sábado, 30 de abril de 2016

IMPEACHMENT X

A Comissão Especial do Senado Federal ouviu nesta semana os acusadores e os defensores da Presidente da República na ação de impeachment. Depois de encerrada essa fase, o relator apresentará relatório e voto sobre a admissão ou rejeição da peça acusatória. Caso o relatório seja desaprovado pelos membros da Comissão, far-se-á novo relatório ou encerrar-se-á o procedimento. Se aprovado na Comissão, o relatório será apreciado em sessão plenária do Senado quando, então, os senadores decidirão se admitem a acusação contra a Presidente da República. Caso a decisão senatorial seja negativa, a peça acusatória será arquivada; caso seja positiva, instaura-se o processo stricto sensu mediante resolução do Senado.
Publicada a resolução do Senado, o Presidente do Supremo Tribunal Federal assumirá a direção do processo. Instaladas direção e secretaria, iniciam-se os trâmites processuais e se providencia a suspensão da Presidente. Cuida-se da suspensão das funções presidenciais e não da destituição do cargo presidencial. Pode haver dois papas no Vaticano, mas não pode haver dois presidentes no Brasil. Enquanto não houver sentença condenatória definitiva no devido processo jurídico, o cargo não estará vago e a Presidente da República continuará a ser a senhora Dilma Vana Rousseff eleita com 54 milhões de votos. O Vice-Presidente não sucede, apenas substitui a Presidente. Só haverá sucessão quando vagar o cargo. Enquanto isto não ocorrer, o Vice continuará ocupando o cargo de Vice no exercício interino das funções presidenciais. O Vice tornar-se-á Presidente, sem que tenha recebido um voto sequer, apenas na hipótese de o cargo presidencial ficar vago em decorrência de sentença condenatória definitiva do Senado. A Presidente reassumirá as suas funções se decorridos 180 dias o processo não chegar ao seu final. A Presidente só perderá o cargo se assim decidirem 2/3 dos senadores no final do processo.
Todos esses trâmites serão evitados se: (1) o Senado rejeitar a peça acusatória, ou (2) o Supremo Tribunal Federal declarar a inexistência de crime de responsabilidade no caso concreto.
Na sessão da Comissão Especial faltou um dos acusadores, idoso, senil, ex-petista. Os dois outros acusadores comportaram-se de modo diferente. O varão, professor de direito penal, filho de ilustre filósofo do direito, parecia fora de órbita e sem convicção. A mulher, professora de direito penal, parecia possessa, destrambelhada, gritando que era brasileira. Ninguém havia questionado a sua nacionalidade. O insólito faz lembrar os versos de Vinicius de Moraes: “aquele que diz sou/ não é/ porque quem é mesmo/ não diz”. O tresloucado gesto da advogada ao levantar um exemplar da Constituição da República faz lembrar o gesto dos soldados e dos cangaceiros quando levantavam o braço com a decepada cabeça do inimigo na mão. Simbolicamente, aquele gesto significou a cabeça da Constituição decepada pelos arquitetos do golpe contra a democracia e o Estado de direito no Brasil.           
Até o momento, nota-se que o Congresso Nacional mandou o vigente direito positivo para o espaço sideral. Os institutos da conexão, da prevenção e da suspeição foram ignorados. De acordo com a processualística brasileira, o processo da Presidente devia aguardar o processo do Vice chegar ao mesmo estágio para prosseguir em conjunto a fim de evitar decisões conflitantes. Os dois baixaram decretos considerados crimes de responsabilidade pelos acusadores. A conexão é evidente, bem como a prevenção da Comissão Especial já instalada. A suspeição do relator evidencia-se por ser ele: (1) agente de fatos iguais aos mencionados na peça acusatória, quando era governador de Minas Gerais; (2) filiado ao partido político interessado na condenação.
Ainda na seara do direito, como bem lembrado por uma senadora do Estado do Amazonas, houve precipitação na propositura da ação. Os fatos constantes da denúncia referem-se ao ano de 2015 e as contas desse período ainda não tinham sido examinadas pelo Tribunal de Contas da União e tampouco julgadas pelo Legislativo. A supressão dessas instâncias acarreta a falta de substrato fático e técnico ao pedido de impeachment. O julgamento dessas contas pelo órgão competente é essencial para alicerçar uma ação fundada em ato contrário à lei orçamentária. Correta, pois, do ponto de vista jurídico, a questão de ordem levantada pela senadora.  
Nota-se, ainda, a falta de idoneidade dos julgadores. Raros são aqueles não envolvidos em ilícitos civis, administrativos e penais. No meio deles, delinqüentes do colarinho branco respondendo a processos criminais ou sob investigação policial. Falta à maioria dos congressistas, autoridade moral para julgar a Presidente ou qualquer outra pessoa. Vergonhosa é a atuação desses parlamentares nesse rocambolesco e circense episódio.


