segunda-feira, 31 de outubro de 2011

FUTEBOL

Treinadores medalhões não bastam para conduzir um time de futebol à vitória final em campeonatos.
O Palmeiras FC estava bem sob a orientação de um auxiliar técnico. A diretoria contratou um medalhão para substituí-lo. A equipe desceu a ladeira e ficou mal classificada no campeonato e nem conseguirá vaga na copa Libertadores da América. O auxiliar técnico menosprezado pela diretoria palmeirense foi contratado como treinador pela Portuguesa paulistana e o resultado aí está: campeã da série B, a lusa disputará o campeonato de 2012 na série A.
A diretoria do Santos FC contratou treinador medalhão e ficou mal classificada, apesar do bom elenco.
Sem êxito no Cruzeiro de Minas Gerais, treinador medalhão é contratado pelo Flamengo FR. A equipe está claudicando, apesar do bom elenco e de estar na parte superior da classificação do campeonato brasileiro. Remota é a possibilidade de conquistar o título ou até de obter uma vaga na disputa da copa Libertadores da América.
Nos demais clubes que participam do campeonato brasileiro de futebol militam treinadores triviais que mostram eficiente serviço. Corinthians, Vasco, Botafogo e Fluminense com chances de vitória. Internacional e São Paulo com probabilidade de conquistar vaga na copa Libertadores da América. Grêmio de Porto Alegre e Atlético de Minas Gerais reagindo e escapando do rebaixamento.
Embora o campeonato brasileiro termine dentro de um mês, a dança das cadeiras continua. Há notável equilíbrio entre os clubes: vitórias de clubes situados na parte de baixo sobre clubes situados na parte de cima da tabela. No último domingo (30/10/2011), por exemplo, o Grêmio de Porto Alegre venceu o Flamengo do Rio de Janeiro.
As emissoras brasileiras de TV transmitem bem os jogos de futebol do campeonato brasileiro e mal os jogos do futebol europeu. A Band está com o melhor narrador, Luciano do Vale, que mantém sintonia fina com os comentaristas. Formou excelente e inesquecível dupla com Juarez há alguns anos. Testemunha da história do esporte e vasta experiência no ramo, Luciano transmite com fidelidade o que se passa no estádio e com entusiasmo as boas jogadas. O narrador do canal SporTV, Milton Leite, forma boa dupla com o comentarista Maurício Noriega, ambos com tiradas inteligentes e bem humoradas.
Há ex-jogadores que se tornaram excelentes comentaristas de jogos na TV, como Edmundo, Casagrande e Júnior. Controlam o emocional e fazem análises concisas e inteligentes, adequadas ao que se passa durante as partidas. Quando em campo o clube da sua predileção, embora com a isenção comprometida, tais comentaristas mostram-se comedidos e revelam senso de profissionalismo.
Narradores e comentaristas deixam transparecer preferências por determinados jogadores: exaltam-lhes as jogadas felizes e silenciam sobre as infelizes (passes mal feitos, oportunidade de gol perdida, faltas violentas, furadas, dribles sofridos, perdas de bola, pisadas na bola). Das transmissões, nota-se que há, pelos menos, dois momentos previstos para a intervenção do comentarista, no primeiro e no último quarto de cada um dos tempos do jogo. Há, também, intervenção imprevista, por iniciativa do próprio comentarista ou a chamado do narrador, como acontece na Band, ou por exclusiva provocação do narrador, como acontece nas demais emissoras. A intervenção imprevista requer senso de oportunidade, limitada a ocorrências no campo dignas de comentário imediato. Repetir o que os olhos do telespectador viram é encher lingüiça, consoante jargão popular, ou duvidar da inteligência do público. Interessante é explicar aspectos da jogada despercebidos pelo público, mas captados pelos treinados olhos do profissional. Os comentaristas de arbitragem enquadram-se nesse padrão. Desde que ex-árbitros passaram a atuar nas emissoras de TV, os comentários sobre arbitragem melhoraram muitíssimo. Com o treinado olhar da experiência, eles enxergam coisas que passam despercebidas pelos narradores e pelo público. Informados sobre as regras do futebol, bem fundamentam as suas opiniões. Todos exibem nível satisfatório, alguns com mais desembaraço, outros com menos. Alguns contornam as intromissões dos narradores; outros, as refutam de modo direto, com educação, independência e personalidade. A rigor, não há hierarquia entre narrador e comentarista de jogo ou de arbitragem. Por motivo óbvio, o narrador dispõe da maior parte do tempo e o comentarista de jogo dispõe de mais tempo do que o comentarista de arbitragem, porém essa divisão não implica opiniões subordinadas. Há narradores cuja vaidade é maior do que a ética profissional; donos do tempo, eles gostam de exibir conhecimento e de se sobrepor aos comentaristas; às vezes, recebem merecida traulitada.

domingo, 30 de outubro de 2011

ADVOCACIA

O dispositivo legal que atribui competência ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para regulamentar o exame de admissão dos bacharéis em seus quadros, foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
A importância desse exame para o prestígio das carreiras jurídicas, para o bom funcionamento do judiciário e para o bem da sociedade, requer mais do que simples teste de múltipla escolha. O trabalho de corrigir as provas não deve ser óbice à adequada verificação da capacidade do bacharel para exercer a profissão. Os membros da banca examinadora, com experiência mínima de 10 anos, nas lides forenses, conhecimento jurídico notável, devem ter paciência e dedicar-se conscientemente à tarefa de examinar. Convém o candidato redigir texto de 10 a 15 linhas para demonstrar a sua capacidade de expressão e comunicação no idioma nacional. Além disso, deve responder a questões teóricas e práticas por escrito e de modo justificado. O questionário não necessita ser extenso, nem abranger todos os ramos do direito positivo. Bastam seis ou sete perguntas sobre: (a) temas centrais da teoria do direito (b) matéria trivial tratada nos tribunais (c) procedimentos mais freqüentes na defesa de direitos e interesses. Exemplos:
(i) A razoabilidade e a proporcionalidade são princípios de direito ou são critérios de julgamento? (ii) Considerando que toda decisão judicial deve estar em harmonia com a Constituição, há sentido na expressão “julgamento conforme a Constituição”, utilizada em votos de ministros do Supremo Tribunal Federal? (iii) Na situação H apresentada por seu cliente, qual a orientação que você dará? (iv) Se, em audiência, o juiz indeferir sua pergunta à testemunha, qual a atitude que você tomará? (v) O que você fará se, na audiência, o advogado da parte contrária, sem a tua concordância, interferir no teu pronunciamento oral? (vi) Quais as medidas que você tomará quando a sua cliente, sem estar correndo risco de vida ou sem ter sido vítima de estupro, manifestar a vontade de interromper a gravidez e o hospital recusar a cirurgia? (vii) Com que fundamento você defenderá o seu cliente acusado de assédio sexual por funcionária da empresa?
O aspecto lotérico do teste de múltipla escolha compromete a seriedade do exame. A defeituosa elaboração das questões pode afastar bons candidatos. Esse tipo de teste pode constar da primeira parte da prova e se limitar a poucas e objetivas perguntas. Exemplos:
Em que ano foi promulgada a vigente Constituição da república brasileira?
(a) 1946.
(b) 1967.
(c) 1988.
Quem promulgou a vigente Constituição da república brasileira?
(a) O presidente da república.
(b) O senado federal.
(c) A assembléia nacional constituinte.
Nas reuniões plenárias do tribunal o presidente dispõe do voto de Minerva:
(a) Nos assuntos administrativos.
(b) Nas questões jurisdicionais quando houver empate na votação.
(c) Nas matérias constitucionais exclusivamente.
As questões trabalhistas em primeiro grau são julgadas por:
(a) Junta de conciliação e julgamento.
(b) Juiz de direito.
(c) Colegiado de juízes togados.
Qual o órgão que julga os recursos dos juizados especiais?
(a) Tribunal de Justiça.
(b) Turma Recursal.
(c) Tribunal de Alçada.
“Pegadinhas” e qualquer tipo de armadilha maliciosa para confundir ou enganar os candidatos comprometem a honestidade da avaliação. Clareza e simplicidade na linguagem e nobreza no estilo são preferíveis à linguagem especiosa e ao estilo rebuscado.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ADVOCACIA

