sábado, 27 de fevereiro de 2021

FUTEBOL

Neste fevereiro de 2021 chegou ao fim o campeonato brasileiro de futebol masculino de 2020. O Flamengo FR sagrou-se campeão embora perdendo a última partida para o São Paulo FC.  Ao empatar com o Corinthians em jogo sem gols válidos, o Internacional de Porto Alegre perdeu a chance de ser campeão; ficou um ponto atrás do clube carioca. Isto provocou comentários desairosos sobre a arbitragem. O VAR prejudicou intencionalmente o clube gaúcho e beneficiou o clube carioca? Não, por impossibilidade lógica e psicológica. Faltam à máquina, vontade, raciocínio e senso do dever. Logo, não está sujeita a julgamento ético por seu bom ou mau funcionamento. Impróprio atribuir-lhe culpa ou inocência. Caso a máquina apresente defeito, a oficina será o seu destino. O que nela foi registrado deve ser examinado com cautela e honestidade. Quem examina e interpreta o conteúdo do registro é o ser humano sujeito a erros e fraquezas. O operador do VAR pode estar de boa-fé ou de má-fé. O árbitro da peleja deve aceitar ou rejeitar o aviso e a interpretação do operador. O aviso resulta de detalhe que o árbitro não percebeu. A interpretação está sujeita a chuvas e trovoadas. O congelamento da imagem pode enganar o analista. O jogo é dinâmico. A imagem congelada não revela essa dinâmica. O que parece uma dolosa agressão pode, na verdade, ser apenas uma jogada ríspida, involuntária, sem a gravidade ou o abuso que autoriza a expulsão do jogador. 

Antigamente, esse esporte foi mais brutal. Dizia-se que futebol era para "homem", cabra macho. O esporte evoluiu como arte nos últimos 70 anos, embora alguma violência sobreviva pontualmente. Assim, por exemplo, há 40 anos, aproximadamente, o treinador do Flamengo promoveu a substituição de um jogador e instruiu ao que entrava em campo (salvo engano, chamava-se Almir) para agredir um jogador adversário que vinha batendo forte nos atletas flamenguistas. A missão foi cumprida com êxito. Na Copa de 1962, no Chile, durante uma partida, os jogadores brasileiros combinaram acertar um adversário violento. A prática do futebol ficou mais civilizada ao ser estendida às mulheres. O futebol feminino ganhou prestígio internacional. A brasileira Marta, por 6 diferentes anos, foi eleita a maior jogadora de futebol feminino do mundo. A arbitragem também evoluiu. Todavia, a desconfiança sobre a honestidade permanece. O árbitro tem sido a "Geni" do jogo. Nem todos os lances faltosos são percebidos pelo árbitro principal e pelos árbitros auxiliares. Daí, o valioso auxílio do VAR. Esse instrumento ajuda a corrigir erros da arbitragem em tempo real. Havendo divergência, prevalece a opinião do árbitro sobre a opinião do operador.  

No âmbito desse esporte, os aficionados exigem do árbitro o impossível: a perfeição! Arbitragem perfeita não é coisa deste mundo. O erro da arbitragem é tolerável quando involuntário, pois resulta da imperfeição do ser humano. O erro da arbitragem é intolerável quando voluntário, pois resulta da desonestidade; beneficia uma equipe e prejudica a outra. A arbitragem evoluiu para melhor, inclusive com o uso de cartões (o gesto substituiu a palavra), com a atuação de árbitros auxiliares, com dispositivos eletrônicos de comunicação, vigilância e controle. Outrora, pontificavam Vianna e Marques como exemplos de bons árbitros. Hoje, o número de bons árbitros aumentou, alguns excelentes. Os erros voluntários e involuntários diminuíram. 

