sábado, 26 de janeiro de 2013

POESIA



Tu também morrerás, cinza adorada. / Essa beleza é certo que pereça / essa mão, essa esplêndida cabeça / esse corpo de argila iluminada.
Sob o gume da morte ou sob a geada / serás mais uma folha que estremeça / e co´as outras te vás – verde e travessa / depois de morta, sem cor, desintegrada.
De nada o meu amor terá valido / apesar deste amor, tu chegarás / ao fim do dia e tombarás vencido / obscuro como a flor que cai, por mais / que tenhas sido belo e tenhas sido / mais amado que todos os mortais.

(“Soneto XIX”. Edina St. Vincent Millay. Trad. Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça).

Pedras, o que me espanta / não é que tenhais resistido / por tanto tempo a tanto vento e a neve tanta / pois não vos tinham construído / para arrostar nesta colina / o inverno e o vento desabrido?
Meu espanto é que suportais / sem voz gastardes, nossos olhos / nossos olhos mortais.

(“Chartres”. Archibald Macleish. Trad. Manuel Bandeira).

domingo, 20 de janeiro de 2013

SENTENÇA E SEGURANÇA



Segurança é um bem essencial estimado individual e coletivamente. Pessoas, grupos, nações, aspiram ficar livres de inquietações, de perigos e de infortúnios. A necessidade desse bem acompanha os seres humanos desde sempre, quando viviam em grupos e se protegiam uns dos outros porque eram agressivos e belicosos (como ainda hoje o são). Protegiam-se também dos animais irracionais e domesticavam alguns. Com finalidade ofensiva e defensiva os humanos primitivos se abrigavam em cavernas, acendiam fogueiras e se equipavam com armas rudimentares de pau e pedra. Abandonada a vida nômade, cercavam os assentamentos com paliçada e outros cuidados contra assaltos de animais racionais e irracionais. Civilizados, construíam cidades com altos muros e se proviam de armas e mecanismos de defesa. Na Idade Média, os senhores feudais abriam fossos em torno dos seus fortificados castelos. Nos casebres, os servos buscavam se proteger das intempéries e da invasão da privacidade. Na Idade Moderna, os Estados incluem nos seus objetivos a segurança do povo, do governo, do território e do patrimônio nacional. 

Internamente, além do aparelho do Estado, as pessoas buscam segurança das suas vidas, das suas integridades físicas e dos seus bens de modo particular através de contrato de seguro, vigilância privada, porte de arma, sistema de alarme, cães de guarda, cofres, mecanismos contra invasão em automóveis, casas, computadores e assim por diante. O convívio social é disciplinado mediante regras morais, religiosas e jurídicas a fim de assegurar a tranqüilidade geral, a prática do bem e punir a prática do mal. Visando a garantir o cumprimento das regras criaram-se autoridades públicas e estabelecimentos de custódia para segregar quem coloca a sociedade em perigo. Os criminosos eram submetidos a penas cruéis, como o mergulho em óleo fervendo, amputação, crucifixão, empalação, apedrejamento, enforcamento, trabalhos forçados (galés). A humanização dos costumes suavizou as penas. A fim de reduzir o abuso da autoridade pública, normas processuais foram estabelecidas para o conhecimento, debate e solução das controvérsias, de modo que ninguém perdesse a liberdade nem fosse privado dos seus bens sem o devido processo jurídico. Ao solucionar o caso concreto, a sentença judicial expressa o direito e traz segurança jurídica. Além da sentença, há outras formas de segurança jurídica como a irretroatividade da lei, a coisa julgada, a prescrição, que garantem às pessoas o uso, gozo e disponibilidade dos seus bens e direitos.   

A segurança é obtida por diversos meios. A existência de uma ordem jurídica representa segurança para a nação. A efetivação dessa ordem interessa ao povo. A consciência geral da importância dessa ordem possibilita a sua obediência de modo pacífico, sem intervenção da autoridade pública. Apesar disto, a desobediência à lei, eventual por algumas pessoas e rotineira por outras, fato comum na sociedade, exigiu do Estado criação de aparelho de segurança (armamentos, veículos, delegacias, agentes policiais, presídios, laboratórios de criminalística, ministério público, juizes, tribunais).

