segunda-feira, 31 de março de 2008

Reforma política II

O senado simboliza a sabedoria de pessoas amadurecidas no trato dos superiores interesses da nação. No caso do Brasil, isto não ocorre. Aliás, nem Marx resistiu à prova da experiência. A URSS se esfacelou. Homens grosseiros, beberrões e incompetentes burocratizaram-na e criaram uma classe de privilegiados. Gorbachev, lúcido e bem educado, inspirador e fiador do PAD - Programa de Aceleração do Desenvolvimento Social e Econômico, assinou o atestado de óbito da federação. Deng Xiaoping mandou a revolução cultural às favas e abriu caminho às práticas capitalistas na China. O governo de qualquer país deve ser exercido pelos cidadãos mais preparados do ponto de vista moral, intelectual e profissional. Cuida-se de mandamento da razão e do bom senso. Neste sentido é que Platão recomendava a direção da república aos filósofos. Lech Walesa e Luiz Inácio foram eleitos. Os seus partidos (alguns membros) usufruíram as benesses. Os trabalhadores, em geral, ficaram a ver navios.

O Brasil, realmente, necessita de reforma moral, política e tributária. Entretanto, na esfera político-partidária falta gente confiável para realizar tarefa dessa envergadura. Em uma reforma para valer, a elaboração das leis caberia a uma assembléia nacional. Cada Estado dividir-se-ia em 4 distritos. Cada distrito escolheria 1 deputado. A assembléia nacional teria 104 deputados, número mais do que suficiente para a função legislativa. Não haveria uma segunda câmara. O sistema seria unicameral. Para ser eleitor, o brasileiro devia ter a idade mínima de 21 anos e estudos de primeiro grau completo. O exercício do direito de voto seria vedado a quem estivesse cumprindo pena. Para ser eleito, o brasileiro devia estar no pleno exercício dos direitos políticos, em dia com os deveres relativos à família, ter a idade mínima de 35 anos, nível de escolaridade superior completo, reputação ilibada, ficha criminal limpa, atividade profissional honesta. Em nível municipal, o candidato devia ter a idade mínima de 30 anos e segundo grau completo mantidos os demais requisitos.

Democracia jamais significou acesso de vagabundos, delinqüentes e gente desqualificada aos poderes do Estado. A reestruturação do Poder Executivo pode ter como guia, o lema da bandeira nacional (ordem e progresso). Ao Chefe de Estado, eleito pela assembléia nacional para o cargo vitalício, caberia cuidar da ordem, auxiliado por um departamento de defesa, um departamento de justiça e um tribunal de ética. Na chefia do departamento de defesa se revezariam, a cada biênio, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O departamento de justiça, chefiado por um profissional do direito nomeado pelo Chefe de Estado, abrangeria o tribunal de contas, o ministério público e a polícia. O tribunal de ética, presidido pelo Chefe de Estado, teria por missão processar e julgar o Chefe de Governo, os parlamentares federais e os juizes dos tribunais superiores, nos crimes de responsabilidade e nas infrações à ética e ao decoro. O número de juizes desse tribunal seria igual ao número de Estados federados. Cada Estado indicaria um juiz eleito pela assembléia legislativa (excluído o Distrito Federal). Ao Chefe de Governo, eleito pelas assembléias estaduais para um mandato de 8 anos, sem reeleição, caberia cuidar do progresso da sociedade brasileira, auxiliado pelas secretarias do planejamento, dos assuntos econômicos, dos assuntos sociais e das relações exteriores (extinção dos ministérios).

