao exigir dois documentos para o eleitor votar, sem ressalvar a hipótese de extravio do título de eleitor, essa lei peca por omissão e ameaça um bem maior: a soberania popular, cujo mecanismo essencial, o sufrágio, será travado. Os critérios de proporcionalidade e razoabilidade foram bem aplicados, neste caso, para proteger o bem maior. A cautela do legislador ordinário para prevenir as fraudes ficou excessiva por carecer, a lei, de um dispositivo declarando que, à falta justificada do título de eleitor, seria suficiente o documento oficial de identidade com fotografia. A justificativa do eleitor seria apresentada verbalmente aos mesários no ato da votação, tendo a seu favor a presunção de boa fé (CC 113).

Título de eleitor e comprovante da votação são exigências para atos da vida civil como, por exemplo, inscrição em concurso público. Esses documentos provam o cumprimento do dever político. Para os maiores de 18 e menores de 70 anos de idade, o voto é obrigatório, portanto, um dever. Para os menores de 18 e maiores de 70 anos, o voto é facultativo, portanto, um direito. A apresentação do título de eleitor no ato de votar é dispensável se o cidadão portar documento de identidade com fotografia. Os seus dados identificadores constam da lista de eleitores e da urna eletrônica na seção eleitoral.

A ministra relatora, Ellen Gracie, escoimou a nódoa e manteve a lei no ordenamento jurídico. Prudentemente, ela interpretou a lei de modo a não prejudicar o sufrágio, direito fundamental do cidadão e expressão da soberania popular. Com exceção de Gilmar Mendes e Cézar Peluso, os demais ministros acompanharam o sensato voto da relatora. Na eventualidade de extravio do título, o eleitor poderá votar mediante a apresentação aos mesários de documento de identidade idôneo com fotografia (cédula estatal de identidade, carteira de motorista, carteira profissional, cédula de identidade corporativa).