Às vezes, os erros são gerados pela equivocada compreensão e aplicação das regras do futebol. As dificuldades sobre se na jogada houve mão na bola ou bola na mão, por exemplo, parecem superadas. A Comissão de Arbitragem é muito importante para, sem espírito punitivo, esclarecer e resolver as contradições na compreensão e aplicação das regras. A regra do impedimento devia ser extinta ou reformada, pois, frequentemente, enseja malícia e injustiça. O modo rigoroso e minucioso pelo qual essa regra vem sendo interpretada e aplicada é incompatível com o espírito esportivo; beneficia o sistema defensivo em detrimento do sistema ofensivo. A única posição punível devia ser a "banheira". A jogada devia ser invalidada só quando o atacante ficasse aguardando o passe do companheiro a uma distância de dois corpos do último defensor. Esse tipo de atitude estática é incompatível com a dinâmica do jogo e com o princípio da lealdade. Fora dessa hipótese, a movimentação do atacante seria válida por conexão com o sistema ofensivo. Desse modo, seriam evitados episódios prejudiciais às equipes, ao espetáculo e à dignidade do esporte.  

Cabe ao sistema defensivo ficar atento para impedir a vantagem do atacante. Se os defensores, intencionalmente, movem-se e deixam o atacante na banheira, devem arcar com as consequências. Nesse caso, o atacante não deve ser prejudicado pela malícia do defensor. Afigura-se ridículo e de extremo mau gosto invalidar jogada - às vezes bela jogada - por causa da diferença de uma unha, de um pé, de uma perna, de um ombro ou de 10 centímetros num retângulo de 110m x 75m.  O futebol é arte esportiva e não ciência exata; esporte e não concurso de matemática; espetáculo para o público e não palco para árbitro e para operador do VAR exibirem acuidade ótica. Nessa arte, há valor estético acima desse casuísmo minucioso e ridículo. 


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

INVEJA MORTAL

A inveja e a mesquinhez de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e de seus comparsas aliadas ao inconformismo com a derrota sofrida nas urnas, azeitaram a máquina do golpe (2016). Para eles, era urgente e necessário: (i) colocar Luiz Inácio Lula da Silva fora da disputa eleitoral, se possível, na cadeia ou na sepultura (ii) desmoralizar e rebaixar o petista para a estrela de FHC voltar a brilhar. Falso brilho de uma biografia falseada, pintada com as cores da vaidade do biografado. 

Chefiada por um juiz tucano, filho de tucano do Norte do Paraná, a operação lava jato tinha por objetivo colocar um tucano na presidência da república. Para tanto, precisava tirar o líder petista do caminho. Isto foi conseguido mediante fraude processual e auxílio da média trevosa. Entretanto, aconteceu o inesperado: o candidato tucano (Alckmin) não passou ao segundo turno e sim o da extrema direita (2018). Apoiado por civis e militares, nacionais e estrangeiros, o nazifascista venceu a eleição e até hoje governa a república para desgraça do povo brasileiro.

Por palavras e gestos, FHC mostrava contentamento com os rumos da operação lava jato, a condenação e a prisão do petista. Atribuía legitimidade ao processo criminal fraudulento. Isto satisfazia o seu ego. Ele se exibe como membro da nobreza. Recebeu dos seus cupinchas o título de “Príncipe dos Sociólogos Brasileiros”. Deram-lhe o principado porque o reinado cabia merecidamente a Florestan Fernandes e a Gilberto Freyre. Preconceituoso e elitista, FHC é a personificação da vaidade. Jamais aceitou: (i) que um operário sem curso universitário superasse um professor universitário na administração do estado brasileiro (ii) que esse operário o suplantasse no concerto das nações como um estadista de primeira grandeza (iii) que o governo desse petista nordestino pobretão fosse não apenas superior ao governo tucano, mas, também, o melhor governo da história republicana do Brasil. 

