quinta-feira, 29 de abril de 2010

FELICIDADE9

Nona parte.

A questão da legitimidade da minoria ao desfrute da felicidade, sendo a maioria infeliz, envolve a questão da responsabilidade de um grupo pelo outro. Os países ricos (minoria no mundo) têm o dever moral de ajudar os países pobres (maioria no mundo) para que a humanidade seja mais feliz. Países como a Inglaterra, França, Holanda, devem sua riqueza aos recursos naturais dos países periféricos: ouro, prata, diamantes, madeira, carvão, petróleo, plantas, especiarias.

Nas colônias instaladas na América a partir do século XVI (1501-1600), indígenas e negros constituíram força de trabalho escravo. Os nativos perderam a liberdade e a posse da terra. Sob tratamento cruel e condições existenciais desumanas, índios e negros foram mutilados, perderam a saúde e a vida aos milhares, nas minas, na lavoura, nos engenhos, na prestação de variados serviços, tudo para o conforto e a prosperidade dos colonizadores europeus. No século XX (1901-2000) EUA e URSS participaram da imperial exploração. A posse do petróleo motivou a invasão das potências em diversos países. A posse da água poderá motivar invasões nas regiões mais bem aquinhoadas pela natureza, pois a escassez tem preocupado as nações.

Os países explorados acham-se no direito de reclamar indenização dos exploradores, como de fato reclamou o atual presidente do México (2010). Há vários modos de os exploradores indenizarem os explorados: dinheiro, alimentos, vestuário, escolas, tecnologia, medicamentos, equipamentos, pessoal especializado, material bélico e soldados. A ajuda militar pode ser boa quando se destina à defesa de um povo ameaçado por outro mais poderoso; será má quando tiver por finalidade apoiar ditaduras opressoras do povo ou explorar as riquezas da nação destinatária da ajuda.

Os países exploradores poderão alegar que na América ao tempo da colonização não havia Estado algum, mas apenas tribos. Como colonizadores, os europeus tinham o jus imperii e o jus domini derivados da conquista da terra; tinham, pois, o direito de explorar as riquezas da colônia que lhes pertencia. Além disso, os produtos extraídos da terra não tinham, para os nativos, o mesmo valor que tinham para os colonizadores. Bens de significativo valor para a cultura européia, não o eram para a cultura indígena. Quanto ao genocídio dos nativos, embora injustificável do ponto de vista moral e religioso, explica-se como destino dos vencidos, por sua resistência aos vencedores. A terra é dos conquistadores.

A responsabilidade pela infelicidade alheia pode ser recusada sob o argumento de que o indivíduo ao nascer já encontra o mundo perverso; ao crescer, constata que sempre foi assim; portanto, nenhuma culpa lhe cabe pelas maldades e injustiças desse mundo. A cada indivíduo ou grupo cabe vencer obstáculos na luta pela existência e pelo direito.

Enquanto a infelicidade geral derivar da carência de bens materiais, a política da justiça social poderá resolver o problema mediante parceria entre governo e sociedade civil, acoplada a um sistema econômico que permita a todos o acesso às fontes de energia e às riquezas naturais e culturais. O governo deve prover a sociedade dos meios necessários ao desenvolvimento social e econômico sempre que a iniciativa privada for insuficiente. O regime político deve favorecer a busca da felicidade pelo cidadão e o mútuo controle entre governantes e governados.

Se a infelicidade geral derivar da carência ou do relaxamento dos princípios morais, religiosos e místicos, a solução está na educação, na catequese, na mudança de hábitos e de mentalidade. Conduta harmônica com os referidos princípios ameniza a infelicidade. Lei do carma: aqueles que trilham o bom caminho merecem a felicidade; aqueles que se desviam da honradez e dos bons costumes merecem a infelicidade. O esforço pessoal na substituição de hábitos, pensamentos e sentimentos negativos por outros positivos, há de receber apoio das instituições sociais e governamentais, como acontece com o problema ambiental.

Felicidade geral distingue-se da felicidade total. Neste planeta não se encontra felicidade total em nação alguma. Há sempre a parcela dos infelizes. Apesar dos dissabores e dos obstáculos, a busca da felicidade geral anima governantes e governados. Os deveres éticos servem de bússola. No que tange aos governantes, a animação democrática em tornar efetiva a felicidade às vezes provém da hipocrisia: obter votos e garantir a permanência no poder. Quanto aos governados, a animação às vezes provém da esperteza: obter do eleito algum tipo de vantagem privativa. A Constituição do Brasil (1988) não menciona a felicidade.

Para Kant (Crítica da Razão Prática) a busca da felicidade no mundo sensível e material é equívoca: moral e imoral ao mesmo tempo. O gozo da felicidade é privilégio de poucos e ninguém desfruta o tempo todo, por toda a sua individual existência. Apesar disso, a ética compreende regras que orientam a ação humana para melhor forma de existência, aquela existência considerada preferível a qualquer outra, uma existência que proporcione prazer e alegria, informada nos princípios da justiça, bondade, verdade, beleza, fraternidade e de amor ao próximo.