Nota. A noção de cargo é estática: lugar determinado e individualizado na estrutura administrativa de pessoa jurídica pública (Estado) ou privada (corporação). A noção de função é dinâmica: atividade (de pessoa, órgão, máquina) que visa a certa finalidade.
 

quarta-feira, 27 de abril de 2016

IMPEACHMENT IX

A novela do impeachment 2016 contém capítulos paradoxais pouco explicados à nação brasileira, porém percebidos por comentaristas e políticos americanos e europeus que conhecem bem a tradição golpista dos países latino-americanos.
Desta vez, no Brasil, o golpe foi desferido pela caneta e não pelo fuzil. Os inconformados com a derrota nas eleições de 2014 arquitetaram plano para destituir do cargo a Presidente da República. Serviram-se dos meios de comunicação social, de parcela manobrável da massa popular e de petições junto ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário.
As petições revestem forma legal, porém, o conteúdo é falso, pois forja uma tipificação que não se enquadra nos casos previstos na lei 1.079/50 e na lei complementar 101/00. Inúmeros juristas de escol já constataram essa falsidade e a denunciaram com argumentos e dados irretorquíveis.  
A petição que deu início aos trâmites do impeachment foi apresentada por um casal fascista e um senil ex-petista que não tem condições sequer de comparecer à Câmara e ao Senado a fim de justificar a sua proposição. A petição assinada pelo decadente idoso e pelo obtuso casal foi recebida por um indecoroso deputado que preside uma desmoralizada Casa. A petição expõe alguns fatos que os seus signatários consideram crimes de responsabilidade para justificar o pedido de impeachment.
Acontece que os fatos narrados na petição não constituem novidade alguma. Governantes atuais e anteriores, nas esferas federal, estadual e municipal, praticaram-nos regularmente. Se fatos desse teor e natureza fossem criminosos, todos esses governantes, sem exceção (Fernando Henrique, Luiz Inácio, Michel Temer, governadores do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, prefeitos de Porto Alegre a Natal) seriam criminosos, pois quem comete crime, criminoso é. Isto significaria que os brasileiros são governados por criminosos, há décadas, nos três níveis da federação. A imagem dessa desgraça deixa o Brasil muito mal perante a opinião pública mundial. Em reunião do Mercosul no corrente mês, parlamentares brasileiros foram humilhados, tratados como energúmenos, inimigos da democracia, parceiros no golpe de Estado.  
Todavia, ante o panorama administrativo público nacional descortinado há mais de 20 anos, com os tribunais de contas da União e dos Estados funcionando regularmente todo esse período, impõe-se a conclusão de que tais administradores da coisa pública tinham a firme convicção de que aqueles fatos estavam amparados juridicamente em normas consuetudinárias, legais e constitucionais. O mesmo se diga da atual ocupante da presidência da República: agiu segundo as práticas abonadas pelo costume vintenário, convicta de que todas essas práticas estavam amparadas em precedentes pareceres do Tribunal de Contas, em decisões do Legislativo, na Lei e na Constituição. Nesse contexto público e notório, não há falar em corrupção, em crime de responsabilidade, em culpa ou dolo.
Entretanto, os adeptos do golpe desprezam o aspecto histórico, jurídico e moral do caso. Prendem-se a motivos políticos imediatistas e aspectos da crise econômica comuns aos outros países. Querem ocupar o lugar da Presidente e tirar o máximo proveito do cargo em benefício deles próprios, das petroleiras estrangeiras e do capital especulativo. Pretendem introduzir o modelo neoliberal avesso aos direitos sociais, aos interesses nacionais e ao bem comum.   