Reforma política

Emenda constitucional deverá assimilar a modificação ditada pelo povo e criar, inclusive, um Conselho Eleitoral, como órgão soberano da sociedade civil, competente para fiscalizar os senadores e revogar os mandatos daqueles que se mostrarem indignos. A sociedade civil deve tomar as rédeas da reforma política, da moralização dos costumes, dos pontos fundamentais para tornar a ação política séria, honesta e eficaz. Segundo J. F. Kennedy não devemos perguntar o que o país pode fazer por nós e sim o que nós podemos fazer pelo país. Vistosa na sua expressão, a frase encerra um equívoco. Evidente que o país, assim entendido o território de um Estado soberano, nada pode fazer por nós. Quem pode e deve fazer muito por nós é o governo desse Estado. Dos governantes é lícito esperar conduta honesta, honrosa e voltada para o interesse público. O povo se organiza em Estado justamente para que o governo trabalhe em prol do bem comum. Os cidadãos fazem o que lhes cabe. Trabalham, estudam, aperfeiçoam-se, constituem família, pagam tributos, cumprem as leis, criam a riqueza da nação e votam nos seus representantes. Recusar os candidatos a deputado federal nas eleições de 2010 é instaurar a reforma política e moral. O eleitor aproveitará a força do voto para iniciar as mudanças estruturais sem apelar para as armas, recurso último contra os que tentarem obstruir o caminho do povo. Os nossos filhos e netos esperam de nós esse ato de coragem e independência. Está em nossas mãos fazer do Brasil uma república democrática de fato e de direito. Teclar zero na eleição para deputado federal longe de ser um desserviço à sociedade é um dever cívico dos cidadãos brasileiros para sanar a crise ética que assola o parlamento. Bem mais fácil será controlar algumas dezenas de senadores do que centenas de deputados. O tesouro terá enorme economia com a extinção da Câmara dos Deputados.

sábado, 29 de março de 2008

Ódio na política

Na democracia, governa o partido ou a aliança partidária que vence o pleito eleitoral. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores está no governo. O seu candidato e presidente de honra venceu as eleições, tomou posse e entrou em exercício no cargo de Presidente da República. O PT deve essa vitória à imagem que construiu e projetou na sociedade brasileira e na comunidade internacional, de um partido comprometido com a ética, com os valores sociais e com a dignidade da pessoa humana. Inspirou confiança por ser um partido construído a partir da classe obreira, que tem em seus quadros trabalhadores intelectuais, técnicos e manuais, cujo propósito era o de reduzir as desigualdades sociais, acabar com a fome, elevar o padrão de vida dos desafortunados, aumentar a produção de bens e as oportunidades de emprego, promover a reforma agrária, tornar a educação e a saúde acessível a todos, aliviar a carga tributária, o que seria possível mediante um modelo econômico oposto ao modelo neoliberal, então em vigor (1995/2002), que só aumentara a riqueza dos ricos, empobrecera a classe média e tornara miserável a classe pobre.

O carismático líder do PT, por sua história de pobreza, de luta política e ascensão social, dava credibilidade a esse magnífico e humanístico programa que empolgava os pobres e os remediados. Em contrapartida, despertava desconfiança na camada social que tem as rédeas da economia e da política no Brasil. Cônscio da força desse estamento que o derrotara 3 vezes, que colocara e apeara Collor, que mantivera Fernando Henrique no governo, Luiz Inácio começou, já na campanha, a fazer acenos de cordialidade com o mote “Lulinha paz e amor”. Os votos estamentais foram para José Serra. Apesar disso, logo após a vitória e a fim de tranqüilizar a elite, Luiz Inácio correu para os braços de Bush a lamber as texanas botas. Garantiu subserviência aos EUA e FMI, e apoio financeiro (direto ou indireto) aos títeres daquele país no Brasil (jornais e emissoras de televisão).

Para se mostrar superior e servindo-se dos assessores e da imprensa subvencionada, Luiz Inácio passou a criticar a política do governo argentino, cuja economia só prosperou após enfrentar, de modo corajoso e soberano, as exigências do FMI. Nestor Kirchner colocou os interesses do povo argentino acima dos interesses dos credores e dos organismos internacionais, enquanto Luiz Inácio procedeu de modo inverso. Aquele agiu como estadista; este, como sabujo. O presidente brasileiro e seus auxiliares não tiveram competência, muito menos, coragem e vontade política, para montar um novo e prometido modelo econômico. Não sabiam como governar nem como instituir uma economia oposta à vigente. Prometeram ao povo o que não podiam cumprir, o que não sabiam fazer. Para escapar da enrascada decidiram trilhar o caminho mais fácil, aberto pelo governo anterior. Antes de assumir o governo, reuniram-se com a equipe econômica de Fernando Henrique, receberam instruções de como manter e tocar adiante o modelo neoliberal. Seguiram a cartilha à risca. Colocaram um tucano no Banco Central, esperto em práticas ilícitas, como a remessa de dinheiro para fora do País, e um condescendente no Ministério da Fazenda, esperto em arrecadar dinheiro para o partido, participar de festinhas em Brasília e violar sigilo bancário. Os dois mantiveram as taxas de juros em patamar elevado, prejudicando o povo brasileiro e setores da economia nacional, a fim de proporcionar lucros fabulosos aos bancos. Isto não foi de graça. Este é um país capitalista. Ninguém proporciona estrondosos lucros a terceiros sem receber algo em troca. Está aí, certamente, uma das fontes de arrecadação de fundos para alimentar o projeto petista de governo de longo curso.

