sábado, 30 de novembro de 2013

FILOSOFIA - VI-A



Palestina (continuação).

Após a morte de Salomão (935 a.C.) as 10 tribos do norte não aceitaram a chefia do seu filho Roboão e constituíram um estado próprio que se chamou Reino de Israel. As duas tribos do sul formaram o Reino de Judá. Depois de dois séculos, o Reino de Israel é conquistado pelos assírios e seus habitantes deportados para províncias assírias. (722 a.C.). Chegou a hora do Reino de Judá: os caldeus o destruíram e deportaram os habitantes para a Babilônia (586 a.C.). Jerusalém foi pilhada e queimada; a “lei” virou cinza (textos que supostamente compunham os cinco primeiros livros da Bíblia). No exílio, fundados na tradição oral e nos fragmentos de textos, o sacerdote Esdras e outros eruditos elaboram a “lei” (cinco primeiros livros do AT) em substituição a supostos textos que os caldeus teriam queimado junto com o templo de Jerusalém (não há evidência da anterior existência desses livros).
Ciro, rei da Pérsia, conquista a Babilônia e autoriza os judeus a retornarem a Palestina. Parte deles preferiu ficar na Mesopotâmia, indício de que o “cativeiro” não era tão ruim como pintado por alguns escritores. Na verdade, tratava-se de exílio e não de cativeiro. Aliás, não se pode confiar nos textos contidos na Bíblia ou em livros esparsos, escritos por judeus sobre a história deles, porque são tendenciosos; exageram nos padecimentos e nas vitórias; denigrem os inimigos; inventam episódios e manipulam números e datas. Para se obter alguma verdade é necessário recorrer à história documentada dos povos daquela época. Após prestar vassalagem à Pérsia, os judeus caíram sob o domínio de Alexandre da Macedônia e depois de Ptolomeu do Egito. Liderados pela família Macabeus, eles conseguiram independência política por um século. Depois, foram dominados por Roma (63 a.C.).
As divisões territoriais da Palestina (tetrarquias) eram administradas por governantes judeus nomeados por Roma. A dinastia de um desses governantes durou 81 anos (Herodes, 37 a.C. a 44 d.C.). A Judéia (sul da Palestina) passou a ser administrada diretamente por Roma. Ao tempo de Jesus adulto (o Cristo) o administrador era um general romano chamado Poncio Pilatos. Instigada pelos zelotes (judeus nacionalistas radicais) a massa revoltou-se contra a autoridade romana enquanto a elite, ciente do poderio de Roma, sensatamente preferia manter o status quo (66 d.C.). A revolta foi sufocada e Jerusalém novamente destruída (70 d.C.). De protetorado (país sob proteção de outro mais forte) a Palestina passou a província de Roma. O imperador Adriano impôs a cultura helênica na Palestina (isto restringia a liberdade religiosa dos judeus), fundou uma colônia em Jerusalém e ali construiu um templo dedicado a Júpiter Capitolino (isto ofendia o sentimento religioso dos judeus). Um rabino de nome Akiba declara messias o líder popular radical Simon Bar Kokhba e o encoraja a chefiar revolta contra a autoridade romana. Sufocada a rebelião pelos romanos, os judeus foram expulsos de Jerusalém (132 a 135 d.C.).
Na antiguidade, cada povo tinha os seus deuses e a religião estava ligada à política. Daí o rei ser ao mesmo tempo comandante político e sumo sacerdote. O povo submetia-se à autoridade política e aos sacerdotes e profetas. Nas cerimônias públicas misturavam-se religiosidade e civismo. O povo hebreu seguiu o figurino da época. A religião final desse povo serviu de ponto de partida ao cristianismo e ao islamismo. No período pré-mosaico (1400 a 1100 a.C.), os hebreus eram animistas: adoravam os espíritos residentes em árvores, montanhas, poços, fontes de água e pedras de formato especial; praticavam a necromancia (adivinhação pela invocação dos mortos), a magia e o sacrifício de animais racionais e irracionais. Com o tempo, os hebreus evoluíram para o politeísmo antropomórfico: deuses de forma e características humanas que tutelavam lugares e tribos e recebiam o tratamento genérico de “El” (= sagrado). A monolatria foi o estágio seguinte (período mosaico: 1100 a 800 a.C.). Na monolatria exige-se o culto exclusivo a um só deus embora a existência de outros deuses de povos distintos seja reconhecida. A nova religião foi imposta por Moisés. Na condição de príncipe e sacerdote egípcio, Moisés conhecia o monoteísmo do faraó Aquenaton cultivado por uma elite sacerdotal egípcia em caráter privado. Moisés viu nos hebreus egípcios a oportunidade de realizar o seu sonho: constituir um estado monoteísta. O novo deus era antropomórfico. Segundo a lenda, Javé exibiu suas costas para satisfazer a curiosidade de Moisés: “me verás por detrás, pois a minha face não pode ser vista; o homem não poderia me ver e continuar a viver”. Javé era bondoso e maldoso, possuía as virtudes e os defeitos humanos. O seu poder não ultrapassava as fronteiras da Palestina (deus tribal). Esse deus punia as pessoas e as tribos quando o contrariavam. Os kenitas, povo que vivia próximo ao Monte Sinai, tinham um deus semelhante. Moisés o tomou por empréstimo e o batizou com o nome de Javé. O decálogo contido no livro Êxodo (Bíblia, AT) foi escrito entre os anos 700 a 300 a.C., quando Moisés já estava morto há centenas de anos. O nome Jeová ao invés de Javé, resultou de um erro cometido por tradutores cristãos no século XIII (1201 a 1300).
O politeísmo vigorava no mundo antigo e a classe sacerdotal era poderosa. O faraó Aquenaton tentou fazer do monoteísmo religião oficial do Egito. Acusado de heresia por afrontar a religião tradicional, ele ficou em prisão domiciliar no seu palácio. Acredita-se que as suas refeições eram temperadas com doses homeopáticas de veneno. Morreu jovem. Retornaram: o Egito, ao politeísmo; os sacerdotes, ao poder; a cidade de Tebas, ao seu antigo esplendor. A cidade construída pelo rei herege foi abandonada às traças. De olhos postos neste precedente e com receio de igual fracasso, Moisés convenceu os hebreus egípcios de que eles tinham sido eleitos por um deus poderoso. O engodo visava ao sucesso da nova religião, obter fidelidade do povo e impedir o politeísmo no estado a ser constituído.  
Apesar dos esforços de Moisés e dos profetas posteriores, os hebreus recaíram no politeísmo por diversas vezes. Além disto, mantiveram a adoração da serpente, os sacrifícios sangrentos, as orgias nos rituais de fertilidade, o fetichismo e a magia. Chefes de seitas ascéticas reagiram à corrupção nas práticas religiosas, condenaram o conforto da vida civilizada e incitaram o povo hebreu a morar em tendas. Elias, um desses chefes, abominou o culto de Baal, matou os seus sacerdotes e insistiu no culto exclusivo a Javé. Seguiu-se a revolução profética dos anos 800 a 600 a.C. Os profetas defendiam uma nova filosofia religiosa: (1) monoteísmo ao invés de monolatria: Javé é o único deus do universo; não existem outros deuses; (2) Javé é deus da retidão, mas não é onipotente, pois a sua força é limitada pela justiça e pela bondade; (3) o mal deste mundo vem dos homens e não do deus; (4) a religião tem finalidade ética: Javé não se atém ao ritual e ao sacrifício; espera que os homens pautem suas vidas pela justiça, ajudem os oprimidos e amparem os órfãos e as viúvas. Os abusos sociais, o acúmulo de riqueza, a exploração do pobre pelo rico, as práticas religiosas estrangeiras, as superstições, tudo isto os profetas condenavam. Sob a proteção de Javé, o povo, se purificado, escaparia do domínio estrangeiro. Os profetas advertiam governantes e governados do perigo da invasão estrangeira; eles aspiravam uma sociedade harmônica e justa, relações sociais humanitárias, integridade e independência da nação.
Os hebreus da época anterior ao exílio não acreditavam no céu, no inferno ou em Satã. No seio do povo era escassa a espiritualidade. Havia traços supersticiosos. Durante o exílio na Babilônia, os judeus tornaram-se pessimistas, fatalistas e passaram a acreditar na transcendência da natureza do seu deus (586 a 539 a.C.). Javé passou a ser visto como onipotente, inacessível, santo, e seus pensamentos e hábitos não eram de homem. O dever do homem era a submissão à vontade divina. A fim de assegurar a identidade nacional pela via religiosa, as lideranças judias restabeleceram a guarda do sábado, as formas de adoração na sinagoga, a circuncisão e a distinção entre alimentos puros e impuros. Deste retrocesso resultou maior poder aos sacerdotes e a religião se torna eclesiástica. Os judeus sentiram a poderosa influência da religião persa durante e após o exílio na Babilônia e dela absorveram o dualismo, o messianismo, o esoterismo e a noção de vida extraterrena. Eles aceitaram idéias persas como: (1) a crença em Satã como agente do mal; (2) a vinda de um redentor espiritual; (3) a ressurreição dos mortos; (4) o juízo final; (5) a revelação divina. Passaram a acreditar que os textos sagrados eram ditados diretamente por deus aos seus fiéis; se não ditados, ao menos, eram inspirados por deus. Sob tal crença, os textos escritos por Esdras e outros eruditos durante o referido exílio foram aceitos como de inspiração divina (586 a 539 a.C.).