O Supremo Tribunal Federal, na sessão de 26/10/2011, negou provimento ao recurso extraordinário em que se questionava a constitucionalidade da norma legal que exige o prévio exame para inscrição no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil.
Os ministros são fortes na análise e fracos na síntese. Daí a extensão desmesurada dos seus votos. Essa deficiência tem sido atenuada pela salutar e inteligente prática de alguns ministros de abdicar da leitura dos seus votos por concordarem com o voto do relator. Em expressão oral, esses ministros destacam apenas os pontos não abordados pelo relator ou que o foram tangencialmente. Há julgamentos em que os ministros, sem tecer considerações, declaram de modo simples e direto a sua adesão ao voto do relator, o que poupa tempo do tribunal e do público.
No julgamento do recurso acima referido, o público testemunhou a leitura dos votos prolixos dos dois ministros mais antigos da corte. Os dois acrescentavam comentários ao texto. Reflexo da intenção de homenagear a OAB, por sua tradição na defesa das liberdades públicas no curso da história da república brasileira. Em diferentes trechos de cada voto, sem proveito algum para o decisum, notava-se a repetição de argumentos. Em distintos votos, leituras de artigos da Constituição ou da lei já lidos pelo colega. Repetição dispensável. No vezo do mútuo elogio, afirmavam o brilhantismo do voto do relator, que esgotara o assunto de modo magnífico. Ora, se houve esgotamento, qualquer acréscimo é supérfluo. No entanto, os ministros insistiam em se pronunciar.
Floreios e circunlóquios eram próprios da época do império, quando o volume de processos era pequeno comparado com o de hoje. Retórica anacrônica, fruto da vaidade, diletantismo de dias imperiais e dos primórdios da república, que ainda hoje sobrevive na atuação de alguns operadores do direito.
Embora sem pesar mais do que o voto do relator, os votos dos ministros Fux e Maria Lúcia tocaram pontos relevantes. O primeiro, para o aperfeiçoamento da democracia em nosso país; a segunda, para o bom entendimento da matéria sub judice.
Fux menciona a interessante marcha da norma legal em direção à inconstitucionalidade. Entende conveniente, para impedir essa marcha, que o setor público (magistratura, ministério público, defensoria pública) também participe do exame para inscrição de bacharéis no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil. Afastar-se-ia a exclusividade da OAB no processo de seleção dos advogados (lei 8.906/94, 44, II). Tendo em vista ser o advogado indispensável à administração da justiça (CR 133), prestar serviço público e exercer função social (lei 8.906/94, 2º, §1º), o interesse na seleção não é só da OAB e sim de toda a sociedade. O Poder Judiciário tem especial interesse na seleção. Advogados bem qualificados contribuem para a boa prestação jurisdicional e para defender com probidade e coragem a liberdade e o patrimônio das pessoas tanto no setor público como no setor privado. Além disto, como integrantes da OAB, a qualificação dos advogados é exigência que decorre do seu vínculo com os objetivos institucionais: defender a Constituição, o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas (lei 8.906/94, 44, I). Com a presença do setor público no exame de ordem, guardar-se-ia simetria com os exames de admissão às carreiras de juiz de direito e de promotor de justiça, dos quais participa a OAB (CR 93, I; 129,§3º).
Maria Lúcia lembrou a todos que na faculdade formam-se bacharéis e não advogados. Sobre esse tópico, em aula magna proferida em março de 2009, na faculdade de direito da universidade Estácio de Sá, campus de Resende/RJ, adverti os estudantes com as seguintes palavras:
“Cumpre lembrar que o estudante não se forma em advocacia e sim em direito, com o título de bacharel, requisito básico para se dedicar às profissões jurídicas como a de advogado, delegado de polícia, promotor de justiça e juiz de direito. Para ingressar nessas profissões, o bacharel está obrigado a realizar exames e a prestar concursos públicos de provas e títulos. Sem um resultado positivo no exame, o bacharel não pode se inscrever na Ordem dos Advogados. (...) Conforme a tradição, o diploma de bacharel em direito habilitava o portador a exercer a advocacia, independentemente de qualquer formalidade. Com a criação da OAB pelo artigo 17, do decreto 19.408, de 18 de novembro de 1930, a inscrição tornou-se obrigatória. Bastava apresentar o diploma de bacharel em direito para efetivá-la. Com o advento da lei 4.215, de 27 de abril de 1963 (Estatuto da OAB), o bacharel dispunha de dois caminhos alternativos para obter a inscrição: (i) fazendo e comprovando o estágio ou (ii) prestando o Exame de Ordem (art.48, III). Com o agravamento da deficiência do ensino no Brasil, desde o grau primário até o universitário, a partir das décadas finais do século XX, o Poder Legislativo baixou lei condicionando a inscrição à aprovação no Exame de Ordem, sem a alternativa do estágio (inciso IV, do artigo 8º, da lei 8.906, de 04 de julho de l994 – novo Estatuto da OAB). Sem a inscrição, o bacharel não pode exercer a advocacia nem ingressar em carreira jurídica alguma.”
O bacharelado é conditio sine qua para ingresso em qualquer carreira jurídica: advocacia, defensoria pública, delegado de polícia, ministério público, magistratura, magistério. O diploma é fundamental, porém insuficiente. O candidato deve atender a outras exigências legais e constitucionais de ingresso em cada carreira. Há exigências comuns a todas: capacidade civil, título de eleitor, idoneidade moral, preparo teórico e prático verificado mediante exame ou concurso, compromisso perante o competente órgão de classe. Há exigências específicas: (i) para a advocacia: não exercer atividade incompatível com a profissão; (ii) para a magistratura: tempo mínimo de 3 anos de atividade jurídica; (iii) para o magistério: certificado de capacitação (especialização, mestrado, doutorado). No Estado da Guanabara, o título do magistrado (juiz ou desembargador) equivalia ao título de doutor para o ensino na faculdade de direito.
A necessidade de exame prévio para verificar a capacidade técnica, intelectual e moral do bacharel mostra-se razoável e sintoniza com o interesse público. A norma legal (lei 8.906/94, 8º, IV) que o exige, está em sintonia com a norma constitucional do livre exercício de qualquer profissão (CR 5º, XIII), que estabelece a condição: “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Nenhuma categoria organizada para fins lícitos seria prestigiada e respeitada se admitisse pessoas desqualificadas. A parcela indecorosa e despreparada constitui ameaça aos próprios integrantes da categoria.
A pessoa natural ou jurídica coloca nas mãos do advogado a defesa da sua liberdade, do seu patrimônio, dos seus direitos e interesses. O bacharel deve estar bem qualificado para esse múnus privado. A aprovação no exame é indicativa. Após a inscrição, o advogado pode revelar conduta incompatível com o exercício da profissão, possibilidade que ocorre também com o defensor público, com o promotor de justiça e com o magistrado, após o ingresso na carreira. A OAB dispõe do poder de instaurar sindicância e aplicar sanções ao advogado infrator, à semelhança das outras carreiras. A apuração de responsabilidade é própria do regime republicano democrático (CR 1º).
Na década de 70, exercendo a judicatura na cidade do Rio de Janeiro, vara de família, durante audiência, verifiquei evidente despreparo do advogado de uma das partes, declarei-a indefesa, suspendi os trâmites do processo até que fosse constituído novo patrono ou nomeado defensor público, e comuniquei o fato à OAB/RJ. Mesmo diante da probabilidade de a futura sentença ser desfavorável à parte, esta merecia defensor capacitado, em atenção ao princípio da igualdade processual e à garantia do contraditório e da ampla defesa.
O estatuto da advocacia determina a regulamentação do exame mediante provimento do Conselho Federal da OAB (lei 8.906/94, 8º, §1º). Prima facie, tal dispositivo afronta a norma constitucional que outorga, ao chefe de governo, competência privativa para regulamentar as leis (CR 84, IV). O legislador ordinário não pode subtrair do chefe de governo essa competência privativa. Se o fizer, violará o princípio da separação dos poderes, cometerá abuso do poder de legislar e dará azo ao efetivo controle judicial da constitucionalidade.
Acontece que o dispositivo legal em tela não subtrai do presidente da república o poder regulamentar. Nada impede a regulamentação da lei mediante decreto presidencial. A lei 8.906/94 (estatuto da advocacia) determina a regulamentação do exame e não a regulamentação dela própria. Regulamentação interna corporis. Competência administrativa do Conselho Federal exercida mediante provimento. Tribunais e procuradorias também regulam suas atividades em sintonia com a Constituição, leis e decretos. Exemplo: o concurso para ingresso na magistratura é disciplinado pelos órgãos de cúpula do judiciário federal e estadual. O citado e questionado dispositivo legal, portanto, conforma-se à prática jurídica vigente no Brasil.
Caso sobrevenha decreto presidencial regulamentando a lei 8.906/94, o provimento da OAB sobre o exame permanecerá em vigor se compatível; se incompatível, ajustar-se-á ao novo decreto. Em não sendo abusivo ou contrário ao decreto, o provimento permanecerá hígido no ordenamento jurídico. Se houver abuso na sua execução, a responsabilidade será apurada no devido processo legal.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

POESIA

Soa o órgão / soa o órgão numa igreja solitária / soa o órgão no recôndito da noite / e há um jorro de murmúrios melodiosos em suas flautas / que começam suavemente... suavemente / como passos em tapetes, como dedos em carícias, como sedas que se arrastam / e, de súbito, se encrespam e distendem-se e rebramam à maneira de rio largo / que sepulta em um leito pedregoso o solene abatimento de suas águas. / Uma flauta conta histórias impossíveis de períodos afastados / outra flauta conta coisas que deviam ser verdades / e que apenas são miragens e delírios e fantasmas / uma ri e outra chora / uma ruge e outra canta. / Uma é macho que persegue e outra é fêmea que se escapa / e entre tantas variações de cavatinas melodiosas / há um corpo e há uma alma que se juntam, se penetram, se confundem / e aos abanos animados de uma graça / vão cantando pelos ares que Toledo veste o luto de suas pompas funerárias / para glória de sua igreja de duzentos e cinqüenta anos / e uma glória ainda maior daquela estirpe que essa igreja levantara. / ... / Soa o órgão / soa o órgão na igreja solitária / soa o órgão no recôndito da noite / e há um jorro de murmúrios melodiosos em suas flautas. / Um poeta dos tempos de Cervantes comparece / comparece e fala deste modo: - eu quisera de meus versos fazer músicas estranhas / porém músicas vazias, sem conceitos nem paixões / com palavras e palavras e palavras... / Oh! As vezes em que sinto o tirano pensamento que me esmaga com seus peso. / Como quisera sacudi-lo ... sacudi-lo. / Fazer versos sem idéias, como pássaros que cantam! / Oh! As vozes que no peito me derramam decepções ou esperanças. / Como quisera sepultá-las... Fazer versos sem paixões. / Como rugem os pampeiros, como riem as cascatas! / Pensamentos que me esmagam! Sentimentos que me enganam! / ... / (“A elegia do órgão” – excertos – José Santos Chocano).

