domingo, 28 de abril de 2019

STJ APEQUENADO

O superior tribunal de justiça (STJ), por sua 5ª turma, em sessão do dia 23/04/2019, modificou parcialmente a sentença condenatória de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, para reduzir a pena tão somente. O recurso especial fora decidido por um só ministro. A defesa recorreu dessa monocrática decisão a fim de submeter a matéria ao colegiado (no caso, uma turma de cinco ministros). No julgamento desse tipo de recurso (agravo) há um padrão: os julgadores negam provimento ao recurso a fim de prestigiar o voto do colega relator (agravado). O nortista Ribeiro Dantas, antigo relator dos casos da operação “lava jato”, foi substituído pelo sulista Felix Fisher, oriundo da República de Curitiba onde começou a infame perseguição judicial contra o ex-presidente do Brasil. O nome do novo relator denota descendência alemã, como milhares de pessoas no Sul do Brasil, onde pululam herdeiros do fascismo italiano e do nazismo alemão. Durante a sessão, esse relator tinha gestos de nervosa impaciência, tamborilava os dedos na bancada, passava a mão na cabeça, exibia pança enorme (talvez efeito da paixão teutônica por cerveja). Notava-se tensão na sala. Aparência vampiresca dos juízes. Parecia um funeral. Iniciavam seus votos se desculpando, elogiando o voto do relator e exaltando as virtudes do tribunal. Os ministros votaram redondinho acompanhando o voto do relator. Decisão unânime. Para reduzir a vergonha do julgamento, reduziram a pena do condenado. Trouxeram extensos votos por escrito. A leitura era desnecessária, pois estavam todos de acordo. Bastava a rápida, objetiva e usual expressão: “acompanho o relator”. Todavia, emissora privada de televisão transmitia a sessão para todo o Brasil. Portanto, a descarga precisava ser acionada. A TV Justiça não transmitiu a sessão. Talvez, o presidente do STJ tenha concedido exclusividade à Globo News. 

O Direito Profanado.

Em termos constitucionais, legais e doutrinários, os recursos aos tribunais devem ser julgados pelo colegiado, Trata-se de garantia fundamental de todo jurisdicionado. O pleito é processado e julgado por um juiz em primeira instância (sentença monocrática). Na fase recursal (tribunal de justiça + tribunal superior + corte suprema) a matéria deve ser examinada por um colegiado constituído de três ou mais juízes, em conjunto (câmara, turma, plenário). Decisão monocrática a partir do segundo grau, inclusive, tipifica anomalia criada pelos tribunais que priva o jurisdicionado de ver o seu caso analisado por um grupo de juízes. O volume de processos e a exigência de celeridade são justificativas que não podem ser opostas à garantia constitucional do devido processo jurídico. A redução da pena não reduz o tamanho da fraude processual já constatada e criticada por juristas de escol, escritores e jornalistas brasileiros e estrangeiros. Como o diabo foge da cruz, assim os ministros fugiram das judiciosas razões apresentadas pela defesa. Os ministros serviram-se de argumentos capciosos e burlescos. Com espírito de corporação, eles prestigiaram as instâncias inferiores e se agarraram com unhas e dentes a julgamentos do supremo tribunal federal (STF) para afastar as alegações da defesa. Agarraram-se ao regimento interno do tribunal para impedir a sustentação oral pela defesa. Os advogados já tinham sido impedidos, pelo relator, de exercer esse direito quando ele, sozinho no seu gabinete, julgou o recurso especial.
São direitos fundamentais garantidos pela Constituição: o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Em se tratando de recurso especial, o recorrente tem o inequívoco direito à sustentação oral. A norma regimental não pode se sobrepor à norma constitucional. A televisão levaria a palavra da defesa para todo o Brasil, o que, ao tribunal, pareceu inconveniente. Os ministros se agarraram à súmula 7 do STJ para escapar da questão probatória. Na verdade, não se tratava de simples reexame da prova (como consta do enunciado da súmula) e sim de tópicos essenciais sobre a prova na instrução processual, tais como: (i) ausência, ou seja, inexistência de prova do alegado em juízo (ii) obstrução, ou seja, negar às partes a produção de prova tempestivamente requerida (iii) falta de idoneidade, ou seja, informação, depoimento, documento, desprovidos de autenticidade, veracidade e boa-fé. Esses tópicos são passíveis de exame legítimo na fase recursal em todos os graus de jurisdição. Todavia, a súmula tem sido utilizada para manobras cerebrinas. Nenhuma pretensão acusatória deve ser acolhida se não estiver cabalmente provada. A produção de prova é garantia fundamental dos litigantes sem a qual a sentença não pode ser prolatada, mas, se prolatada, deve ser anulada. A prova produzida há de ser idônea: a informação deve ser de fonte fidedigna, o depoimento deve ser prestado por pessoa honesta e confiável, o documento deve ser autêntico e verdadeiro. 
A competência legal do juízo e do tribunal para conhecer e julgar a ação é de suma relevância. A incompetência do juízo e do tribunal gera nulidade. No caso em tela, a competência era do juiz e do tribunal federal da circunscrição de São Paulo. O juiz federal do Paraná chamou para si a competência alegando conexão com os casos da Petrobras. Tal conexão não existe. Logo, a atuação do juiz de Curitiba foi ilegal. A sentença por ele prolatada é nula de pleno direito. Entretanto, para não anular o processo (do que resultaria a liberdade imediata do réu) a turma julgadora deu um jeitinho bem brasileiro: endossou as maliciosas opiniões do juiz de Curitiba e do tribunal de Porto Alegre. Diante dos costumes brasileiros, não se há de descartar possíveis pressões de procuradores, magistrados e outros, sobre o tribunal. A imparcialidade do juiz é essencial ao processo e uma garantia para o jurisdicionado. A parcialidade do juiz curitibano era notória. O seu interesse na condenação revelado na sua atuação dentro e fora dos autos do processo evidenciava a sua suspeição. As suas relações com políticos corruptos e com entidades públicas e privadas dos EUA, evidenciavam a sua parcialidade e a sua ambição política. 