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

FILOSOFIA - VI



Palestina (1200 a.C. a 70 d.C.).

O deserto da Arábia talvez tenha sido o berço do povo hebreu composto de tribos nômades de pastores dedicados à criação de cabras e ovelhas. O nome kahbiru ou hebiru (= hebreu) foi dado por outros povos com duplo significado: nômade e bandido. Ao que parece, os hebreus não desfrutavam de bom conceito. As tribos vagavam separadas. Algumas chegaram ao Egito; outras se distribuíram por distintas regiões do Oriente Próximo, inclusive no vale dos rios Tigre e Eufrates (1800 a 1200 a.C.). Uma dessas tribos liderada por hebreu chamado Taré dirigiu-se à cidade de Ur, na parte meridional da Mesopotâmia. Depois de algum tempo, a tribo mudou-se para a cidade de Haram, na parte setentrional da Mesopotâmia, onde Taré faleceu. Seguindo a sua natureza nômade, a tribo trasladou-se para Canaã (Palestina) sob a liderança de Abrão, filho de Taré, região ocupada pelos cananeus, estéril, inóspita, chuvas escassas e topografia escabrosa, nada parecida com a “terra onde correm rios de leite e mel” a que se referiam os visionários. Pressionados pela fome em época de miséria naquela região, Abrão e sua tribo (cerca de 70 pessoas incluindo os escravos) viajaram para o Egito e lá se instalaram. Abrão apresentou Sarai como sua irmã e não como sua esposa. Seduzido pela beleza de Sarai, o faraó a tomou por esposa. Abrão foi recompensado com “ovelhas, bois, jumentos, servos, servas, jumentas e camelos”, o que lhe rendeu fortuna e bem-estar. Passado o período crítico, o felizardo Abrão, “muito rico em rebanhos, prata e ouro”, retorna a Canaã com a tribo e viveu algum tempo em Gerara, cujo rei de nome Abimelec tomou Sarai por esposa. Abrão recebeu como recompensa: “ovelhas, bois, servos, servas e mil moedas de prata”. Induzir a esposa a satisfazer a lascívia de outrem (mediação), tirar proveito da prostituição alheia (rufianismo), contrair novas núpcias enquanto casada (bigamia); relacionar-se sexualmente com quem não é seu cônjuge (adultério), são condutas consideradas ilícitas do ponto de vista moral, religioso e jurídico, na civilização ocidental.
Da descendência de Abrão formou-se: (1) a nação árabe, que teve como patriarca Ismael, o filho mais velho de Abrão, havido de Agar, escrava egípcia; (2) a nação hebraica, que teve como patriarca Isaac, o suposto filho mais novo, havido de Sarai, esposa de Abrão. O casal estava com 100 anos de idade quando Isaac nasceu. A mãe de Ismael duvidou da legitimidade daquele nascimento. O senso comum e a experiência lhe diziam da impossibilidade biológica daquela gravidez. Agar, que desfrutava posição privilegiada na tribo por ser mãe do único filho de Abrão, demonstrou sua incredulidade e riu da esperteza de Sarai. Em conseqüência e às instâncias de Sarai, Abrão expulsou Agar e Ismael da comunidade. Isaac restou como único herdeiro e gerou filhos gêmeos: Esaú e Jacó. Idoso, cego e moribundo, Isaac reservava sua bênção a Esaú, não só por ter nascido primeiro como também por ser caçador.  Rebeca, a mãe dos gêmeos, preferia Jacó. Preparou um guisado, disfarçou o filho com pele de cabrito para parecer peludo como o irmão e mandou Jacó à presença do pai com a oferta como se fora Esaú. Sem perceber o embuste, Isaac deu a sua bênção a Jacó pensando que a dava a Esaú. Esse embusteiro de nome Jacó, suposto neto de Abrão, obedece à ordem que diz ter recebido da divindade e assume o cabalístico nome de Israel (Is = Isis = princípio feminino + Ra = Amon-Re = princípio masculino + El = laço sagrado = renovo). Israel teve 12 filhos. As 12 tribos que se formaram correspondem a esses filhos. Em conjunto, essas tribos constituíam uma nação ramificada do povo hebreu. Pressionados pela fome, Israel e seus filhos mudam-se para o Egito. Os descendentes de Israel lá permaneceram por 430 anos; eram egípcios jus soli e hebreus jus sanguinis (tal como na atualidade há judeus brasileiros, judeus ingleses, judeus estadunidenses, na antiguidade havia hebreus egípcios, hebreus babilônios, hebreus persas).
Na época em que esse grupo chefiado por Israel (Jacó) chegou ao Egito, os hicsos governavam. Depois de dois séculos de domínio, este povo foi expulso do Egito por Amósis (1580 a.C.). A partir daí, mudou a sorte dos hebreus. O faraó vitorioso e os seus sucessores olhavam com desconfiança os egípcios descendentes de Israel. Sob o governo dos hicsos, Israel obtivera privilégios graças ao seu filho José que era ministro do rei. Os israelitas eram considerados amigos dos hicsos. Incidiu a máxima “amigo do meu inimigo, meu inimigo é”. Embora nascidos no Egito, os descendentes de Israel perderam os privilégios e passaram a trabalhar na construção civil. Sob Ramsés II (1304 a 1237 a.C.), quando eles prestavam serviço na reconstrução de Tanis (Casa de Ramsés) e em outras edificações, um sacerdote e príncipe egípcio de nome Moisés propõe a saída deles do Egito. Considerando que Israel chegou ao Egito com 70 pessoas, aproximadamente; se a taxa de crescimento desse grupo for estimada em 25 vezes a cada 100 anos (excluída a taxa de mortalidade e de emigração), chega-se a um total aproximado de 27 milhões e 300 mil pessoas em 400 anos. {A taxa estimada em 25 teve como referência a taxa de 25 extraída da densidade demográfica da cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, nos últimos 100 anos (em 1913 = 67.175 habitantes; em 2013 = 1.848.943 habitantes; crescimento = 25 vezes em 100 anos). O arquiteto curitibano Jorge Manoel Nauffal, meu estimado e preclaro amigo, passou-me os dados estatísticos. Quanto ao cálculo, sujeito às chuvas e trovoadas, é da minha inteira e exclusiva responsabilidade}. Guiada por Moisés e com o consentimento do faraó, parte dessa população sai do Egito (não se sabe o número certo). A emigração ficou conhecida como Êxodo (Bíblia, AT).
Daqueles que saíram com Moisés, alguns quiseram retornar ao Egito, sua terra natal. Houve rebelião e morticínio. Os rebeldes preferiam a “escravidão” junto ao seu rei (faraó) do que a “liberdade” junto a Moisés; criticavam a situação no deserto e qualificavam Moisés de tirano; não acreditavam na origem divina das leis postas por Moisés; lutaram pelo regresso ao Egito e milhares perderam a vida. Repleta de falsidades, fantasias, anacronismos, parábolas, fábulas e símbolos, a história do povo hebreu vem contada nos livros do Antigo Testamento (Bíblia). O conteúdo é variado. Há preces, oráculos, sermões, poemas, epopéias, contos, leis, textos filosóficos e listas genealógicas. As listas que começam em Adão e Eva são falsas, pois este casal nunca existiu. Além disto, segundo essas genealogias, o surgimento do homem no planeta teria ocorrido por volta do ano 4000 a.C., quando na verdade isto ocorreu há mais de um milhão de anos após longo processo biológico evolutivo. 
Hebreus, cananeus e filisteus na Palestina alternavam guerra e paz. Procedentes da Ásia Menor e das ilhas do Mar Egeu, os filisteus invadiram Canaã e forçaram os hebreus a lhes entregar parte do território. O nome Palestina deriva de filisteu (terra filistina). A região ficou mais conhecida como Palestina do que pelo nome primitivo (Canaã). A coexistência pacífica incluía casamento entre eles (serve de exemplo o casamento de Sansão, nazareno e juiz hebreu, com mulher filistina).
O contato dos hebreus com os egípcios, com os babilônios e com os hititas proporcionou-lhes rápido avanço cultural. Eles se beneficiaram também da cultura grega e romana. Na fase sedentária da sua história, os hebreus praticavam o comércio e a agricultura, utilizavam o ferro e a escrita e se orientavam por leis inspiradas no código de Hamurabi. A religião era politeísta, sensual e incluía sacrifício humano. O monoteísmo (monolatria, na realidade) veio bem mais tarde, imposto por Moisés no lendário êxodo. As tribos eram desunidas, ciosas de sua independência e lutavam entre si, o que dificultou a conquista da terra. O inimigo comum (filisteus) forçou união duradoura entre elas sob um único chefe. Por sua juventude, força e beleza, Saul, da tribo de Benjamim, foi sagrado rei pelo juiz Samuel (1025 a.C.). Saul não conseguiu expulsar os filisteus. Em campanha pessoal, um hebreu chamado Davi, da tribo de Judá, encorajado por Samuel, derrotou os filisteus (segundo a lenda, a sorte da batalha foi decidida em duelo entre Davi e Golias, um gigante filisteu). Saul suicidou-se com a própria espada depois de ser gravemente ferido em batalha. Davi é sagrado rei, uniu as tribos, criou um estado absolutista e governou por 40 anos.
A glória militar e o esplendor material exigiam tributação elevada e recrutamento de homens, o que desagradou o povo. Davi sufocou rebelião chefiada por seu filho Adonias (havido de Hagit, sua esposa). Nomeou sucessor Salomão, filho havido de Betsabé, cujo marido Davi mandou matar para encobrir o adultério. Na verve apologética que lhes é característica, os escritores hebreus consideram Salomão o rei mais sábio e justo da história. Todavia, falta lastro a esse crédito, posto que estadistas egípcios, babilônios, persas, gregos e romanos, deixam Salomão na rabeira. Ele foi hábil na diplomacia casamenteira e conseguiu manter a integridade do seu acanhado reino diante das potências da época (Egito, Assíria, Babilônia). Salomão oprimiu o povo a fim de calar os descontentes; imitou o luxo e a magnificência dos déspotas orientais; formou harém de esposas e concubinas; construiu palácios e um templo suntuoso em Jerusalém; contratou técnicos estrangeiros e importou material para a construção, porque a Palestina era pobre em pessoal técnico e em recursos naturais; comprou ouro, prata, bronze e cedro em quantidade excessiva e gerou déficit na economia. Para cobrir o rombo nas finanças entregou algumas cidades aos credores, aumentou a carga tributária onerando o povo e estabeleceu o serviço obrigatório: hebreus foram enviados às dezenas de milhares para a Fenícia a fim de trabalhar nas minas e na extração de madeira.