A violência e o conflito, presentes ordinariamente nas relações humanas, opõem-se à felicidade, pois esta resulta da conduta pacífica, alegre e venturosa. A superação dar-se-á pela reflexão sobre aspectos éticos, religiosos e místicos da existência. A legitimidade da felicidade situa-se na esfera da consciência.

A prática de atos virtuosos pode conduzir à felicidade, assim como a escolha de um modo de vida construtivo, segundo uma concepção de mundo positiva aliada à firme determinação de domesticar a índole negativa da personalidade. As pessoas podem se amar acima do nível das sensações, dos apetites carnais, dos conflitos, da violência. Nesse nível superior, a pessoa amante não sufoca a amada, não lhe retira a liberdade para realizar suas potencialidades. Na relação bilateral ordinária, a felicidade da pessoa amante será ilegítima se a pessoa amada for infeliz.

Encerra-se aqui a série “Felicidade”. A seguir, algumas poesias.

domingo, 25 de abril de 2010

FELICIDADE8

Oitava parte

O desejo, as apetências carnais, emocionais e intelectuais fazem parte da natureza humana. O indivíduo necessita de ar, água, alimento, abrigo, intimidade, privacidade, trabalho, repouso, lazer, relacionamento social. Almeja riqueza, fama, poder, conhecimento, participação nos bens da civilização. Procura os meios adequados para satisfazer tais necessidades e aspirações e quando consegue sente prazer e alegria. A insatisfação gera frustração e tristeza. Sob esse prisma, a felicidade seria a plena satisfação dos desejos.

Lição da experiência: satisfeito um desejo, outro desponta; prazer sentido, desejo renovado. Os produtos da civilização despertam no indivíduo o desejo de consumo; da insatisfação desse desejo resultam ansiedade, sofrimento, rebeldia e ações ilícitas. À medida que aumentamos as coisas que estimulam o desejo, complicamos o acesso à felicidade. Sob esse prisma, felicidade seria ausência do desejo. A eliminação do desejo levaria o indivíduo a um estado de beatitude que Sidarta Gautama, o primeiro Buda, chamou de nirvana. Livre do desejo, o indivíduo pode trilhar o caminho da iluminação cósmica, alcançar a sabedoria e a felicidade perene.

Eliminado o desejo, o ser humano eleva-se ao mundo divino ou se torna um vegetal. A redução da intensidade do desejo e o seu direcionamento são possíveis pelo autodomínio. A satisfação do desejo tanto pode causar o bem como causar o mal. Satisfaz-se o desejo cujos efeitos se mostram benéficos e imprime-se outro rumo quando forem perniciosos. Essa escolha nem sempre é fácil. Além das falhas de percepção e de avaliação, a pessoa está sujeita ao bombardeio dos estímulos internos e externos que induzem à satisfação do desejo. Essencial é a moderação na conduta. Nesse particular, atingir a maestria é abrir portas à felicidade.

Estado, Escola, Igreja, Empresa, Sindicato e demais instituições do mundo cultural não têm consciência nem vontade próprias. A essas entidades são emprestados atributos do seu criador: o ser humano. Recebem tratamento no meio civilizado como se fossem pessoas dotadas de vida própria, corpo, consciência, vontade, propósito, titulares de direitos e obrigações. Essas entidades são vistas como dimensão social da pessoa natural, com existência autônoma. Denominam-se pessoas jurídicas.

A nação e a família, comunidades constituídas de seres humanos, aspiram à felicidade como as pessoas naturais, o que não acontece com o espólio e a massa falida, universalidades constituídas apenas de coisas. Documentos políticos se referem à felicidade geral da nação partindo desse artifício da inteligência humana. O caráter coletivo da consciência não tem suporte no indivíduo isolado e sim na coleção de indivíduos. A consciência coletiva, entretanto, não é algo distinto e separado do indivíduo e sim um nível da consciência individual onde se opera a síntese das idéias, sentimentos e aspirações dos membros da comunidade.

A felicidade geral da nação está na paz social, no bem-estar de todos ou da maioria dos seus membros. Contribuem para essa felicidade: (i) a busca metódica e sistemática do conhecimento para ilustração do espírito (ii) a transmissão e aplicação do saber visando ao bem geral, em harmonia com o meio ambiente e sem finalidade exclusivamente econômica (iii) a supremacia da cooperação sobre a competição (iv) a participação na produção dos bens materiais e imateriais (v) a equitativa distribuição desses bens entre os membros da comunidade (vi) o governo exercido por pessoas bem qualificadas do ponto de vista social, moral e intelectual, eleitas pelo povo em clima de liberdade (vii) a vigência e eficácia das normas que valorizam a vida, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a amizade entre os povos e a elevação moral e espiritual da humanidade.