A insegurança e a incerteza são condições pessoais e sociais permanentes geradas pelos fenômenos naturais (terremotos, maremotos, tempestades, inundações, vulcões, estiagens, pestes, endemias) e pelos fatos culturais (distribuição desigual dos bens e serviços, corrupção, violência, homicídio, roubo, criminalidade em geral, subordinação da maioria à minoria exploradora, crises na economia, desemprego, miséria). Esses flagelos provocam nas pessoas o desejo de um mundo melhor e mais seguro. Platão, Thomas Morus, Francis Bacon, em suas respectivas utopias, projetaram esse mundo aqui mesmo na Terra, onde os habitantes desfrutavam uma vida feliz e se organizavam para evitar os fatores naturais e sociais do infortúnio. Há homens e mulheres que colocam esperanças em seres inteligentes de outro planeta, presumivelmente mais avançados do ponto de vista científico e técnico, que trariam bem-estar e felicidade aos humanos. Alguns aguardam ser transportados para planetas de civilizações mais adiantadas, sem os problemas existentes aqui na Terra. Especula-se ainda sobre a existência de mundos paralelos melhores do que o nosso em outras dimensões. Grande parcela da humanidade acredita na existência de um mundo espiritual de amor e paz, reino de divindades, morada segura e feliz da alma após a morte. Religiões disputam o privativo conhecimento desse mundo. Na Europa medieval, padres vendiam lugares no céu aos fiéis que desejavam estar seguros da bem-aventurança espiritual. A residência celeste individual devia existir de fato e o negócio devia ser honesto, pois nenhum comprador de lá retornou para reclamar e pedir o seu dinheiro de volta.  

Os realistas continuam a luta contra a insegurança e a incerteza sabendo que não podem vencê-las, mas que podem diminuir os seus inconvenientes. Mitologias, religiões e escolas de mistérios foram criadas em função da insegurança e da incerteza. No intento de colocá-las sob rédeas, os humanos recorreram à filosofia, à ciência e à tecnologia. Durante esse esforço milenar foram sendo criadas regras éticas e jurídicas visando a um convívio social pacífico e a todos possibilitar, no evolver histórico, a livre manifestação das suas potencialidades físicas, intelectuais e espirituais. A segurança e a certeza são as colunas do Direito assim como a liberdade e a igualdade são as colunas da Democracia.

sábado, 12 de janeiro de 2013

SENTENÇA E JUSTIÇA



Dos juízes e tribunais, o povo espera sentenças justas. Às vezes, as decisões judiciais desagradam e há protestos nas ruas. Embora o senso de justiça seja comum aos humanos, nem todos o vivenciam da mesma forma: agudo em uns, grave em outros; racional em uns, emocional em outros. Os critérios de justiça também variam segundo as tradições, as crenças, os costumes, a religião e as leis de cada povo. A jurisdição seria um pandemônio se a solução das demandas dependesse do subjetivismo dos postulantes e dos juízes. Daí a necessidade de prevalecer a lei - e não a pessoal vontade do juiz - e que as decisões sejam motivadas. A questão da justiça ou injustiça do julgamento é essencialmente deontológica enquanto que a dinâmica processual flui no plano ontológico onde primam objetividade e racionalidade. Nesse plano, mede-se a justiça da sentença por sua perfeita adequação à lei. No Estado democrático presume-se que a lei foi elaborada pelo legislador em sintonia com os valores éticos vigentes na sociedade. Se, na sua execução, a lei revelar-se injusta, cabe ao aplicador encontrar fórmula que possa amenizar os seus efeitos. Ao governo, cabe revogá-la.