Tribunal da Cidadania ou Tribunal Nanico?       

Esse drama judicial do ex-presidente do Brasil lembra o episódio contado no livro “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, sobre uma terra na qual indivíduos bem pequenos amarram um homem bem grande, maior do que todos eles juntos. O STJ ostenta o título de “Tribunal da Cidadania”. O vocábulo cidadania significa a qualificação de alguém como cidadão. Considera-se cidadão a pessoa natural que se encontra sob a proteção de determinado estado diante do qual tem direitos e deveres. O título do STJ, pois, tem sentido figurado; representa um tribunal assegurador da eficácia de direitos civis e políticos. No estado de direito democrático, todo tribunal judiciário tem por fim assegurar direitos dos cidadãos; todo tribunal é da cidadania. No plano dos fatos não é assim, pelo menos no Brasil. O processo judicial do ex-presidente deixa isto evidente. A politicagem dos juízes federais foi percebida na América e na Europa. José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, a quem não se pode negar inteligência, cultura e experiência na vida política, afirmou que o juiz do primeiro grau (Sérgio Moro) é um ativista político disfarçado de juiz. Gilmar Mendes, ministro do STF, a quem não se pode negar inteligência, cultura e experiência na vida política, afirmou que a “lava-jato” é um partido político. Realmente, das operações do tipo “lava-jato” participam delegados, procuradores e magistrados federais. Cuida-se de informal associação no interior do sistema judiciário. O laço mais forte entre os associados é emocional: ódio contra partidos, homens e mulheres, situados à esquerda do espectro político. O combate à corrupção é mero pretexto. A corrupção sempre foi combatida em ações judiciais cujos acusados, via de regra, eram os miúdos A novidade das operações do tipo “lava-jato” é a perseguição aos graúdos, que devia ser legítima, porém sofreu distorções. A informal associação por trás das ditas operações tem por objetivo: (i) impedir que partidos e indivíduos da ala esquerda participem da disputa eleitoral (ii) se participarem, que sejam impedidos de vencer (iii) se vencerem, que sejam impedidos de tomar posse (iv) se tomarem posse, que sejam expulsos dos cargos (royalties para Carlos Lacerda).
Quando vigora a democracia no estado de direito, as autoridades buscam orientar suas ações pelo senso de justiça e de prudência. Ao compor o nome de tribunal, a palavra “justiça” apenas o identifica no organismo estatal (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Superior Tribunal de Justiça) mas, de modo algum, significa que os seus juízes são justos e honestos. A expectativa do povo é a de que todos os juízes sejam justos e honestos, respeitadores da Constituição e das leis, como determinam os preceitos da Moral e do Direito, porém, no plano dos fatos, há exemplos de julgamentos injustos, de juízes desonestos, de violações às normas éticas e jurídicas. A recente, intencional e escandalosa injustiça praticada contra o ex-presidente do Brasil, apresenta as seguintes características: (i) perfil nazifascista dos juízes (ii) ódio ao réu por sua filiação política partidária (iii)  despeito e inveja em virtude do carisma do réu e do seu sucesso como governante apesar de não ter diploma universitário e ser de origem muito pobre (iv) ativismo político da justiça federal. Poucos, no país e no estrangeiro, distinguirão a justiça federal da justiça estadual. Provavelmente, a maioria dirá: a justiça brasileira é parcial, venal, politiqueira, indigna de confiança, violadora do direito nacional e internacional, subalterna ao governo dos EUA e aos detentores do poder econômico.