sábado, 23 de abril de 2016

IMPEACHMENT VIII



1. Primitivismo dos Representantes do Povo. 
A Câmara dos Deputados, na reunião plenária do dia 17 de abril de 2016, em Brasília, autorizou o Senado Federal a instaurar processo de impeachment contra a Presidente da República. Festa para uns, luto para outros. A nação brasileira testemunhou grotesca e selvagem conduta de vários deputados, alguns deles enfeitados com as cores da bandeira nacional ou nela enrolados. Patriotas de fachada, palhaços que reduziram o Brasil a uma republiqueta latino-americana, eles representam na Câmara, aqueles brasileiros que ofendem física e moralmente as pessoas que pensam diferente. As imagens do barbarismo poderão ser exibidas nas escolas, nas redes sociais e em outros locais para o público que não tem acesso à internet e nem assistiu à mencionada sessão plenária. Tal exibição contribuirá para o amadurecimento dos atuais e futuros eleitores.     
2. Macunaímas + Mazombos + Vira-latas.
A deficiência moral e intelectual dos deputados foi exposta de maneira escancarada e chocante. Maltratam a gramática e as boas maneiras, mas capricham na aritmética ao contar dinheiro. Formam o bando parlamentar que encarna a parcela da população composta de macunaímas, mazombos e vira-latas (royalties para Mario de Andrade e Nelson Rodrigues). Essa gentalha localiza-se tanto nas camadas abastada, remediada e pobre da sociedade como também nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O povo brasileiro nunca foi homogêneo na cor, nos costumes e nas idéias. Neste século XXI, caiu a máscara da cordialidade e da civilidade dos brasileiros vistos coletivamente como nação.  
3. Bordel + Bandalheira + Religião.
Ridículos e debochados nas atitudes e nas palavras, os deputados agiam como se estivessem num bordel. Eles se comportaram como concebidos, paridos e criados na zona do meretrício. No meio deles, mais de uma centena de delinqüentes, além dos habitués das orgias brasilienses com garotas de programa. A súcia, da qual os “evangélicos” fazem parte, teve o desplante de invocar deus, a começar pelo sicofanta que os chefia. O Presidente da Câmara é o “evangélico” típico: estelionatário que faz da fé religiosa um mercado, explora a credulidade alheia e compra adesões quando necessita. Os “evangélicos” (pastores, missionários, bispos, senadores, deputados, vereadores) exploram a boa-fé dos crentes; utilizam a religião para fins políticos e em benefício próprio. O deus do culto real desses “evangélicos” é o dólar. Fazem coisas piores do que aquelas que levaram Lutero a se rebelar contra a Igreja Católica. Ao seu monetário credo eles incorporam a doutrina do protestante Calvino impregnada de judaísmo: o dinheiro é benção divina; a riqueza é sinal dos predestinados, eleitos de deus. Essa malta se intitula “evangélica” para enganar o público, pois nunca seguiu o Evangelho de Jesus. Filiados ao protestantismo, os “evangélicos” adotam a “bíblia” dos hebreus: o Antigo Testamento; portanto, eles são realmente judeus e não cristãos. O deus do culto formal deles é YHWH (Javé ou Jeová), deus materialista, sanguinário, genocida, e não o Pai Celestial de Jesus, deus amoroso, misericordioso e justo. 
4. Culto crematístico.
Chrémata, Chrémata aner! “O dinheiro, o dinheiro é o homem!” (crítica aos argentários atenienses em face da supremacia da honra entre os espartanos). Na história da civilização, o dinheiro sempre foi importante. À falta de princípios superiores no seio da comunidade, reina soberano o dinheiro. A partir da revolução industrial na Europa do século XIX (1801-1900), o dinheiro passou a ocupar a posição mais alta na escala dos valores, superando a política, a moral, a religião e o misticismo. O bezerro de ouro ocupou o trono e o altar. Em nações onde há oferta abundante de bens (automóveis, barcos, aviões, armas, drogas, jóias, terras, palácios, mansões) o valor das pessoas é medido pelo seu poder aquisitivo. Além dos irracionais, os animais racionais também são tratados como mercadoria. Os humanos são negociados não só no regime escravocrata, mas também no regime liberal, pois a servidão é um dos pólos da relação social. Os donos do dinheiro compram ou alugam corpos e consciências, inclusive de chefes de governo, legisladores e juízes. A massa popular teme, respeita e admira os donos do dinheiro, ainda que sejam larápios. Dólar vale mais do que honra.
5. Impeachment no Brasil em 2016.
A decisão da Câmara, mais política do que jurídica, não absolve e nem condena a Presidente. Ao Senado cabe decidir se convém, ou não, instaurar processo. Comissão Especial é eleita para emitir parecer sobre essa matéria. Se os senadores, em sessão plenária, rejeitarem a peça acusatória apresentada por ex-petista senil e um casal fascista, o expediente será arquivado. Se a peça acusatória (denúncia) versar fato ocorrido durante mandato já extinto, a relação processual não se instaura (lei 1.079/50 art.15). Se a denúncia for aceita, iniciar-se-ão procedimentos seqüenciais legalmente regulados dos quais resultará absolvição ou condenação (processo stricto sensu). Encerrada a fase de produção de provas (instrução), sobrevém o julgamento. Após os debates que precedem a sentença, o Presidente da Sessão poderá formular perguntas que serão respondidas pelos senadores, uma de cada vez, à semelhança do Tribunal do Júri. Basicamente, fará perguntas como estas: (1) O fato descrito na denúncia tipifica crime de responsabilidade? Se a resposta for não, o processo será arquivado; se for sim, passa-se à próxima pergunta: (2) A ré praticou esse fato? Se a resposta for não, a ré será absolvida; se for sim, passa-se à outra pergunta: (3) A ação da ré foi dolosa? Se a resposta for não, a ré será absolvida; se for sim, segue-se a pergunta derradeira e política por excelência: (4) A pena deve ser aplicada? Se a resposta for não, a ré permanecerá no cargo; se for sim, a ré o perderá.
6. Direito de defesa judicial do mandato.
A lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito e nem prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CR 5º, XXXV e XXXVI).
Ainda há juízes em Brasília!!?? (Plágio). O processo (parlamentar, administrativo, judicial) constrange de forma lícita ou ilícita a pessoa processada. O constrangimento será lícito se houver justa causa; os trâmites processuais seguem até a sentença definitiva. Se não houver justa causa, o constrangimento será ilícito; os trâmites processuais serão coarctados. O prosseguimento dos trâmites apesar da ausência de justa causa afronta direitos fundamentais. Servindo-se das ações adequadas (declarativa, conservativa, mandamental), a Presidente pode recorrer ao Judiciário e defender judicialmente o seu direito ao mandato político. Poderá pedir ao tribunal que declare a existência ou não de crime de responsabilidade no caso concreto. A ação judicial ficará sobrestada enquanto o Senado não decidir se instaura ou não o processo. Se a decisão senatorial for negativa, a ação judicial ficará prejudicada; se for positiva, os seus efeitos ficarão suspensos até a definitiva solução da ação judicial. Se o tribunal declarar que os fatos descritos na denúncia não tipificam crime de responsabilidade, comunicará ao Senado e este providenciará o arquivamento. Se o tribunal declarar que há tipicidade no caso concreto, o processo retomará seu curso no Senado a fim de serem apuradas a autoria e a culpa.

