sábado, 31 de agosto de 2013

MUTAÇÕES


No mundo da natureza ocorrem mudanças em conseqüência da lei universal do movimento (ação + extensão + duração). As mutações físicas, químicas e biológicas obedecem a leis imutáveis cuja existência é um postulado da ciência, como adverte Norbert Wiener, cientista do século XX (Cibernética e Sociedade. São Paulo, Cultrix, 1968, p. 189/190). Mutável é a base sobre a qual operam leis imutáveis. Tudo flui segundo determinações e regularidades da natureza que, captadas pela mente humana, receberam o nome de “leis” por operação analógica com a legalidade social. Sucedem-se as estações do ano, as fases da lua, as marés, mas há o retorno cíclico. No curso de milhões de anos a configuração geológica do planeta, o clima e a constituição dos seres da natureza sofreram mutações. A vida animal evoluiu do simples ao complexo até chegar ao organismo humano. Cada ser vivo passa por mudanças do nascimento à morte. No ritmo da natureza e da história o ser humano mudou física e mentalmente. No âmbito das partículas há movimentos que parecem escapar das regularidades do macrocosmo e que deixam os cientistas atônitos. Nesse microcosmo a ciência identifica várias dimensões e deslocamentos aparentemente caóticos.  
No mundo construído pelo pensamento, pelo sentimento, pela vontade e pela ação do ser humano também ocorrem mutações. Cuida-se do mundo da cultura, nível da realidade onde ocorrem os fatos políticos, econômicos e sociais. Nesse mundo, cuja base física é a Terra, a natureza é tratada como provedora de bens. Nele, os humanos se relacionam uns com os outros, ora com amizade, ora com hostilidade, em grupo ou individualmente, agindo por necessidade, utilidade e interesse. Organizam modos de coexistir e de conviver.
No mundo cultural as mudanças são mais rápidas do que no mundo natural. No período de seis mil anos (cosmicamente insignificante) a humanidade já experimentou vários tipos de organização social, desde o comunismo primitivo até o capitalismo contemporâneo, desde a gens romana até o kibutz israelense, desde a escravatura até o sindicato de trabalhadores, desde o sagrado absolutismo dos faraós até o profano liberalismo do ocidente moderno.
Relações humanas disciplinadas respondem pela estabilidade e pelo convívio pacífico na sociedade. Essa disciplina compreende regras vigentes no seio da tribo ou da nação ditadas pela necessidade e pela utilidade. O caos social é episódico e cessa com a volta da ordem antiga ou com a implantação de uma nova ordem. No período cultural que recebeu o nome de civilização (estágio de assíduo uso da escrita, de progresso nas artes, nas ciências, nas instituições políticas, econômicas e sociais) as regras de caráter obrigatório que disciplinam as relações humanas constituem a ordem jurídica. Essa ordem reflete valores acalentados pela nação, ou pelo grupo dominante, ou por ambos quando há coincidência.
A dinâmica do processo cultural exige certa plasticidade da ordem jurídica visando a acomodar as mudanças que ocorrem na sociedade. Em países como Brasil e Alemanha, as normas fundamentais da ordem jurídica estão lançadas em um documento escrito denominado Constituição. No plano constitucional jurídico há mutações informais (sem alteração do texto) e formais (com alteração do texto). Como exemplo das mudanças informais, o jurista Karl Loewenstein cita o controle da constitucionalidade das leis pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, resultante de uma decisão judicial sem estar previsto na Constituição escrita (Teoria de la Constitucion. Barcelona, Ariel, 1979, p.145). Como exemplo das mudanças formais serve a técnica, utilizada no Brasil e em outros países da América Latina, de modificação do texto pelos parlamentares (reforma democrática), pelo chefe de governo ou por um grupo dominante (reforma autocrática). Há mudanças assimiláveis por lei ordinária que o legislador resolve alçar ao nível constitucional visando a maior eficácia do preceito.             
Desde a cultura ancestral rudimentar até a civilização hodierna, alguns costumes mudaram mais no acidental do que no essencial. Nos povos onde o conhecimento técnico e científico teve maior desenvolvimento, as mudanças se mostraram mais velozes (às vezes, dramáticas, quando causaram desemprego e aflição). Os modernos meios de comunicação social aproximaram os povos, facilitaram a padronização de costumes e modismos, estimularam o consumo dos produtos com estes relacionados, incrementaram o comércio, difundiram informação pelo orbe em tempo real. Desde os anos 30 do século XX, filmes estadunidenses lançam o modo de vida da nação americana como padrão (american way of life); o ato de beber, fumar e trair inocentado por uma atmosfera de glamour; a pessoa exaltada por acumular riqueza (o ter mais valioso do que o ser); a violência justificada para resolver problemas pessoais e sociais. Há povos, entretanto, que conservam os seus costumes. Entre uma região e outra do planeta ainda há culturas diferentes e autênticas.
Alguns costumes não sofreram mudanças radicais. A guerra é atividade antiga que se mantém na época atual (inclusive com o objetivo econômico de nutrir a indústria de material bélico, enriquecer os seus donos e aumentar a receita tributária do governo). Da jurássica mania de brigar, ferir e matar, os humanos não se desvencilharam; a violência está presente no lar, na escola, no trabalho, no esporte, nas reuniões sociais, nas ruas; ainda se usa as mãos para estrangular, corda para enforcar, faca, punhal e arma de fogo para assassinar. Fumar e beber são vícios antigos que permanecem até hoje e fortalecem a indústria tabagista e a de bebidas alcoólicas cujos rendimentos empanturram os cofres do Estado, do agente político e do partido. O consumo de substâncias alucinógenas cresceu na época moderna e enriqueceu os traficantes de drogas ilícitas. Cultivam-se plantas e criam-se animais para fins domésticos e para venda, como antigamente; a diferença está nas máquinas, nos equipamentos, no adubo, na ração e nos métodos empregados. O comércio de mercadorias e a circulação de dinheiro prosseguem como outrora, facilitados cada vez mais pelos serviços de correio, telefonia e informática; o escambo é pouco praticado no mundo contemporâneo. A milenar apropriação do patrimônio alheio ainda faz parte dos costumes e apresenta alguma sofisticação na idade contemporânea quando praticada por especialistas públicos e privados.
Conquistar mulher solteira, casada ou viúva para com ela transar sexualmente é costume antigo que permanece nos dias atuais, com a diferença de que a mulher ocidental moderna também assume a iniciativa. A mania de espancar mulher, que vem da época do homem das cavernas, continua nos dias atuais. A homossexualidade reprimida no passado em países cristãos escancarou-se na idade contemporânea. A masturbação envergonhada do passado perdeu a vergonha no presente; considerada exigência orgânica natural, aparece em filmes tal como as cenas de relacionamento sexual explícito. A cultura física e os cuidados terapêuticos da idade clássica (Grécia e Roma) aperfeiçoaram-se na idade contemporânea, mas o proveito continua restrito a uma parcela da humanidade. O costume de ouvir música e dançar não perdeu o viço e ficou mais diversificado e massificado. O hábito da leitura sobrevive apesar do rádio, cinema, televisão e computador. O velho costume de viajar ainda se mantém, agora com veículos modernos e vias terrestres, fluviais, marítimas e aéreas. Viaja-se também sem sair do lugar (projeção astral provocada por drogas ou por técnicas de relaxamento).
Em 513 anos de existência, o Brasil passou pela experiência colonial, imperial e republicana (1500 a 2013). Em 124 anos de república, o Brasil experimentou governos autocráticos e democráticos (1889 a 2013). Brasileiros de ambos os sexos e de variadas idades, profissões e níveis sociais fizeram, no período de 1968 a 1988, passeatas, protestos, rebelião armada e guerrilha contra a autocracia implantada por lideranças civis e militares. Pleiteavam a mudança do regime político. Em 2013, os brasileiros tornaram a sair às ruas das diferentes cidades do território nacional pleiteando mudanças. Direta ou indiretamente, eles se insurgiram contra os maus costumes políticos, a má aplicação do dinheiro público, a corrupção generalizada, o excesso de tributação, o alto custo de vida, a deficiência na área da educação, da saúde, do transporte e das obras públicas, as fraudes nas licitações públicas. Mostravam insatisfação com os partidos políticos, com os vícios da administração pública, com a mentalidade facilitadora de lucros excessivos. O Legislativo e o Executivo em sintonia com o clamor do povo buscam soluções adequadas. Compasso de espera. Se houver demora e embromação, o povo poderá apelar às armas, hipótese que não se afigura utópica nem improvável.  