Os oficiais superiores das forças armadas também se consideram integrantes da nobreza, elite militar republicana que tutela a nação e se coloca acima do poder civil. O sistema de justiça brasileiro (polícia + ministério público + magistratura) foi pressionado pela cúpula do exército para que o líder do Partido dos Trabalhadores fosse processado, condenado e mantido na prisão. Os generais apostaram na covardia dos juízes. Tiveram êxito. Bastou breve mensagem do general comandante no tuíte para os ministros da suprema corte denegarem o pedido de habeas corpus formulado pelo líder petista (2018). O objetivo era manter o petista sem direitos políticos e, assim, aplainar o caminho da presidência da república para um político da direita. Marinha, Exército e Aeronáutica são forças da direita moderada e da direita extremada. A ala fascista mostrou sua cara na ditadura civil (1930), na ditadura militar (1960) e no autoritarismo oligárquico (2016-2021). Parcela dessas forças dá sustentação ao delinquente genocida que ocupa a presidência da república. Esses militares embriagam-se com as mordomias e as verbas adicionais ao soldo. 

Os ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) explicam-se social e politicamente. O comportamento político partidário dos ministros em várias ocasiões provoca repulsa. Como o povo vai entender correto: (i) proteger organização criminosa como a operação lava jato de Curitiba? (ii) aceitar tacitamente o nexo fiduciário que os delinquentes declaram existir com os ministros do STF? (iii) ministro do STF dar instruções ao chefe dos procuradores daquela operação? (iv) tolerar as arbitrariedades e os abusos praticados no curso da citada operação como se fossem meros “excessos” e não crimes tipificados na lei penal? (v) validar processos criminais viciados pela parcialidade dos juízes e por incompetência de foro, sob o cínico argumento de que a anulação seria uma vergonha nacional? (vi) condenar réu com base na literatura jurídica para suprir a ausência ou insuficiência de prova idônea? (vii) protelar julgamento de habeas corpus só porque o impetrante é petista? (viii) invadir competência privativa do presidente da república para nomear auxiliares? (ix) dar à norma constitucional interpretação oposta à letra? [A norma diz: “vedada a recondução" e os ministros dizem: "permitida a recondução"].

Essas e outras questões geram protestos de cidadãos brasileiros que esperam dos juízes e tribunais imparcialidade, impessoalidade, decência, julgamentos justos sintonizados com a razão, com a moral, com o direito e com a ética judiciária. Criticar a conduta e o trabalho dos parlamentares e dos  magistrados, sugerir substituições e exonerações, constituem direito dos cidadãos ao exercício da liberdade de expressão. O abuso desse direito traz consequêcias políticas e jurídicas. Invadir ou pleitear o fechamento do Congresso Nacional e/ou do STF é querer mudar a organização constitucional dos poderes da república. No caso do Congresso, fere-se a democracia, como se viu no recente episódio do Capitólio nos EUA. No caso do STF, fere-se a aristocracia judiciária; retira-se o poder jurisdicional dos juízes. As constituições brasileiras (cartas) de 1937 e 1967 eram estruturas normativas do estado autocrático. Na vigência dessas ordens, o STF funcionou regularmente por pertencer à estrutura estatal. Com maior ou menor amplitude jurisdicional, o STF funciona tanto na democracia como na autocracia. A paz pública exige de todos os cidadãos obediência ao direito posto. O ilícito político, administrativo, civil, ou penal, enseja a intervenção do estado e aplicação do seu poder de punir.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

DESASTRE

As opiniões do ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso (FHC) e de Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) convergem: destituir o atual presidente da república será um desastre. A opinião da maior parcela da população brasileira é outra: destituir o atual presidente da república será um benefício à nação que se livrará de um delinquente genocida. Desastroso e vergonhoso para o povo brasileiro é ter na presidência do STF ministro da têmpera de Fux, protetor da delinquência oficial. Os delinquentes da escandalosa e criminosa operação lava jato de Curitiba declararam estar respaldados no Judiciário e contar com o apoio de ministros do STF (Barroso, Fachin, Fux). Tal parcialidade e politicagem envergonha a magistratura federal e desmoraliza a justiça brasileira. 