Nota 1. A realidade desmente os defensores do impeachment. O movimento de veículos nas principais rodovias do País continua intenso, o que significa movimento nos postos de combustíveis e circulação de pessoas e mercadorias. O mesmo se diga, mutatis mutandis, do transporte aéreo, ferroviário, fluvial e marítimo. Prosseguem as vendas de veículos, o turismo interno, as atividades industriais, comerciais e de serviços, o crédito, os lucros dos bancos, a circulação de bens. Inflação sob controle. Novos empregos superam os desempregos; prosperam o pequeno negócio e a informalidade. Redução na atividade econômica que não seja reflexo da conjuntura internacional deve ser debitada à ação predadora dos opositores ao governo federal. Quanto ao setor público nas esferas estadual e municipal, as dificuldades financeiras resultam da pessoalidade, da ineficiência e da desonestidade dos administradores locais. 
Nota 2. Internet informa: 2.1. Após a vitória dos oposicionistas na citada reunião da Câmara, senador tucano foi aos EUA tratar das gratificações. 2.2. A esposa do pérfido vice é “dolar”.
Nota 3. Os artigos anteriores da série “Impeachment” (I a VII) foram publicados neste blog em 2015, nos dias 21 e 22 de março, 17 de abril, 12, 16, 21 e 23 de dezembro.