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

AVISO



O livro “O Evangelho da Irmandade” não entrou no circuito comercial por iniciativa minha. A distribuição é pessoal e gratuita. Se lhe interessar, solicite o exemplar pelo correio eletrônico, forneça seu endereço completo e o receberá pelo correio convencional.
Atenciosamente, A.S. Lima.

sábado, 24 de agosto de 2013

CHICANA II



O vaso quebrou. Colaram os cacos. Mosaico sem beleza. A restauração exigia o talento de Miguel Ângelo. Cumprindo o seu dever de zelar pelo decoro no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Joaquim Barbosa, na sessão de 15/08/2013, censurou o ministro Dias Toffoli por jocosidade e o ministro Ricardo Lewandowski por chicana. Houve áspera discussão entre o presidente (Joaquim) e o vice-presidente (Ricardo). O incidente repercutiu na sociedade brasileira (quiçá também na estrangeira). Na sessão de 21/08/2013 os dois contendores justificaram-se e os dois ministros mais antigos da casa defenderam a liberdade e a independência do magistrado. Nesta e na sessão do dia seguinte (22/08/2013) percebia-se o efeito da borrasca. O clima era de desconforto. Indisfarçável mal-estar dos ministros. Página virada, disse Ricardo. Pá virada, dizem os fatos.  
Em solidariedade corporativa os dois ministros mais antigos chancelaram a chicana do colega. Assinale-se que o poder jurisdicional, o direito, a liberdade e a independência do magistrado não estavam em jogo, eis que ninguém os colocou em dúvida ou pretendeu negá-los. A censura recaiu sobre o exercício abusivo desse poder, desse direito, dessa liberdade, dessa independência. As prerrogativas da magistratura não se destinam a franquear ao magistrado a transposição das balizas da ética e do direito. Se transgredirem normas éticas e jurídicas, os magistrados ficam sujeitos às sanções disciplinares previstas na lei orgânica da magistratura e às sanções previstas na legislação civil e penal.
A conduta dos membros do STF há de se subordinar à moral e ao direito. Indiscutível a soberania do seu poder jurisdicional inclusive para processar e julgar ações contra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Porém, do ponto de vista administrativo e disciplinar os juízes do STF estão sujeitos ao controle do CNJ. A este Conselho compete “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”. Entretanto, decidindo em causa própria, o STF excluiu a si próprio da incidência dessa norma constitucional, como se ele não integrasse o Poder Judiciário e os ministros não fossem juízes. Não há norma constitucional alguma que exclua os membros do STF da incidência do artigo 103-B, da Constituição da República. A exclusão se deu por interpretação das normas constitucionais pelos próprios interessados. Entre os objetivos da criação do CNJ está o de acabar com a impunidade dos juízes integrantes dos tribunais ordinários e superiores (os juízes singulares sempre foram controlados pelos tribunais). O código de ética baixado por resolução do CNJ abrange a magistratura nacional. Inclui, pois, os juízes do STF. Quando coloca os seus juízes fora do controle do CNJ, o STF colide com o propósito moralizador. 
O regimento interno do STF determina ao magistrado que solicite aparte ao colega que está com a palavra. No entanto, há ministros (inclusive o atual presidente) que interrompem o colega que está com a palavra, sem solicitar aparte, o que caracteriza infração disciplinar (descortesia). O regimento fixa horário para o início das sessões e tempo para intervalo. Esse dispositivo é ignorado pelo tribunal. Os advogados e o público ficam aguardando o início ou o reinício da sessão até que os ministros se disponham a comparecer. Há exigência de vestes talares. Alguns ministros vestem a capa de modo desleixado. O simbolismo da capa é vilipendiado. A ética e o decoro estão em baixa nesse tribunal. O efeito perante a nação é desastroso: respeitabilidade perdida. 
Ao contrário da retórica em voga, o tribunal não é maior do que os seus juízes. Do ponto de vista moral e intelectual, o tribunal é do tamanho dos seus componentes. Como instituição permanente, o tribunal é mais antigo do que os seus membros. No seu evolver, passou por altos e baixos. O tribunal é como balão de borracha que cresce ou encolhe de acordo com o ar insuflado. A cada nova composição corresponde uma nova estatura. Surtiu efeito a tática de Fernando Henrique e de Luiz Inácio para desmoralizar o STF. Notória a ojeriza desses dois presidentes em relação à magistratura e ao direito. A caneta serviu-lhes de instrumento à vindicta. Nomearam para o cargo de ministro pessoas que não engrandecem o tribunal (Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli). Resultado: o STF atravessa uma quadra nefasta da sua história; não está nos seus melhores dias.  
Os operantes na seara do direito sabem por experiência que o voto vencido poderá ser vencedor algum dia, desde que leve em si uma tese ou uma questão de direito. No caso dos embargos opostos pelo bispo na ação penal 470 do STF, tal condição está ausente.  O voto vencido não será vencedor em tempo algum tendo em vista estar orientado por questões de fato que dependem de prova, tais como: participação do bispo em prévio acordo político, recebimento de propina anterior ao advento da nova lei. Não houve polêmica sobre questão de direito como, por exemplo: conceito jurídico de corrupção passiva, aplicabilidade retroativa ou prospectiva da lei. O fato provado é que determinou a aplicação da lei. Apesar da concordância no julgamento da ação penal, houve discordância no julgamento dos embargos. O pomo da discórdia foram os núcleos do tipo corrupção passiva que estariam presentes no caso concreto: se o núcleo solicitar propina, se o receber propina, ou se o aceitar promessa de propina. Na primeira e na terceira hipóteses a corrupção ocorre pela solicitação ou pela aceitação, independente do recebimento efetivo da propina; no segundo caso, a corrupção se caracteriza pelo efetivo recebimento da propina, independente da prévia solicitação ou da prévia aceitação de promessa. Em 2012, ao julgar a ação penal depois de longa instrução processual e larga postulação dos réus, o STF decidiu por unanimidade que a corrupção no caso concreto consistiu no recebimento da propina e que esse fato ocorreu quando a nova lei já estava em vigor. Mudar essa decisão unânime através de embargos de declaração é heresia escandalosa. Pleitear essa mudança é chicana da braba.  
O STF, naquela ocasião (2012), aplicou a lei nova (mais gravosa) ao verificar a inexistência de prova de que sob a égide da lei antiga (menos gravosa) o bispo tenha participado de um acordo, solicitado, aceitado promessa ou recebido propina. Segundo esclareceu o ministro Celso de Mello, o Ministério Público (MP) ofereceu denúncia pelo fato específico e autônomo de o bispo receber propina quando a nova lei já estava em vigor. O agente do MP seria leviano se alegasse fato de cuja existência sabia de antemão não haver prova. Ante a independência do MP constitucionalmente assegurada, não cabe ao juiz dizer-lhe o que pode e o que não pode lançar na denúncia (peça inaugural do processo penal). Selecionar os fatos que entende criminosos, já provados no inquérito ou passíveis de prova na instrução processual, enquadrá-los na lei penal e lançá-los na denúncia é tarefa exclusiva do agente do MP. Ao admitir a denúncia (ou não admitir se houver vício formal) e ao julgar o caso, o juiz há de se limitar aos alicerces jurídicos da sua decisão. Ao censurar ou lamentar as escolhas do Ministério Público, o juiz extrapola a função judicante. Joga-se para as costas do MP a responsabilidade por decisão judicial impopular, antipática ou contrária ao interesse social, que o juiz simula tomar contra a sua vontade. Dar lições ao advogado ou ao agente do MP no bojo do processo judicial é conduta impertinente do magistrado que não se coaduna com a ética judiciária. A eqüidistância em relação às partes é essencial ao juiz da causa.
Gera perplexidade a especial atenção dedicada, a desmesurada consideração e o tempo gasto com criminosos do colarinho branco no processo judicial em que as garantias constitucionais e legais foram devidamente observadas.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DEUS