sábado, 20 de abril de 2019

PÁSCOA

A páscoa é o coroamento da semana santa. De origem hebraica, esse palavra significa passagem, alusão ao êxodo comandado por Moisés, ou seja, a saída do povo hebreu do Egito com destino à “terra prometida”. Com essa palavra, os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus, o Cristo, todos os anos, entre os dias 22 de março e 25 de abril, conforme decisão do Concílio de Niceia (ano 325). Sob ângulo histórico e doutrinário, páscoa também significa passagem do judaísmo ao cristianismo, nascimento da religião cristã, conversão de judeus e pagãos à nova religião.
No domingo de ramos, sétimo dia anterior ao domingo de páscoa, comemora-se a triunfal entrada de Jesus em Jerusalém, como líder popular e profeta carismático.
No sexto dia anterior ao domingo de páscoa, comemora-se a unção de Jesus em Betânia. Naquela ocasião, Judas Iscariotes, tesoureiro da irmandade, apoiado por outros discípulos ali reunidos, admoestou a mulher que untava o mestre com bálsamo de alto preço. Judas e seus apoiadores alegaram desperdício de dinheiro. Jesus defendeu a mulher. Há discrepância entre os evangelhos, porém, o fato de dispor do bálsamo indica que a mulher integrava o grupo como apóstola ou como simples seguidora de Jesus.
No quinto dia anterior ao domingo de páscoa é lembrado o anúncio feito por Jesus de que ele seria traído por um dos apóstolos. Jesus ocultou da assembleia – cuja maioria era ignorante e analfabeta – o trato sobre o episódio da traição que antes fizera com Judas Iscariotes, apóstolo presumivelmente letrado e inteligente. Os dois pretendiam encenar a profecia do Antigo Testamento sobre o sofrimento e a morte do messias.
No quarto dia anterior ao domingo de páscoa é lembrado o pacto entre Judas e os escribas e sacerdotes judeus visando a prisão de Jesus. A fim de convencê-los do local onde Jesus estava e, assim, garantir o sucesso da prisão e desdobramentos, Judas aceitou as 30 moedas oferecidas como recompensa. Depois, jogou-as fora.   
No terceiro dia anterior ao domingo de páscoa (quinta-feira) é lembrada a última ceia, quando Jesus reparte o pão, visto como seu corpo, e passa a taça de vinho, visto como seu sangue, ordenando que, em sua memória, esse ritual fosse repetido para sempre. A isto, a Igreja denomina eucaristia, conceito que implica as ideias de sacrifício (missa) e de sacramento (comunhão). Para dar exemplo de humildade a ser seguido, Jesus lavou os pés dos apóstolos naquela ocasião.
Nas culturas antigas, pessoas eram sacrificadas em ritual para agradar a divindade. O deus hebreu (Javé) dispensou o patriarca Abraão de imolar o filho Isaac. Depois disto, a vítima humana foi substituída por cordeiro. A Igreja cristã rejeitou a matança de cordeiros e criou a imagem de Jesus como o “cordeiro de deus” sacrificado para tirar os pecados do mundo. Na missa, a hóstia simboliza o corpo e o sangue de Jesus.
O segundo dia anterior ao domingo de páscoa (sexta-feira) refere-se aos padecimentos de Jesus. As apóstolas, as seguidoras e a mãe de Jesus, tudo presenciaram. Os apóstolos fugiram e se esconderam. As mulheres receberam o corpo retirado da cruz, limparam-no, besuntaram-no, cobriram-no e o colocaram no sepulcro adquirido por José de Arimateia, homem rico, simpatizante da obra e dos ensinamentos de Jesus.       