sábado, 23 de novembro de 2013

FILOSOFIA V - A



Pérsia (final).

Segundo a filosofia de Zaratustra, o ser humano possui livre arbítrio; cabe-lhe a decisão de pecar ou de não pecar e evitar a punição futura. Arrolava como deveres: obedecer ao governante, fidelidade, ser hospitaleiro, amigo dos pobres, amar e auxiliar o próximo, respeitar o que fosse livremente contratado, gerar descendência numerosa, cultivar a terra (quem semeia o grão, semeia a santidade). Aquele que alimentar um crente irá ao paraíso. A temperança é preferível à abstinência. Regra de ouro: não fazer ao outro o que não for bom para si mesmo.
Na lista dos pecados estavam incluídos: aborto, acumular riqueza, adultério, caluniar, cobiçar, cobrar juros de alguém da mesma religião, dissipar, gula, indolência, ira, luxúria, orgulho. Considerava práticas prejudiciais ao corpo e à alma que tornavam os indivíduos incapazes para os deveres da agricultura e da procriação: infligir sofrimento a si mesmo, jejuar, suportar dores excessivas.
O fogo sagrado, símbolo do poder de Ahura-Mazda, devia ser mantido aceso. A expressão “manter a chama acesa” vem de longe, porém na civilização ocidental moderna ficou restrita ao sentido espiritual e ao uso poético, tendo em vista o risco de a sua aplicação prática incendiar o templo ou a casa, mormente diante de material de construção e decoração inflamável. Na Índia (Bombaim) há um templo do fogo onde os parsis (adeptos do zoroastrismo) mantêm acesa a chama sagrada. No Irã, em que pese o domínio muçulmano que espantou persas para a Índia nos anos 700 a 1000, ainda existe um núcleo de adeptos dos ensinamentos de Zaratustra.
A revelação divina é o fulcro dessa doutrina. Os fiéis eram os únicos possuidores da verdade porque os segredos do deus lhes eram revelados. Os fiéis comungavam parte da sabedoria divina. A verdade a que tinham acesso não podia ser objeto de investigação racional. O livro sagrado Avesta (coleção de hinos, orações e preceitos ritualísticos) contém o conhecimento revelado a Zaratustra por Ahura-Mazda. O zoroastrismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo são as religiões que têm a revelação divina como um dos seus alicerces. Cada uma delas tem o seu “livro sagrado”. Esse irracional componente religioso favorece dogmatismo, intolerância e enfrentamento.
A pureza da nova religião foi minada pelas crenças antigas dos persas, pelas crenças dos caldeus e pela ambição do clero. Do sincretismo religioso e mágico emergiram novos cultos. A lenda de Mitra foi uma dessas ramificações (500 a 401 a.C.). Mitra nasceu em um rochedo. Pastores trouxeram-lhe presentes em sinal de reverência pela sua grande missão na Terra. Para bem desempenhar sua missão ele fez um pacto com o Sol e obteve luz e calor em benefício das plantas. Ele capturou o touro divino, levou-o para uma caverna onde o matou por determinação do Sol. Plantas valiosas para o homem provieram da carne e do sangue do touro divino. Com a sua lança, Mitra furou a rocha e dela saiu água. Isto acabou com a seca provocada por Ahriman. “Tirar água de pedra” é expressão usada ainda hoje para significar tarefa difícil ou impossível. Com o propósito de extinguir a raça humana, Ahriman provocou um dilúvio, porém Mitra construiu – ou mandou construir – uma arca e salvou a raça humana e os animais. Ao fim do seu trabalho, Mitra participou de um festim sagrado com o Sol e subiu aos céus. Quando Mitra voltar concederá imortalidade aos crentes.
Havia o ritual do batismo, da sagrada refeição de pão e água, da purificação lustral, ablução cerimonial com água, queima de incenso, cânticos sagrados. Havia dias santos como o domingo e o do solstício do inverno no hemisfério norte. O retorno do Sol da sua viagem ao sul do equador era visto como o dia do seu nascimento: 25 de dezembro (adotado pelo clero cristão para comemorar o nascimento de Jesus cuja data verdadeira é desconhecida). A cada dia da semana correspondia um astro. Após a queda do império persa, o mitraísmo expandiu-se e foi introduzido em Roma no último século antes da era cristã, onde exerceu atração no meio da soldadesca, dos estrangeiros e dos escravos até se tornar amplamente popular e superar o cristianismo e o paganismo nos séculos II e III (101 a 300 d.C.).
Outra religião com raiz persa foi fundada na era cristã por um sacerdote de Ecbatana chamado Mani (250 d.C.). O seu objetivo era reformar a religião dominante. Pregava uma religião universal para todas as pessoas e todas as classes indistintamente. Ante a resistência que encontrou em seu país, peregrinou pela Índia e China. Acusa-se a fraternidade dos magos de persuadir os monarcas a proibirem o maniqueísmo. Mani foi crucificado (276 d.C.). Perseguidos, os discípulos levaram os ensinamentos do mestre à Itália e aos países da Ásia Ocidental. Houve maniqueus que se tornaram cristãos, entre eles, Agostinho, santo da igreja.
Mani sofreu a influência da religião da Babilônia, do budismo e do cristianismo. O dualismo de Zaratustra era o ponto central da doutrina de Mani. Duas divindades competiam pela primazia e todo o universo dividia-se em dois reinos, um a antítese do outro: o espiritual dominado por Deus e o material dominado por Satã. Somente as substâncias espirituais eram criadas por Deus (luz, fogo, almas). Satã era o criador das trevas, do pecado, do desejo e de todas as coisas materiais. Os primeiros pais da raça humana receberam seus corpos de Satã. Dessa origem satânica decorre a natureza maldosa do homem. Cabe ao ser humano o esforço para se libertar dessa natureza, refrear os seus apetites e os prazeres dos sentidos, abster-se de comer carne, de beber vinho e de satisfazer o desejo sexual. O casamento deve ser evitado porque traz novos corpos para povoar o reino de Satã. Para se libertar do pecado os homens devem jejuar e se penitenciar. Os que agem assim fazem parte da raça perfeita; são os eleitos. Os demais fazem parte da raça secular; são os ouvintes que devem evitar a idolatria, a avareza, a fornicação, a falsidade e a ingestão de carne. Profetas e redentores são enviados periodicamente por Deus a fim de ajudar os homens na luta contra o poder de Satã. Noé, Abraão, Zaratustra, Jesus e Paulo estavam entre esses emissários divinos, mas o último e maior de todos era ele, Mani (séculos depois, Maomé diria o mesmo de si).
A doutrina maniqueísta teve larga aceitação no império romano e no clero católico. O maniqueísmo com feição cristã tornou-se uma seita da igreja primitiva e fortaleceu: (1) o dualismo cristão Deus x Diabo; espírito x matéria; luz x trevas; (2) a doutrina do pecado original e da depravação do homem. Além disto, contribuiu para: (1) o ascetismo cristão; (2) a dicotomia ética da igreja: (I) padrão de perfeição para os poucos que se retiram do mundo e levam uma vida santa e exemplar (monges e freiras); (II) padrão socialmente possível para os cristãos comuns (fiéis).
O gnosticismo, também herança persa, provável produção cultural coletiva posto ser desconhecido fundador individual, veio à luz do mundo no primeiro século da era cristã. Encontrou terreno fértil no Oriente Próximo, região que se estende do limite ocidental da Índia até o Egito, incluindo a Mesopotâmia, onde se desenvolveram as culturas dos egípcios, sumerianos, babilônios, assírios, caldeus, cretenses, hititas, persas e hebreus.
A filosofia gnóstica era de cunho místico. Em grego, gnosis significa conhecimento. Os adeptos da doutrina afirmavam possuir um conhecimento secreto revelado por Deus. As verdades da religião não podiam ser descobertas pela razão. A sabedoria revelada era um guia da fé. Somente os iniciados tinham acesso ao significado de princípios, leis, rituais e símbolos. Havia a crença no primeiro homem que existiu antes da criação do mundo (no evangelho cristão insinua-se que Jesus seria esse primeiro homem). Segundo os gnósticos, o primeiro homem aparece periodicamente no mundo como profeta. Antes do fim do mundo ele tornará a aparecer como um messias. Este indivíduo é um deus (arquétipo do homem) que assume a forma humana e por isso é chamado de primeiro homem ou de filho do homem para lembrar que se trata de uma divindade inferior ao deus supremo.
O gnosticismo floresceu também na linha xiita do islã: sobrenatural, dualismo, misticismo, messianismo e ascetismo. Há traços gnósticos nos ensinamentos das escolas de mistérios, tais como: conhecimento acessível somente aos iniciados, sabedoria secreta, misticismo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