A “perda” da CPMF foi compensada pelo aumento de alíquotas de tributos e de tarifas praticadas pelas concessionárias de serviços públicos das quais uma fatia generosa vai para os cofres do governo. Em sua extemporânea campanha eleitoral, apoiando-se no PAC e no programa “Territórios de Cidadania”, Luiz Inácio ataca os seus opositores políticos, culpando-os por aquela “perda” cuja arrecadação destinava-se aos pobres. Sofisma e descaramento. Pelo tempo que vigorou a CPMF, inclusive durante os 5 anos do seu governo, o Brasil deveria ter a mais sofisticada e eficiente assistência médica e hospitalar do mundo, para os pobres e remediados, com médicos e enfermeiros muito bem pagos. No entanto, todos sabem o estado miserável em que se encontra o setor de saúde no Brasil. Na sua extemporânea campanha, Luiz Inácio tenta enganar o eleitorado. Exibindo euforia artificial, afirma o sucesso da economia. A verdade é bem outra: a dívida é superior a 1 trilhão e 300 bilhões de reais; não foi paga ainda; as reservas internacionais são bem inferiores; o déficit da balança comercial atinge a casa dos 12 bilhões de dólares; o crescimento da economia podia ter sido bem superior, o dobro, pelo menos, do apresentado nos últimos 5 anos, tendo em vista a favorável conjuntura internacional. O Brasil ficou na rabeira da Índia, da Rússia e da China. A enganação de Luiz Inácio é bem refletida na sua atitude jocosa, quando diz – certamente mentindo ou fazendo graça para a platéia – que telefonou a Bush e pediu que ele resolvesse a crise dos EUA para não atrapalhar a economia brasileira em franco desenvolvimento.

O PT não desperta ódio naqueles que nele confiaram. Desperta revolta e nojo. Ódio, arrogância e safadeza têm demonstrado os seus representantes nos diversos escalões da República e no Congresso Nacional. Os petistas têm demonstrado raiva e ódio contra todos aqueles que desvendaram a sórdida e oculta face do PT; têm raiva e ódio daqueles que investigam ou pretendam investigar os gastos ilícitos da presidência da República; formam tropa de choque na CPI dos cartões corporativos para proteger a canalha. Esse esforço para blindar o presidente da República e sua quadrilha é a tácita confissão de que houve ilícitos penais e administrativos. Trata-se de esforço para encobrir a corrupção e assegurar a irresponsabilidade e a impunidade de Luiz Inácio e seu bando. O sigilo das contas da presidência da república ou de qualquer órgão público é impostura. Na república democrática não existe tal sigilo. Todos os gastos devem ser comprovados e previamente autorizados. O saque de dinheiro público, por agente público ou privado, mediante cartão de crédito é inconcebível. Aceitável no setor privado, o cartão corporativo é inaceitável no setor público, onde vige a legalidade estrita e a indisponibilidade do dinheiro e do patrimônio público. A destinação da verba pública tem de ser específica e dentro das formalidades que assegurem a fiscalização e o controle.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Direito de fugir

A supremacia do direito natural sobre o direito positivo justifica-se pela precedência do ser humano diante do Estado. Preceitos de direito natural vêm enunciados no preâmbulo e positivados no artigo 5º da Constituição brasileira de 1988. A vida e a liberdade estão entre esses direitos fundamentais. O direito positivo poderá cassar esses direitos naturais diante de certas situações, como a guerra e o crime. O condenado em processo criminal poderá perder (i) a vida, se aplicada a pena de morte (ii) a liberdade, se aplicada a pena de reclusão ou detenção.