O primeiro dia anterior ao domingo de páscoa (sábado) refere-se à vigília pascal, período em que Jesus permaneceu no sepulcro. Arimateia, dono do sepulcro, cuidou da entrada e da saída. Os soldados romanos quebraram as pernas dos dois crucificados para que morressem antes do sábado, mas pouparam as de Jesus que, ainda vivo, porém desmaiado, foi retirado da cruz e colocado no sepulcro como se morto estivesse. Ali recuperou as forças e dali saiu ajudado por Arimateia.
No domingo de páscoa comemora-se a ressurreição de Jesus. Ao chegar pela manhã, a apóstola Maria Madalena encontrou o sepulcro vazio. Do lado de fora, Jesus apareceu e pediu a ela que fosse avisar os outros apóstolos. Avisado, Pedro tomou coragem, foi verificar e confirmou a notícia dada por Madalena. Enquanto isto, Jesus seguiu em direção à aldeia Emaús. No caminho, ele encontrou dois homens, com eles dialogou e na casa deles se hospedou. Depois, reuniu-se com os apóstolos, conversou, alimentou-se e para provar que estava vivo em carne e osso, exibiu as marcas no corpo, inclusive ao seu irmão gêmeo, o cético apóstolo Tomé.
Jesus retorna à Galileia, multiplica pães e peixes, abarrota a rede dos pescadores. Ao notar competição entre os apóstolos, dita-lhes novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amo. No começo da sua pregação, Jesus havia assim resumido os 10 mandamentos de Moisés: (1) amar a deus (2) amar ao próximo como si mesmo (ou como a si mesmo). Atribuiu tarefas aos apóstolos e lhes deu as últimas instruções. Depois, na presença deles, subiu aos céus de corpo inteiro, sem veículo algum, sem qualquer aparelho, passa pela Lua sem se congelar e pelo Sol sem se queimar.   
À luz da razão e das leis da natureza, falta veracidade não só à ressurreição, mas, também, de um modo geral, às escrituras dos judeus e cristãos. Assim, por exemplo, as leis da Física invalidam a versão bíblica da ascensão de Elias e de Jesus aos céus. Há quem sustente que o palestino galileu (Jesus) só existiu como personagem de ficção literária religiosa. Dos textos bíblicos, não há um só documento original. Há cópias, falsificações, mentiras, apologias, fantasias, espertezas. A partir do século II, os textos que formaram o Novo Testamento eram cópias de cópias de outras cópias, todas manuscritas. Só bem mais tarde foi inventada a imprensa (1455). Até a Idade Média, inclusive, a maioria dos copistas era constituída de monges. Trabalhavam no silêncio da biblioteca dos seus monastérios. A cada cópia, inevitável a intervenção do copista e/ou do superior hierárquico. Houve acréscimos e supressões, ora acidentais, ora intencionais. O mesmo se diga das inúmeras traduções de traduções de outras traduções (do aramaico para o grego, do grego para o latim, do latim para os diversos idiomas nacionais). A verdade original perdeu-se para sempre nas brumas do passado. 
Da análise lógica, histórica e sociológica dos evangelhos extrai-se a evidência de que: (i) a perseguição, prisão e crucifixão de Jesus teve, da parte dos escribas e sacerdotes judeus, motivação econômica e política (ii) Jesus não morreu na cruz, portanto, não ressuscitou, posto ser a morte o pressuposto da ressurreição.
Os médicos, atualmente, ressuscitam pacientes mediante descargas elétricas no coração. Jesus e apóstolos usavam apenas a palavra mágica imperativa: levanta-te. O espírito santo fazia o resto. Depois deles, a ressurreição saiu de moda. Hoje, no Brasil, alguns homens incorporam o espírito santo para curar mulheres mediante passes e contatos físicos sensuais. Os sacerdotes manifestam preferência por meninos, quiçá por interpretarem de modo literal um tanto peculiar a frase que Marcos atribuí ao profeta: “Deixai vir a mim os pequeninos”.