domingo, 23 de outubro de 2011

FUTEBOL

Quem tiver o melhor elenco vencerá o campeonato. O São Paulo FC tem o melhor elenco. Logo, o São Paulo FC vencerá o campeonato.
Raciocínio correto? Sim, formalmente corretíssimo. Raciocínio verdadeiro? Não. Por sua fluidez, o jogo situa-se no campo das incertezas. Há uma lógica lúdica, simplesmente indicativa: a equipe mais forte tende a vencer, mas pode perder por n fatores. Exemplo recente (22/10/2011): o Botafogo, no topo da classificação do campeonato, acaba de perder para o Avaí, que ocupa os últimos lugares (3x2).
O melhor elenco não dá certeza de vitória. As derrotas e empates do clube aqui tomado por modelo bem o demonstram. O São Paulo FC contratou Rivaldo e Luiz Fabiano, jogadores veteranos de excelente nível técnico. A disposição física de jogadores veteranos é inversamente proporcional à faixa etária. Todavia, com os recursos da medicina a partir da última década do século XX, os jogadores que cuidam da saúde e da forma física e técnica, podem atuar além dos 40 anos de idade. O que era extraordinário à época de Djalma Santos, hoje em dia é comum. Rivaldo tem exibido bom desempenho como armador e como atacante. Não há motivo plausível para não aproveitá-lo nos dois tempos em todos os jogos. Luiz Fabiano está no bom caminho. Nos jogos de que participou, mostrou habilidade. Em recente partida fez o seu primeiro gol, aliviando a tensão. Se treinar regularmente, estará exibindo todo o seu potencial muito em breve. No momento, Dagoberto é o melhor jogador do elenco do clube paulista.
O maior tempo na posse da bola durante as partidas indica bom entrosamento. A atuação coletiva satisfaz. Todavia, a finalização não corresponde a essa atuação. Falta o êxito. Além disto, os defensores se descuidam da marcação e a equipe sucumbe diante da reação do time adversário. A mudança na orientação técnica talvez ajude a melhorar a eficiência do time paulistano.
Atualmente, dentre os clubes brasileiros, o SP dispõe do melhor elenco: jogadores de alto nível sobrando. Isto atrapalha. Veja-se o caso de Marlos: excelente jogador, tão bom – ou até melhor – do que Lucas. Aguarda sempre no banco dos reservas. Do ponto de vista psicológico, este é um fator de desestímulo quando o jogador é chamado a atuar. O rendimento não é o mesmo. Rivaldo, em boa forma, ficar no banco, é algo esdrúxulo. Contratar jogador de alto nível para ficar no banco é extravagância. O clube deve estar com o cofre abarrotado de euros.
Como se viu das derrotas sofridas, não há certeza alguma de o São Paulo FC ser campeão só pelo fato de dispor do melhor elenco. Há probabilidade. Poderá ser campeão se aproveitar a boa qualidade dos seus jogadores e vencer as partidas que restam.
Mutatis mutandis, a presente análise aplica-se também aos demais clubes que ostentam elenco de bom nível técnico e estão bem classificados na tabela do campeonato.
Nos jogos panamericanos de 2011, em Guadalajara, os atletas brasileiros conquistam ótimo número de medalhas. Boa preparação para as olimpíadas. No futebol, os brasileiros estão sofríveis. Com alguma sorte, conquistarão medalha de ouro, de prata ou de bronze. Bom treinador pouco resolve se os jogadores são de médio nível técnico.
A seleção brasileira de futebol profissional também não inspira confiança. A seleção atual está abaixo do nível das seleções de 1950, 1958, 1970, 1982 e 1994. Pela segunda vez, será derrotada em casa.
A derrota em 2014 não será tão dolorida como a de 1950. Naquela copa, o desempenho da seleção foi excelente. Eficiência jamais igualada até os dias de hoje. Artilharia insuperável. Trio fabuloso: Zizinho, Ademir e Jair. Por isso mesmo, a inesperada derrota na partida final foi traumática, duríssimo golpe suportado pela nação brasileira.

Dado curioso das copas do mundo que já assinalei alhures: nem sempre a melhor seleção sai vencedora. Isto aconteceu em 1950, com a seleção brasileira, em 1954, com a seleção húngara, em 1974 e 2010, com a seleção holandesa. Embora apresentassem o melhor desempenho durante a competição, todas perderam a partida final. Espera-se que em 2014, agora em nível inferior, a seleção brasileira chegue à partida final e conquiste a taça do mundo novamente.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

POESIA

Uma coisa é cantar a amada, outra, ai de mim, é cantar o culpado e oculto deus rio do sangue. Aquele que a amada reconhece de longe, seu amante, que sabe ele do senhor da volúpia que tantas vezes o assaltava em plena solidão, antes que a mulher amada o abrandasse, como se nem mesmo ela existisse? Como o deus emergia a irreconhecível face gotejante, invocando a noite para o delírio infinito. Ó Netuno do sangue, com o hediondo tridente e o obscuro vento de seu peito, concha enrodilhada! Ouve como a noite se recurva e se aprofunda. Não se origina em vós, estrelas, a alegria que o amante respira no rosto da amada? A compreensão profunda de sua face pura, não a tomou ele das constelações tranqüilas? Tu não foste, ai, sua mãe não foi, quem assim distendeu o arco excitado de suas sobrancelhas. Não foi ao teu encontro, jovem eterna e sensível, que se animaram esses lábios numa expressão fecunda. Crês que assim o agitaria teu passo ligeiro, ó tu que te moves como a brisa da manhã? Apavoraste, entretanto, seu coração: antigos terrores nele despertavam a esse embate. (...) Não amamos como as flores, depois de uma estação: circula em nossos braços, quando amamos, a seiva imemorial. Ó jovem, amávamos em nós, não um ser futuro, mas o fermento inumerável; não uma criança, entre todas, mas os pais, ruínas de montanhas repousando em nossas profundezas; e o seco leito fluvial das mães de outrora, e toda a paisagem silenciosa, sob o destino puro ou nebuloso: - eis aqui, amada, o que adveio antes de ti. E tu mesmo, que sabes? Despertaste no amado a pré-história obscura. Que sentimentos, em seres desaparecidos agitaste! Que mulheres, nele, te odiaram! Que homens sombrios em suas veias jovens despertaste! Crianças mortas para ti se volveram. Oh! Retoma diante dele, com doçura, uma tranqüila tarefa cotidiana – dá-lhe a paz de jardins e a outra face das noites. Retem-no. (“Elegias de Duino” – excertos – Rainer Maria Rilke).

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

POESIA

Vai! Murmulhando salta! / Água azul / Água rósea / Turbilhona, pincha, flutua / focinha no vácuo da vaga / mergulha, volteia / encurva por baixo / por cima / Corte de navalha e se afunda / rola, revira / erecta-se e espirra no céu / todo rosadas, flamantes gotinhas / Anela-se no fundo / pingo / focinho para baixo / curva / cauda / mergulha / e se vai / Como bolhas leves de água azulada / leve, oleoso cobalto / coleante, líquido lápis-lazúli / cambiantes esmeraldinas / pinceladas de róseo e amarelo / escorregões prismáticos / sob o céu de ventania.../ (“Delfim na água azul” – Amy Lowell)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

POESIA

Nada mais lindo do que uma criança que adormece rezando (disse Deus) / É como vos digo, nada mais lindo no mundo / Eu nunca vi nada tão lindo no mundo / e no entanto, muitas coisas lindas vi no mundo / E entendo de belezas. Minha criação regorgita de belezas / Há mesmo tantas belezas que nem sei onde colocá-las / Vi milhões e milhões de astros rolar sob os meus pés como as areias do mar / Vi dias ardentes como chamas / dias de verão, dias de junho, julho e agosto / noites de invernos pousadas como mantos / noites de verão, calmas e suaves como uma queda de paraísos, inteiramente consteladas de estrelas / Vi essas colinas de Meuse e essas igrejas que são minhas próprias casas / e Paris, e Reims, e Ruão, e catedrais que são meus próprios palácios e castelos / tão lindos que os guardarei no céu / Vi lágrimas de amor que hão de durar mais do que as estrelas do céu / Vi olhares de prece, olhares de ternura perdidamente caridosos / que brilharão eternamente na noite das noites / e vi vidas inteiras, do nascimento à morte / e do batismo aos santos óleos / desenrolar-se como um fuso de lã pura / E eu vos digo (disse Deus) que não conheço nada mais lindo no mundo / do que uma criança que adormece rezando / sob as asas do seu anjo da guarda / e que ri para os anjos ao adormecer / e já mistura tudo e não compreende nada / e enfia as palavras do padre nosso a torto e a direito entre as palavras da ave Maria / enquanto desce um véu sobre as suas pálpebras / o véu da noite, sobre seu olhar e sua voz / Vi os maiores santos (disse Deus), pois bem, em verdade vos digo que nada me pareceu tão gracioso e portanto tão lindo no mundo / como essa criança que adormece rezando / esse pequenino ser que adormece na confiança / e mistura o padre com a ave Maria / Nada é tão lindo, e neste ponto / a santa virgem é também da minha opinião / E posso dizer até que é esse o único ponto em que temos a mesma opinião / porquanto em geral nós divergimos / Ela é pela misericórdia / e eu tenho que ser pela justiça. (“Nada mais lindo do que uma criança...” – Charles Pierre Péguy).

sábado, 15 de outubro de 2011

FUTEBOL

As equipes do Atlético e do Coritiba, ambas do Paraná, foram infelizes na noite de quinta-feira, 13/10/2011.