FILOSOFIA V



Pérsia (550 a 330 a.C.).

Os persas viviam em tribos esparramadas ao sul da Ásia Menor, na região banhada pelo Golfo Pérsico e Mar Omã, a leste do Rio Tigre, sob o império dos medos. A Média ficava ao norte, banhada pelo Mar Cáspio. Na metade do século VI a.C. (600 a 501) um habilidoso e ambicioso príncipe de nome Ciro reuniu as tribos persas e as governou. Por seu parentesco sanguíneo ou de afinidade com um rei da Média, Ciro foi aceito como rei pelos medos. Este foi o embrião de um vasto império. Ciro conquistou a Lídia, reino que ficava na parte ocidental da Ásia Menor. Por temer a expansão dos persas, Creso, rei da Lídia, celebrou aliança com Egito e Esparta e empreendeu guerra preventiva contra os persas. Antes, consultou o oráculo grego de Delfos. A resposta foi que ao atravessar o Rio Halis um grande exército seria destruído. Esse rio separava a Lídia da Média. Creso foi à guerra confiante na vitória. O grande exército destruído foi o dele. O seu reino foi anexado ao estado persa. O oráculo era ambíguo; os dois exércitos eram grandes; portanto, um deles seria destruído fatalmente. Depois desta conquista, Ciro submete ao seu poder o império caldeu (539 a.C.). Cambises, filho de Ciro, aumentou o domínio territorial ao conquistar o Egito (525 a.C.). Os povos conquistados se rebelavam. Dario, general do exército persa, assume o governo após a morte de Cambises (521 a.C.) e invoca autoridade divina, base do absolutismo, mescla de religião e política {também invocada na era cristã por imperadores romanos como Diocleciano e Constantino (284 a 476) e monarcas europeus como Luiz XIV, de França e Jaime I, da Inglaterra (1485 a 1879)}. Dario reprime as rebeliões, organiza o estado e conquista a região costeira da Trácia (hoje corresponde à parte da Grécia no Mar Mediterrâneo, mais o lado europeu da Turquia, mais a parte da Bulgária e da Romênia no Mar Negro). Ele ampliou o território persa também em direção à Índia e ao sul da Rússia. Dario resolveu punir Atenas por haver apoiado as cidades jônicas na revolta contra a Pérsia. Quase toda a Grécia reagiu e ele foi derrotado na batalha de Maratona (490 a.C.). Logo depois, Atenas foi capturada e incendiada por Xerxes, filho e sucessor de Dario (486 a 465 a.C.).
Em conseqüência das freqüentes revoltas das províncias e das periódicas invasões de povos bárbaros, o império persa começa a decair. Alexandre da Macedônia conquista-o (330 a.C.). A Pérsia, então, entra numa fase helenística (mistura de cultura grega com cultura oriental) até 67 a.C. O logos grego fascinou a elite persa. Seguem-se as fases: (1) parta (reino da Partia) já na era cristã até o ano de 226; (2) sassânida, dinastia fundada por Ardashir (226 a 241 d.C.). Este novo império persa constituiu-se dentro das antigas fronteiras, com administração eficiente, organização militar tão poderosa quanto a dos romanos e elevado grau de civilização. Esta fase durou até 637 d.C. quando exausto por sua guerra contínua com Bizâncio, o império persa ruiu diante do vigoroso assédio dos árabes que ali implantaram o islamismo. A cultura sassânida foi o produto final da civilização persa. Sob a cultura islâmica o estado persa chegou aos nossos dias. Reza Pahlevi, último soberano persa (), foi destituído no século XX (1901 a 2000) quando os aiatolás, sob a liderança carismática de Khomeini, assumiram o poder e o país passou a chamar-se Irã.    
Os governantes persas não estavam subordinados a constituição ou lei superior. Eles permitiam que os povos vencidos observassem seus próprios costumes, leis e religião, apesar da regular opressão. Justiça e tolerância eram pilares da ética persa. Nas cidades, distribuir justiça era encargo do clero. A sentença podia ser revista pelo monarca. Nas aldeias, o chefe local ou o proprietário de terras exercia a função judicante. Os livros sagrados continham preceitos legais com a definição dos crimes. Praticava-se tortura e ordálio (juízo de deus: prova a que era submetido o acusado que seria inocentado se resistisse ao fogo, ou ao ferro quente, ou a um líquido fervente, ou escapasse vivo a um duelo). O governo persa era absoluto. O monarca representava o deus da luz. Os nobres gozavam de privilégios. O império tinha 21 províncias, cada uma governada por um sátrapa com poderes absolutos em assuntos civis. A autoridade militar cabia ao comandante do exército na província. Para fiscalizar a atuação do sátrapa era designado um secretário permanente para cada província. Inspetores (olhos e ouvidos do rei, geralmente membros da família real) apoiados por forte escolta visitavam as províncias uma vez por ano para verificar a regularidade dos administradores locais. Todos esses cuidados não foram suficientes para impedir as constantes revoltas dos sátrapas e a queda do império.
Os jovens eram educados para a vida militar. Austeridade, lealdade, honra, eram virtudes valorizadas enquanto o luxo e o vício eram censurados. Notável e sem paralelo até a época dos romanos foi a estrada real de dois mil e seiscentos quilômetros que ligava Susa, capital da Pérsia, próxima ao Golfo Pérsico, a Sárdis, próxima do Mar Mediterrâneo (parte ocidental da Ásia Menor). Além de Susa, as cidades de Pasárgada, Persépolis, Babilônia e Ecbatana foram capitais do império persa. Rede de estradas ligava as cidades às províncias. Gozavam de religioso respeito duas cidades: (i) Pasárgada, lar ancestral de Ciro e de sua dinastia; (ii) Persépolis, construída por Dario, onde os reis eram sepultados. No Egito, Dario escavou um canal do Rio Nilo ao Mar Vermelho, fazendo a ligação com o Oceano Índico.
As realizações intelectuais e artísticas dos persas derivaram das civilizações precedentes (Egito e Mesopotâmia). Embora utilizada a escrita cuneiforme, os persas inventaram alfabeto de 39 letras sob influência do alfabeto arameu. Adotaram o calendário solar dos egípcios com pequenas modificações. Encorajaram viagens exploradoras como auxiliares do comércio. Difundiram o sistema de cunhagem da Lídia. Serviram-se das técnicas arquitetônicas dos gregos e egípcios. O monarca persa também mantinha harém. A religião persa teve grande influência no mundo civilizado. As religiões que dela derivam herdaram suas características sobrenaturais, místicas e messiânicas. O colapso do império de Alexandre da Macedônia, sob cujo domínio encontrava-se a Pérsia, gerou desilusão, inquietação e ânsia por salvação individual (300 a.C.) O terreno ficou propício à religiosidade e à pieguice. As pessoas faziam da religião um refúgio e buscavam no além a compensação pelas agruras da vida terrena.
Antes da expansão imperial, o povo persa fora catequizado por um sacerdote chamado Zaratustra (os gregos chamaram-no Zoroastro) que vivera por volta de 628 a 551 a.C. Esse líder religioso se propôs a purificar as crenças que sustentavam a tradicional religião dos magos: politeísmo, sacrifício de animal e magia. Apesar disto e visando ao aperfeiçoamento da produção agrícola, ele instituiu o culto à vaca e estabeleceu como dever sagrado o cultivo da terra. A religião criada por Zaratustra era dualista: havia um deus do bem que personificava os princípios da luz, da verdade e da retidão (Ahura-Mazda) e um deus das trevas, traiçoeiro, que presidia as forças do mal (Ahriman). Estas duas divindades lutam entre si pela soberania, mas no final o deus do bem triunfará sobre o deus do mal e salvará o mundo. A doutrina era escatológica: incluía a espera de um messias, a ressurreição dos mortos, o juízo final e o paraíso para os inocentes. O mundo duraria 12 mil anos (número cabalístico). Zaratustra voltaria a Terra como sinal e promessa de redenção humana; nessa ocasião, ele manteria relações sexuais com uma virgem e geraria o renovo de nome Saoshyant, o messias que prepararia o fim do mundo. Após a derrota de Ahriman, os mortos se ergueriam das tumbas e seriam julgados segundo o merecimento de cada um. Os inocentados entrariam no paraíso e os condenados, no inferno. Ao cabo de algum tempo, também os condenados se salvariam, porque o inferno era um lugar de passagem e purificação, sem estadia permanente.