sábado, 13 de abril de 2019

SEMANA SANTA

Aproxima-se a semana santa, período do ano em que os cristãos celebram a paixão de Cristo. Cuida-se de um capítulo fundamental da história da religião cristã: a última ceia, a prisão, o julgamento, a condenação, a crucifixão, a morte e a ressurreição de um palestino galileu chamado Jesus, cognominado “o ungido” (cristo, em grego). Das intensas polêmicas entre os primitivos cristãos, destacava-se a crítica aos ortodoxos por: (i) apegarem-se ao nome de um homem morto (ii) atribuírem a essa morte a salvação (iii) prestarem culto à morte e não à vida eterna.
A semana santa é de 4 dias (quinta, sexta, sábado e domingo), porém, no Brasil, as repartições públicas, principalmente os tribunais, decretam ponto facultativo a partir da segunda-feira, inclusive. A folga é aproveitada mais para descanso e turismo e menos para celebrar, usufruída não só por brasileiros cristãos (católicos, protestantes, espíritas) como também por brasileiros judeus, muçulmanos, budistas, ateus e outros. Da celebração, que consiste em missas, procissões e espetáculos públicos, quiçá participem cerca de 1% da população.  
Minoria do povo palestino (galileus + samaritanos + judeus) reconheceu Jesus como enviado de Deus. Da maioria daquele pequeno povo ele recebeu incredulidade, escárnio, agressões, tentativas de morte, acusações de blasfêmia e de subversão, que acabaram por levá-lo à prisão e à execução da pena de morte. A história bíblica inclui milagres, circulação pelo território palestino, embates com os escribas e sacerdotes judeus. Essa história vem narrada: [1] nas cartas escritas ou ditadas pelos apóstolos [2] nos atos dos apóstolos contados por Lucas [3] nos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João). Esse material foi selecionado no século IV (301-400) por Jerônimo, padre erudito, para compor o Novo Testamento (NT) aprovado durante o Concílio de Niceia (ano 325). Fora da seleção ficaram outras cartas e outros evangelhos como os de Tiago, Felipe, Judas Tadeu, Tomé e Maria Madalena, considerados apócrifos e incompatíveis com os dogmas que a Igreja pretendia consolidar. O objetivo era afastar as divergências entre os vários grupos cristãos que se digladiavam desde a morte de Jesus e formar um corpo doutrinário coerente e pacificador.
O clero organizou o NT como unidade teológica. A superior autoridade hierárquica da Igreja determina: [1] em que os fiéis devem acreditar [2] como devem ser tratados os assuntos administrativos, pastorais, litúrgicos (missa, sacramentos, ofício divino) e ritualísticos (regras procedimentais) [3] quais os textos e livros compatíveis com as escrituras sagradas. Os ensinamentos de Jesus, pessoal e oralmente transmitidos aos seus apóstolos e aos seus contemporâneos galileus, samaritanos e judeus (anos 30), passaram à forma escrita entre os anos 50 e 100. A autoria desses textos foi atribuída aos apóstolos. A cristandade apoia-se nas decisões dogmáticas dos concílios ecumênicos da Igreja [reuniões periódicas de todos os bispos presididas pelo Papa] unificadoras da doutrina e sancionadoras da crença. Profissão de fé do cristianismo, prece fundamental da Igreja, o Credo foi elaborado durante os concílios de Niceia (ano 325) e de Constantinopla (ano 381), como regula fidei (regra da fé).