DEUS não é o átomo, nem a molécula, ou a célula;
DEUS não é o planeta, nem a galáxia, ou o universo;
DEUS não é o sol, nem a lua, ou o cometa;
DEUS não é o mar, nem a cascata, ou a neve;
DEUS não é o seixo, nem a montanha, ou a areia;
DEUS não é o raio, nem o trovão, ou a tempestade;
DEUS não é o ar, nem a nuvem, ou o vento;
DEUS não é o vulcão, nem a lava, ou o fogo;
DEUS não é o pinheiro, nem a flor, ou a floresta;
DEUS não é o boi, nem a baleia, ou o pássaro;
DEUS não é o homem, nem a mulher, ou a criança;
DEUS não é;
DEUS noé.

domingo, 18 de agosto de 2013

CHICANA



“O pau comeu na casa de Noca”, diz o samba paulista de Adoniran Barbosa. Nenhum parentesco com o baiano Ruy ou com o Barbosa do Supremo Tribunal Federal. Na augusta corte o pau comeu. Difícil convívio entre o presidente da casa (Joaquim Barbosa) e o vice-presidente (Ricardo Lewandowski). No Paraná, há quase setenta anos, eu notava esse fato comportamental: os negros e os polacos se repeliam. Havia entre os dois grupos silenciosa animosidade que parecia atávica. No julgamento dos recursos apresentados na ação penal 470 (caso apelidado de mensalão) na sessão dos dias 14 e 15 de agosto de 2013, os dois ministros voltaram a pelejar. Choque de egos titânicos. Quando os embargos opostos pelo réu Bispo Rodrigues estavam sob exame, o ministro Lewandowski, na sua vez de votar, criou embaraço. Em tom de repreensão, o presidente o acusou de estar fazendo chicana (tramóia). Durante todo o julgamento da referida ação penal, desde o seu início em 2012, fiel à origem política partidária que lhe abriu as portas do Judiciário, Lewandowski serviu-se da função de revisor para provocar tumulto nos autos e retardar o desfecho do processo. Esse procrastinar, que sugere interesse pessoal do julgador na causa, irritava o ministro Barbosa.
O presidente do tribunal se mostra nervoso, quiçá pela dor na coluna vertebral de que padece e que o faz mudar de posição seguidamente, ora em pé, ora sentado, revezando a poltrona com a cadeira ortopédica. A sua agressividade compromete o clima sereno que se espera de um tribunal de justiça. A compreensível ânsia de atender aos reclamos populares não deve tisnar o julgamento. Mostrou-se fundado o receio de que, na presidência, Barbosa iria trocar os pés pelas mãos. O seu desequilíbrio emocional facilitou a chicana do vice-presidente.
O voto minoritário e quiçá isolado de Lewandowski em nada muda a decisão recorrida. Na sessão houve seqüência de votos acompanhando o voto do relator que rejeitava o recurso: Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Dias Toffoli. Com o voto do relator já eram seis votos. Formou-se maioria. A seqüência foi interrompida na vez de Lewandowski votar. Provocado o tumulto, Celso de Mello e Gilmar Mendes deixaram clara a adesão ao voto do relator, embora ainda não tenham votado. Serão, portanto, oito votos de rejeição. Poderão ser nove, se Marco Aurélio votar com o relator. O voto daquele ministro ficará isolado, sem prejudicar a decisão condenatória já proferida.
O tumulto poderia ser evitado. Bastava o presidente registrar o voto do vice-presidente sem contestá-lo, colher os votos de Gilmar, Marco e Celso e concluir o julgamento. O assédio aos colegas para que mudem o voto revela despreparo para a função judicante colegiada. Cabe ao juiz proferir a sua decisão e respeitar a dos outros juízes. Criticar o voto do colega é falta de cortesia, de boa educação e de decoro. Beira à injúria. A vaidade há de ser contida. Hoje, voto vencido; amanhã, voto vencedor. Eis a sina do juiz de tribunal.   
Recalcitrante, Lewandowski fez ouvido de mercador às judiciosas ponderações de Celso de Mello e Gilmar Mendes. Esses dois ministros argumentaram com a autonomia do ato de receber para tipificar o crime de corrupção; informaram que o bispo fora denunciado por receber propina em dezembro de 2003; disseram que esse fato independia de qualquer outro conforme decisão unânime da corte, o que autorizava a incidência da nova lei mais gravosa. O ministro tapou os olhos e os ouvidos e permaneceu firme no propósito de protelar. Obteve êxito. O julgamento foi adiado. No final da sua manobra, antes da altercação com o presidente, o ministro sorriu. Expressão facial marota.  
A chicana se evidencia mais ainda quando ele indaga do presidente: “porque a pressa ministro?” Ao contrário da expectativa da nação, Lewandowski não quer pressa. Os condenados também não querem pressa. Quanto mais demorar, melhor para eles. Retardam a execução da sentença condenatória visando a obter eventual proveito que daí possa resultar. Ao contrário do que pensa o vulgo, tramóia não é apanágio dos advogados. Fazem-na também os magistrados. Serve de exemplo a ação penal em tela. Como sinônimo de ardil e trapaça, a chicana também acontece nos negócios extrajudiciais pouco freqüentados pela honestidade.
“Quero fazer justiça”, disse o esperto Lewandowski, como se os demais juízes não estivessem ali para fazer justiça. No julgamento da ação penal a justiça já se fez com a merecida condenação dos réus no devido processo jurídico. Todos os réus se valeram largamente do direito ao contraditório e à ampla defesa. “Os embargos servem para o julgador rever seu erro”, ele diz com ar pungente. Emboca essa verdade em um sofisma. Dos sete ministros que votaram até agora nos embargos do bispo, ele foi o único que alegou erro. Se houvesse algum vício, os demais ministros o teriam expungido. Se houvesse erro, teriam corrigido. Cabia a Lewandowski, sem procrastinar, mencionar o tal erro em voto divergente sem incluir os colegas no mesmo pacote. Ademais, a alegação afigura-se leviana, pois ele participou da votação unânime que condenou o bispo. Sem pudor, reabre discussão sobre matéria objeto de intenso debate no plenário do tribunal quando a ação foi julgada.