Depois de vencer o Vasco no primeiro tempo, na arena da baixada, em Curitiba (2x0), o Atlético cedeu o empate e quase perde o jogo no segundo tempo. Erro tático. Recuou em demasia para garantir o placar. Contra time forte, isto equivale a suicídio. Ao aplicar essa tática suicida na rodada anterior, o Botafogo manteve a vitória conquistada no primeiro tempo, mas foi bombardeado intensamente pelo Corinthians, no segundo; o treinador botafoguense teve mais sorte do que juízo; os jogadores sofreram desgaste físico e emocional desnecessário. O treinador do Atlético paranaense não teve a mesma sorte. O Vasco reagiu no segundo tempo, intensificou o ataque, acertou nas finalizações e deu mínimas chances ao clube paranaense de contra atacar. Somente após sofrer o segundo gol, o Atlético resolveu atacar novamente. Se não houvesse abdicado do ataque desde o início do segundo tempo, certamente teria ampliado o placar e impedido a vitória do clube carioca. Conseqüência: o Atlético permanece na zona do rebaixamento.

A derrota do Coritiba diante do Fluminense foi mais fácil de digerir (3x1). O clube paranaense atuou bem, mas o carioca foi mais eficiente nas finalizações. Fred marcou os gols do Fluminense. Beneficiou-se das boas assistências dos seus companheiros. Superou o incidente fora de campo, quando agredido por torcedores, tempos atrás.

Ao saber das agressões a companheiros por torcedores descontentes com a atuação do time no campeonato brasileiro, o jogador Kleber, do Palmeiras, manifestou a vontade de mudar de clube, tal como anteriormente fizera Fred, do Fluminense, em nome da segurança própria e da família. Nos dois episódios, carioca e paulista, o problema não foi criado pela torcida – que se compõe de milhares de pessoas de bem, cumpridoras dos seus deveres para com a família e a sociedade – e sim por um grupo sem representatividade. O registro policial da ocorrência foi boa iniciativa. Nenhuma surpresa causará se for constatada ficha criminal de alguns membros desse pequeno grupo. Em geral, esses grupos são formados por arruaceiros que gostam de exibir força contra jogadores, invadir o clube, depredar instalações e veículos, como aconteceu no Corinthians em passado recente. As diretorias dos clubes e demais vítimas das agressões não devem ser complacentes com os agressores, ainda que sejam proletários que enfrentam dificuldades sociais e econômicas. O fato de alguém ser torcedor e proletário não autoriza vandalismos, arruaças, práticas criminosas. A paixão pelo time não justifica a violência. Os agressores ficam sujeitos às sanções legais pelos danos pessoais e patrimoniais causados.

Má fase do time não é óbice à permanência do jogador profissional no clube, nem justa causa para romper unilateralmente o contrato de trabalho. Risco de vida gerado pela atividade laboral não previsto em cláusula contratual tipifica justa causa para a unilateral rescisão. Crises acontecem no mundo da natureza e no mundo da cultura, nos organismos biológicos e nas instituições humanas. As crises ocorrem em momentos culminantes do processo natural ou artificial, por saturação e disfunção provocadoras de mudanças.
No mundo da cultura – criado pelo ser humano – as crises integram a dinâmica social e favorecem o progresso material, intelectual e moral. Abrem portas a novas técnicas, novos conhecimentos, novos padrões de conduta. Geram reestruturação ética e social. Caracterizam-se: (i) pela turbulência originada por questionamento da eficiência e da adequação do modelo vigente diante dos desafios de uma nova realidade; (ii) por situações aflitivas ou perigosas oriundas de alicerces materiais ou morais corroídos; (iii) por súbita alteração no status quo decorrente de fatores endógenos ou exógenos; (iv) por variáveis que apontam direções opostas. As crises podem abranger a comunidade nacional ou internacional, do que serve de exemplo a crise da economia mundial de 2008/2011; ou abranger setores da sociedade, como clubes de futebol. Da crise setorial pode resultar redirecionamento de relações internas e externas, aquisição e alienação de bens, contratação e dispensa de pessoal, e assim por diante. A mutação a partir de um ponto crítico e a adaptabilidade à situação resultante são fatos da natureza observáveis também na sociedade. O fim de um ciclo não é o fim do mundo. A vida continua.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

FUTEBOL

O mimetismo típico da conduta do povo brasileiro, conseqüência da sua origem colonial, ocorre também no futebol. A partir da exibição da seleção holandesa na copa de 1974, os treinadores brasileiros passaram a adotar a múltipla função dos jogadores. Atacante tem que ser também armador e defensor. Armador tem que ser também defensor e atacante. Defensor tem que ser também atacante e armador. Esse modelo ajustou-se bem a treinadores medrosos, que se sentem seguros na retranca. Para esse tipo de treinador, a vitória é secundária; a prioridade é evitar a derrota.

Tal modelo mostrou-se inadequado ao futebol brasileiro. Retrospecto dos jogos da seleção nestes últimos 40 anos constata essa realidade. A seleção ficou 24 anos sem vencer copa do mundo (1970/1994). Depois, no lapso de 20 anos ainda incompletos (1994/2014) ganhou uma copa (2002). Os jogadores de nível técnico apurado não ficam à vontade ao exercer múltiplas funções. Nota-se que eles não têm vocação para coringa. Há alguns anos atrás, Oséias protagonizou caso emblemático. Ao ajudar a defesa em um escanteio, saltou e cabeceou para dentro do gol. Pintura mais bem acabada de gol contra a própria equipe. Ao tomar, logo em seguida, consciência do que praticara, ele se espantou. Todos compreenderam que ele, sem pensar, agira por reflexo decorrente do seu condicionamento de atacante e faro de goleador.

Auxiliar a defesa é uma coisa, assumir a função de defensor é outra. De um modo geral, o defensor tem mais habilidade para atacar do que o atacante para desarmar. Jogadores condicionados psicologicamente a atacar carregam a probabilidade de, no desarme, sem intimidade com a função defensiva, machucar a si próprios e aos adversários, receber cartões amarelos e vermelhos por imperícia ou imprudência. Os exemplos são numerosos. A função defensiva não é a praia deles. Alguns jogadores rendem menos na seleção do que nos seus clubes porque o treinador exige que eles exerçam funções estranhas às suas especialidades. Ocasionalmente, o esquema traçado pelo treinador sufoca a habilidade do jogador. O atacante de nível excelente pode auxiliar a defesa, sem recuar além da linha intermediária, simplesmente acossando o adversário. Deixa o desarme para quem é do ramo. Acossa e se aproveita do erro do adversário. Nada de carrinhos, rasteiras, tapas e cotoveladas. Quando o adversário adianta demais a bola, aproveita para tomá-la. Quando o adversário é interceptado pelo defensor, aproveita a sobra. Estas são maneiras inteligentes de o atacante ajudar os companheiros da defesa sem comprometer o seu desempenho no ataque. Evidente que o atacante não há de evitar o confronto direto quando estiver com a bola dominada. Aí entram o seu destemor, a sua perícia e a sua determinação.