sábado, 16 de novembro de 2013

FILOSOFIA IV - B



Hitita (2000 a 1200 a.C.).

A civilização hitita, à semelhança da egéia, só foi descoberta no século XIX da era cristã, quando foram encontradas na Síria algumas pedras com interessantes inscrições. A Bíblia e os gregos citam o povo hitita. Monumentos e textos gravados em pequenas tábuas de argila foram encontrados em diferentes regiões da Ásia Menor e do Oriente Próximo. Trabalho arqueológico revelou as ruínas de uma cidade fortificada de nome Hatusas. Descobriu-se que se tratava da capital do império hitita na Anatólia (hoje, Turquia). No interior das ruínas havia dezenas de milhares de documentos e fragmentos. Grande parte desse material era constituída de leis e decretos. Esse povo localizava-se na linha leste-oeste, entre as regiões do Egito, Mesopotâmia e Mar Egeu. Os hititas eram de baixa estatura, robustos, cabeça redonda, cabelos e barbas compridos, nariz adunco, originários do Cáucaso, região montanhosa que fica no sudoeste da Rússia. Aventa-se a hipótese de parentesco com os cassitas, com os medos e com os persas. A língua falada é desconhecida. Escrita cuneiforme e também hieroglífica.
Os hititas viviam da agricultura, da indústria e do comércio. Produziam trigo, cevada, vinho, frutas e criavam ovelhas e vacas. Oleiros, sapateiros, carpinteiros e ferreiros eram os artesãos de maior prestígio. Os hititas dedicavam-se à metalurgia. Eles extraíam prata, cobre e chumbo que vendiam aos outros povos. A prata era utilizada como meio de troca. Descobriram o uso do ferro, metal mais precioso do que o ouro naquela época. As pequenas tábuas de argila cujas inscrições foram decifradas referiam-se a negócios, leis, religião e a plágios de mitos sumerianos tais como: (1) as lendas da criação do mundo e do dilúvio; (2) a lenda de Gilgamesh, rei de Uruk (cidade da Suméria) que aspirava a imortalidade e recebeu da divindade o segredo da eterna juventude: colher determinada planta no fundo do mar. O herói mergulhou e retirou a planta, mas uma serpente a roubou enquanto ele descansava.
O conjunto das tábuas decifradas aponta para uma requintada sociedade (rural e urbana), submetida a um governo forte. O monarca era chefe político, comandante militar e sacerdote supremo. Havia um conselho de nobres (anciãos) que velava pelo respeito à lei e às instituições. As províncias eram governadas por pessoas da família real. A terra era propriedade do estado. Havia concessão de terras a particulares que se obrigavam a cultivá-las. Caso não cumprissem a obrigação, a terra era devolvida ao estado. Mercadorias tinham seu preço fixado em lei, inclusive alimentos e vestuário. A remuneração dos serviços prestados também era fixada em lei. A remuneração das mulheres correspondia à metade da remuneração dos homens {no século XX (1901 a 2000) as operárias inglesas conseguiram salário quase igual ao salário dos operários; no Brasil, a desigualdade persiste}. A pena de morte era restrita aos crimes de feitiçaria, relações sexuais com animais irracionais, furto de bens do palácio e estupro. Quanto a este último, importante era o lugar do fato: se as montanhas ou se a casa. (1) Se o fato ocorresse nas montanhas, considerava-se crime consumado e provado; (2) se o fato ocorresse em casa e a mulher gritasse por socorro, considerava-se consumado e provado o crime; (3) se o fato ocorresse em casa e a mulher não gritasse por socorro, presumia-se relação sexual consentida; neste caso, se a mulher fosse casada, configurava-se o adultério. O homicídio era punido com multa. A pena de mutilação era aplicada em dois casos: incêndio premeditado e furto cometido por escravo. Fora isto, não havia penas cruéis como as dos assírios (esfolamento, castração, empalação).
A escultura e a arquitetura dos hititas eram pobres (templos, estátuas de divindades). Arte rudimentar. A águia de duas cabeças era o símbolo do império (estados ocidentais modernos também usaram este símbolo). Os outros povos temiam os ligeiros carros de guerra dos hititas, puxados por cavalos, com lugar para o condutor e dois guerreiros e armas de ferro (espadas, lanças, escudos, capacetes, pontas das flechas).
Inúmeros deuses e formas de adoração lembravam a religião da Babilônia. A deusa da fertilidade e o deus da tempestade ocupavam o lugar mais alto na hierarquia divina. Os hititas eram liberais em matéria religiosa: abriam as portas para as divindades dos outros povos. Orações, purificações, sacrifícios, adivinhação, integravam as práticas religiosas.   
A civilização hitita foi transmissora da cultura regional para alguns povos da antiguidade, como os cananeus e os hicsos.  A cultura própria dos hititas também exerceu influência direta sobre os frígios, os troianos e os cretenses. A civilização hitita chegou a ser comparada com a egípcia e a mesopotâmica, quando o rei Supiluliuma conquistou um grande império que ocupou parte da Ásia Menor, a parte setentrional do Rio Eufrates, a Síria, a Fenícia e a Palestina (1380 a.C.) Nesta época, a principal cidade do império hitita era Carchemish, próxima do Rio Eufrates, importante centro comercial. Esse império incluía-se entre as grandes potências da época (Egito, Babilônia e Assíria). Na defesa dos respectivos interesses comerciais e estratégicos, hititas e egípcios disputaram o domínio da Síria (1200 a.C.). Na batalha de Kadesch (Hatusilis x Ramsés II) os dois lados se declararam vitoriosos, mas quem ficou com a Síria foi Hatusilis, o rei hitita. No tratado de paz foram estabelecidos os limites de Canaã (Palestina). Aquela tremenda guerra contribuiu para a decadência dos dois impérios (hitita e egípcio). Os hititas perderam os seus territórios para os assírios, lídios e frígios (700 a 601 a.C.). Hatusas, a capital do império, foi saqueada e incendiada. A civilização hitita chega ao seu final (600 a.C.).


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

FILOSOFIA IV-A



Egeu (final)