Em linhas gerais e básicas, o Credo consiste nos seguintes dogmas: [i] há um só Deus, criador do céu, da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis [ii] há um só Senhor, Jesus Cristo, filho unigênito de Deus, gerado pelo Pai desde a eternidade, encarnado pelo Espirito Santo, no seio da Virgem Maria e que se fez verdadeiro homem [iii] há o Espirito Santo, fonte da vida que procede do Pai e falou pelos profetas [iv] há uma só Igreja, santa, católica e apostólica [v] há um só batismo para remissão dos pecados [vi] padecimento de Jesus (açoites, crucifixão, morte e  sepultamento) sob as jurisdições do Sinédrio (tribunal judeu) e de Poncius Pilatos (fórum romano) [vii] ressurreição ao terceiro dia [viii] subida aos céus, onde está sentado à direita do Pai [ix] retorno glorioso no futuro para julgar os vivos e os mortos e instaurar o seu reino eterno [x] ressurreição dos mortos e vida no mundo vindouro.
Após a reforma provocada por Lutero (1517-1529), os dogmas da virgindade de Maria e da infalibilidade papal foram rejeitados pelos cristãos que aderiram ao movimento. A reforma proscreveu a autoridade e a intermediação do clero católico e a justificação pelas obras. Bastava ao crente a justificação pela fé, relação direta e pessoal com deus. Os gnósticos questionam os dogmas da fecundação sobrenatural, da natureza divina de Jesus, da unidade da Igreja, da ressurreição, da ascensão e do juízo final. Esse grupo acredita: [1] no processo natural da fecundação e do nascimento [2] na vida e morte de Jesus como homem e profeta e não como cristo [3] nos ensinamentos básicos a ele atribuídos pelos apóstolos [4] na injustiça do julgamento (os judeus consideravam Jesus um estrangeiro (gentio) igual aos galileus, aos samaritanos, aos egípcios, sírios, gregos, romanos) [5] na impossibilidade biológica da ressurreição dos mortos [6] na diversidade das igrejas cristãs primitivas.
Da morte de Jesus aos primeiros concílios da Igreja decorreram cerca de 350 anos, interregno suficiente para esquecer, modificar ou inventar atos e fatos. Os mitos surgem paulatinamente na fluência do tempo, mediante repetições e acréscimos constantes até que o conhecimento racional e objetivo das leis da natureza e da comunidade humana rompe os grilhões da ignorância, da fé cega, do tabu, do preconceito, das discriminações injustificadas.
Quando, a partir do século XVIII (1701-1800) a liberdade ampliou-se na Europa e na América, multiplicaram-se as pesquisas e as ciências, descobriram-se novos documentos, as técnicas e os conhecimentos evoluíram em progressão geométrica, os mistérios que cercavam o “sagrado” foram se desvelando. A partir do século XX (1901-2000) houve uma pletora de livros, filmes, artigos, documentários, sobre temas religiosos e esotéricos que colocaram em xeque as versões tradicionais. Entretanto, no propósito de sobreviver, as instituições religiosas defendem o seu credo, buscam ampliar o rebanho de crentes, amoldar-se estrutural e funcionalmente aos tempos modernos, conservar e aumentar o seu tesouro.     