Os condenados embargaram o acórdão (sentença do tribunal). Nos termos da lei processual penal não há revisor nos embargos de declaração. Correta a orientação do presidente: após o voto do relator, a votação começa pelo ministro mais novo na casa e segue na ordem inversa da antiguidade até o ministro mais antigo. Sobre esse ponto, está desamparada a crítica sarcástica feita por Marco Aurélio. O tribunal primeiro examinou os argumentos comuns a todos os embargos. Depois, passou a examinar cada um individualmente. Nota-se intenção protelatória nos embargos lidos pelo relator. A finalidade desse tipo de recurso não é a de quebrantar a decisão já proferida, nem de registrar arrependimentos como disse Barbosa. Esse recurso tem por fim ensejar ao julgador o afastamento de eventual nódoa resultante de ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão contida na decisão recorrida. O regimento interno do STF acrescenta a inexatidão e a dúvida como propiciadoras do recurso. Esse acréscimo estimula a chicana. Dos votos proferidos pela maioria não se vislumbra, até o momento, qualquer desses vícios. Os embargantes pretendem converter a condenação em absolvição ou, pelo menos, atenuar a pena que lhes foi aplicada. Como não há instância superior à qual apelar, os condenados, no mesmo grau de jurisdição e perante o mesmo órgão prolator da decisão recorrida (STF), utilizam os embargos como recurso ordinário com efeito devolutivo e suspensivo. Desse modo, desvirtuam-nos. Diante disto, a maioria dos ministros não perdeu tempo com comentários redundantes. Essa maioria acompanha o bem fundamentado voto do relator negando provimento ao recurso.
Os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski são as vedetes da sessão; não resistem aos holofotes e se exibem a cada recurso insistentemente. Abusam da paciência do público. Marco Aurélio tem acompanhado o voto do relator com esporádicas ressalvas. Lewandowski não perdeu o cacoete de revisor e se alonga nos comentários, repete ad nauseam o que já foi relatado e decidido. Inconformado, repisa os argumentos que lançou na fase anterior do processo e que não mereceram a aprovação dos seus colegas. Assemelha-se ao advogado que justifica a sua derrota e os honorários recebidos mostrando ao cliente a alta qualidade do seu trabalho. Na sua eloqüente expressão corporal há lamento e surda censura aos que seguiram trilha diversa e não compartilharam do seu notável saber e do seu refinado senso de justiça. Ele resmunga, geme, espreme a voz como se estivesse parindo, folheia as páginas do voto para mostrar ao público que “estudou profundamente” a matéria (como ele sempre diz) como se isto por si só significasse vasta e superior compreensão e lhe outorgasse maior autoridade. A afirmação de que “estudei profundamente os autos” indica que o julgador vai embromar. Esta é lição da experiência. Estudar os autos é normal. Estudar “profundamente” é ênfase maliciosa. Da sua arrogante afirmativa brota a insinuação de que os seus pares estudaram os autos superficialmente e que todos são levianos.
O presidente tem o dever de zelar pelo decoro no tribunal. Daí, a censura ao ministro Dias Toffoli por se manifestar jocosamente. Na apreciação do presidente, o ministro fazia graça de modo incompatível com a conduta de magistrado. Jocoso aproxima-se de sarcasmo e se distancia da ironia utilizada com elegância como figura de retórica aliada ao senso de humor. Aliás, o modo de Toffoli ocupar a poltrona quando não está com a palavra também é indecente. Recostar é comum. Refestelar-se como se estivesse no sofá da sala de sua casa é indecente. Postura indecorosa. Marco Aurélio também zomba. Parece gostar da imagem de carioca gozador. Esse comportamento pode ser adequado entre amigos, nas praias cariocas, mas não no tribunal. Ele e Toffoli parecem uma dupla circense no tribunal.
A garantia de vitaliciedade não autoriza o juiz a praticar impunemente ilícitos civis, penais, administrativos e atos contrários à ética. Ao tribunal cabe aplicar pena disciplinar aos seus membros nos termos da lei orgânica da magistratura e, quando for o caso, apurar a responsabilidade criminal do infrator no devido processo jurídico.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

VERSOS



Canção de roda infantil
Dos versos pouco me lembro
Folga da escola em dezembro
Sob o céu de azul anil
De mãos dadas crianças a rodar
Sem perigo na rua a cantar
Na ciranda a menina formosa
Eu o cravo, ela a rosa.

Menino não chora
Nasceu pra ser rude
Não brinca com flora
Só bolinha de gude
Macia é a mão da menina
Rodar com ela é boa sina
Faz esquecer a rudeza
Palma com palma e lhaneza.

domingo, 11 de agosto de 2013

ERRATA



No texto abaixo, final do segundo parágrafo, houve erro datilográfico. Onde constava “Nova Constituição (1991)” passou a constar o correto “Nova Constituição (1891). Desculpem-me. Volto na quinta-feira (15/08/2013) com alguns versos. Atenciosamente, ASLima.  