sábado, 16 de abril de 2016

BORRASCA



A crise política artificialmente criada pelos partidos vencidos nas eleições de 2014, apoiados por banqueiros, industriais, comerciantes, empreiteiros, fazendeiros das regiões sul e centro-oeste, por emissoras de televisão, por autoridades públicas (inclusive magistrados), por empresas petroleiras e pelo governo dos EUA, revelou ao País e ao mundo a existência de homens, mulheres, famílias, que não se importam com o bem-estar dos brasileiros, não têm interesse em preservar o patrimônio nacional, em manter vivas as instituições democráticas, em viver de modo fraterno, solidário, sem preconceito, como reza o preâmbulo da Constituição da República. 
Esses indivíduos e grupamentos importam-se apenas com seu próprio bem-estar, com a sua fortuna, com seus negócios e projetos particulares. Atiçaram a massa popular contra um governo legítimo e os partidos que o apóiam. Estimularam o ódio e a violência entre os concidadãos. Provocaram a reação da parcela do povo contrária ao movimento golpista. Dividiram a nação brasileira: uma parte a favor da oligarquia e do impeachment; outra parte a favor da democracia e contra o impeachment. Facilitaram ofensas físicas e morais, despertaram forças irracionais na população que podem causar confrontos armados e todas as suas funestas conseqüências.
A temperatura sobe cada vez mais no clima social e político brasileiro à medida que avançam os trâmites do impeachment. O parecer da Comissão Especial favorável ao impeachment segue para o plenário da Câmara dos Deputados. A ação será arquivada se não obtiver votos suficientes. A ação prosseguirá se obtiver, no mínimo, 2/3 dos votos. Nesta hipótese, os autos serão enviados ao Senado e os senadores decidirão se instauram ou não o processo.   
Apátridas, vendilhões da soberania nacional, pouco se importam com os efeitos destrutivos das suas manobras e da execução dos planos que arquitetaram. Querem a Presidente fora do governo porque ela representa tudo o que eles não são: honesta, não se aproveitou do cargo para enriquecer, ciosa do patrimônio público e da moralidade no serviço público, sensível à camada pobre da população, caráter de boa cepa, forte personalidade, corajosa, lutou bravamente contra a ditadura.
Persistentes e imorais, esses indivíduos e grupamentos pretendem assumir o governo para dele se servirem a fim de realizar seus objetivos, entre os quais se destacam: (1) revogar direitos sociais da população; (2) alienar riquezas nacionais (petróleo, minérios) em troca de gordas comissões; (3) permitir maior expansão do capital especulativo em detrimento do capital produtivo; (4) cortar ou debilitar as relações entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul e voltar às subservientes relações com os EUA. [Ao ver ameaçada a sua hegemonia econômica e militar no planeta e, principalmente, no seu quintal (América Latina), o governo estadunidense reage no sentido de romper os acordos celebrados entre aqueles países ou enfraquecer as mútuas relações; para tanto, distribui dólares aos políticos nativos, quando não usa o seu aparato bélico].   
Parcela dessa canalha tem mandato parlamentar e atua no Congresso Nacional a favor do impeachment da Presidente da República. Usam de falsidades e manobras regimentais para facilitar a aprovação, pelo plenário da Câmara, do parecer da Comissão Especial. Ações propostas perante o Supremo Tribunal Federal (STF) contra os procedimentos na Câmara colocam juízes e juízas numa saia justa ante o princípio da independência e harmonia entre os poderes da República. Os juízes e juízas são obrigados a intervir tendo em vista: (1) a supremacia da Constituição da República no âmbito nacional; (2) o papel do STF de Guardião da Constituição; (3) o mecanismo de freios e contrapesos inerente ao constitucionalismo brasileiro; (4) o controle da constitucionalidade das leis.      
O Brasil, desde outubro de 1988, se define como um Estado Democrático de Direito que adotou a forma republicana, federativa e presidencialista. A igualdade de todos é dogma democrático. A responsabilidade de governantes e governados é dogma republicano. A união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal é dogma federativo. O acúmulo das chefias de Estado e de Governo num único órgão é dogma presidencialista. Este arcabouço constitucional desmoronará se o impeachment for aprovado nas circunstâncias que evidenciam golpe de Estado.
A acusação contra a Presidente (Chefe de Estado e de Governo) é leviana, artificiosa, sem lastro em fatos que tipifiquem crime de responsabilidade. O devido processo legal não vem sendo obedecido, o que é inadmissível num Estado Democrático de Direito. Há duas ações em trâmites pela Câmara, uma contra a Presidente, outra contra o Vice-Presidente, ambas fundadas no mesmo pedido e na mesma causa de pedir, portanto, conexas, segundo a processualística penal e civil vigente no Brasil, cujas regras são aplicáveis ao processo parlamentar, ao processo administrativo e ao processo judiciário. Ambas as ações devem ser reunidas e julgadas em conjunto para evitar decisões conflitantes. A Comissão Especial está preventa. Não há necessidade de formar nova comissão. Nada disto está sendo observado. Sem previsão legal, os acusadores aditaram a denuncia perante a Comissão Especial quando a denunciada já havia apresentado defesa escrita. Sobre o esdrúxulo aditamento foi negado à denunciada o direito de se manifestar. Além disto, o critério de votação nominal fixado desrespeitou a alternância individual entre deputados do norte e do sul.     
No mecanismo de freios e contrapesos entre os poderes da República, o STF não dita regras ao Legislativo, apenas corrige ou anula atos normativos e procedimentos contrários às regras constitucionais e processuais. Na ausência de regras regimentais, ou quando estas forem omissas, incidem as regras da legislação ordinária. A interpretação autêntica das normas regimentais feita pelos parlamentares deve estar em sintonia com o ordenamento constitucional e infraconstitucional, sem casuísmos. Se a interpretação autêntica estiver desajustada, cabe ao STF dar a interpretação conforme a Constituição e assim pacificar a situação excluindo qualquer outra interpretação. 
O STF tem escrúpulos excessivos no que tange ao afastamento do atual presidente da Câmara dos Deputados. Se no cargo estivesse um Ulysses Guimarães, até seria compreensível a excessiva deferência. Acontece que atualmente o cargo está ocupado por um Fernandinho Beira-Mar! Que especial deferência merece tal sujeito? O Procurador-Geral da República pediu o afastamento do delinqüente. Compreensível a cautela dos juízes e juízas do STF, diante do princípio da separação dos poderes, ao examinarem o requerimento do Procurador-Geral. Todavia, quando essa cautela é excessiva, adentra-se o terreno da condescendência. A especial deferência a um meliante assume as cores da pusilanimidade. A demora dos juízes em expulsar o pilantra, beira à frouxidão.  
Por sua ficha suja, o presidente da Câmara merece ter o seu mandato parlamentar cassado. A Constituição da República considera a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, a vida pregressa limpa, valores dignos de proteção contra: (1) a influência do poder econômico; (2) o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Se assim é para o candidato ao cargo público eletivo, com maior razão sê-lo-á para quem já o exerce. O deputado em tela não tem moral para exercer a presidência da Casa e nem tampouco para exercer o mandato parlamentar. Ainda que interinamente, ele poderá ocupar a Presidência da República ao vagar os cargos de Presidente e Vice-Presidente. Para afastá-lo e cassar o mandato não é necessária ousadia dos canalhas. Bastam aos juízes e juízas virtudes próprias de pessoas moralmente valorosas: independência, honestidade, serenidade, urbanidade, pontualidade, eficiência, coragem, caráter sem jaça, boa conduta na família e na sociedade.  