A seleção brasileira atuou bem diante de uma seleção mexicana superior à costarriquenha em valores individuais. O início do jogo foi às 23,00, horas, meridiano brasiliense (11.10.2011). Horário injustificável e abusivo. O teste foi muito bom. Torcida contra. Árbitro contra. Gol contra. Inferioridade numérica em campo. Placar adverso (Mex1 x 0 Bra). No período final, a seleção canarinho virou o placar (Bra2 x1Mex). Jefferson e Hulk aprovados. Lucas do SP acanhado. Davi Luiz atabalhoado. Quiçá, a ausência de Lúcio o tenha deixado inseguro e aumentado o peso da responsabilidade. Nos últimos jogos, Davi se mostrou temperamental. Daniel praticou falta inexplicável dentro da área. Sem razão, ele reclamou da arbitragem e recebeu o segundo cartão amarelo, ainda no primeiro tempo. Desfalcou o time. Os demais jogadores mantiveram bom nível. Destaque para Marcelo e Ronaldo. Atuaram acima da média. Brindaram o público com dois gols de bonita e eficiente execução.
Estádio do Pacaembu. 12/10/2011. Botafogo vence o Corinthians (2x0). Gols feitos no primeiro tempo. No segundo, o time carioca, desfalcado pela expulsão de Cortês, fechou-se na defesa. Correu sério risco diante da qualidade técnica do time paulista. Confronto dramático. A defesa botafoguense foi submetida a intenso bombardeio. O contra ataque tornou-se quase impossível. Apesar dos inúmeros escanteios e finalizações, os paulistas não conseguiram marcar gol. Destaque para Renan, goleiro do Botafogo, por suas excelentes defesas.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

FUTEBOL

Campeonato brasileiro. 2011. Série A. Nivelamento técnico, graças ao talento do jogador brasileiro e ao esforço dos treinadores. Pequena diferença em favor dos clubes cariocas e paulistas, como se observa nos jogos e na tabela de classificação. Vitórias de clubes mal classificados sobre clubes bem classificados, ou empates, têm acontecido com certa freqüência, a indicar essa pequena diferença de eficácia em campo. Neste sentido, afigura-se correta a orientação do treinador da Portuguesa, no campeonato da série B, aos seus jogadores: afinco em todas as partidas, independente do adversário estar bem ou mal colocado. Essa atitude mantém aquele clube em primeiro lugar na tabela de classificação e o conduzirá à série A.

Igualmente correta se afigura a orientação do treinador do Atlético de Goiás, no campeonato da série A: manter a equipe no ataque até o apito final, independente da posição do adversário na tabela. Sem medo de perder e garantido na série A, coloca em prática o princípio das artes marciais: o ataque é a melhor defesa. Empatou com o São Paulo FC (3 x 3). No jogo seguinte, fora de casa, perdeu para o Corinthians (3 x 0), placar formado no primeiro tempo. O time paulista jogou muito bem, mas não conseguiu aumentar a vantagem no segundo tempo enquanto o time goiano esteve perto de diminuí-la. O placar escondeu a boa atuação da equipe goiana. Os jogadores de ambos os times se esforçaram até o final da partida, sem afrouxamento.

O fato de um clube contratar jogador a peso de ouro não é garantia de vitória, ainda mais quando o contratado está fora de forma. Brocardo popular incidente: uma andorinha não faz verão. O desempenho de Luis Fabiano em sua primeira partida pelo SPFC após retornar da Europa, mostrou que estará em boa forma brevemente. A estréia de Adriano pelo Corinthians foi desastrosa. Pesado, gordo, manco, entrou nos 10 minutos finais da partida, arrastando-se pelo gramado. Lamentável.

As indevidas concessões do clube à torcida geram imagens constrangedoras para o jogador e negativas para o público. A rivalidade entre os clubes precipitou a estréia de Adriano. Do ponto de vista prático, pouco importava a estréia de Luis Fabiano no SPFC mais cedo do que a de Adriano no Corinthians. O importante era a volta do corintiano em bom estado, ainda que no próximo ano. A diretoria achou por bem aplacar a impaciência da torcida e refutar a verdade dos fatos exposta pela imprensa. Mais por vaidade do que para aliviar a pressão, a diretoria agiu para contestar certezas jornalísticas. A massa de torcedores é volúvel e irresponsável. Por isso mesmo, a diretoria dos clubes e as comissões técnicas precisam devotar-lhe menor importância e não permitir manipulações. A pressão externa há de ser recebida com cautela e resistência. Os clubes devem se defender da compressão.

A comparação do Santos FC com o Barcelona FC teve curta duração. A imprensa esportiva resolveu ser realista. A assertiva de que o clube santista era o melhor do Brasil mostrou-se destituída de fundamento, empolgação momentânea do clube, da torcida e da imprensa sensacionalista. O desempenho desse clube no campeonato brasileiro mostrou fragilidade. Há equipes melhores, como aquelas duas acima citadas. Nomes de jogadores são insuficientes para colocar qualquer equipe no topo. O que resolve é o entrosamento da nomenclatura com a força de trabalho da equipe. O clube santista está aquém da fama.
No que tange ao clube espanhol, o bom nível é incontestável, mas ainda falta provar em campo ser o melhor do mundo, título que ainda não conquistou e talvez nem venha a conquistar, visto que a fase da euforia se exauriu. A perspectiva mais adequada é a inversa em matéria de capacidade técnica individual e coletiva: nos clubes brasileiros, como São Paulo e Corinthians, é que devem se espelhar o catalão e madrileno. Venha o clube catalão aqui jogar com um desses clubes. Ver-se-á fogo e não só fumaça. Na Espanha, em bom nível, atualmente, só existem o Barcelona e o Real Madri. No Brasil, basta lançar os olhos na tabela de classificação do campeonato para constatar a presença de uma dezena de clubes de nível internacional.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

FUTEBOL

Seleção brasileira x seleção costarriquenha. 07/10/2011. O selecionado brasileiro esbarrou em adversário disposto a oferecer resistência e até a vencer o jogo. Quem esperava um adversário frágil, equivocou-se. O placar (1 x 0) reflete a dificuldade da equipe brasileira em vencer a adversária. A seleção brasileira não mais intimida, embora seu nível técnico ainda seja bom. As seleções dos outros países da América, da Europa, da África, da Ásia, da Oceania, evoluíram e progrediram. A jactância de torcedores brasileiros está fora de sintonia com essa nova realidade.

Erros dos jogadores e dos treinadores da seleção brasileira merecem crítica construtiva. A longa preparação do selecionado afigura-se errônea. Os gastos são grandes e inúteis. O caminho singelo é o mais indicado: um mês antes de campeonato internacional, a CBF escolherá um treinador que convocará os melhores jogadores em atividade. Certamente, o treinador dirigirá o seu olhar mais para o presente do que para o passado. Assim fizeram Feola, Saldanha e Dunga, nas suas respectivas passagens pela seleção brasileira, com bons resultados.

Nada assegura que os jogadores de hoje estejam em forma, em boas condições técnicas, físicas e psicológicas, para a copa que se realizará daqui a três anos! Até lá, os atuais jogadores podem regredir física e tecnicamente; novos e excelentes jogadores podem surgir; novos tafaréis, cafus, ronaldos, leandros damiões, pois o Brasil ainda é celeiro de craques. Por ser diferente da que ocorre em outros países, essa realidade brasileira dispensa longa preparação do selecionado. Basta um mês de antecedência. Acontece, com freqüência, de coexistirem, em nível de excelência, três ou mais jogadores para a mesma posição, o que embaraça a escolha. Os torcedores e a imprensa esportiva pressionam para que os jogadores da sua preferência sejam convocados.

Durante o campeonato nacional ou estadual os clubes sentem a ausência de jogadores convocados periodicamente. Além dos clubes, os torcedores ficam frustrados por não verem os melhores jogadores em campo e por verem o reflexo negativo na tabela de classificação. As competições de âmbito nacional ou local perdem o brilho. Urge mudar o modelo atual por outro menos dispendioso, menos desgastante, mais simples e sensato.

O desempenho dos brasileiros contra os costarriquenhos foi bom. Ronaldo Gaúcho esteve muito bem na armação. Lembrou o genial Didi, apesar de alguns passes errados, aliás, deficiência geral no futebol brasileiro da atualidade; até o Marcos Assunção tem falhado! Em 1958, dos pés de Didi, na copa do mundo, saíram mais de 20 passes, sem um único erro, todos certeiros, o que levou a imprensa francesa a considerá-lo o melhor jogador do mundo. Pelé era estreante e ainda precisava confirmar a sua genialidade, como efetivamente a confirmou na seqüência da sua carreira. Há jogadores que surgem como estrelas e que na verdade são cometas. Brilham rapidamente no céu esportivo e desaparecem. Ronaldo Gaúcho, por duas vezes, recebeu o título de melhor jogador do mundo, não pelos passes certeiros, mas por seu incrível talento como jogador de futebol. Embora concedido por uma FIFA mafiosa, ele mereceu o diploma. Continua a brilhar.

Paparicado pela imprensa, promovido pelo marketing, Neymar ainda está em ascensão, embora tenha feito o único gol, em lance de oportunismo e velocidade, no jogo contra a seleção da Costa Rica. O futuro próximo dirá se ele é estrela ou cometa. Dribla bem, com propósito exclusivamente decorativo, na maioria das vezes. Isto irrita o adversário e provoca revide violento. As jogadas decorativas mostram-se inócuas à equipe; favorecem exclusivamente o jogador quanto ao seu valor no mercado. Aliás, o Santos FC corre o risco de obter preço menos vantajoso na venda futura, comparado com o preço oferecido este ano por clubes estrangeiros, se o rendimento em campo permanecer como está, ou regredir. Constantemente, Neymar é desarmado. Em três passes erra dois. Fura ao chutar. Desperdiça penalidades. Franzino, sofre constantes quedas no gramado em choque com adversários corpulentos. Por medida de cautela, esse jogador deve ser poupado nos jogos contra seleções africanas. A probabilidade de sair quebrado é bem grande, o que trará prejuízo para ele próprio, para o clube e para a seleção.