O princípio fundamental da justiça é a igualdade. Os bens devem ser distribuídos de modo que cada um receba a porção adequada ao seu merecimento e à sua necessidade. Nas relações de troca, justiça supõe a igualdade das partes em termos pessoais. Trata-se de chegar ao termo médio entre ganhos e perdas. Nas relações amigáveis, os interessados estipulam livremente as cláusulas contratuais, segundo uma justiça eqüitativa que dispensa intervenção de árbitros ou juízes. Nos contratos de adesão esse equilíbrio não existe. Nas relações controvertidas, entra a justiça judicial, intervenção de juízes que estabelecem medida aos interesses em jogo. Ocasional na esfera civil, quando depende da iniciativa das partes interessadas, a justiça judicial é sempre necessária na esfera penal para preservação da ordem pública. Em nível coletivo, justiça consiste na eqüitativa distribuição dos bens e serviços produzidos na sociedade, sem discriminação artificial entre as pessoas. Esse tipo de justiça social exige ação positiva do Estado (saúde, educação, transporte, trabalho, moradia, previdência social, assistência aos necessitados, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, aos índios).

Entre as acepções do vocábulo justiça está a de um conjunto de órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário que funciona para tornar efetiva e respeitada a ordem jurídica (secretaria de segurança pública, delegacia de polícia, presídio, instituto de criminalística, defensoria pública, ministério público, juizados, juízos de direito, tribunais). O acesso a esta justiça orgânica pode ser visto: (I) sob o aspecto formal, quando a todos é assegurado o direito a um julgamento justo e concedida igual oportunidade de invocar a tutela jurisdicional e a proteção do aparelho de segurança do Estado; (II) sob o aspecto material, quando todos recebem do Estado efetiva proteção à sua pessoa e ao seu patrimônio e a tutela jurisdicional é prestada imparcial e celeremente pelos juízes e tribunais. Tal acesso pode incluir o direito aos meios necessários para se valer dessa justiça (gratuidade, patrocínio). O direito à jurisdição permite à pessoa submeter o seu caso ao juiz ou ao tribunal responsável pela aplicação da lei. À falta de lei disciplinadora da matéria sub judice, o juiz recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito (LICC, 4º; CPC/1973, 126).

Objetivamente, a sentença qualifica-se de justa quando está em sintonia com as normas jurídicas adequadas ao caso. Os dados da realidade permitem análise sob ângulos distintos. Disto pode resultar distintas soluções para o mesmo problema. A Constituição diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF 5º, XXXV). Significa que o paciente da lesão ou da ameaça pode recorrer ao Poder Judiciário, invocar a tutela jurisdicional para restabelecer o direito ou se livrar da ameaça. A promessa implícita naquele preceito é a de exame imparcial de qualquer questão, ainda que condicionado a prévio exame extrajudicial, como nas questões esportivas (CF 217, §1º).

A sentença se diz formalmente justa quando situada nos parâmetros do devido processo legal; a sentença se diz substancialmente justa quando distribui aos litigantes os bens que realmente lhes pertencem e lhes reconhece direitos de que efetivamente são titulares. De um modo geral, a parte vencedora qualifica de justa a sentença, enquanto a parte vencida a entende injusta. Em grau de recurso, o tribunal pode adotar o ponto de vista do vencido e modificar a sentença. Assim, o que era justo em primeiro grau torna-se injusto em segundo grau, mas pode voltar a ser justo em terceiro grau de jurisdição. Medir subjetivamente o valor justiça nas decisões judiciais gera controvérsia infindável. Esse valor tem três domicílios: o legal, o sentimental e o ideal. No domicílio legal o justo varia segundo a interpretação dada à lei pelo juiz, pelo tribunal ordinário e pelo tribunal superior. Nos demais domicílios, o justo é sentido pelo coração ou decidido pela inteligência de cada indivíduo. Só a justiça divina é perfeita, mas até quem a sofre como castigo pode se achar injustiçado.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

SENTENÇA E VERDADE



A linguagem judiciária trouxe algum embaraço ao público que acompanhava pela TV Justiça os trâmites do processo apelidado “mensalão”. Apesar disto, das questões ali debatidas pelo procurador-geral, pelos advogados e pelos magistrados, o essencial foi entendido, como se depreende dos comentários publicados nos jornais. O público aguarda o acórdão e a apreciação, pelos ministros, de eventuais recursos.