O conhecimento da produção intelectual egéia foi dificultado por falta de ampla decifração da sua escrita hieroglífica e linear. Foi possível decifrar apenas números e palavras semelhantes ao grego e ao egípcio. Essa produção era exposta oralmente. Reservava-se a escrita para assentamentos contábeis e administrativos. Homero foi um poeta grego do século VIII (800 a 701 a.C.). Os seus poemas Ilíada e Odisséia, que servem de base aos estudos históricos, têm como realidade social e política a Micenas do século XVIII a.C. (1800 a 1701). Isto indica que o seu conhecimento da história daquele período adveio da tradição oral. As descobertas arqueológicas na ilha de Creta revelam que havia engenheiros e inventores entre os seus habitantes. Foram encontradas fechaduras e chaves para portas; estradas de concreto de 3 metros de largura; confortáveis instalações nos palácios, inclusive sanitárias, superiores ao que desfrutava a realeza de países ocidentais do século XVII da era cristã (1601 a 1700).
A arte refletia bem a vitalidade e a independência dos cretenses. A produção artística (pintura, escultura, arquitetura, lapidação de pedras preciosas, gravação de selos) era delicada, espontânea e naturalista. A arte em geral expressava o prazer da pessoa de se ver rodeada pela beleza do ambiente; representava paisagens floridas, festas, proezas atléticas e esportivas, cujas obras denotavam liberdade, paz e alegria. Os palácios não primavam pela beleza e sim pelo conforto e amplitude. A beleza estava no interior decorado com pinturas e móveis. A pintura consistia em murais e relevos. Diferente dos colossos egípcios e dos relevos babilônicos, os cretenses preferiam obras menores, sem a intenção de fazer propaganda do seu poder e fausto: cerâmica delgada como casca de ovo, adagas e facas entalhadas e embutidas, pedras preciosas de variados desenhos e tamanhos.
Havia semelhança entre a cultura egípcia e a cretense: ambos os povos eram aparentados; seus governos eram teocráticos; a pintura tinha o mesmo refinamento; havia aspectos matriarcais e coletivistas nas duas sociedades. Entretanto, havia diferenças substanciais: os cretenses não construíram obras faraônicas; desfrutavam de liberdade desde as camadas humildes sem o abismo entre pobres e ricos; o governo não era despótico; o clero não era insidioso, astuto e versado em rapinagem; as punições não eram cruéis; não havia trabalho forçado, nem conscrição. A deidade principal do Egito era masculina, enquanto a dos cretenses era feminina. A ética dos egípcios derivava da religião, enquanto a ética cretense era convencional. A escrita cretense era peculiar e não podia ser decifrada com base na egípcia, salvo alguns vocábulos e números. Os cretenses eram individualistas e hedonistas no sentido de viver de modo satisfatório e agradável. A vida aprazível podia se estender para depois da morte. Os egípcios aceitavam o sacrifício pessoal em favor dos interesses do estado e acreditavam que as boas ações seriam recompensadas no mundo espiritual depois da morte. O gosto dos cretenses por conforto, diversão e esportes e a sua ousadia nas invenções e atitudes sociais, aproximam-nos do espírito dos povos ocidentais da Renascença e da Idade Moderna.
Gregos bárbaros, guerreiros e criadores de cavalos, conhecidos como aqueus, oriundos do Cáucaso, sudoeste da Rússia, invadiram Micenas e terminaram com a hegemonia cretense no continente (1600 a 1501 a.C.). A seguir, eles conquistaram sucessivamente a cidade de Cnossos, as demais cidades da ilha de Creta e a cidade de Tróia (1400 a 1200 a.C.). Micenas criou marinha mercante que transitava pelas ilhas do Egeu, pelo sul da Itália e pela Ásia Menor. O seu governo explorava a população nativa e tinha direito de vida e morte sobre os vencidos. Os vencedores (aqueus) pretendiam o registro histórico do seu heroísmo (real ou fictício) para que ficasse conhecido das gerações futuras. A narração épica desse heroísmo foi objeto de transmissão oral até chegar a Homero, quando então passou para a forma escrita e ganhou a imortalidade almejada. Após destruir os palácios cretenses, os micenianos instituíram uma aristocracia, expandiram o seu poder naval e retiraram dos cretenses e dos cicladianos o controle das rotas comerciais no Egeu. Apesar da vitória, os micenianos se curvaram à cultura superior dos cretenses (fato semelhante ocorreria séculos depois quando os romanos, apesar de vencedores, se curvaram à cultura grega). Sob comando de Agamenon, Micenas venceu Tróia. Decorridos dois séculos, invadido pelos povos do mar e posteriormente pelos dórios (outro grupo de gregos bárbaros), o império de Micenas entra em colapso. A Civilização do Egeu chega ao fim (1000 a.C.).     

sábado, 9 de novembro de 2013

FILOSOFIA IV



Egeu (3000 a 1000 a.C.).

A civilização egéia só foi descoberta no século XIX da era cristã (1801 a 1900). Esta civilização floresceu nas ilhas do Mar Egeu (Chipre, Cíclades e Creta) e na parte continental da Grécia (Hélade) onde os arqueólogos descobriram as cidades de Tróia, Micenas e Tírinto. Constatou-se a existência histórica do povo e da cidade de Tróia na costa jônica da Anatólia (hoje, Turquia). A opinião vigente e aceita de que se tratava de ficção literária de Homero caiu por terra. Na verdade, Homero foi transmissor da herança cultural daquele período. Estes centros da chamada Civilização do Egeu compõem um mosaico de culturas. O governante de Creta usava o título de Minos, enquanto o de Micenas usava o de rei. A religião de Creta centrava-se na deusa-mãe, enquanto a religião em Micenas era organizada (santuários, cultos e sacerdotes) e seus deuses entraram no panteão grego: Ártemis, Atena, Hera, Hermes, Poseidon e Zeus. Os cretenses não se confundiam com a etnia grega; pertenciam à raça mediterrânea assemelhada aos egípcios (cabeças longas, corpos delgados, cabelos pretos). Na Hélade notavam-se etnias alpina, danubiana e armênia e várias línguas, o que não se notava em Creta. Apesar destas diferenças, os historiadores vislumbraram uma civilização típica que seguiu as linhas insulares (cipriota, cicládica, minoana) e a continental (heládica). A cultura da cidade de Cnossos predominou na ilha de Creta e influiu na cultura de Chipre, das Cíclades e da Hélade (1700 a.C.). A situação reverteu-se quando a linha heládica, com destaque para Micenas, desenvolveu-se de modo independente e se fortaleceu a ponto de dominar os demais centros de cultura do Mar Egeu (1450 a.C.).
Na ilha de Creta os arqueólogos descobriram a cidade de Cnossos, capital do reino que deu origem à civilização egéia. Essa ilha foi o vórtice difusor da cultura para as ilhas do Egeu, para a Hélade e para a Ásia Menor. Os filisteus, oriundos do universo egeu, introduziram essa cultura na Síria e na Palestina. Aspectos da arte fenícia e a lenda de Sansão (o musculoso juiz e herói hebreu) provieram dos filisteus. A parte fértil do solo propiciou a agricultura para consumo interno e externo (trigo, cevada, lentilha, azeitona, figo, uva). Os cretenses também criavam porcos e se dedicavam ao comércio e à indústria. Negociavam com as ilhas Chipre, Ciclades, Rhodes e com os povos do Oriente Próximo. Trabalharam com o cobre, ouro, prata e chumbo. Eles conheciam a técnica de fundição dos metais e dispunham de materiais de construção. As belezas naturais funcionavam como agente estimulante da produção artística. Cnossos e outras cidades destruídas por terremoto foram reconstruídas (1700 a.C.). A ilha Tera cobriu-se de cinzas e lava em conseqüência de erupção vulcânica (1600 a.C.). Os habitantes das Cíclades não tinham sistema político, eram marinheiros, comerciantes e piratas.  
Liberdade, igualdade, progresso material e intelectual, eram ingredientes da cultura cretense que influíram na cultura grega. O governante tinha o título de Minos (como o governante do Egito o tinha de Faraó). O exército destinava-se à defesa externa; não havia lei de conscrição. O nível de consenso dispensava coerção para manter a ordem interna. Não havia fortificações em torno dos palácios (Cnossos, Malia, Faístos), sinal de convivência pacífica. O isolamento insular propiciava o pacifismo de Creta. A invasão estrangeira por terra era impossível e por mar era difícil, mormente aos povos das regiões centrais do continente.
Basicamente, a sociedade cretense comportava duas classes: (1) nobreza (família real, sacerdotes e proprietários); (2) povo (camponeses, artesãos, remadores e soldados). O rei era o principal capitalista e executivo empresarial. As suas fábricas produziam cerâmica, tecidos e artigos de metal. Os produtos destinavam-se tanto ao consumo palaciano como ao comércio interno e externo. Os produtores particulares sofriam essa concorrência desigual; eles tinham maior lucro com fábricas no interior do país, inclusive fundições de metais, refinarias de óleo de azeitona e olarias. Comércio e agricultura estavam nas mãos dos particulares. Centros comerciais foram estabelecidos nas cidades continentais de Micenas e Tírinto. Embora sem maquinaria e equipamentos típicos da indústria moderna, havia divisão do trabalho, produção em larga escala, controle centralizado e supervisão dos trabalhadores, sendo a lã um dos principais produtos. Na ilha de Creta as casas dos trabalhadores eram confortáveis e tinham até oito peças (fica a dúvida se habitadas ou não por família nuclear). Havia um bom padrão de vida. Os camponeses fabricavam as suas roupas e ferramentas. O cereal mais importante era o trigo. Parte do gado pertencia ao palácio e outra à comunidade. Os artesãos trabalhavam tanto no palácio como nas aldeias. A sociedade cretense apresentava alguns aspectos igualitários: duvidosa existência de escravatura; presume-se que existiu tendo em vista ser a escravatura uma instituição comum na antiguidade, porém a sociedade cretense parece ter sido exceção à regra; havia geral alfabetização (educação no lar); homens e mulheres tinham tratamento isonômico. Há indícios de que a linha de descendência era matriarcal. A mulher podia participar de qualquer atividade pública ou privada; tanto havia mulheres lutadoras e toureiras, como mulheres dedicadas à moda e à arte. Xadrez, corrida, boxe, dança, cavalgar touros, incluíam-se nas atividades de homens e mulheres. Os cretenses apreciavam competições. Eles foram pioneiros na construção de teatros de pedra para diversão do público, inclusive com música e desfiles. 
A divindade principal dos minoanos (povos governados por Minos) era uma deusa que dominava o mar, o céu e a terra. Todas as coisas existentes emanavam dela, deusa da fertilidade, fonte da vida, representada por uma mulher com os seios à mostra e um filho no colo. A deusa era acompanhada da serpente, que simbolizava a sagacidade, e da pomba, que simbolizava a espiritualidade. A deusa era capaz do bem e do mal (ausente o sentido terrífico). Tempestade e destruição melhoravam a natureza. Não há vida sem morte, nem punição no além. A oferta de animais, frutas e cereais à deusa não significava expiação de pecado. Os mortos eram enterrados com todas as coisas necessárias ao seu conforto e prazer (alimentos, bebidas, navalhas, espelhos); a lança acompanhava o caçador; a miniatura do barco, o marinheiro; os brinquedos, a criança. Os túmulos eram coletivos e abrigavam os membros da mesma família. Consideravam-se coisas sagradas: touro, minotauro, árvores, machado de dois gumes e cruz. Sacerdotisas participavam dos rituais. Os egeus não se utilizavam do bode expiatório ou do derramamento de sangue para remir pecados.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

FILOSOFIA III - A



Mesopotâmia (final).