terça-feira, 12 de abril de 2016

TEMER & ROUSSEFF



O Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou o processamento do pedido de impeachment formulado contra o Vice-Presidente da República e que fora arquivado pelo Presidente da Câmara dos Deputados. A ordem judicial encontra apoio na Constituição e na processualística penal e civil.
Embora tenha seus trâmites pelo Poder Legislativo, o impeachment deve obedecer aos princípios constitucionais da isonomia e do devido processo jurídico (do qual são espécies: o processo parlamentar, o processo administrativo e o processo judiciário).
Fatos iguais devem receber igual tratamento ainda mais quando os agentes se encontram em igual posição, inclusive com igual prerrogativa de foro. Segundo a declaração de direitos contida na Constituição, todos são iguais perante a lei. O Vice-Presidente, quando no exercício da presidência, praticou atos iguais ao da Presidente da República. Tais atos foram considerados crime de responsabilidade pelos acusadores da Presidente. Logo, também o Vice-Presidente deve ser incluído no pólo passivo da relação processual.
A Comissão Especial já atuando na ação de impeachment da Presidente é a competente, por prevenção, para incluir e examinar a ação proposta contra o Vice-Presidente. Não há necessidade alguma de nova comissão especial. Incide a regra processual da conexão aplicável subsidiariamente ao processo parlamentar em decorrência do princípio do devido processo jurídico.
Reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir. Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta. Nos termos da processualística vigente, mesmo que não haja conexão, se houver risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias, os processos serão reunidos para julgamento conjunto.   
Para evitar contramarchas, em atenção à lógica e à sensatez, o relator do caso no STF (Marco Aurélio), de ofício ou a pedido dos interessados, com fundamento na processualística constitucional e infraconstitucional, poderá determinar: (1) a suspensão dos trâmites da primeira ação de impeachment [contra a Presidente]; (2) o processamento da segunda ação de impeachment [contra o Vice-Presidente] na mesma Comissão Especial, até chegar à mesma fase da primeira; (3) a partir daí, o prosseguimento conjunto das duas ações até o simultâneo e final julgamento. 
Os trâmites pelo Legislativo não caracterizam o processo como exclusivamente político. O Parlamento é político, mas o processo é jurídico de início ao fim, nos termos da vigente Constituição. Vigora no Brasil, desde outubro de 1988, o Estado Democrático de Direito. Em conseqüência, somente a decisão absolutória pode revestir caráter exclusivamente político por se tratar de exceção pragmática. Ainda que, na fase de instrução (parlamentares-instrutores), a existência do crime e a culpa da autoridade processada fiquem provadas, os parlamentares-juízes poderão entender, segundo razões de oportunidade e conveniência, que a decisão condenatória será mais prejudicial ao País do que a decisão absolutória.  
Fora desta única exceção, o julgamento há de ser exclusivamente jurídico. Os alicerces do juízo condenatório devem ser: (1) a prova da existência do fato; (2) a qualificação jurídica desse fato como crime de responsabilidade; (3) a prova de que a autoridade processada o praticou; (4) a prova de que o ato foi doloso. Ausentes tais requisitos, impõe-se a absolvição por ser de direito e de justiça. Se, apesar da ausência desses requisitos, houver condenação, a autoridade processada poderá recorrer ao STF alegando afronta à Constituição e à Lei.      

Nota. Alguns deputados da Comissão Especial comparecem com fita verde e amarela em torno do pescoço, certamente para enganar o povo, porque são eles exatamente os vendilhões da Pátria. O eleitor brasileiro facilmente os identificará como aqueles que trocam o voto por um punhado de dólares. Esses deputados tentam passar a imagem de nacionalistas quando, na verdade, atuam contra o patrimônio nacional, longe dos superiores interesses da nação brasileira.  