Causa estranheza julgamento por ministro. A tarefa de julgar é de juiz e não de ministro. O público vê no ministro de tribunal – não um juiz – e sim um auxiliar do presidente da república como os demais componentes do ministério (sobrevivência da monarquia). O público sabe o que é sentença, mas parece ignorar o que seja acórdão. A distinção decorre da hierarquia judicial. Sentença é decisão judicial ditada por juiz isolado (vara, juizado). Acórdão é decisão judicial ditada por um tribunal. Os membros do tribunal recebem o título de desembargador (nível ordinário) e de ministro (nível superior). Reunidos em plenário, turmas ou câmaras, julgam ações originárias (propostas diretamente no tribunal) e recursos contra decisões de outras instâncias.

A sentença e o acórdão devem refletir a verdade extraída das provas produzidas na instrução processual. Diferente do cientista, o juiz não tem acesso direto ao fato, não produz a prova, nem elabora teoria. Entretanto, suas decisões podem gerar doutrina. Entre o juiz e o fato há distância no espaço, intervalo no tempo, intermediação dos dados (depoimentos das partes, das testemunhas, do perito, laudos, fotografias, gravações, escrituras e outros documentos). A ação judicial pode versar exclusivamente questões de direito. Nesta hipótese, o que se busca não é a verdade sobre fatos e sim a opinião do juiz cuja sentença dirá qual a norma que prevalecerá na relação jurídica questionada no processo. Por estar revestida de autoridade estatal soberana, a opinião do juiz ou do tribunal contida na sentença ou no acórdão é de acatamento obrigatório e se sobrepõe à opinião pública, à opinião dos doutores, às opiniões de parlamentares, de  chefes de governo, ministros, secretários e a qualquer outra opinião civil, militar ou religiosa. Os jurisdicionados podem discordar da opinião judicial, mas não desobedecer. A obediência às decisões judiciais é essencial ao vigor do sistema democrático.      

A verdade judicial se diz lógica por decorrer do trabalho intelectual do juiz sobre o que foi submetido à sua apreciação no devido processo jurídico. A verdade se diz ontológica quando provém da observação direta dos fatos, como no trabalho científico. A produção da prova permite o encontro indireto do juiz com os fatos, o enquadramento dos fatos na lei e o respectivo efeito jurídico. Tal como a verdade científica, a verdade judicial tem caráter provisório, por isso mesmo não transita em julgado (CPC/1973, 469, II).

A prolação da sentença supõe que o grau de intelecção do juiz esteja no estado de certeza (derivado da evidência) ou de opinião (derivado da probabilidade). Na esfera penal, se a inteligência se encontrar no estado de dúvida (derivado do equilíbrio entre os dados favoráveis e os dados contrários a uma idéia ou proposição) o juiz ditará sentença absolutória alicerçado no adágio in dúbio pro reo. O juiz está obrigado a prestar tutela jurisdicional ainda que a sua inteligência se encontre no estado de ignorância (derivado da ausência de dados). Na falta de lei, o juiz deverá recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito (salvo na esfera penal). 

Com alguma freqüência, as sentenças judiciais espelham mais opinião do que certeza. A probabilidade é companheira do fato jurídico, um cálculo sobre fatores que podem desencadear efeitos juridicamente relevantes. Fatores favoráveis a uma proposição que preponderam sobre fatores a ela contrários, todos extraídos da postulação e da instrução processual, servem de base à decisão judicial. A convicção do magistrado – certeza íntima advinda do raciocínio e da intuição – assenta-se nas provas, nos motivos, idéias, proposições e argumentos que mais impressionam o seu espírito.