FHC usa a média trevosa para defender a manutenção de Jair no governo. Argumenta contra o impeachment. Ao regressar do exílio dourado vivido na França, pátria do seu coração, apresentou-se como se fosse da esquerda combatente da ditadura militar. Na verdade, ele era de direita. O general Figueiredo, então chefe do SNI, com a sua habitual franqueza, referindo-se a FHC, disse aos seus colegas de farda: “ele é um dos nossos”. Em outras palavras, FHC era a versão nova do “Cabo Anselmo” infiltrado na esquerda brasileira. Caminho franqueado, aposentado antes dos 40 anos de idade, FHC, sem votos suficientes, obteve a suplência do senador Franco Montoro (1978), assumiu a titularidade (1983), foi eleito senador (1986), nomeado ministro do governo Itamar Franco (1993), eleito e reeleito presidente da república (1994 + 1998). Nata dos corruptos no exercício da presidência, FHC foi publicamente chamado de canalha por um general de exército (posto mais elevado da carreira militar). Agora, impune, sem disfarce e sem máscara, ele fala e escreve como autêntico líder da direita simpático ao líder da extrema direita. 

Nessa desviante posição política encaixa-se também o ministro Fux. Como se fosse um superministro, arvorou-se revisor das decisões dos outros ministros togados. Autoritário, desrespeitou a liturgia do cargo e a posição institucional dos integrantes do STF. Feriu a ética judiciária. Atua como ministro da confiança dos membros da operação lava jato. Defende a manutenção de um delinquente na presidência da república. Assim procedendo, esse ministro faz tabula rasa dos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade declarados na Constituição da República. A administração pública está jungida a esses princípios. 

A desastrosa e criminosa administração do atual presidente da república rebaixou o Brasil na economia mundial e no conceito internacional. Lacaio do governo estadunidense, mostra-se hostil a nações amigas. Resiste em implantar medidas necessárias ao combate da pandemia, insensível às milhares de mortes e aos milhões de infectados. Patrocina medicamento ineficaz à cura da doença causada pelo coronavírus. Defende o contágio de rebanho como solução da crise sanitária: depois da infecção de todos, naturalmente todos estarão imunizados, sem necessidade de vacina. Para ele, a morte de alguns é inevitável fatalidade da natureza; a economia nacional em frangalhos, inflação, desemprego, pobreza e miséria aumentando, tudo decorre da crise mundial. Tudo passará. Por enquanto, o povo deve suportar o sacrifício. O estado é liberal; logo, o bem-estar cabe aos donos da riqueza nacional; ao povo, cabem as migalhas. Despudoramente, esse presidente interfere no Congresso Nacional mediante compra de votos dos parlamentares para: (i) eleger os presidentes do Senado e da Câmara (ii) assegurar aprovação dos projetos do seu interesse (iii) frustrar o impeachment.   

Dos diálogos travados entre os personagens da curitibana operação lava jato verifica-se a presença de um dos proprietários das organizações Globo de rádio e televisão na conspiração contra o governo Rousseff da qual resultou o golpe de estado de 2016 e contra a candidatura do líder do Partido dos Trabalhadores à presidência da república da qual resutou a sua prisão. [Conspiração de fato e não “teoria”, com a participação de brasileiros e estrangeiros, metas e estratégias bem definidas]. A fronteira ética e jurídica do jornalismo foi violada. A responsabilidade criminal do empresário e dos jornalistas (mulheres e homens) que o seguiram na empreitada criminosa deve ser apurada na forma da lei. Liberdade de imprensa não se confunde com licença para delinquir, assim como, liberdade democrática não se confunde com licença para destruir a democracia. Todos são iguais perante a lei: ricos, remediados, pobres e miseráveis. Perante a autoridade judiciária competente e no devido processo jurídico, cada um deve responder pelos atos ilícitos que praticou. Ao acoitarem delinquentes de toga ou sem toga, os juízes fazem do tribunal um valhacouto, exibem a mais nefanda parcialidade, descem ao mais baixo nível moral. A república democrática é avessa ao privilégio.       