Convém que Ronaldo e Neymar tenham maior controle dos nervos ao sofrerem faltas. Ambos serão caçados em campo mais pela fama do que pelo efetivo desempenho. Isto é esperado e faz parte da competição, motivo pelo qual os dois não devem reagir como crianças mimadas, ou como pessoas de suscetibilidade exagerada. Atletas de bom nível técnico devem se portar de modo altaneiro, sem brigas, sem reações violentas, sem palavrões. O desabafo há de vir em belas e eficazes jogadas, individuais e coletivas.

O nervosismo e o destempero indicam insegurança, reconhecimento tácito da momentânea fragilidade. Compreensível ficar nervoso quando a produção em campo está insatisfatória e o atleta sabe que ele e a equipe têm potencial para render mais. Porém, o jogador profissional deve ter controle sobre os seus nervos, procurar entender o que está ocorrendo dentro do campo e dar o melhor de si para vencer os pontos fracos detectados. Fundamental é ter autocontrole, vencer a si próprio, ter boa visão de jogo, compreender que não é a única estrela em campo, que faz parte de uma constelação. Companheiros e adversários merecem respeito.
O caçador é atleta que busca cumprir função dentro do campo; quanto mais grosso tecnicamente, mais bruto. O árbitro encarrega-se de discipliná-lo durante o jogo.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

MENSAGEM

Prezadas leitoras. Caros leitores.

O conto “Júnior, o curioso” que ora termina, foi bem mais longo do que “Venâncio, o corno”, publicado aqui em 31/07/2011. Os personagens do conto anterior eram pobres, pessoas simples, de modesto nível intelectual, que viviam na invisibilidade social. Os personagens do conto posterior desfrutam bom padrão de vida, dotados de nível intelectual acima da média. Talvez por isso, insistissem em ampliar a história. Recusavam-se a parar. Portavam-se como se fossem donos do pedaço. Cada vez que eu ia encerrar, era uma grita geral, protestos veementes dos personagens. Até de exterminador fui acusado. Há personagens que surgem e se impõem com a maior desfaçatez. O conto devia ser curto, como o anterior. Conversa de pai e filho em certa manhã de domingo. Aí, mãe e filha meteram o bedelho. Afinal, somos uma família; porque só o pai e o filho participam? Machismo? Não adiantou explicar que nada havia de discriminatório e que se tratava de simples exercício literário. As duas entraram na história voluntariosamente. Exigiram a inclusão do cachorro. Protestei: peraí, a história é de gente; não metam bicho no meio. Bastou eu me descuidar um pouco e lá estavam eles com cachorro e tudo no automóvel tipo utilitário viajando para a chácara dos pais e avós. Casal idoso, simpático, os avós entraram na história com a leveza de uma brisa primaveril. Com eles entraram os empregados da chácara, as aves, os bois, vacas, cavalos, porcos, patos, marrecos, gansos. Simplesmente, aconteceu. Tomaram conta do meu conto. Quando lancei “Capítulo Final” foi um pandemônio. Rebelião dos personagens. Mais uma vez cedi. Troquei por “Capítulo XXVII”. A rebelião foi controlada. Eles ficaram confiantes de que o conto não teria fim. Enganei-os. No tal capítulo coloquei um paradeiro a essa rebeldia das criaturas contra o criador. Finalizei com Júnior grisalho, trazendo dentro do peito a criança e o adolescente que a maturidade acumula e que nunca deixamos de ser. Recordar é reviver nossas vivências.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

CONTO

Capítulo XXVII

- Em pouco mais de seis mil anos – diz Dorotéia – a humanidade saiu do estado selvagem e atingiu elevado grau de civilização, estudando minerais, vegetais, animais, o organismo humano, a organização social dos animais racionais e irracionais, perscrutando a vastidão macroscópica do cosmos e a imensidão microscópica do átomo. Descobriu como fazer o fogo. Inventou a roda. Percebeu regularidades da natureza como as estações do ano, ciclos lunares e solares e posições das estrelas. Fundada nessa percepção, criou o calendário e elaborou mapas celestes e terrestres para se orientar no tempo e no espaço, na terra e no mar. Aperfeiçoou técnicas de plantio e colheita, de domesticação e criação de animais, de produção e distribuição de bens necessários, úteis e decorativos. Fabricou armas, munições, ferramentas, equipamentos, utensílios de barro, pedra, madeira e metal. Criou mitos, religiões, filosofias, instituições políticas, sociais e econômicas, terapias, técnicas cirúrgicas, métodos de ensino e aprendizagem. Construiu cabanas, casas, palácios, templos, pirâmides, cidades, obeliscos, pontes, estradas, barcos, navios, veículos de tração animal, motores a vapor, a combustão, elétricos, a jato. Aproveitou o fogo, a água, o vento, o sol, o gás natural, vegetais e resíduos fósseis, para produzir energia. Comunica-se pelo telégrafo, telefone, rádio, cinema, televisão, rede de computadores. A telepatia poderá ser meio usual de comunicação dentro de algumas centenas de anos, tão logo o cientista se desvencilhe do preconceito. Ondas cerebrais e expressões verbais serão concorrentes no processo de comunicação entre os humanos. Por enquanto, os estudos sobre comunicação telepática ligam-se à segurança nacional de alguns países. Antes do fim da vida biológica na Terra, a humanidade já terá suficiente conhecimento tecnológico e científico para produzir bens essenciais e viver em outro planeta.

Júnior menciona livros que trabalhavam com a hipótese de mudança de domicílio planetário e defendiam a tese de que habitantes de outros planetas se transferiram para a Terra, como os atlantes, os antigos egípcios, os maias, povos que sumiram com destino aos seus planetas de origem, a planetas diferentes, ou a outras dimensões do mundo. Tudo especulação – diz ele – porém o assunto fascina milhares de leitores e enriquece a ficção científica.

- Apesar do progresso material, avanço científico e tecnológico, desenvolvimento intelectual, parcela maior da humanidade permanece na infância espiritual e na adolescência moral – critica Isolda. A cada dedo da mão corresponde um “A”: ar, água, alimento, abrigo e amor, essenciais à vida individual e coletiva. Desses, a humanidade cuida mal dos quatro primeiros, principalmente no que tange a poluição e a distribuição. O quinto é frustrante; a humanidade ainda não aprendeu a amar. O amor a Deus e ao próximo, até o momento, é superfície esmaltada. Entre os seres humanos há muita paixão e pouco amor. O amor pela natureza, hodiernamente, parece mais real, autêntico e promissor. Em jogo, a sobrevivência da espécie.

A família habituara-se a passar fins de semana em lugarejo turístico no sopé da montanha, em algumas épocas do ano, principalmente no inverno. Em uma dessas ocasiões, no restaurante, Leopoldo notou dois casais, um septuagenário e outro sexagenário, segundo sua avaliação empírica. Acomodaram-se em torno da mesa em frente à sua. O varão mais idoso de cabelos curtos, rosto barbeado, alto, magro, olhar cansado e sem brilho de quem tudo já viu, escutou e experimentou na vida; o outro, com barba crescida, cabelos compridos em rabo de cavalo cercando a calva, de menor estatura, gordinho, olhar vivaz de quem ainda espera conhecer e experimentar mais alguma coisa neste mundo. O primeiro distante da mulher, embora sentado ao seu lado. O segundo, suavemente, alisava as costas da companheira. Carinho sem erotismo. Companheirismo afetuoso. Ela se reclinava no ombro dele e depois voltava à posição ereta na cadeira. “De um lado da mesa, frieza do hábito; do outro, calor da amizade” – pensou.

Da mesa em torno da qual a família se sentara, junto à vidraça do restaurante, Júnior via desfilar pela rua principal dezenas de motocicletas. Os motoqueiros haviam marcado aquela data e aquela aldeia para se confraternizar. O clima era de festa. O dia maravilhoso. Eles transitavam em todas as direções levando as companheiras na garupa. Havia também duplas de mulher e pilotos sozinhos, inclusive em triciclos vistosos. Diferentes marcas e tipos de motos. Casais idosos montavam em motos Harley-Davidson ou BMW. Capacetes com desenhos coloridos. A maioria usava blusa de couro, calça jeans e bota. Alguns usavam traje completo: botas, luvas, macacão de couro ou de tecido especial. Pareciam astronautas. Júnior sentiu vontade de ingressar naquela tribo, com motoca nova e namorada na garupa.

- Gostaria de ganhar motocicleta como presente de aniversário – disse aos pais.

A mãe foi contra. A moto é perigosa. Há muitos acidentes com morte ou lesões graves. Leopoldo e Isolda se manifestaram favorável ao presente de aniversário. Perigo havia em todo lugar, argumentavam eles. Acidentes ocorriam em terra, no rio, no mar, no ar. Tanto em cidade grande como em cidade pequena, acidentes acontecem. O olhar cauteloso aconselha a reduzir as chances do desastre mediante privação desse tipo de veículo. O olhar arrojado aconselha a assumir riscos e se aventurar. Viver sem emoção é vegetar. Cabe a cada indivíduo escolher a placidez do lago ou a inquietação do mar.

Júnior ganhou a motocicleta. 600 cilindradas. Japonesa. Tamanho grande, cor preta, metais niquelados, guidão alto. Rodava pela cidade e pelas estradas a caminho do mar ou da montanha. Namorada na garupa; nem sempre a mesma. Entrara para a tribo dos motoqueiros. Gostava daquela sensação de liberdade plena. Vento no rosto. Vida que segue.