Ao responder pergunta sobre a extradição de um escroque internacional condenado no Brasil e homiziado na Itália, juiz do STF mencionou a fuga como um direito natural do preso. Isto causou perplexidade entre algumas pessoas, conforme se viu das cartas dos leitores e de artigos em jornais. O modo tortuoso de expressar pensamentos dificulta o entendimento até de quem está habituado à linguagem técnica e específica do direito. O referido magistrado concedera habeas corpus em favor do escroque, fundado nas leis brasileiras, quiçá, as mais condescendentes do planeta. No Brasil, o condenado a 30 anos de reclusão cumpre 1/6 da pena e sai para atividades externas. Além disso, pode sair da prisão para visitar parentes na páscoa e no natal. Alguns aproveitam a ocasião para praticar novos crimes. Antes da sentença condenatória, o preso pode ser posto em liberdade quando: (i) a pena prevista para o seu crime é fraca (ii) o crime for afiançável (iii) houver demora nos trâmites processuais.

Mesmo com as facilidades legais, há réus que preferem a fuga. O sentenciado tem a obrigação de cumprir a pena que lhe foi imposta no devido processo legal. A fuga significa violação dessa obrigação jurídica. Logo, a fuga não pode tipificar um direito. Apesar de a liberdade ser um direito natural, ao cometer um crime o agente perde esse direito e só o recupera depois de cumprir a pena a que for condenado. No caso Cacciola, por exemplo, não havia sentença condenatória. O acusado valeu-se do direito de responder ao processo criminal em liberdade, certamente, porque preenchia os requisitos legais. A sua obrigação era a de permanecer no país e comparecer a todos os atos processuais. Ao fugir, o acusado rompeu o compromisso e perdeu o direito à liberdade. O processo seguiu os seus trâmites. Sobreveio sentença final que condenou o réu a pena privativa de liberdade. Ao ingressar no Brasil, o réu deverá ser preso e cumprir a pena. Se for primário e tiver bom comportamento, logo estará solto. O legislador brasileiro é muito bonzinho.

O juiz concede liberdade aos bandidos porque a lei assim o determina. A lei é elaborada pelos deputados e senadores. Algumas vezes, o projeto de lei vem do Executivo. Ao facilitarem a vida dos delinqüentes, os legisladores, talvez, estivessem pensando no seu próprio futuro e se prevenindo. Cabe lembrar que o Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados) tem sido o abrigo da escória da sociedade. Para defender a manutenção dessa casa de salafrários, os ingênuos e os mal-intencionados repetem a arenga do “ruim com ele, pior sem ele”. Nada mais falso. Nada mais cômodo para quem prefere a inércia. Há meio legítimo para limpar aquela sujeira. Basta reestruturar o Poder Legislativo, tornando-o unicameral, limitando o número de deputados a 4 por Estado, exigindo dos candidatos idade mínima de 35 anos, nível de escolaridade superior, pleno exercício dos direitos políticos, reputação ilibada, ficha criminal limpa, cumprimento das obrigações com a família, domicílio no distrito. Ter-se-á um Legislativo enxuto e de fácil controle popular. O parlamentar perderá o mandato por infração da ética ou do decoro, mediante decisão de um tribunal de ética soberano. Cada Estado indicará 1 juiz eleito pela assembléia legislativa, para integrar o tribunal de ética. Como faltam condições morais à maioria dos deputados e senadores para uma reestruturação desse jaez, cabe ao povo se organizar e promover a mudança. Considerando que o povo não está, efetivamente, representado no Executivo e no Legislativo, cabe a esse mesmo povo agir diretamente e implantar a nova ordem moral, política e tributária.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Fúria Inaciana

Luiz Inácio endoideceu quando um juiz levantou a hipótese de ser ilegal a implantação do programa “Territórios da Cidadania” em ano eleitoral. Cargos eletivos municipais estarão em disputa. O presidente e a sua base política percorrem os municípios brasileiros alardeando as virtudes desse programa e, de lambuja, as do PAC. Em ato público e discurso destemperado, Luiz Inácio injuriou o magistrado com palavras e atitudes desrespeitosas e grosseiras. Disse que o juiz não devia meter o nariz em assunto que lhe não competia; que se ele queria ser político, devia se demitir do cargo e entrar para a política, onde poderia dizer as asneiras que quisesse. Os gestos foram mais insultuosos do que as palavras. Luiz Inácio aparentava embriaguez. Estaria movido a álcool. Isto não exclui a imputabilidade penal. Quando muito, o ofensor pode ter a pena reduzida se a embriaguez, proveniente de caso fortuito, o incapacitava de entender o caráter ilícito da sua conduta. Poderia, até, ficar isento de pena se a embriaguez fosse completa (CP 28). Luiz Inácio violou (i) normas convencionais da boa educação (ii) compromisso de cumprir a Constituição e observar as leis. Menosprezou princípios fundamentais: dignidade da pessoa humana e harmonia entre os Poderes da República. Abusou do poder político ao liderar propaganda extemporânea e atacar membro de outro Poder (CF 1º, III; 2º; 78; 85, II; LC 64/1990, 19/22; lei 4.737/1965, 237, 240, 326).