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXV



Estados da América do Sul buscam união em torno de interesses aduaneiros. Conflitos do passado e rivalidade entre o Brasil e paises vizinhos dificultam o entendimento. A Venezuela lança a doutrina bolivariana de solidariedade entre esses países e advoga a ruptura dos laços coloniais com os EUA. Norma programática da Constituição brasileira de 1988 dispõe sobre a integração dos povos da América Latina e a formação de uma comunidade latino-americana de nações. Combatentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia acampados no Equador, considerados bandidos comuns, foram mortos enquanto dormiam pelo exército regular da Colômbia (2008). A violação da soberania territorial do Equador pela Colômbia recebeu solução amigável no âmbito da Organização dos Estados Americanos. O Brasil enviou contingente militar ao Haiti contribuindo para a paz internacional, tal como enviara nos anos 50 ao Suez, e nos anos 60, à República Dominicana.
As relações com países africanos se intensificaram no governo Silva. O presidente Luiz Inácio perdoou dívida africana para redimir o Brasil do pecado da escravatura, embora tenha sido o governo português o fundador e mantenedor da sociedade escravocrata na América Portuguesa de 1500 a 1822. Os negros foram vendidos como escravos pelos negros da África aos homens brancos da Europa e da América. Negro também tinha escravo negro lá e cá. A maldade é branca, preta, amarela, vermelha e mestiça. Após a independência e o fim do conflito com Portugal (1822 a 1825) o governo brasileiro proibiu o tráfico negreiro (1850), concedeu liberdade ao nascido de mulher escrava (1871) e ao escravo com idade igual ou superior a 60 anos (1885) e extinguiu a escravidão (1888). Com caneta de ouro feita especialmente para a cerimônia, a princesa regente assinou o decreto de abolição quando a Constituição brasileira vigorava há 64 anos (1824-1888). Isabel sabia que isto poderia custar o trono. Decorridos 19 meses, instaura-se a república (1889). Nova Constituição (1891). 
Na América Latina o espírito monárquico e aristocrático sobrevive no caudilho, no governo ditatorial, nas oligarquias e na democracia simiesca. O regime democrático exige igualdade social, primazia do bem comum, Constituição e leis sintonizadas com as aspirações nacionais e com os valores vigentes na sociedade, efetiva participação do povo nos negócios do Estado, governantes escolhidos em eleições periódicas e sujeitos à fiscalização e ao controle dos governados, alicerces econômicos, sociais e morais tais como: energia, siderurgia, tecnologia, informação, ciência, educação, saúde, transporte, segurança, trabalho, honestidade, solidariedade, espírito público, amor ao país.  
No Brasil, a fragilidade dessa base o torna arremedo de democracia. Parcela da população continua à margem dos benefícios da civilização. O país ainda é paraíso dos criminosos de colarinho branco. O patrimônio público é utilizado como bem pessoal do governante. Os recursos públicos são canalizados ilicitamente para o setor privado. A cada ano crescem a dívida pública e a fortuna dos encastelados no governo. Há problemas crônicos tais como: (i) serviços públicos e obras públicas deficientes; (ii) licitações fraudulentas; (iii) corrupção; (iv) analfabetismo; (v) insegurança, impunidade. O caráter macunaima & mazombo de parcela da nação contribui para a reinante deficiência social e moral.
Ao ouvir a voz do povo e ver as manifestações legítimas pelas vias públicas do território brasileiro no meado de 2013, o Congresso Nacional com a sua atual composição de senadores e deputados apressou-se em colocar na pauta proposições sobre: (1) extinção do voto secreto nos assuntos legislativos, do suplente de senador e do foro privilegiado; (2) exigência de ficha limpa para todos os ocupantes de cargos públicos; (3) destinação de parte da receita do petróleo para os setores da educação e da saúde. Outras propostas são cogitadas, como o fim da obrigação de filiar-se a partido político para se candidatar a cargo eletivo (candidatura avulsa), redução do número de partidos e de ministérios, voto distrital, rigor na punição de certos crimes, maioridade penal aos 16 anos, fiscalização e controle efetivo das agências reguladoras e das tarifas cobradas pelas concessionárias de serviços públicos. A esta disposição de ânimo os parlamentares denominaram agenda positiva.
Os atuais senadores e deputados silenciam sobre a exigência de qualificação acadêmica para cargos eletivos federais, escolaridade secundária completa para cargos eletivos estaduais e municipais; redução do número de senadores, deputados, vereadores e funcionários; extinção dos penduricalhos nos subsídios e vencimentos que triplicam o valor básico; comparecimento ao trabalho nos cinco dias úteis da semana; elevar à categoria de honorário e não remunerado o mandato parlamentar. Os parlamentares trabalham três dias na semana, recebem cerca de 60 mil reais por mês além da assistência médica, hospitalar, automóvel e outras mordomias. Entram em “recesso branco” (férias) sem cumprir disposição expressa da Constituição: “a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias” (CF 57, §2º). Certamente, o povo saberá, doravante, como escolher seus representantes e colocá-los na linha. O mandato do representante há de ser revogável no curso da legislatura. Esse poder do eleitor deve constar expressamente do texto constitucional. 
No dia 05 de outubro de 2013 a Constituição completará 25 anos de vigência. Essa lei fundamental do Estado brasileiro serviu de base a uma estabilidade institucional sobre a qual havia ceticismo. Apesar da formidável quantidade de emendas, os seus alicerces permanecem intocados. O excesso de emendas deve-se a inúmeras matérias que poderiam estar fora do texto constitucional e ser tratadas por meio de leis infraconstitucionais. A Constituição traz esse vício desde o nascedouro: prolixidade. A experiência autocrática levou o povo brasileiro a valorizar a Constituição que organiza a democracia e a reveste de juridicidade. O Poder Judiciário foi provocado com maior freqüência para garantir a eficácia dos princípios e normas constitucionais. Isto importa em conhecer, no devido processo jurídico, matérias políticas, sociais e econômicas relevantes para a nação e apresentar soluções amparadas no direito. Juízes e tribunais cumprem essa missão essencial ao Estado Democrático de Direito.        

A série “O Brasil e a Constituição” chega ao seu final. Espero que tenha sido proveitosa e agradável a todos que tiveram paciência de acompanhá-la até este ponto. Faço votos para que as manifestações populares de junho e julho de 2013 bastem para se efetivarem as mudanças reclamadas pela nação brasileira e que não seja necessário o apelo às armas.
Aceitem o meu fraternal abraço. Antonio Sebastião de Lima.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXIV



A história dos povos ocidentais revela uma seqüência de crises. Esse fato induz a pensar em movimentos cíclicos necessários à evolução dos costumes, da arte, da técnica e da ciência. A crise pode ser vista como um agente catalisador a provocar esforços humanos para que novos caminhos sejam abertos e novas soluções sejam encontradas. A crise pode ser comparada à irrupção vulcânica, movimentos imperceptíveis no subsolo da nação que em dado momento irrompem na superfície. Dela advêm soluções ao sabor dos grupos influentes. Na esfera internacional, o sistema capitalista atravessou crises que culminaram com o neoliberalismo teórico na primeira metade e prático na segunda metade do século XX. Verificaram-se notáveis mudanças na Europa que se refletiram no mundo ocidental. Mikhail Gorbachev iniciou a reestruturação política e econômica da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS (perestroika,1985). Hungria, Polônia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, romperam os vínculos políticos com a URSS no mesmo ano em que o muro de Berlim veio abaixo (1989). A Alemanha se reunifica (1990). Armênia, Bielorússia, Casaquistão, Estônia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia e Ucrânia desvinculam-se da federação soviética. Gorbachev assina o decreto de dissolução da URSS (dezembro, 1991). A guerra fria chega ao fim. Disto se aproveita o governo Reagan para estabelecer uma ordem mundial em sintonia com os interesses dos EUA, induzindo à globalização da economia. Argumentando com o fracasso do socialismo democrático, Margareth Thatcher, no governo da Inglaterra, adota política conservadora e substitui o Estado do Bem-Estar pelo Estado Liberal (desregulamentação, privatizações). O Mercado Comum Europeu evolui para União Européia, cria moeda própria (Euro, 1999) e elabora projeto de Constituição. A onda neoliberal leva de cambulhada países periféricos, inclusive o Brasil no governo Cardoso (1995-2002).
A interdependência dos países no mundo contemporâneo assume cores fortes nos momentos críticos. Nos anos 70 do século XX ficou dramática a situação dos países importadores de petróleo. A OPEP suspendera o fornecimento de petróleo aos EUA e demais aliados de Israel. Ao recomeçar o fornecimento, o preço do barril aumentou e o PIB brasileiro despencou após um crescimento de 11,4% (1973). Na primeira década do século XXI o preço do petróleo sobe acima de US$100 o barril (2008). A implosão da URSS mudou o mapa europeu e a correlação de forças no mundo. A União Européia e a China concorrem com a economia dos EUA e do Japão. A China se mantém no socialismo pragmático introduzido por Deng Xiaoping (1978). A economia chinesa cresce 10% ao ano e o seu PIB chega a 02 trilhões e 600 bilhões de dólares em 2006. O déficit comercial dos EUA em relação à China foi superior a 250 milhões de dólares em 2007. Cingapura, Coréia do Sul, Hong-Kong e Taiwan recebem o apelido de tigres asiáticos graças ao crescimento econômico naquele período. A robotização reduz o número de vagas para operários nas fábricas. Crescem o consumo de energia e a demanda por automóveis, telefones celulares, computadores e derivados.
A conquista do espaço sideral, os problemas comuns em escala planetária e as comunicações sem fronteiras geram consciência cosmopolita. A Física propõe hipótese sobre o limite espacial do universo, plasma universal, matéria escura, forma primária da matéria (teoria das cordas), dimensões subatômicas e introduz o acaso e o caos na especulação científica. Diversifica-se a aplicação do raio laser, das fibras óticas e do silício (chips eletrônicos, semicondutores em transistores, cristais para relógios de precisão, aplicação no aço, bronze e vidros). Criam-se aparelhos de sondagem interna do corpo humano; técnicas cirúrgicas são aperfeiçoadas; órgãos humanos são transplantados. A humanidade percebe que mananciais podem secar, a poluição afeta o clima e a saúde, o aquecimento global provoca o degelo no pólo e a elevação do nível do mar. A consciência ecológica se expande e se universaliza. A engenharia genética se desenvolve; o código genético é decifrado. Há clonagem animal, hibridismo vegetal e rações compondo a indústria agro-pecuária. Religiosos se opõem ao aborto, a métodos anticoncepcionais, à pesquisa com células tronco-embrionárias e a uniões homossexuais. AIDS, câncer, diabetes, epidemias, desafiam a ciência médica e matam milhares de pessoas no mundo. Países carecem de remédios, assistência médica e hospitalar, alimentos, moradia, escolas e saneamento básico. Nota-se reação social contrária ao consumo de bebidas alcoólicas e tabaco (de cujas indústrias os governos recebem gordos tributos).  
Horrores do século XX como as explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki e o extermínio em massa de prisioneiros de diversas etnias nos campos de concentração germânicos no decorrer da segunda guerra mundial marcaram a humanidade e colocaram o ser humano face a face com a sua natureza demoníaca. Essa desgraça aproximou os povos que organizaram as Nações Unidas em 1945, quando celebraram o pacto de paz e de colaboração recíproca. O terror rebelde (Al-Qaeda) e o terror oficial (EUA) causaram choque de aeronaves contra o Pentágono e o World Trade Center e a invasão do Afeganistão e Iraque (2001, 2002, 2008). Vem a lume a existência de grupos poderosos interessados em reduzir a população mundial por meios insidiosos. Drogas com efeitos colaterais danosos circulam livremente no mercado. O lucro da indústria farmacêutica prevalece sobre o interesse pela saúde da população.
No Brasil, a crise dos anos 60 do século XX gerou mecanismos progressistas no campo econômico e práticas conservadoras na esfera política. Com a Constituição de 1988, o Brasil voltou ao modelo social democrático. Legislativo, Executivo e Judiciário funcionam em favor de pessoas e grupos influentes. O povo manifesta indignação diante da extensão dos abusos ocorridos na sociedade envolvendo senadores, deputados, presidentes, magistrados, ministros, gestores de empresas públicas e de instituições financeiras, banqueiros e empresários. O ativismo social ocorre através das comunidades eclesiais, dos círculos bíblicos, de associações civis de bairros, de mulheres, negros, homossexuais, consumidores, estudantes, vítimas de acidentes e de crimes, trabalhadores sem terra e sem teto, profissionais liberais. O ativismo também se manifesta de modo difuso com reivindicações genéricas e protestos como aconteceu em 2013. Bilhões de reais do erário são destinados a organizações não governamentais que não cumprem devidamente as finalidades previstas nos seus estatutos e nem prestam contas; os desvios costumeiros indicam a utilização do dinheiro em gastos pessoais e despesas de partido da base governista.
A maior parte da população brasileira concentra-se nas cidades. Agrava-se a má qualidade da vida nas grandes cidades; crescem as comunidades (favelas sem barracos e urbanizadas); imóveis públicos e privados são invadidos. O espaço urbano se valoriza, a especulação imobiliária aumenta e propicia corrupção no licenciamento de obras. A construção civil continua como fonte de emprego ao lado das pequenas e médias empresas. O trânsito urbano congestionado nas grandes cidades causa sérios transtornos à população. Rio de Janeiro e São Paulo possuem trens de superfície e de subsolo (metropolitano). A cultura física e a busca por dietas e hábitos saudáveis se integram aos costumes urbanos. As igrejas disputam o mercado da fé, cada qual buscando mais contribuintes; servem-se das emissoras de rádio e televisão, além dos cultos em seus templos. Novelas de TV, carnaval, música, esporte, ganham espaço internacional. O cinema se projeta esporadicamente com o realismo social de filmes como O Cangaceiro, Eles Não Usam Black-tie, Pixote, Cidade de Deus, Central do Brasil, Tropa de Elite.