O interfone tocou. O menino teve um sobressalto na poltrona da escrivaninha do escritório. A secretária anunciou:

- Doutor Rahman, o cliente chegou.

Somente no âmbito íntimo da família ainda o chamavam de Júnior. Ao tempo da faculdade, os colegas chamavam-no de Cidreira. Na tribo dos motoqueiros chamavam-no de Leô, modo abreviado de Leopoldo. Desistira de ingressar na mesma carreira do avô. Recusara o conselho de cultivar a mediocridade. Não se deixara aprisionar pela toga. Optou pelos vôos mais altos da inteligência e da liberdade. Dedicou-se à advocacia. O moço instruiu a secretária:

- Aguarde um momento.

Levantou-se, postou-se à frente do espelho, fechou o colarinho e ajeitou a gravata. Os olhos ainda estavam úmidos das emoções revividas. Vestiu o paletó. Curvou-se em direção à mesa e acionou o interfone. A secretária atendeu. Ele dita a ordem, curta e branda:

- Faça-o entrar.

O cliente apertou a mão vigorosa que lhe estendeu aquele homem grisalho, experiente nas demandas forenses, experto em assuntos jurídicos, que lhe indicava a poltrona no austero gabinete. Ambos sentaram-se. O advogado ouvia a confissão do cliente. Cessaram as recordações. Recomeçaram as lides.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CONTO

Capítulo XXVI.

No entender de Dorotéia, a reencarnação satisfaz do ponto de vista lógico somente a quem aceita as seguintes premissas: que a reencarnação obedece a uma lei natural; que o homem está encarnado em um corpo físico a fim de passar por experiências terrenas necessárias ao aperfeiçoamento; que essas experiências ocorrem em mais de uma encarnação na Terra.

- Não há evidência alguma da existência de lei natural a comandar reencarnações – Júnior se atrela à opinião da mãe. O homem não está encarnado em um corpo físico. O homem é o corpo físico. Ao entrar no escritório eu não tiro o meu corpo e o penduro no cabide para depois apanha-lo na saída. A morte do corpo é a morte do ser humano. Resta o que chamam de alma. Prefiro chamar de personalidade anímica, como faz a dona Dorotéia.

Ao dizer isto, Júnior, que se sentara no braço da poltrona, afaga os cabelos da mãe e a beija na testa. Dorotéia, sentada em patamar inferior, coloca a sua mão sobre a mão que o filho pousara em seu ombro e responde à provocação.

- Concordo contigo, meu filho. Alguns chamam espírito, alma individual e autônoma. Eu prefiro personalidade anímica, integrada à alma universal. À energia fundamental que gerou e mantém o universo em eterno movimento e progresso eu reservo o nome de alma. Todas as galáxias estão mergulhadas nesse vibratório oceano cósmico chamado alma. Ao se desligar do corpo, a personalidade anímica permanece nesse plasma inefável como se fora decalque imaterial. Ressurreição supõe morte anterior. Só ressurge quem desapareceu. O que é imortal não ressurge, porque não desaparece. Sendo expressão da alma, a personalidade é imortal. Como a parte mortal do ser humano é o corpo, a ressurreição deve ser do corpo. Entretanto, ao se tornar pó ou cinza, o corpo desaparece, perde a estrutura necessária à ressurreição. Vejo que vocês já perceberam a incompatibilidade entre a doutrina da ressurreição e a doutrina da reencarnação. Nesta última, a personalidade ocupa vários corpos no curso dos milênios. Se houvesse ressurreição, a personalidade teria de escolher um desses corpos, admitida a inacreditável capacidade de o corpo se reconstituir depois de ter virado pó ou cinza. Os demais corpos dessa mesma personalidade se manteriam no estado de poeira. Com a reencarnação ocorreria algo diferente. A personalidade retornaria – não para ocupar corpo que já se desintegrara – e sim para ocupar novo corpo em gestação ou após o nascimento.

- Há complicadores também no caminho da doutrina da reencarnação – Júnior movimenta o dedo indicador para frente e para trás à altura da fronte direita enquanto fala. Estatísticas existentes nos institutos de economia de países ocidentais revelam que a população mundial vem crescendo, menos nos países do primeiro mundo e mais nos países periféricos. A mortandade causada pelas guerras e pelas pestes não impediu o crescimento demográfico que se iniciara com os descendentes do primeiro casal de que fala a mitologia judaica, cristã e muçulmana. Novos corpos exigem novos espíritos. Supõe a existência de espíritos que encarnam pela primeira vez, sem previa personalização no mundo material. Isto fere a lógica e o bom senso, uma vez que, segundo a exposição da minha mãe, a personalidade resulta da combinação da matéria do corpo com a força vital da alma, segundo uma ordem cosmicamente determinada. Sem essa prévia combinação em nosso planeta, ou em planetas de qualquer galáxia, não haverá personalidade no mundo espiritual. A combinação de duas polaridades para surgir um terceiro elemento é vista como manifestação da lei do triângulo, pelos místicos, e como dialética, pelos filósofos.

- Realmente – Dorotéia completa a exposição do filho – não vejo necessidade alguma de aperfeiçoamento de um suposto espírito virgem que existiria sem mácula no seio da alma universal em freqüência mais alta do que a da matéria.

- Parece que o universo é um computador programado por Deus – Leopoldo não resiste a comentar o que lhe dava coceira na língua। Essa programação inclui a providência divina. Isto significa que não existe providência divina pontual, específica, excepcional, para atender singulares indivíduos e episódios. As coisas acontecem segundo mecanismo cósmico que conhecemos parcialmente. Os nossos pensamentos, desejos, paixões, atividades, acionam o mecanismo do karma, citado na doutrina hindu, entendido como a lei de causa e efeito. O karma pode ser positivo ou negativo no que tange ao prazer, à felicidade, à dor e sofrimento; atua sobre pessoas e nações. No que tange ao primeiro casal, o assunto é mitológico, como disse o Júnior. Dos atuais estudos paleontológicos, antropológicos e etnográficos, podemos sacar a probabilidade do surgimento de seres humanos em diferentes pontos do planeta, na mesma ou em distinta era geológica, obedecendo às mesmas leis biológicas. Constata-se, pois, que a espécie não teve um só primeiro casal e sim vários casais geradores de diferentes raças humanas e de diferentes tipos humanos.

- A realidade é uma só embora com muitas dimensões e níveis vibratórios nem sempre acessíveis aos sentidos humanos – repete e acentua Dorotéia. Vivemos fisicamente no espaço tridimensional. No espaço subatômico, cientistas identificam quase uma dezena de dimensões. Na esfera metafísica, não há espaço e tempo, não há dimensão, há somente níveis vibratórios. Mediante processos racionais a humanidade vai conhecendo as dimensões do mundo físico e os níveis vibratórios do mundo metafísico. Mediante processos irracionais, como o êxtase místico, o indivíduo intui aquelas dimensões e aqueles níveis vibratórios.

- Vejo a tradição como elemento comum à religião e à ciência – Leopoldo aproveita o ensejo para expor algumas idéias. Na religião, vejo o legado das escrituras e o conjunto de crenças e rituais transmitidos de geração a geração. Na ciência, vejo o legado dos estudos e pesquisas profanos e o conjunto de conhecimentos transmitidos de geração a geração. Ambas apóiam-se na fé. A religião, na fé irracional. A ciência, na fé racional. Desde as primeiras civilizações até a medieval, o sacerdócio religioso foi de fundamental importância para o desenvolvimento das artes e das ciências. A partir da renascença, ou da segunda metade da idade média, conforme a visão de cada historiador, a ciência vai se despregando da teologia até adquirir autonomia na idade moderna. O dogmatismo da religião passou, então, a ser entrave. Rogério Bacon, Galileu, Copérnico, Descartes, Newton, Einstein, revolucionaram o conhecimento humano, ao lado de outros que sofreram constrangimentos e até perderam a vida porque ousaram pensar, estudar, pesquisar, sem subordinação à igreja. Atualmente, o sacerdócio religioso não é mais aquela fonte idônea para explicar fenômenos naturais e fatos culturais. Idônea para essa tarefa é a ciência. Muito mais do que qualquer religião, o conhecimento científico e tecnológico contribuiu para a evolução da humanidade, assim como os esportes, com suas regras éticas e competições mundiais, têm contribuído para a fraternidade universal. Ciência, tecnologia e esportes são de fundamental importância para a humanidade. Esses fatores influíram no despertar da consciência ecológica dos povos da idade contemporânea. Já a religião e a política são fontes de conflitos entre culturas, nações e indivíduos.

- O inglês Thomas Hobbes, no século XVII e o genebrino Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII – novamente Júnior tira proveito dos seus estudos jurídicos – reconhecem a existência de um primitivo estado selvagem e atribuem à natureza humana, a passagem para o estado civilizado. Hobbes afirma a maldade inata do ser humano que gerou a guerra de todos contra todos, o que exigiu a racional decisão de se adotar um governo a fim de evitar o extermínio. Rousseau afirma a bondade inata do ser humano que levou a um tácito contrato social em que os contratantes abdicam da plena liberdade que gozavam para viver sob a tutela das regras ditadas pelos próprios destinatários e executadas por um governo. Em suas teorias, Hobbes privilegiou a força demoníaca, sem ignorar a bondade humana; Rousseau privilegiou a força angelical, sem ignorar a maldade humana. O pensamento da minha mãe coincide com o desses pensadores: a estrutura do ser humano se compõe de duas forças: a demoníaca, com seus pólos positivo e negativo, e a angelical, com seus pólos positivo e negativo.

sábado, 1 de outubro de 2011

CONTO

Capítulo XXV.