domingo, 7 de abril de 2019

STF APEQUENADO

O supremo tribunal federal (STF) ao realizar sessão solene para receber manifesto de apoio subscrito por entidades como OAB, CNBB, CNI, UNE, sucumbiu às razoáveis e pertinentes críticas das quais tem sido alvo. (03/04/2019). O STF estribou-se em norma regimental que autoriza sessão solene para celebrar acontecimento de alta relevância. A redação da norma enseja larga interpretação. No amplo espaço dessa subjetividade, o tribunal considerou o manifesto um acontecimento de alta relevância a merecer solenidade transmitida ao país inteiro. As entidades subscritoras do manifesto são as mesmas que apoiaram o golpe de 1964 e que agora apoiam um tribunal demagógico de tendência nazifascista conivente com um estado de exceção.
A técnica utilizada pelo STF para captar a simpatia da sociedade é a mesma utilizada pelo ex-juiz Sérgio Moro, quando atuava na vara federal de Curitiba, para obter apoio popular à sua ilegal e arbitrária conduta na direção do processo que culminou na condenação e prisão do ex-presidente da república. Moro valeu-se dos meios de comunicação social para: (i) propagar a falsa imagem de juiz corajoso, justo e heroico (ii) sujar a imagem do ex-presidente e assim favorecer o partido político do seu pai na disputa eleitoral. No que concerne à OAB (ordem dos advogados do brasil), tanto em 1964, como agora, ela agiu contra as suas finalidades de: (i) defender a Constituição e a ordem jurídica do estado democrático, os direitos humanos e a justiça social (ii) pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça, pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (Lei 8906/1994, 44, I).
No estado democrático de direito, tribunal judiciário que se preza não necessita desse tipo de apoio (manifestos, sessões solenes). Vale por si mesmo, pela independência, imparcialidade, virtuosidade, honestidade, decoro e operosidade dos seus juízes. Ao tribunal judiciário não basta autoridade jurídica. Necessita também de autoridade moral. A existência e o funcionamento de um tribunal judiciário é importante para garantir a liberdade e a igualdade nas relações públicas e privadas visando à paz social e ao bem comum. Todavia, quando o tribunal apoia um estado de exceção, a sua autoridade se degrada perante a parcela da população afeiçoada à democracia. Degradado, o tribunal perde o respeito dessa parcela do povo e abre ensejo à sua extinção, ou remodelação, mediante movimento popular revolucionário. 
O manifesto diz, acertadamente, que a instituição (no caso, o STF) deve ser respeitada, pois, “sem ela, nenhum cidadão está protegido”. Realmente, a instituição judiciária é relevante para o vigor e a eficácia da ordem jurídica e a consequente proteção da pessoa e dos bens dos cidadãos. Entretanto, esse relevo se torna estéril quando a conduta dos juízes fica abaixo da ética institucional como, aliás, tem acontecido. Serve de exemplo, o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vítima de um processo judicial fraudulento. Apesar da relevância da instituição judiciária na esfera dos princípios, Luiz Inácio, no plano dos fatos, está sendo massacrado por juízes federais. Injustiça evidente, proposital, escancarada, cruel. A correção da injusta condenação e da abusiva prisão está sendo protelada pelos tribunais superiores, o que pode gerar revolução social e política. 
No Brasil, o século XXI trouxe à luz do dia, em vivas cores, a subterrânea existência de magistrados parciais, medíocres, vaidosos, pretensiosos, indecorosos, nazifascistas, partidários políticos no exercício da função judicante. O perene e elevado valor da instituição judiciária para a democracia e para os direitos humanos não significa, necessariamente, bom caráter dos juízes. De um modo geral, o povo espera dos magistrados [juízes de piso (varas e juizados), juízes de tribunais ordinários (desembargadores) e juízes de tribunais superiores (ministros)] imparcialidade, independência, respeito à Constituição e aos direitos humanos, senso de justiça, honestidade, decoro, pontualidade, espírito público, cultura geral e jurídica.   