Oportuna a iniciativa do Partido dos Trabalhadores de colocar o bloco na rua. O momento exige ação para impedir a permanência do nazifascismo no governo e a sua expansão no território nacional. As eleições de 2022 estão incluídas nesse propósito. Fragmentada no primeiro turno, a esquerda entrará unida no segundo. A direita talvez entre unida nos dois turnos. A participação de Jair é incerta. Antes das eleições, ele poderá ser destituído do cargo e perder seus direitos políticos. Contudo, se ele ainda estiver na presidência e se candidatar não passará ao segundo turno, pois não terá nem 1/3 (um terço) dos votos que recebeu em 2018.  O bloco da direita vencerá o pleito com Ciro Gomes na cabeça. A probabilidade de vitória será menor se Doria, ACM Neto, ou Mourão, encabeçar a chapa. A esquerda terá chance de vitória com Luiz Inácio na cabeça. A probabilidade de vitória será menor se Haddad, Boulos, ou Requião, encabeçar a chapa. O cenário político de 2022 está em formação. As brumas ainda não se dissiparam.   



sábado, 6 de fevereiro de 2021

IMPARCIALIDADE PARCIAL

O acesso aos diálogos relativos à operação lava-jato de Curitiba/PR, travados entre agentes do ministério público federal e juiz federal, foi liberado à defesa de Luiz Inácio Lula da Silva por determinação do ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa decisão monocrática, que deu eficácia à constitucional garantia do devido processo jurídico (ampla defesa) e ao republicano princípio da publicidade, será submetida ao crivo do colegiado (turma ou plenário). Levantado o véu do sigilo, os questionamentos sobre o dever de imparcialidade receberam novo impulso. Ficou evidenciado o conluio entre o órgão acusador e o órgão julgador, o que torna írritos os processos das ações penais em que eles funcionaram. Em oportuno e bem fundamentado artigo publicado na rede de computadores (sitio Brasil 247, edição de 02/02/2021) o professor gaúcho Lenio Luiz Streck, pós-doutor em direito, tratou desse tema. Referiu-se ao “golpe antijurídico” e à “tese alternativa” que se pretende aplicar na solução do caso MP x Lula: (i) reconhece-se a parcialidade do juiz (ii) anula-se o processo (iii) os direitos políticos do réu permanecem cassados. O professor lembra que Moro funcionou na instrução do processo do sítio de Atibaia/SP e que Hardt, juíza que o substituiu, copiou sentença por ele prolatada no caso do triplex de Guarujá/SP. 

A mencionada tese, se aceita, impedirá o réu de participar das eleições de 2022. Enquanto não defendida oficialmente, a tese fica no limbo e no rumor. Luiz Inácio recuperará seus direitos políticos se as sentenças penais condenatórias forem reformadas ou se os respectivos processos forem anulados (triplex Guarujá + sítio Atibaia). A sua defesa técnica busca esses resultados junto ao STF. Nos diversos graus de jurisdição (vara, tribunal regional, superior tribunal de justiça) a defesa não logrou êxito. Para vergonha da magistratura federal, essas jurisdições foram contaminadas pelo jogo político partidário, pelo sentimento antipetista e pelo preconceito contra o nordestino metalúrgico pobretão que trocou o macacão pelo terno, recebeu e honrou a faixa presidencial. O nobre não tolera e nem perdoa a ousadia do plebeu. A estratificação social europeia do século XVII (1601-1700) sobrevive no espírito burguês do século XXI (2001-2100).   

Julgar é operação mental que reúne ideias mediante cópula afirmativa ou negativa; a sua expressão verbal é a proposição. O objeto dessa operação pode ser teorias, crenças, pessoas, coisas, instituições. A proposição formulada pode ser verdadeira, justa, sagrada  ou contrária a tudo isto. Exemplos: o capital e o trabalho são essenciais ao desenvolvimento de uma nação; os políticos são corruptos; o réu é inocente; a alma é força vital; os homens não são anjos; os estados não são pacíficos; a Terra não é plana; o Papa não é genocida. Para enganar, o indivíduo diz: “este anel é de diamante” quando, na verdade, o anel é de vidro. 