A linguagem grosseira e de baixo calão é uma característica de Luiz Inácio que as autoridades do Legislativo e do Judiciário não estão obrigadas a suportar. Do ponto de vista jurídico e institucional, não há vínculo de subordinação entre essas autoridades. O equivocado título dos juízes do Supremo Tribunal Federal – STF, faz Luiz Inácio – e parte da população – pensar diferente. Ministro é subordinado ao chefe de governo; ora, membro do STF é ministro; logo, membro do STF está subordinado ao chefe de governo e, como tal, pode levar descompostura, mesmo em público. Do ponto de vista individual, os membros do STF podem incorporar o espírito de ministro e se curvar aos interesses, ao comando e até às eventuais ofensas do Executivo. Entretanto, esse não é o caso da atual composição do STF, cujos membros têm demonstrado independência, coragem e cultura próprias de juizes togados. Esse colegiado está se revelando o melhor dos últimos 45 anos. A assertiva de que o presidente da república é o magistrado supremo da nação constitui outro equívoco. Falta-lhe, para tanto, função judicante. Além disso, eventualmente, em nível pessoal, pode lhe faltar também virtude moral e preparo intelectual. O presidente está sob jurisdição do Senado (crimes de responsabilidade) e do STF (crimes comuns). Atos políticos (ex: veto) e administrativos (ex: escolha de titulares de cargos) do presidente, estão sujeitos ao exame e aprovação (ou rejeição) do Legislativo. A supremacia do presidente é conjuntural e personalizada, quando obtém maioria no Legislativo, comprada a peso de ouro, para garantir a imoralidade, a antijuridicidade e a impunidade.

No seu destempero, Luiz Inácio esqueceu que o Superior Tribunal Eleitoral – STE, além de órgão jurisdicional é, também, órgão de consulta (lei 4.737/1965, 23, XII) o que dá aos seus juízes liberdade para se manifestar sobre matéria eleitoral sem a vedação da lei orgânica da magistratura (LC 35/1979, 36, III). Aliás, como acontece com a lei de imprensa, dispositivos incompatíveis com o espírito da Constituição de 1988, devem ser expurgados dessa lei. Antes do pronunciamento do juiz não havia processo pendente de julgamento sobre o assunto. A iniciativa para instauração de processo foi posterior. Ademais, o caráter oportunista e eleitoreiro do lançamento do programa em ano eleitoral é por demais evidente para escapar ao senso comum. O alvo da censura não é o programa e sim a época do seu lançamento. No entanto, na sua conveniente embriaguez, Luiz Inácio, de maneira esperta e demagógica, jogou os destinatários do programa contra a autoridade judiciária e, de roldão, contra os opositores políticos. Longe da asnice, o juiz presidente da corte eleitoral tratara o assunto com propriedade e parcimônia, preventivamente, a fim de evitar manifesta ilegalidade no campo eleitoral. Do discurso de Luiz Inácio extrai-se a presidencial opinião de que asneira tem sede própria no Executivo e no Legislativo. Talvez, o juízo depreciativo se aplique aos ministros e subordinados no âmbito do Executivo, porém, estende-lo aos parlamentares é quebrar o decoro e a harmonia.