sábado, 9 de abril de 2016

PRIMITIVISMO



O planeta Terra é uma esfera física a girar em torno do seu próprio e imaginário eixo circundada por gases que lhe dão cor azulada enquanto traça uma elipse no espaço sideral ao contornar o Sol. Na história natural desse planeta, quando reunidas favoráveis condições climáticas, químicas e físicas, tem início o processo biológico formador dos reinos vegetal e animal. A espécie humana se desenvolve no reino animal pelo pensar, pelo sentir, pelo querer e pelo agir. Dessas funções resulta o mundo da cultura, desde a barbárie até a civilização, encravado no mundo da natureza. Nota-se a exuberância da vida nas frestas do cimento que segura as encostas nas estradas e do calçamento das ruas nas cidades, através das quais brota vegetação.
Neste planeta, a humanidade vê infinitas possibilidades, mas cada humano, indiferente dos hemisférios e da latitude em que se encontre, tem possibilidades limitadas. Algumas pessoas têm mais possibilidades do que outras. O ambiente cultural em que o indivíduo vive, desde a comunidade tribal até a sociedade civilizada, enseja ocasiões para, em maior ou menor extensão, fazer ou não fazer alguma coisa, possuir, crer, expressar sua vontade, pensamento e sentimento.
No mundo civilizado, o sujeito pode ser cientista, professor, sacerdote, estadista, artista, piloto. Entretanto, pode viver e morrer sem dedicar-se à ciência, ao magistério, à religião, à política, à arte, ao esporte. Por motivos diversos, o sujeito frustra total ou parcialmente as suas potencialidades. 
Na vida política, direita e esquerda correspondem a hemiplégicas concepções do mundo. A síntese dialética que empolgue a mente, enterneça o coração e estimule a vontade, poderá ensejar um promissor projeto de vida coletiva. Talvez, essa desejável construção implique nova hierarquia dos valores de modo que o econômico não prevaleça sobre o social e o político. Pesagem difícil do que foi e do que é melhor e pior na vida de cada indivíduo e de cada nação. O mal parece pesar mais do que o bem; o negativo parece pesar mais do que o positivo. Percebida como um mal no presente, a crise que acontece no processo histórico pode se revelar um bem no futuro. Na história da humanidade, as crises integram a dinâmica de avanços e recuos intermitentes.  
No Brasil, neste século XXI, grande parcela da população exibe um selvagem e primitivo comportamento. Em 2013, na cidade de São Paulo, jovens ocuparam as ruas mostrando descontentamento, sem nada definir, sem projeto algum, apenas com o propósito de agitar, tendo como pretexto o preço da passagem dos transportes urbanos. Seguiram-se outras manifestações de rua em 2014, 2015 e 2016, algumas contra e outras a favor do governo, da democracia e do patrimônio nacional. 
O solo brasileiro foi varrido por um vendaval de farsas, mentiras e opiniões contraditórias. Nota-se o retrocesso cultural. O verniz da civilização apresenta fissuras. A substância asquerosa que estava oculta saiu pelos vãos. O que era embrionário irrompeu como vulcão na comunidade nacional. Diferenças de origem, de raça, de cor, de nível social, de doutrina, passaram ao campo da intolerância numa irracional discriminação e num preconceito explícito.
O ódio e a violência nas cidades brasileiras assemelham-se ao que ocorreu nas primeiras décadas do século XX na Europa, quando despontaram o bolchevismo, o fascismo e o nazismo. Ofensas físicas e morais substituem o diálogo. Prisões, detenções e interrogatórios são efetivados ao arrepio da lei e da Constituição. A grei emergente não quer ouvir, só quer falar e agir ao seu talante. A paixão obscurece a razão e esteriliza os bons costumes. A lupa da ignorância e da má-fé aumenta artificiosa e psicologicamente a crise. Lideranças desonestas incentivam o movimento antidemocrático para minar a estabilidade do governo brasileiro. Com isto, pretendem assumir a direção do Estado a fim de atender aos interesses do governo estadunidense e das empresas estrangeiras e cortar ou enfraquecer as relações do Brasil com a Rússia, Índia, China e África do Sul.  
Na trilha de um avanço científico, de um progresso tecnológico, de uma economia bem situada no contexto internacional, de uma boa política externa, de uma ascensão social e econômica da camada pobre da população, surgem bárbaros que se aproveitam apenas dos bens materiais gerados pela civilização (automóvel, avião, televisão, computador, medicamentos, espaçosas construções, aparelhos para conforto e segurança) sem considerar os princípios morais, jurídicos, científicos e filosóficos que os tornaram possível. Pessoas aproveitadoras, predadoras, que encaram os bons frutos do processo histórico como se fossem gerados pela natureza e não pelo trabalho intelectual e técnico de alguns seres humanos que se destacaram pela excelência.
Quem não se identifica com pessoas desse tipo emergente é fustigado. Surge, então, o problema de lidar com esses emergentes que se arrogam o direito de: (1) exibir a face demoníaca da sua personalidade; (2) impor essa feição aos outros.          
Este assustador tipo emergente, comum no Brasil contemporâneo, fecha-se nas suas poucas e padronizadas idéias. O intelecto hermético não se deixa penetrar por novas idéias, por alheias razões e por sentimentos do próximo. Amor e compaixão evaporaram-se no calor das paixões como a neblina matinal evapora sob o calor do sol.
A outra parcela da população procura as igrejas, os templos de adoração mística, os santuários da natureza, as entidades solidárias, as bibliotecas, os museus, as exposições de arte, os institutos de pesquisa, ciência e tecnologia, os caminhos do bem e da fraternidade.
Ainda restam pessoas na busca pacífica da compreensão de si mesmas e do mundo em que vivem. Embora cônscias de pertencer à minoria, elas estudam, oram, meditam e agem na firme convicção da existência de uma superior dimensão metafísica diante da qual a história da humanidade é um breve momento da evolução cósmica.