Verdade e falsidade ocorrem na formulação de juízos (proposições) e raciocínios (argumentos), seja na ciência, seja na filosofia, na religião, no misticismo, tanto na lógica científica como na lógica vulgar. O erro é humano. O acerto é casual. A verdade é intuitiva. Referidos a essa operação mental (juízo) encontram-se aforismos de cunho ético e religioso tais como: com a mesma medida que medires sereis medidos; não julgueis para não serdes julgados; advertências endereçadas à mulher e ao homem para que não utilizem essa operação de modo leviano, irresponsável, desonesto, injusto. À mulher e ao homem no exercício da magistratura impõe-se o dever funcional de honrar a toga, formular juízos verdadeiros, justos, fiéis aos fatos e ao direito, alicerçados em prova idônea suficiente, lançados no bojo do processo em sintonia com a ética judiciária. A esse dever do magistrado corresponde o direito do cidadão a um julgamento justo. 

Parcial é o que faz parte de um todo; visão, exame, tratamento, estudo, atinentes às partes de algo maior. Parcialidade significa a qualidade do que é parcial. A humana inteligência pode ser aplicada (i) ao todo, como o cosmos (ii) à parte, como a estrela. O juízo pode ser (i) universal, quando referido ao todo (ii) particular, quando referido à parte. No que concerne ao processo judicial, o juízo emitido pelo magistrado (decisão interlocutória e sentença) qualifica-se de parcial quando tendencioso, faccioso, determinado a favorecer uma das partes em detrimento da outra. Sob o prisma da objetividade, o juiz pode examinar o caso por distintos ângulos e de modo legítimo, amparado na prova, na lei, na jurisprudência e na doutrina, acolher só uma parcela do que foi pleiteado e julgar improcedente o restante. Nessa hipótese, o juiz exara um juízo parcial sem descumprir o seu dever de imparcialidade.

Imparcialidade significa negação da parcialidade. Trata-se de conceito inerente à ideia de igualdade e ao ideal de justiça. Supõe tratamento isonômico concedido aos suplicantes por deus ou por humanos (juiz, árbitro, conciliador, mediador, guru, sacerdote) na solução de conflitos individuais ou coletivos. Além da imparcialidade (igual tratamento às partes, impessoalidade, celeridade, eficiência) os deveres dos magistrados são: (i) manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (ii) residir na comarca (iii) comparecer pontualmente à hora marcada para o início da audiência ou da sessão e não se ausentar antes do seu término (iv) tratar com urbanidade as partes, as testemunhas, os operadores do direito, os funcionários subalternos (v) exercer assídua fiscalização sobre os subordinados especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos (vi) zelar para que os atos processuais se realizem no prazo legal (vii) despachar e sentenciar dentro do prazo legal (viii) cumprir e fazer cumprir com independência, serenidade e exatidão as disposições legais e os atos de ofício. 

[Declaração Universal dos Direitos do Homem: Artigo X. Constituição da República Federativa do Brasil: Art. 5º, caput, LIV, LV, LX, LXXVIII + 37 + 93, IX. Código de Processo Penal: Art. 251-256. Código de Processo Civil: Art.139, I. Lei Complementar 35/79: Art.35. Código de Ética da Magistratura - Resolução CNJ/2008].       