domingo, 4 de agosto de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXIII



As normas do regime anterior compatíveis com a Constituição de 1988 permanecem no ordenamento jurídico. Leis expedidas pela autocracia civil (1937 a 1945) e pela autocracia militar (1964 a 1985) ainda estão em vigor. O fenômeno da recepção ocorre na passagem de uma ordem jurídica a outra e evita rupturas desnecessárias. O legislador ordinário cuidou, entre outras, das seguintes matérias: (1) adesão à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional; (2) mar territorial, bens da União, procedimento administrativo demarcatório de terras indígenas; (3) partidos políticos, proteção ao consumidor, acesso a informações, registros públicos, gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania inclusive das certidões para defesa de direitos; (4) educação nacional, vigilância sanitária, licenciamento ambiental, sanções por condutas lesivas ao meio ambiente; (5) segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados; (6) presidência da república, ministérios, declaração de bens e da fonte de renda de autoridades e servidores; (7) desestatização, telecomunicações, agências nacionais de energia, transporte, água e saúde; programa de gestão das empresas estatais, enriquecimento ilícito de agentes públicos, responsabilidade na gestão fiscal; (8) parceria do poder público com organizações privadas para fomento e execução de projetos e programas de interesse público; licitações e contratos da administração pública, reajuste de preços nos contratos da administração federal, concessões e permissões de serviços públicos e obras públicas; (9) servidor e emprego público, concurso público e nomeação para cargos de provimento efetivo, remuneração de servidor público, limites das despesas com o funcionalismo público, jornada de trabalho dos servidores da administração pública federal, contratação temporária de pessoal; (10) greve, previdência social, piso salarial fixado pelos Estados e Distrito Federal; (11) política urbana, concessão de uso especial de imóvel público situado em área urbana, reforma agrária, cédula de produto rural, cédula de crédito imobiliário, cédula de crédito bancário, financiamento de imóveis, alienação fiduciária de imóvel; (12) código civil, código florestal, locação, fiança locatícia, despejo, revisão de aluguel; (13) planejamento familiar, união estável, sucessão e alimentos entre companheiros, violência doméstica, bem de família, investigação de paternidade, estatuto da criança e do adolescente, estatuto do idoso, transplante de órgãos; (14) propriedade industrial, propriedade intelectual de programas de computador, direito autoral; (15) mercado de valores mobiliários, protesto de títulos, recuperação de empresa, falência, estatuto da microempresa, franquia empresarial, sociedade por ações, cooperativa de trabalho; (16) instituições financeiras, sigilo bancário, conflito de leis em matéria de cheques; (17) Conselho Administrativo de Defesa Econômica, arbitragem; (18) imposto de renda, imposto sobre a propriedade territorial rural, contribuição de intervenção no domínio econômico, contribuição provisória de movimentação financeira, crédito tributário, processo administrativo fiscal; (19) ministério público, advocacia; (20) ação de constitucionalidade (positiva e negativa), argüição de descumprimento de preceito fundamental, normas procedimentais perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, súmula vinculante; (21) ações penais originárias nos tribunais de justiça e nos tribunais regionais federais (privilégio de foro), acordos e transações nas causas em que figurarem no pólo ativo ou passivo a União e os entes da administração pública indireta, prioridade dos procedimentos derivados de inquérito parlamentar; (22) ação civil pública especial por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários; (23) medidas cautelares contra atos do poder público, antecipação da tutela jurisdicional, juizados especiais, proteção a testemunha e a vítima, informatização do processo judicial, inversão do ônus da prova, prisão temporária, execução penal; (24) sistemas nacionais de armas e de combate às drogas, de informações de segurança pública, identificação criminal; (25) crime hediondo, de tortura, de preconceito, de trânsito, de repressão uniforme, de extermínio de seres humanos; (26) crime eleitoral, contra o deficiente físico, o trabalho, a economia, o sistema tributário; (27) improbidade administrativa, interceptação telefônica, lavagem de dinheiro, organização de fins ilícitos.
O legislador constituinte ditou normas visando ao desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Desde 1930, pelo menos, governos autocráticos e democráticos tiveram essa preocupação. O turismo se intensificou nessas regiões. Cresce reação da sociedade civil contra o desmatamento feito por empresas agro-pecuárias, madeireiras e mineradoras. O comércio ilícito de minérios, plantas e animais silvestres preocupa a sociedade. O governo Silva defendeu o desenvolvimento sustentável. A demissão da senadora Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente, repercutiu no mundo e preocupou os ambientalistas (maio, 2008). Reservas indígenas de dimensões enormes comprometem a soberania territorial. Sob orientação estrangeira, dezenas de nações indígenas poderão reivindicar autonomia como advertiu o indianista Villas Boas referindo-se à região de terras contínuas do Brasil e Venezuela. Desse perigo, o Comando Militar da Amazônia alertou o governo e a nação em 2008. Há terras ricas em minérios dentro das reservas indígenas. Em hectares a elas destinados, o governo homologou: 14 milhões e 370 mil (Sarney), 31 milhões e 800 mil (Collor e Itamar), 41 milhões e 43 mil (Cardoso) e 12 milhões e 300 mil (Silva, até 2007), números estes que não podem ser somados em virtude das revisões e superposições.  
Usinas hidrelétricas suprem de energia vastas regiões do território nacional. Usinas nucleares e termoelétricas suplementam o fornecimento. Ambientalistas se posicionaram contra a construção da terceira usina nuclear de Angra dos Reis. A produção de petróleo aumentou. Aguarda-se a suficiência ante a exploração das reservas descobertas no campo Tupy (bacia de Santos), no campo Carioca (Angra dos Reis) e no pré-sal (litoral fluminense e capixaba). O combustível de álcool teve boa receptividade. Produzido a partir da cana de açúcar, o álcool não interfere na produção de grãos. O automóvel de motor elétrico começa a ganhar espaço por ser econômico, não poluir o ambiente e lembrar que o petróleo um dia acaba.
A manutenção e conservação de algumas rodovias foram confiadas a empresas particulares que abusam na cobrança do pedágio com o beneplácito da agencia reguladora (o que pode configurar violação do direito de locomoção e corrupção). Em algumas regiões do país o estado de abandono das rodovias impede ou dificulta o escoamento da produção rural, prejudica os produtores e isola a população local. As ferrovias mereceram atenção do governo Silva. Do aproveitamento dos rios para navegação e irrigação faz parte o projeto de transposição do Rio São Francisco com o duplo objetivo de revitalizá-lo e de levar água a áreas secas do nordeste. Movimento social contrário a esse projeto incluiu greve de fome voluntária e intencional de bispo católico (2007 e 2008). O transporte fluvial ainda prevalece na região amazônica e dele dependem povoações ribeirinhas. 
O crescimento da economia na vigência da Constituição de 1988 variou de 1% a 5%. O Brasil ficou na rabeira das demais nações do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Recessão nos EUA decorrente da crise no sistema de crédito imobiliário repercutiu na economia mundial (2008). A desaceleração da economia nos países desenvolvidos afeta as exportações e o desempenho comercial dos países periféricos. Os grandes favorecidos no governo Cardoso e no governo Silva foram os banqueiros, empreiteiros, agentes publicitários e as quadrilhas que infestaram a administração pública. A maior parte da renda nacional fica nas mãos de 80 mil pessoas aproximadamente (0,04% da população em 2008). A carga tributária e as taxas de juro em patamares elevados pesaram na bolsa do povo e afetaram negativamente o setor produtivo. A dívida pública estava acima de 40% do produto interno bruto no primeiro trimestre de 2008. Em reais, a dívida cresceu de R$01 trilhão e 890 bilhões em 2010 para 02 trilhões em 2012. Estima-se que subirá para 02 trilhões e 240 bilhões em 2013.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXII


Sofismas são utilizados para escapar às decisões do povo tomadas em plebiscito, referendo ou iniciativa de lei. Os argumentos falaciosos mais freqüentes são: (i) as consultas (plebiscito e referendo) e os projetos de lei vindos do povo servem apenas para orientar os governantes, não criam obrigação alguma; (ii) o Congresso Nacional exerce a soberania constituída, por isto é livre para dispor como bem lhe parecer, inclusive contra o resultado das consultas populares. Estes argumentos afrontam a essência da democracia: todo poder emana do povo. A soberania é do povo e não dos seus representantes. Parlamentares, chefes de governo e magistrados exercem a soberania em nome do povo. O resultado da consulta é uma decisão do povo e não mera opinião ou sugestão que o representante pode aceitar ou rejeitar ao seu talante. Tal decisão advém do exercício direto da soberania popular, por isso mesmo, obriga governantes e governados enquanto vigorar o regime democrático. O voto é o veículo da decisão. No plebiscito e no referendo o povo escolhe a solução que lhe parece melhor; não opina, nem sugere; vota. Nas ruas, praças e bairros das cidades brasileiras nos meses de junho e julho de 2013 o povo clamava por mudança nos costumes políticos, na mentalidade e na atuação geral dos órgãos públicos e em especial dos governantes lato sensu (parlamentares, presidentes, magistrados). A mensagem indicava impaciência com os paliativos, as safadezas, o engodo. A massa popular estava a exigir providências sem delongas e sem disfarces e uma efetiva e autêntica representação política. Sem assembléia constituinte ou sem renovar o Congresso Nacional através de eleições e candidaturas avulsas de gente bem qualificada do ponto de vista moral e intelectual, as mudanças serão ilusórias.
Nesse clima conturbado e de expectativas sociais e políticas, o Papa visita o Brasil (julho, 2013). Multidões o aclamam. Jovens de vários países se confraternizam sob um lacrimejante céu carioca. O cenário foi composto pela praia de Copacabana, “princesinha do mar”, obra da natureza e pela estátua do Cristo Redentor, obra humana. O mundo assiste a um espetáculo de fé religiosa do povo e de sagacidade política da Igreja de Roma. O Vaticano tenta limpar a nódoa dos crimes financeiros e sexuais praticados pelo clero e que agravam a dificuldade de inculcar nas novas gerações as falsidades contidas na Bíblia e as mentiras da catequese. Se esse livro falacioso fosse a “palavra de Deus” como se apregoa maliciosa e cinicamente, então Deus seria um baita enganador à imagem e semelhança dos autores que redigiram o texto bíblico a partir de 398 a.C. A igreja não consegue ocultar o propósito de iludir e dominar as massas, de manter a riqueza e o poder. Traça, então, nova estratégia para não perder adeptos e conquistar novas cabeças e aumentar o rebanho e o tesouro. Essa estratégia inclui: (i) trocar um papa de aparência nazista por um papa de aparência franciscana; (ii) adotar discurso em favor dos pobres; (iii) seduzir os jovens (a igreja dispõe de peritos e cantores).      
Nações se alarmam com a espionagem dos EUA denunciada por indivíduo que prestava serviço no setor de segurança nacional (julho, 2013). A presidente Dilma pede explicações ao governo estadunidense. Aos seus auxiliares, ela solicita estudos visando a reduzir os riscos de invasão à privacidade dos usuários públicos e particulares da rede de computadores no Brasil. Ouviram-se veementes protestos no Congresso Nacional. O teatral esbravejar dos parlamentares brasileiros é manifestação de hipocrisia. Eles fizeram pior do que o governo estadunidense: permitiram que pessoa jurídica (integrada por brasileiros e estrangeiros) fosse proprietária de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; permitiram entrada de capital estrangeiro nessas empresas. Parcela da população sem juízo crítico, segue o padrão transmitido por rádio, televisão e rede de computadores, arquitetado por estrangeiros donos dos meios de comunicação. A fim de salvaguardar a soberania, os valores e a cultura da nação brasileira, as constituições republicanas proibiam aos estrangeiros a propriedade dessas empresas e a participação de pessoa jurídica no capital social. Moedas romperam essa tradição em 2002 (EC 36 + lei 10.610). Daí, a colonização cultural; daí, o filtro do noticiário sempre favorável ao governo dos EUA e de Israel e desfavorável aos seus adversários ou inimigos; daí, a exibição maciça de filmes enaltecendo esses governos e lembrando o holocausto dos judeus para eternizar a falsa imagem de únicas vítimas e justificar o genocídio que praticam contra os palestinos; daí, entrevistas, reportagens e documentários tendenciosos; daí, a alusão pejorativa aos governos que não gozam da simpatia dos EUA e Israel (Bolívia, Coréia do Norte, Cuba, Irã, Venezuela); daí, a falta de isenção e de honestidade nas transmissões, a deturpação na linguagem de comentaristas e apresentadores (quem era tratado de “presidente” quando satisfazia interesses dos EUA e de Israel, passa a ser tratado de “ditador” quando não mais os satisfaz; defensor dos interesses contrários aos dos EUA e de Israel é “terrorista”, e assim por diante).
O legislador constituinte dotou o Poder Judiciário de autonomia administrativa e financeira, estruturou-o com tribunais e juízes federais, estaduais, eleitorais, trabalhistas e militares e manteve as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos subsídios dos magistrados. Aos juízes e tribunais compete o controle da constitucionalidade e da legalidade dos atos do poder público, conhecer e solucionar controvérsias à luz do direito. Aos tribunais cabe administrar a sua economia interna e tomar a iniciativa das leis nos casos especificados na Constituição. O supremo tribunal pode elaborar súmula de efeito vinculante sobre matéria objeto de reiteradas decisões. Na hipótese de violação grave dos direitos humanos, a competência da Justiça Estadual poderá ser deslocada para a Justiça Federal a pedido do Procurador-Geral da República. Aos juizados especiais compete processar causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. Mediante emenda à Constituição, o legislador ordinário instituiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), antes rejeitado pelo legislador constituinte. Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais e a fiscalização da conduta funcional dos magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Cogita-se a extinção do privilégio de foro. A Constituição exige: (1) do Poder Judiciário: julgamentos públicos, decisões fundamentadas, atividade ininterrupta, imediata distribuição dos processos, número de juízes proporcional à demanda e à população da unidade jurisdicional; (2) do juiz: produtividade, aperfeiçoamento, residência na comarca, abstenção política partidária, dedicação exclusiva à função judicante, quarentena antes de retornar à advocacia junto ao juízo ou tribunal do qual se afastou.
Em 24 anos de vigência (1988 a 2012) a Constituição recebeu 77 emendas (6 de revisão e 71 de reforma). Idéias e pretensões vencidas na assembléia constituinte foram posteriormente incorporadas ao ordenamento jurídico quando os seus defensores ocuparam o Legislativo e o Executivo. Amoldaram a Constituição ao neoliberalismo. As emendas alteraram: (I) os sistemas previdenciário, tributário, financeiro, do ensino e da administração pública; (II) as regras atinentes aos juros, medidas provisórias, contribuições de intervenção no domínio econômico, reunião do Congresso Nacional e contratação de agentes comunitários de saúde e combate às endemias; autorizaram: (I) instauração de ação penal contra parlamentar sem prévia licença da Casa; (II) reeleição do chefe de governo; (III) participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (IV) admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros nas universidades; criaram: (I) o Ministério da Defesa; (II) o Plano Nacional de Cultura; (III) juizados especiais na Justiça Federal; reformaram o Poder Judiciário; favoreceram as pequenas empresas, concederam autonomia às instituições de pesquisa científica, estabeleceram limites às despesas de câmara municipal, criaram contribuição para custeio do serviço municipal de iluminação, elevaram o quantitativo de recursos a ser entregue pela União ao Fundo de Participação dos Municípios, desvincularam as candidaturas e outorgaram aos partidos liberdade de escolha das coligações, garantiram o registro nos consulados de brasileiros nascidos no exterior. Inúmeras emendas regulam a si próprias quando tal regulamentação é matéria de lei complementar e exige participação do presidente da república (sanção, promulgação, publicação). Ao subtraírem da sanção presidencial os preceitos reguladores, os parlamentares abusaram do seu poder e desvirtuaram o processo de emenda.