sábado, 2 de abril de 2016

OAB GOLPISTA



Entre as finalidades legais estatutárias da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB constam as de pugnar pela boa aplicação das leis e defender a Constituição e a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito (lei 8906/94, art. 44, I). Entretanto, a sua diretoria central agiu em frontal oposição a tais finalidades ao propor, nesta semana, o impeachment da Presidente da República e apontar como crimes de responsabilidade as chamadas “pedaladas fiscais” e a nomeação do Ex-Presidente da República para o cargo de Ministro de Estado. Faltam legítimo interesse moral e alicerce jurídico a essa pretensão da OAB.
Quanto às “pedaladas”, há bis in idem, pois essa matéria já está sendo examinada na Câmara dos Deputados. Nos governos anteriores essa prática era permitida sem contestação. Cuida-se de reiterada aplicação de norma administrativa consolidada pelo costume praeter legem. Inadmissíveis dois pesos e duas medidas. Uso administrativo por décadas permitido aos antecessores, agora, repentinamente, é negado à sucessora. Se da aplicação dessa norma consuetudinária não resulta dano algum ao erário e a sua finalidade tem relevância social, não se configura delito algum. Ademais, descabe impeachment por fatos ocorridos durante mandato já extinto (2011/2014). No que tange ao mandato em vigor (2015/2018), as contas do exercício de 2015, depois do parecer do Tribunal de Contas da União, serão julgadas pela Câmara dos Deputados, que poderá aprová-las ou rejeitá-las, total ou parcialmente. 
A classe dos advogados está dividida. Seccionais da OAB discordam do Conselho Federal. Na gravação da conversa telefônica de teor pessoal e confidencial, o Ex-Presidente da República cita a OAB com palavras de baixo calão. O Presidente da OAB, então, exibiu o seu bico tucano: atacou a Presidente da República aproveitando-se da gravação obtida e publicada de forma ilegal e imoral. Aliás, aparência física, gestos grã-finos, estilo almofadinha, identificam o Presidente da OAB como integrante da família tucana. Grande é a sua semelhança com o atual candidato tucano ao cargo de Prefeito Municipal de São Paulo.   
Na processualística civil brasileira, petições manifestamente ineptas, protelatórias, improcedentes, sem legítimo interesse, podem ser indeferidas liminarmente. Aplicada ao processo parlamentar, essa norma conduz ao indeferimento in limine da petição da OAB. A petição anterior articulada por partido político, apesar de manifestamente improcedente, não foi indeferida in limine por motivos pessoais e políticos moralmente censuráveis e percorre seus trâmites pela Câmara dos Deputados.   
O impeachment consta da Constituição da República em virtude do modelo presidencialista de governo. Isto não justifica a banalização e nem o seu uso como instrumento de ataque às instituições democráticas. Esse tipo de interdito tem que ser utilizado com parcimônia, em casos de ilícitos graves, provados e bem definidos, praticados pelo Chefe de Governo. Despeito pela vitória da concorrente nas eleições, ódio, traição, antipatia ou mero descontentamento com o governo, são sentimentos insuficientes para motivar legitimamente propositura da ação de impedimento.     
No sistema constitucional brasileiro, nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário e ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo jurídico. Segundo um princípio universal de justiça, ninguém será condenado por crime que não cometeu ou por fato que a lei não considera crime. A questão sobre a tipificação penal dos fatos apontados nas petições de impeachment acima mencionadas é eminentemente jurídica. Embora o processo tenha seus trâmites pelo Legislativo, a palavra final sobre essa questão jurídica é do guardião da Constituição da República: o Supremo Tribunal Federal (STF).
Destarte, a decisão do Legislativo, se for condenatória, deverá se revestir de efetiva juridicidade. Se for eminentemente política ou contrária à moral e ao direito, a decisão parlamentar condenatória poderá ser cassada pelo STF por afronta à Constituição. Cuida-se do mecanismo institucional de freios e contrapesos entre os poderes da República. Enquanto o Estado Democrático de Direito vigorar no Brasil, razões de oportunidade e conveniência só podem alicerçar decisão parlamentar eminentemente política na hipótese de absolvição e jamais na hipótese de condenação.      
A OAB alega desvio de finalidade no ato de nomeação do ex-presidente para Ministro de Estado. Força a barra. O ato está longe de qualquer figura delitiva. A escolha feita pelo Chefe de Estado é soberana e constitucionalmente amparada. Por isto mesmo, o Chefe de Estado não está obrigado a justificar a sua escolha, desde que o escolhido preencha os requisitos estabelecidos pela Constituição: ser brasileiro, maior de 21 anos de idade e estar no exercício dos direitos políticos. Pouco importa se houve intenção da Presidente da República de livrar, o ex-presidente, da jurisdição do juiz curitibano que comanda a operação lava-jato. A existência de inquérito não é óbice à nomeação tendo em vista a presunção de inocência constitucionalmente assegurada. Indício não é prova. O desfecho de investigações é incerto e, às vezes, surpreendente.
O STF referendou a decisão de Zavascki sobre subida dos inquéritos da vara federal de Curitiba. Resta decidir quais os inquéritos que permanecerão em Brasília e quais os que retornarão ao Paraná. Gastou-se tempo enorme com uma questão que o raciocínio lógico resolve em segundos: para dividir é necessário conhecer o todo a ser dividido. A subida dos inquéritos correlatos era necessária para se saber qual deles ficará sob jurisdição extraordinária (foro privilegiado) e qual ficará sob jurisdição ordinária (foro comum). Barroso e Toffoli deram exemplo de concisão que, se padronizado, contribuirá para a celeridade processual: perceberam de pronto o cerne da medida concedida liminarmente e – sem verborragia provocada pela vaidade, pela tendenciosidade ou pela compulsão de falar – acompanharam o voto do relator com brevíssimas palavras.       
Passar o inquérito da jurisdição ordinária para a extraordinária não significa obstruir a justiça. Em havendo motivo suficiente, a investigação prosseguirá sob a batuta do ministro do STF o que, na atual conjuntura, garante uma apreciação serena e imparcial do caso, sem linchamento moral e sem julgamento antecipado e premeditado. Se entre os motivos da Presidente da República estiver o de proteger o ex-presidente contra as arbitrariedades e os abusos praticados pelo juiz curitibano, plenamente justificado estará o ato de nomeação: legítima defesa da honra e da liberdade.    
Como narrado por Platão, o seu mestre Sócrates incluía entre os deveres do juiz: “ouvir atentamente, considerar sobriamente e decidir imparcialmente”.
Ruy Barbosa advertia: “Não há tribunais que bastem para abrigar o direito quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”. “A santidade das formas é a garantia essencial da santidade do direito”. (O Justo e a Justiça Política. Obras Completas. Vol. XXVI. Tomo IV, 1899).