- Estou sentindo que é nesse ponto que a senhora e o papai divergem – Isolda fala como se houvesse descoberto um segredo.

- No que tange à humildade, não há discrepância entre a minha opinião e a da sua mãe – Leopoldo explica aos filhos. A diferença está no cenário. Não acredito absolutamente em reino de Deus separado dos reinos da natureza e da cultura. Creio na unidade do mundo e na multiplicidade das faixas vibratórias. Não acredito no juízo final. Juízo é operação mental própria do ser humano e que exige o cérebro como instrumento, tal como o conceito e o raciocínio. As personalidades desencarnadas intuem diretamente as coisas, sem necessidade de cérebro e dessas operações. Jesus está desencarnado, portanto, não formulará juízo algum. Se aceitarmos a proposição de que Deus não se confunde com Jesus, nem com qualquer outro ser existente no universo; que Deus é energia imanente e transcendente em concomitância; que Deus é luz, vida e amor; então, não haverá sentido atribuir-lhe cérebro e operações mentais a que estão sujeitos os seres encarnados. Se Deus é onisciente, onipotente e onipresente, então, ele tudo sabe por intuição direta, sem necessitar de órgãos físicos e das operações próprias do entendimento humano. Assemelhar Deus aos seres humanos é equívoco e o juízo final, grosseiro embuste.

Curioso e sedento por uma discussão entre os pais, Júnior refere-se a outros pontos de divergência. Isolda vibra no mesmo diapasão. “O cenário é mais amplo”, ela dizia para estimular a conversa. Leopoldo se prontifica a responder, embora em tom de encerramento e disposto a se recolher ao quarto de dormir, disto prevenindo os filhos.

- Penso que a divisão entre reino espiritual e reino material tem apenas importância didática. O reino divino abrange todas as galáxias, os reinos mineral, vegetal e animal, os universos paralelos, tudo vibrando em freqüências distintas. Vocês observaram o Rex? O nosso cão sente e ouve coisas que nós não sentimos e não ouvimos. Quando Dorotéia, longe da vista, a quilometro de distância, está para chegar de automóvel, Rex, no quintal, ergue a cabeça e fica de orelha em pé a espera. A sensibilidade do cachorro aos estados psíquicos do dono impressiona. Sentem quando o dono está saudável e quando está doente. “Só falta falar” dizem as pessoas ao notarem o cão sem adestramento atender ao comando verbal do dono. Mais do que o som das palavras, o cachorro capta a vontade do dono telepaticamente. Há vibrações percebidas pelos cães que os nossos cinco sentidos não registram. Segundo a Física, matéria é energia na sua origem e elementar expressão. A natureza dessa energia é vibratória. A vibração ocorre em freqüências distintas. Essas freqüências geram diversos campos de energia. Isto conduz a uma realidade mais ampla do que a percebida pelos cinco sentidos humanos, tanto na direção da baixa como da alta freqüência. O denominado mundo espiritual faz parte dessa realidade. Cuida-se de um campo de alta freqüência vibratória do qual o ser humano toma consciência esporadicamente pela intuição. Na opinião de René Descartes, a glândula pineal, localizada no centro do cérebro, é o órgão sensorial dessa intuição.

- Assim como nossos primitivos ancestrais – Júnior dá sinais exteriores de espírito crítico e tece algumas considerações – continuamos a crer em espíritos que falam e sentem como os humanos; que o chamado mundo espiritual é uma réplica do mundo material. Não creio que isto seja verdadeiro e sim que no mundo espiritual desaparecem as preocupações vividas no mundo material. Eventuais compensações por desvios de conduta são realizadas no mundo material, segundo a lei do karma. Pecado e crime são fatos e noções do mundo material. Tudo isto desaparece no mundo espiritual, campo vibratório de superior freqüência, como diz o senhor, meu pai. Nesse campo, as personalidades anímicas estão mergulhadas na lucidez e no amor da alma universal, sem os entraves da matéria. Nessa sublime realidade não há lugar para castigo e purificação. Cada personalidade ocupa o nicho compatível com a sua freqüência vibratória.

- Entre a minha opinião e a do seu pai há certa convergência – Dorotéia intervém com brandura. Acreditamos que no chamado mundo espiritual há personalidades que viveram entre nós e passaram pela transição; que podemos nos comunicar com essas personalidades; que tal mundo não tem estrutura atômica; situa-se fora do espaço e do tempo. Divergimos quanto à reencarnação das personalidades. Leopoldo nela acredita; eu, não. Penso que a personalidade anímica não tem existência individual, separada da alma universal.

- Desde a mais primitiva organização tribal, os silvícolas acreditavam na reencarnação dos ancestrais. No Oriente essa crença é antiga e permanece até hoje. No Ocidente, tornou-se um dos pilares do espiritismo e da doutrina mística.

- Apesar disto, Leopoldo, você sabe que tenho sérias restrições a essa tradição. Vejo muita crendice e pouca verdade. Essa crendice, no Ocidente, foi enxertada com uma indevida aplicação da teoria da evolução. A teoria de Charles Darwin se presta para explicar fenômeno natural que ocorre no planeta Terra e não para justificar doutrina religiosa. A reencarnação do mesmo Dalai-Lama, sempre um tibetano, líder de uma das seitas budistas, afigura-se ilusão provocada pela comunicação telepática entre a consciência da comissão investigadora e a consciência do investigado; simpatia entre investigador e investigado contribui para a escolha. O Dalai-Lama acumulava a função de pontífice com a chefia de Estado. Assim, o reencarnado devia pertencer à nação do Tibete. Separadas as funções, o Dalai-Lama poderá, sem óbices políticos, visitar qualquer nação que se disponha a recebê-lo como pontífice.

- Vejo aí, implícita, a essência do seu pensamento sobre tal assunto – comenta Júnior.

- Eu também – ajunta Isolda.

- Vou explicitar – prontifica-se Dorotéia. Se domar o desejo, o ser humano pode atingir estados de consciência elevados e chegar ao nirvana ainda em vida, sem passar pela roda de reencarnações mencionada por Sidarta Gautama, o primeiro buda. Após a morte do corpo, a personalidade anímica permanece onde sempre esteve: no seio da alma universal, oceano cósmico em que está mergulhado todo o universo. Não existe alma isolada, individual, no interior do corpo e sim uma personalidade formatada a partir do nascimento com vida e integrada à alma universal. Em não havendo alma individual, não há falar em reencarnação do indivíduo. O cadáver decompõe-se quimicamente. Vira pó, quando sepultado; vira cinza, quando cremado. Ressurreição e reencarnação não se sustentam diante dos fatos da natureza. Tais crenças resultaram da enganosa esperança de imortalidade de quem escreveu os textos religiosos. Produto da ignorância do passado, essas crenças são incompatíveis como o estágio atual do conhecimento. Personalidade alguma volta do mundo espiritual para ocupar um corpo que não existe mais, ou um novo corpo que ainda está no útero materno, ou que acabou de ser expelido. Ademais, esse retorno exigiria redução da freqüência vibratória, o que contraria a progressividade característica da energia fundamental. Em sendo matéria, o corpo vibra em baixa freqüência. A natureza não dá saltos. Logo, admissível o axioma: a freqüência vibratória é progressiva do mundo físico ao mundo espiritual. Não há retrocesso. Segundo o preceito místico “assim como encima, é embaixo”, cada faixa vibratória tem a sua própria freqüência, da esfera física à metafísica; diferentes tonalidades do teclado cósmico; acordes da mesma sinfonia.

Ao encerrar a explicação, Dorotéia diz que a personalidade anímica, após a morte do corpo, liberta-se das limitações da matéria e transita para faixa de superior freqüência no seio da alma universal; que desconhece a extensão desse teclado cósmico, se é limitada ou ilimitada; provável que a personalidade anímica vivencie luz maior e prossiga por freqüências mais elevadas sem abandonar o mundo espiritual; possível que algumas personalidades, seres iluminados, estacionem em alguma faixa vibratória daquele mundo com o propósito de orientar a humanidade, como os budas ou bodhisattvas, referidos na doutrina budista.

- Eu tenho a impressão de que a senhora já tocou neste assunto – Isolda faz breve comentário de aveludada censura, temperado com malícia, a fim de mordiscar a vaidade da mãe.

- É mesmo? Sintoma da terceira idade embora eu nem tenha completado 50 anos. Aliás, teus avós não são repetitivos, apesar de septuagenários. Conto com a tua benevolência. Receba a repetição como reforço das minhas idéias. – Embora falando baixo, Dorotéia estava irritada, pois percebera a intenção oculta na expressão da filha.

- Será a terceira idade de uma mulher simpática, bonita, lúcida, inteligente – atalha Júnior, animadamente, como fã incondicional da mãe.