Célula-tronco

A utilização de células-tronco obtidas de embriões humanos fertilizados in vitro foi amplamente discutida nos trâmites do projeto de lei no Congresso Nacional e da ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Lá e cá, foram ouvidas pessoas representativas no campo da ciência e da religião. O assunto circulou na rede de computadores, em jornais e emissoras de TV. A opinião do povo foi objeto de pesquisa. O dogma religioso, o conceito filosófico, a explicação científica e a opinião pública, embora não sejam determinantes, podem orientar o legislador na solução normativa do problema social. Em tese, a necessidade geral, a utilidade pública e o interesse social são os critérios determinantes na escolha da variável que se tornará lei. No Brasil, o interesse particular, argentário e politiqueiro tem sido o fator determinante nos últimos 13 anos. Apesar disso, a solução normativa pode contrariar interesses e opiniões setoriais a fim de cumprir a missão de pacificar o entendimento sobre questões controvertidas

Nessa toada, o legislador permitiu aquela utilização para fins de pesquisa e terapia, desde que os embriões sejam inviáveis ou estejam congelados por 3 anos ou mais, e que haja consentimento dos genitores. A lei (11.105/2005) considera atividade de pesquisa a realizada em laboratório como parte do processo de: (i) obtenção de organismo geneticamente modificável (ii) avaliação da biossegurança desse tipo de organismo. O Procurador-Geral da República, autor da ação judicial, alega violação da dignidade da pessoa humana e da garantia de inviolabilidade do direito à vida. O caráter teratológico da ação recomendava o indeferimento de plano. Inequívoca e indisfarçável a sua clerical e obscurantista inspiração. Se o STF não é academia de ciências, como disse a juíza-presidente, também não é tribunal eclesiástico. A veste constitucional da ação encobre o verdadeiro desiderato: impor o dogma católico à nação. Isto não se compadece com a liberdade de consciência e de crença (CF 5º, VI). O Brasil é uma república laica e democrática. Os brasileiros professam diferentes credos. Os valores comuns a todos os cidadãos devem prevalecer sobre os setoriais. A expressão “ética da responsabilidade”, com a qual se procura condenar a pesquisa científica, encerra um pleonasmo, apesar da autoridade de Max Weber. Responsabilidade é categoria própria de ciência normativa. Da norma deriva a responsabilidade dos seus destinatários, cuja atividade está submetida a controle ético e jurídico.

A destacada referência à vida humana nas diretrizes traçadas pela citada lei, tem remota origem religiosa. Supõe o ser humano criado diretamente por Deus. Inclui-lo no reino animal seria rebaixa-lo. Para a ciência, a espécie humana resultou de um processo evolutivo no reino animal. O ser humano é um animal racional, um animal político, segundo Aristóteles. No intuito de atenuar a servidão humana, o legislador cria um fundamento moral para distinguir a vida humana da vida animal: a dignidade da pessoa humana. Sem o reconhecimento desse princípio, o ser humano pode ser tratado como cachorro, como acontece com brasileiros em país estrangeiro ou nas delegacias de polícia e favelas.

Na sessão de julgamento (05/03/2008), atuaram o Procurador-Geral e os advogados do Legislativo, do Executivo e de instituições civis e religiosas. Após o voto do juiz-relator, o menos antigo dos juízes pediu vista dos autos. Devolvê-los-á até a segunda sessão ordinária subseqüente, consoante regimento interno (art.134). A juíza-presidente concordou com a decisão do relator de que não houve ofensa à Constituição e antecipou o voto. A inviolabilidade do direito à vida é assegurada aos brasileiros, ou seja, a quem nasce com vida (CF 5º,14; CC 2º). O nascituro não é sujeito de direito. Falta-lhe personalidade civil. O dispositivo legal impugnado refere-se ao embrião humano fertilizado in vitro e congelado, diferente, pois, do nascituro. Não tem cabimento equiparar ao aborto, a extração de células de tal embrião. Há diferença abissal entre o cilindro do laboratório e o útero da mulher. A tipificação do aborto na lei penal mostra essa evidência. No útero, o zigoto, o embrião e o feto são fases morfodinâmicas da gravidez. O resultado final desse processo é o ser humano, quando sai do ventre materno, respira pela primeira vez, desliga-se do cordão umbilical e entra no mundo natural e social com vida própria. O legislador brasileiro abstraiu aspectos religiosos e científicos da controvérsia. Para fins jurídicos, colocou o termo inicial da existência humana no nascimento com vida. Tollitur quaestio.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Lei de Imprensa