Por volta de 2000 a.C. o reino sumério, cuja capital era então a cidade de Ur, fora invadido pelos elamitas, mas acaba sob o domínio dos amoritas, povo semita oriundo da Arábia. Esses conquistadores fizeram da Babilônia a capital do novo reino, restauraram a cultura sumeriana, estabeleceram um regime político autocrático e conquistaram as nações vizinhas, inclusive a Assíria. Eles são tratados como antigos babilônios para se distinguirem dos novos babilônios (caldeus) que ocuparam aquela região mil anos depois. O seu mais notável rei foi Hamurabi, que adotou o sistema de leis dos sumérios, aumentou a lista dos crimes contra o estado, agravou as penas por sedição e traição, cominou pena de morte aos delitos de vadiagem, de desordem em taberna e de acoitamento de escravos fugitivos. Feitiçaria e negociar sem contrato escrito ou sem testemunha também eram crimes. O escravo teria a orelha cortada se questionasse o direito do senhor. Ficava sujeito a punição quem deixasse de cultivar o campo ou negligenciasse diques e canais. Nenhum infrator da lei podia ser perdoado sem o consentimento da vítima ou da respectiva família. O adultério justificava o divórcio. Mulheres e crianças objeto de venda ficavam submetidas à escravatura no máximo por quatro anos, proibida a venda da mulher escrava que gerasse filho do seu senhor. A economia era regulamentada pelo estado (agricultura, comércio, indústria, pesos e medidas, empréstimo de dinheiro a juros, câmbio, escrituras, contratos). A propriedade privada da terra era permitida, cabendo ao proprietário 2/3 da produção do rendeiro.
Marduk (deus principal), Ishtar (deusa principal) e Tammuz (irmão e amante da deusa) eram as divindades maiores dos babilônios nessa época. A morte do deus no outono e a sua ressurreição na primavera eram vistas como a causa de igual movimento no reino vegetal. Astrologia, adivinhação, magia, feitiçaria, demonologia, pecado, integravam a mentalidade e condicionavam a conduta dos babilônios. Desse período é um texto que conta a história de um indivíduo que muito padeceu na vida sem saber o motivo e que faz reflexões profundas sobre o desamparo do homem e os mistérios do universo. Cuida-se de história e de pensamento filosófico lançados posteriormente no Livro de Jó (Bíblia, AT).
O reino babilônio foi invadido por um povo bárbaro conhecido como cassita, cuja maior proeza foi introduzir o cavalo na Mesopotâmia, onde permaneceu por 600 anos (1750 a.C.). No final desse período o território foi conquistado pelos assírios, povo semita de vocação guerreira que habitava o planalto de Assur, ao norte do Rio Tigre. Além da Babilônia, os assírios conquistaram o Egito, a Fenícia, a Síria, o Reino de Israel e só não conquistaram o pequenino Reino de Judá devido à peste que assolou o exército na ocasião (o escritor bíblico atribuiu esse fato à intervenção direta do deus Javé). O regime político era autocrático, mas a administração era descentralizada tendo em vista a extensão do império. O poderio militar era imenso e sem paralelo na época; o exército era permanente; os comandantes participavam das pilhagens, obtinham grandes propriedades em razão das vitórias e integravam a classe rica. Os assírios serviam-se do terror para manter o domínio sobre os povos conquistados: mutilavam os inimigos vencidos, esfolavam-nos vivos, empalavam-nos, amputavam-lhes as orelhas, narizes e órgãos sexuais; exibiam-nos em gaiolas pelas cidades; registravam essas atrocidades por escrito e as publicavam para conhecimento geral.
A paixão pela guerra não deixou lugar para atividades comerciais e industriais. Por força de lei, essas atividades ficaram a cargo dos estrangeiros, principalmente, arameus, povo semita aparentado com os fenícios e hebreus. Os servos, camada pobre da sociedade assíria, cuidavam da agricultura e também eram obrigados ao serviço militar e a trabalhar nas obras públicas. Os escravos gozavam de alguns direitos; a eles cabia o trabalho doméstico. A construção de palácios, templos, estradas, canais, cabia aos prisioneiros de guerra escravizados; eles trabalhavam agrilhoados. Drásticas eram as penas cominadas à perversão e ao aborto. O marido era dono da esposa e a ele cabia exclusivamente a iniciativa do divórcio. A mulher casada estava proibida de aparecer em público sem um véu a lhe cobrir o rosto. A poligamia era permitida. A atividade intelectual consistia em narrativa das campanhas militares, cartas de teor comercial, fórmulas mágicas, além da compilação de textos dos babilônios. A dedicação ao conhecimento científico tinha fins práticos, principalmente de caráter militar. Os assírios dividiram o círculo em 360 graus, descobriram cinco planetas aos quais deram nome e previam os eclipses com sucesso. Utilizavam mais de 500 drogas de consistência vegetal e mineral, identificaram sintomas de algumas doenças, atribuíam causas naturais às moléstias sem excluir dos métodos terapêuticos os encantamentos e as beberagens para expulsar demônios. O império assírio durou 700 anos (1300 a 600 a.C.).
Os caldeus, povo semita, conquistaram a Assíria. O governador provincial de nome Nabopolassar, rebelou-se e capturou Nínive, a capital do império assírio (612 a.C.). O filho desse governante expandiu os seus domínios no Oriente Próximo. Esse conquistador chamava-se Nabucodonosor. Ele e os seus sucessores prestigiaram a cultura da época de Hamurabi, restabeleceram a forma de governo, as leis e o sistema econômico. A capital do império voltou a ser a Babilônia. O pequenino Reino de Judá que escapara dos assírios não escapou dos caldeus; foi dominado tal como outras nações daquela área. Os judeus descabelaram-se, jogaram cinzas sobre a cabeça, rasgaram as roupas, mas nem assim o deus Javé os socorreu. O templo de Jerusalém foi saqueado e queimado. O rei de Judá foi cegado e deportado para a Babilônia com milhares de súditos.
Os caldeus fundaram uma religião astral. Os deuses foram despidos das suas limitações humanas e cultuados como seres poderosos e superiores, identificados com os planetas (Marduk é Júpiter; Ishtar é Vênus). Os propósitos divinos eram inescrutáveis. As crenças implicavam: (1) fatalismo: cada indivíduo devia se resignar com a sorte que lhe coube neste mundo; (2) submissão incondicional à divindade na certeza de que o resultado final seria bom; (3) humildade ante os mistérios da vida e o poder divino, daí derivando piedade, conceito que será adotado por outras religiões como a hebraica, a cristã e a muçulmana; (4) consciência espiritual manifestada através de hinos de penitência; (5) orações aos deuses para concederem ao suplicante vida longa, descendência numerosa e o desfrute de prazeres; (6) rebaixamento do homem, considerado criatura má, rasteira, iníqua, covarde e pecadora.
Os caldeus apreciavam virtudes como justiça, retidão, benevolência, reverência, pureza de coração. Eles censuravam a calúnia, a opressão e o ódio, sem perder o interesse pelos bens materiais e pela sensualidade. Esse povo aprofundou os estudos de astronomia; inventou a semana de sete dias, a divisão do dia em 12 horas duplas de 120 minutos cada uma (como se vê no mostrador dos relógios ainda hoje, apesar da era digital); calculou a duração correta do ano; descobriu a variação anual da inclinação do eixo da Terra. Os mapas celestes e os dados astronômicos além de orientar os navegantes e nutrir a mitologia, destinavam-se a prever o futuro que os deuses reservavam à humanidade. O movimento dos astros indicava esse futuro porque os deuses estavam corporificados nos planetas. Os caldeus também copiaram e divulgaram textos dos antigos babilônios. Os imperadores caldeus se depararam com problema idêntico ao dos assírios: extensão territorial e densidade demográfica excessivas, o que dificultava a administração e a manutenção da ordem. Os medos, povo tributário situado a leste do Rio Tigre e nordeste da Pérsia (hoje, Irã), provocaram distúrbios seguidos. Os sacerdotes, os comerciantes e os judeus passaram a conspirar para a derrubada do rei (Nabônidus). Os conspiradores civis, eclesiásticos e militares facilitaram a invasão de Ciro, rei dos persas, recebido como libertador. O comandante do exército caldeu, general Gobrias, abriu as portas da cidade ao soberano persa (539 a.C.). Por essas portas abertas entrava também o crepúsculo da civilização mesopotâmica.


sábado, 2 de novembro de 2013

FILOSOFIA III



Mesopotâmia (3500 a 530 a.C.).