O manifesto apresentado pelas mencionadas entidades provavelmente não reflete a opinião e as expectativas da maioria do povo. Se, de um lado, 57 milhões de eleitores (com suas famílias) mostraram-se favoráveis à direita, tanto a moderada como a extremada, e à militarização do governo, elegendo um estúpido nazifascista que confessa ter nascido paramilitar (miliciano), convém lembrar que, de outro lado, 89 milhões de eleitores (com suas famílias) posicionaram-se, quer diretamente (47 milhões), quer indiretamente (42 milhões), contra a direita febril e mentalmente enferma. Para aferir o “sentimento social”, esses números do tribunal eleitoral são mais confiáveis do que a equivocada opinião do ministro do STF. Barroso tenta ocultar a politicagem, sua e dos seus colegas de toga, com aquele sofisticado cobertor (“sentimento social”), plágio de literatura alheia para enganar.
No Brasil, não existe “sentimento social” homogêneo tendo em visa: (i) o pluralismo político e as distintas ideologias (ii) a abismal desigualdade econômica (iii) a distribuição da população em camadas sociais (iv) a diversidade das crenças e práticas religiosas. Atualmente, o “social” sentimento está assim fragmentado: (i) ódio dos partidários da direita contra os da esquerda e vice-versa, com reflexo em toda a nação (ii) repúdio da maioria da população à militarização do governo e à brutal ignorância do governante (iii) desprezo de grande parcela do povo à classe política; os políticos são vistos como a escória da sociedade (iv) ojeriza aos magistrados de piso e de tribunais, vistos como politiqueiros, desonestos, impontuais, preguiçosos e engavetadores (v) desconfiança mútua entre as massas de um lado e as elites de outro (vi) desencanto e frustração da classe trabalhadora (vii) desespero das famílias dos desempregados, dos sem recursos financeiros, dos sem assistência, sem-teto e sem-terra. Se fosse possível captar algo comum nesses fragmentos [além de um sentimento de inferioridade perante a cultura dos países desenvolvidos e colonizadores] seriam necessários instrumentos especiais e confiáveis e não mera opinião sem base histórica e racional.       
O judiciário dos EUA recebeu o seguinte comentário fundado na experiência: “Dando à Constituição um valor absoluto de Justiça, os juízes a santificam” (Swisher). Nessa esteira, Orlando Bitar diz: (i) a supremacia constitucional nos EUA não se deve exclusivamente à sua forma escrita e solene (ii) a imperatividade da Constituição é mais subjetiva e emocional do que objetiva e legal (iii) ela sublima um sentimento que tem o seu processo na história (iv) há um misticismo em torno da Constituição paralelo ao misticismo em torno da Lei na França e do Parlamento na Inglaterra (v) a lealdade à Constituição converteu-se em matéria de sentimento e não de razão. [A Lei e a Constituição “in” Obras Completas. Brasil. Conselho Federal de Cultura. 1978, p. 75/77 + 136]. 
No Brasil, nada disto acontece. O tal sentimento não existe. A guarda da Constituição cabe ao STF, porém, os seus juízes, bem longe de santifica-la, vilipendiam-na. Em casos de maior impacto, as cláusulas da Constituição, inclusive as pétreas, são por eles violadas. Sofismas, interpretações capciosas, aplicações maliciosas, disfarçam a violação. A esperteza enganosa parece envaidecer os juízes. 
Nos dias atuais, o exemplo mais contundente nessa área é o da garantia de presunção de inocência. A cláusula pétrea da Constituição é clara: o espaço da garantia vai até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Essa cláusula sequer devia ser objeto de discussão. Contudo, motivo político eleitoreiro a provocou. Escassa maioria do STF, liderada pelo ministro Barroso, colocou-se acima da decisão soberana do legislador constituinte e reduziu esse espaço ao segundo grau de jurisdição. O tribunal extrapola a sua competência quando reduz a compreensão e a extensão dos direitos fundamentais assegurados na Constituição. O STF usurpou competência do Congresso Nacional nessa matéria. Aliás, nem o Congresso pode reformar cláusula pétrea. No sistema jurídico brasileiro, só uma assembleia constituinte pode alterar cláusulas pétreas e até elaborar nova Constituição. O tribunal desrespeitou a separação dos poderes, princípio essencial da república democrática. Dita separação “é um princípio orgânico da Constituição que faz o lugar de uma viga-mestra” (Karl Engisch. Introdução ao Pensamento Jurídico. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1979, p. 266). Essa maioria do STF (Alexandre, Barroso, Carmen, Fachin, Fux, Rosa) aderiu ao vale-tudo característico do estado de exceção.