O Supremo Tribunal Federal apreciou, em caráter preliminar e provisório, a argüição de descumprimento de preceito fundamental formulada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT. A liberdade de manifestação do pensamento estaria violada em ações propostas contra jornalistas por crentes da Igreja Universal do Reino de Deus. A relevância do fundamento da controvérsia em nível constitucional sobre a lei de imprensa justificaria a via processual escolhida. O relator concedeu liminarmente medida cautelar, embora a extrema urgência e o perigo de lesão grave não estivessem caracterizados. Ausentes as citadas circunstâncias, a medida só poderia ser concedida em sessão plenária pela maioria absoluta dos juizes (lei 9.882, 5º). Aliás, a argüição não merecia acolhida. Havia outro meio eficaz para tratar da matéria: a ação de inconstitucionalidade (lei 9.882, 4º, §1º c/c lei 9.868). A relevância da matéria não autoriza a preterição da ação cabível prevista na Constituição e regulada por lei. O precedente do STF invocado por um dos juízes, não merece aplicação, pois concorre para o desprestígio do princípio do devido processo legal.

Na sessão do tribunal (27/02/2008) o nível dos debates foi elevado, digno de uma suprema corte. A substância e a força suasória dos argumentos superaram o papel decorativo da erudição. Prevaleceram a cordialidade e o mútuo respeito. Houve troca de idéias e informações, concordância e discordância, de modo sereno e austero, como convém ao tribunal. Quanto à produtividade, os juízes perderam tempo batendo em cachorro morto. Citaram doutrina estrangeira, decisões da Suprema Corte dos EUA, para demonstrar o incontroverso: que a liberdade de imprensa é essencial à democracia. O aval da doutrina e da jurisprudência deve ser reservado ao aspecto controvertido da demanda, quando o juiz necessitar de arrimo. O juiz deve confiar na experiência, no bom senso, no seu conhecimento e inteligência, na capacidade de raciocinar por si mesmo, de analisar os dados contidos no processo, de expressar o seu entendimento e fundamentar a decisão. As muletas estrangeiras não devem ser utilizadas em obviedades, em assuntos pacificados para os quais basta uma ligeira remissão ao ouro da casa.

Dos juízes presentes à sessão, 3 votaram no sentido de ampliar a liminar e suspender, pelo prazo de 180 dias, a vigência da lei que regula a liberdade de manifestação do pensamento (lei 5.250). Dos argumentos expendidos, percebe-se que essa corrente minoritária situa a quaestio juris no plano dos princípios. A lei de imprensa vem estribada em um princípio autocrático, eixo da Carta de 1967: autoridade ampla – liberdade restrita. Com o advento da Constituição de 1988, o eixo mudou para um princípio democrático: liberdade ampla – autoridade restrita. Isto colocou a lei de imprensa fora do novo regime. Compatível com a Carta de 1967, a lei de imprensa tornou-se visceralmente contrária ao espírito da Constituição de 1988. Devia ser excluída do ordenamento jurídico. Dos demais juizes, 6 votaram pela suspensão apenas dos artigos da lei que colidem com a nova Constituição. Essa corrente majoritária situa a quaestio juris no plano das normas. A origem autoritária da lei não lhe retira a vigência. Normas expedidas pela autocracia civil (1937/1945) até hoje vigoram. O fenômeno da recepção ocorre na passagem de uma ordem jurídica a outra e evita rupturas desnecessárias. A vida continua, naturalmente. O vínculo nacional mantém a unidade do povo, as relações sociais, a vigência dos costumes e dos valores culturais.

A lei de imprensa contém normas compatíveis com o novo regime como, por exemplo, as relativas ao direito de resposta. A relevância e as peculiaridades da comunicação social exigem tratamento específico, conforme se depreende do texto constitucional (CF 220/224). Os juizes da corrente majoritária admitem a disciplina legal da manifestação do pensamento, desde que observadas as limitações constitucionais (CF 220, §§ 1º e 3º, II). Destarte, a lei infraconstitucional não poderá: (i) cercear a manifestação do pensamento (ii) impedir o exercício do direito de resposta e de qualquer trabalho, ofício ou profissão (iii) permitir a violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (iv) restringir o acesso à informação (v) afastar o sigilo da fonte. Provavelmente, a lei de imprensa permanecerá em vigor, excluídos os dispositivos incompatíveis com a Constituição superveniente.