quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

código da vinci II

DEUS E A CRIAÇÃO

Lê-se no texto do Concílio Vaticano II: “Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se (...) O amantíssimo Deus, querendo e preparando solicitamente a salvação de todo o gênero humano (...)”. Inúmeros são os líderes religiosos e profetas com a pretensão de conhecer a vontade, os desígnios e os dons de Deus. Atribuem qualidades a Deus: bom, misericordioso, sábio, poderoso, salvador, vingativo, cruel, genocida, negociador, exclusivista e assim por diante. Moisés, em um dos seus arroubos megalômanos, diz que comeu e bebeu na companhia de Deus; que não viu a face, mas viu as costas de Deus. Até parece que Deus é parceiro desses profetas que dissertam como se fossem o próprio Deus. Definem e explicam o que está além da sua humana limitação. Mentem e enganam a si próprios e aos outros.

Os professores que em seus livros contestaram “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, seguem a trilha bíblica. Diz, o professor Block: “A saída é reconhecer o que Deus disse (?) sobre nós (?) pela mensagem da obra de Jesus (...)”. Inconformado com a sua insignificância cósmica e a curta duração da sua vida, o ser humano outorga valor a si próprio no esquema universal e se considera alvo da especial atenção de Deus. Moisés escreveu no Gênesis que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Vaidoso, tomou a si próprio como modelo. Mirando-se no espelho, achou que mirava Deus. Afirma que Deus descansou no sétimo dia. Apesar da sua onipotência, Deus cansa tal qual os humanos! Esse descanso de Deus indica a necessidade de repouso semanal a quem trabalha todos os dias. Virou mandamento do deus Javé. Moisés não informa se Javé repousou deitado ou sentado. Deus tem sido representado como um rei sentado em um trono celestial. Dessa concepção antropomórfica de Deus resulta que além do trono, ele pode sentar em poltronas e na latrina. Daí a forte probabilidade de o mundo ter saído do ânus divino. A explosão que deu início ao universo (big bang), cujo som os cientistas contemporâneos tentam captar seria, então, a GEVED - Grande e Estrepitosa Ventosidade de Deus - produtora do som fundamental que os hindus tentam imitar na entoação do mantra da criação. Essa nova teoria gera a seguinte controvérsia teológica: o universo foi defecado simultaneamente ou logo após à GEVED? Descobrir-se-ia, enfim, que: (i) o mundo físico é estrumeira divina; (ii) o ser humano resultou de uma micro-partícula do excremento divino. Esse novo conhecimento exigiria mudança no Gênesis. Os 31 versículos do capítulo da criação poderiam ser reduzidos a um só: “No princípio, Deus soprou gases de si mesmo e defecou, dando origem ao mundo e a tudo o que nele se contém”.

A teoria da evolução, acolhida pelo Papa, e a teoria científica do big bang, deitaram por terra as baboseiras mosaicas. Fizeram ruir o templo de Jerusalém. O padre e cientista evolucionista Teilhard de Chardin, livra-se da excomunhão. Razão e fé concordam: Adão e Eva nunca existiram. Homem e mulher resultam do processo evolutivo biológico. A inteligência divina comanda esse processo e o movimento ascensional mediante leis inflexíveis. A providência divina, aparente flexibilidade, integra o sistema natural, como desvios nos trilhos integram um sistema ferroviário. A organização monárquica da sociedade prevaleceu na Antiguidade e na Idade Média. A figura do monarca foi psicologicamente marcante na cultura humana. Daí a concepção de Deus como um monarca sentado em um trono de um reino divino. Regras baixadas por Moisés deixam patente o propósito de moldar as relações de dominação na sociedade. As escrituras sagradas de qualquer povo resultam do entendimento, da vontade, da imaginação, da vaidade e dos propósitos de dominação de certas pessoas. A alma humana, sedenta da existência de um ser superior e de um mundo divino melhor do que o mundo em que vive, está vulnerável e receptiva às espertezas dos profetas, padres, pastores, rabinos, gurus e quejandos. Em nome da fé, doutrinas absurdas são acolhidas ou impostas. Segundo Moisés, Deus levou apenas 6 dias para criar o mundo. Para escrever com o dedo os mandamentos nas duas tábuas de pedra, Deus demorou 40 dias e 40 noites (Êxodo 24,18). Embora onisciente, parece que Deus estava aprendendo a escrever em hebraico. Moisés quebra as tábuas que tanto labor custou a Deus. Isto não se faz com as coisas divinas. Deus gastou mais 40 dias e 40 noites para escrever novas tábuas (Êxodo 34,28). Moisés não teria coragem de quebrar as tábuas se elas fossem de origem divina. Quebrou-as porque os mandamentos saíram da sua cabeça e das suas mãos. Os profetas inventam um reino divino à semelhança do reino secular. Depois, invertem o processo. Apresentam o reino secular como pálido reflexo de um mundo transcendental. Platão dá alicerce filosófico a esse proceder. A fé sem lucidez é obscuridade.

Diz, o professor Bock: “Jesus, aquele que abre caminho para Deus”. A ambigüidade da frase gera confusão. Jesus abriu caminho para o crente chegar a Deus. O sentido contrário seria inconcebível. Sendo onipotente, onisciente e onipresente, Deus não necessita de qualquer pessoa, de intermediário algum, para chegar onde quiser, até porque já está em toda parte. Os seres humanos é que devem descobrir as veredas que conduzem a Deus. Importa mais, conhecer e seguir a doutrina perene de Jesus e da sua fraternidade, colocando-a em prática no lar, na escola, no trabalho, no convívio social, no governo e nas relações internacionais. A conduta política, social e religiosa, em voga no mundo contemporâneo, está longe da doutrina e da prática cristãs. Se o código por trás do livro de Brown é uma nova perspectiva do cristianismo, o código por trás dos livros de Amy e Bock, é o conservadorismo, a manutenção do poder espiritual e secular das corporações religiosas.

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