Os historiadores divergem sobre a civilização mais antiga, se a do Egito ou se a da Mesopotâmia (Atlântida e Lemúria ainda são lendas). Interesse mais acadêmico do que histórico. As datas anteriores a 2000 a.C. são imprecisas e o início dessas civilizações teria sido por volta de 4000 a.C. precedidas do estágio neolítico. Portanto, sem rigor científico, podemos considerá-las contemporâneas uma da outra. A ciência atual pode estimar data de fósseis e outros objetos pelo teste do carbono. A fraude do sudário de Cristo exposto em Turim, por exemplo, verificou-se mediante esse teste. Todavia, até o momento, a verificação da idade exata dos povos antigos carece de meios idôneos. Há respeitáveis conjecturas de antropólogos, paleontólogos, arqueólogos e historiadores. Estima-se que a civilização da Mesopotâmia cobre o período de 3500 a 530 a.C. Ela compreende a cultura de diversos povos nativos e adventícios que habitaram a região onde hoje é o Iraque, banhada pelos rios Tigre e Eufrates (mesopotâmia = entre rios) dentro de área geográfica mais ampla historicamente conhecida como Oriente Próximo que se estende do limite ocidental da Índia até o Egito. Esses povos eram conhecidos como acadianos, sumérios, amoritas, cassitas, assírios e caldeus. Além da localização regional e da agricultura como foco da economia (os rios facilitavam a agricultura e a criação de animais) havia traços culturais comuns resultantes da natureza humana, da imitação ou da sucessão, o que autorizou os historiadores a englobar esses povos em uma só civilização, apesar das diferenças. Esses povos eram supersticiosos, pessimistas, melancólicos e politeístas; não esperavam salvação da alma em outro mundo e sim benefícios neste mundo; relacionavam os deuses com a Terra e buscavam se organizar socialmente tomando o cosmos por espelho. A vida além da morte não os preocupava; praticavam a magia e a adivinhação; associavam as práticas religiosas e mágicas à atividade guerreira. Esses povos mantinham exércitos permanentes e se organizavam em classes que, de um modo geral, assim se distribuíam: (1) família real; (2) sacerdotes e comandantes militares; (3) comerciantes, médicos, mágicos; (4) homens comuns (artesãos, agricultores); (5) soldados, servos do templo, servos da propriedade real e particular; (6) escravos. Na Mesopotâmia a escrita era cuneiforme; o arameu ou aramaico era o idioma franco (tal qual seriam línguas francas mais tarde o grego, o latim, o francês e o inglês, sucessivamente). Arameu era um povo nômade que vivia na parte setentrional da Mesopotâmia (Carchemis), na Síria, na Fenícia e na Palestina. O dinheiro (moedas de ouro e prata com peso e qualidade controlados) inventado por volta de 700 a 601 a.C. na Lídia (hoje, Turquia), facilitou as trocas em toda a Mesopotâmia.
A civilização da Mesopotâmia exerceu forte influência sobre os cananeus, hebreus, fenícios, sírios, persas, gregos e romanos. Aspectos das suas convenções, crenças, religião, ciência e filosofia chegaram até a idade moderna, tais como: a multiplicação e divisão aritmética, o círculo de 360 graus, os 12 signos do zodíaco, o plantio de acordo com as fases da lua, o horóscopo, as divisões do ano, da semana e do dia, as lendas da criação do mundo, do dilúvio e da arca providencial, a sistematização das leis, pessimismo, fatalismo, demonologia, adivinhação, astrologia, ocultismo. A queda dos impérios da Mesopotâmia revela fatores também presentes no egípcio e nos impérios posteriores: (1) disputas internas entre o rei, o clero e a classe alta (principalmente militar); (2) efeito emoliente de uma vida confortável (esmorece a vontade do povo de lutar e resistir aos ataques externos); (3) invasão estrangeira. O avanço cultural acarreta a descrença no sagrado, que passa a ser visto como algo irracional e fraudulento. O rei não é visto mais como pessoa sagrada ou divina e as suas funções religiosas empalidecem ante a crescente importância das funções militares e civis (legislativas, administrativas, judiciais). As freqüentes usurpações do trono geram descrédito da autoridade espiritual do governante. O povo nota que o rei é substituível, que as dinastias são precárias e de origem terrena. Instaura-se o processo de modernização: racionalidade, apurado senso de privacidade, visão cosmopolita, abordagem pragmática da realidade, erosão das crenças mágicas e religiosas, alteração da hierarquia dos valores morais. Os aspectos mágicos, mitológicos e supersticiosos tornam-se periféricos no processo de modernização.
A idéia e o sentimento de justiça estavam presentes naquelas culturas a indicar sua inerência à natureza humana. Em dado momento histórico, um povo (ou parcela dele) entende possível justiça neste mundo; em outro momento, esse mesmo povo (ou parcela dele) entende que só no mundo espiritual haverá justiça. Distinguem-se, então, a justiça divina e a justiça humana, a justiça ideal e a justiça legal, a justiça personalizada e a justiça institucionalizada. As noções de igualdade e desigualdade entram no cálculo do que é justo ou injusto. Vigem opiniões contrárias: para uns, a maldade é natural ao ser humano e a bondade exceção; para outros, a bondade é natural ao ser humano e a maldade exceção.
No Oriente Próximo, os sumérios entendiam por justiça o fiel cumprimento dos contratos; bondade e maldade eram atributos comuns aos deuses e aos homens (3000 a.C.). Inicialmente, a Suméria (região ao sul dos rios Tigre e Eufrates) compunha-se de cidades resultantes do desenvolvimento das vilas e tribos do período neolítico, cada qual com governo próprio, cujo chefe acumulava as funções de sumo sacerdote, comandante militar e superintendente do sistema de irrigação (a agricultura desempenhava papel essencial na economia da cidade). Com a passagem do tempo, as cidades (Uruk, Kish, Ur, Lagash, Uma) se uniram sob a autoridade de um único rei (Dungi, 2300 a.C.). A propriedade do rei coexistia com a propriedade privada. Esposa e filho eram propriedades do marido e pai. Aquele rei criou um sistema de leis que se tornou a base do direito dos povos semitas (babilônios, assírios, caldeus, hebreus). O talião foi o seu mais famoso preceito (olho por olho, dente por dente, braço por braço). A justiça era administrada por funcionário público no exercício de funções judicantes; cabia ao ofendido trazer o ofensor à presença do juiz. Frágil distinção entre o homicídio culposo e o doloso, ambos punidos com multa (se a vítima fosse mulher casada ou filho sob o pátrio poder, o homicídio caracterizava dano à propriedade). As penalidades civis e criminais podiam ser severas ou brandas, conforme a classe do ofendido e a classe do ofensor. A população estratificava-se nas seguintes classes: (i) patrícios; (ii) cidadãos e pessoas comuns; (iii) servos e escravos. A lesão ou morte causada a um patrício era crime mais grave do que a lesão ou morte causada a um membro da classe inferior. Se o ofensor fosse um patrício, a sua punição era mais severa, pois a sua alta posição social exigia conduta ilibada e controle das paixões. A igualdade perante a lei vigorava apenas entre os membros da mesma classe.
O mesmo deus praticava tanto o bem quanto o mal; não havia o dualismo: um deus do bem e outro do mal. A moralidade era convencional, sem imposição religiosa. O aspecto mitológico da cultura sumeriana incluía: (1) a criação do mundo pela divindade; (2) o dilúvio que quase exterminou a raça humana; (3) a arca lotada de animais com o homem sobrevivente. Esse mito foi copiado por outros povos, inclusive o hebreu como se vê na Bíblia. A escrita cuneiforme inventada pelos sumérios também foi copiada por outros povos e utilizada por milhares de anos. Para esse povo, o universo era um mistério impenetrável. O medo e a ignorância estavam na base do sentimento religioso. Magia, feitiçaria, astrologia e previsão do futuro eram práticas freqüentes e comuns. Os sumérios acreditavam em demônios e que os espíritos maus eram a causa das moléstias. A medicina consistia em ervas e magia para exorcizar tais espíritos. Astronomia e astrologia se confundiam. Inventaram o calendário lunar e o relógio de água. Em matemática, descobriram a multiplicação, a divisão e a extração da raiz quadrada e cúbica; adotaram o sistema duodecimal de numeração, pesos e medidas, e o número 60 como a unidade comum.