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

300

Esse número, aplicado à Câmara dos Deputados, simboliza o que de pior há nesse órgão político representante do povo. Sobre disputar eleição para o Congresso Nacional, uma vez exaurido o seu mandato como deputado constituinte, Luiz Inácio Lula da Silva manifestou desapontamento afirmando que lá atuavam cerca de “300 picaretas” (1988). Na presidência da república, Fernando Henrique Cardoso comprou os votos dos “300 picaretas” à 200 mil reais per capita, a fim de obter Emenda à Constituição instituindo reeleição que o beneficiaria. A Emenda foi aprovada no Congresso Nacional e ele foi reeleito (1998). Denise Frossard, juíza de direito estadual aposentada/RJ, quando deputada federal a quem, como seu antigo professor de direito constitucional, prestei assistência jurídica durante o seu mandato, dizia ser preciso tapar o nariz para entrar na Câmara dos Deputados, sugerindo que se tratava de uma pocilga ou fossa sanitária (2003-2006). Jair Messias Bolsonaro, a fim de se manter no cargo de presidente da república e evitar o processo de impeachment, comprou, por bilhões de reais, os votos dos “300 picaretas” que elegeram seus cupinchas para as presidências da Câmara e do Senado (2021). Eufórico, Jair gargalha. Ri muito. Mostra gostar de (i) fazer palhaçadas para alegrar os seus correligionários e ironizar quem não lhe tem apreço (ii) usar linguagem rasteira, gestos vulgares, mentir, desmentir e confundir o público (iii) gerar notícias falsas (iv) ofender jornalistas e adversários (v) menosprezar a ciência (vi) exibir alicerces na igreja protestante. Confiando no seu eleitorado de 2018, ele debocha dos 90 milhões de eleitores que nele não votaram. A estes, quiçá, o destino tenha reservado a oportunidade de rir por último. 

O referido pagamento noticiado pelos meios de comunicação social e a citada eleição talvez assegurem aprovação dos projetos da presidência da república no Congresso Nacional, mas não asseguram a impunidade do presidente pelos crimes praticados. Isto porque (i) há dezenas de petições pleiteando a destituição do presidente da república, todas aguardando despacho (ii) os presidentes da Câmara e do Senado têm o dever jurídico de despachar as referidas petições sob pena de serem processados criminalmente por prevaricação (iii) o direito de petição é garantia constitucional de todos os cidadãos conforme letra a, do inciso XXXIV, do artigo 5º, da Constituição da República (iv) a essa garantia corresponde o dever jurídico das autoridades estatais de examinar, deferir ou indeferir as petições que lhes são apresentadas (v) o descumprimento desse dever equivale a retirar a eficácia da garantia constitucional no caso concreto, o que tipifica ilícito gravíssimo. 

O dever comum e geral de despachar não se confunde com prerrogativa, direito especial e exclusivo, como explicado alhures. Despachar petição inaugural de processo jurídico (parlamentar, administrativo, judicial) por autoridade estatal competente significa deferir ou indeferir o seu processamento. Cuida-se do juízo de admissibilidade positivo ou negativo. Desse despacho cabe recurso ordinário para a instancia superior (plenário da Câmara, no caso da autorização para instaurar o processo de impeachment). Por aplicação da lei processual subsidiária à lei material e ao regimento interno, o presidente tem o prazo de 10 dias para despachar (Código de Processo Penal: 800, I). Esse prazo já se esgotou há muito tempo. Caso o novo presidente da Casa não despache as petições imediatamente, o ministério público, ou cidadão brasileiro, poderá interpela-lo judicialmente para que cumpra o seu dever no prazo que for fixado no mandado expedido por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Desatendida a notificação judicial, os interpelantes poderão propor ação penal contra o interpelado recalcitrante. 

Apesar do alinhamento dos novos presidentes da Câmara e do Senado com a política do presidente da república, os procedimentos para o impeachment podem e devem ser iniciados em obediência à Constituição e às leis. A opinião pública tem se mostrado favorável ao impeachment. Esse apoio vem dos setores civil, militar e religioso da nação brasileira. Talvez, entre os picaretas do Congresso Nacional, haja alguns sintonizados com essa pública opinião. Os votos dessa parcela divergente somar-se-ão aos votos dos “200” parlamentares corretos. 

Além disto, perante o STF, no que concerne aos crimes comuns, poderá ser apurada a responsabilidade criminal do presidente da república e dos presidentes da Câmara e do Senado mediante ação penal pública de iniciativa do ministério público. Na hipótese de inércia do ministério público, a ação penal poderá ser proposta por cidadão brasileiro consoante dispõe o inciso LIX, do artigo 5º, da Constituição da República. Certamente, a ação cidadã subsidiária estará isenta do pagamento de taxa e custas judiciárias tendo em vista a sua relevante finalidade: persecutio criminis de indiscutível interesse público e que, no caso do impeachment ora cogitado, afeta a segurança nacional.