No mundo atual ainda permanecem certos óbices à felicidade, embora a selvagem competição entre indivíduos e entre nações esteja atenuada nesta primeira década do século XXI. Todavia, ainda se vê milhões de crianças, adultos e idosos famintos e doentes; milhares morrem vítimas da guerra, de atentados a bomba, de conflitos internos, da violência nas ruas, nos presídios e em campos de prisioneiros ou de refugiados. Às pessoas sensíveis e bem situadas na sociedade, essa realidade pode ser perturbadora. Como ser feliz cercado de infelicidade? A pessoa educada na doutrina cristã pode se sentir culpada de ser feliz no meio de tanto sofrimento. Ainda que ausente o sentimento de culpa, a solidariedade e a compaixão impedem a pessoa de ser plenamente feliz ao tomar consciência dessa circunstância.
O exame de consciência de cada pessoa e a idéia que forma do mundo, respondem ao questionamento da legitimidade da felicidade. A pessoa feliz pode ter sido submetida a provas no curso da sua existência: buscou a disciplina correta para a sua conduta; sacrificou desejos, renunciou a prazeres ilusórios, resistiu ao chamado mundano e evitou as portas largas da dissipação, da luxúria, da corrupção; houve-se com paciência e moderação; contribuiu com sua experiência, seu trabalho e suas idéias para o bem da comunidade. Essa pessoa sente-se no direito de ser feliz onde predomina a infelicidade. Já outra pessoa que passou pelas mesmas provações não consegue desfrutar o direito de ser feliz em tal circunstância, porque gostaria que os demais também o desfrutassem.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

FELICIDADE7

Sétima parte.

Somente a inteligência humana imagina e estabelece propósito para as coisas do mundo inspirada pelo sentimento e movida pela vontade. A ação humana é teleológica: o homem é o artífice do seu destino, fonte de todos os valores, se propõe fins e busca os meios de realizá-los. A felicidade, estado de espírito ocasional resultante dos pensamentos, dos sentimentos e da conduta do ser humano, pode ser um desses fins, mas não é a meta imediata do homem. A meta imediata é egoística: manter e conservar a própria vida; satisfazer as suas necessidades e os seus interesses; usufruir dos produtos da natureza e da civilização; tornar efetivas suas potencialidades físicas, morais e intelectuais. O meio de alcançar essa meta é o trabalho manual, técnico e intelectual. A meta mediata do homem é altruística: solidarizar-se, ajudar o próximo a enfrentar o sofrimento e a dor, juntar-se aos demais membros da comunidade a fim de realizar o bem comum. A liberdade e o espírito de fraternidade permitem a consecução dessas metas. A felicidade individual e coletiva é conseqüência.

Tudo o que gera bem-estar e prazer contribui para a felicidade do ser humano. Desde que o corpo esteja bem nutrido, sadio, com suas apetências atendidas, o ser humano sente-se feliz. Mudanças ocorrem mais lentas no mundo da natureza: bilhões de anos foram necessários para que nosso planeta reunisse as condições propícias ao surgimento da vida vegetal e animal. No mundo da cultura, as mudanças são mais velozes: passamos do veículo de tração animal à nave espacial no curto período de duzentos anos; em menos tempo, da máquina de escrever mecânica à eletrônica; em tempo mais curto ainda da roupa de banho feminina ao biquíni, do espartilho, saias compridas e anáguas, à mini-saia. As mudanças na técnica e na moda trouxeram mais conforto e contribuíram para as pessoas se sentirem felizes. A injustiça, a maldade, a ignorância, a pobreza, a fome, a doença, o ostracismo, a guerra, causam dor e sofrimento. Com a paz, a justiça, a bondade, a beleza, o saber, a riqueza, a fama, as pessoas se regozijam. Dentro dessa interminável dialética entre opostos, não há lugar para um bem-estar permanente e seguro: a felicidade é descontínua e leve como a pluma ao vento.

Fugaz, a felicidade exige esforço humano no sentido de torná-la o mais duradoura possível. Reduzir os fatores naturais e culturais da dependência faz parte desse esforço. Diz a lenda, que Demóstenes fez de um barril a sua casa. Indagado pelo rei ateniense se precisava de alguma coisa, respondeu: preciso que o senhor não me tire o que não me pode dar. O soberano postara-se entre o sol e o filósofo, fazendo-lhe sombra. Entretanto, a experiência ensina que é impossível bastar-se a si mesmo: alguém fabricou o barril do Demóstenes; a madeira do barril veio de alguma árvore cortada e preparada por outras pessoas. Da agulha de osso ao telefone celular, da roda ao computador e à nave espacial, do milho ao manjar, do chá ao coquetel de drogas, da sandália ao chapéu, da cabana ao palácio, quase tudo que serve ao indivíduo e à sociedade é produzido por terceiros da sua ou de outra nação. Reduzir a dependência em relação a essas coisas é reduzir as chances do sofrimento. A felicidade fica mais próxima. A fórmula parece correta: + ser – ter = + feliz.

Considerando a impossibilidade de eliminar o sofrimento sem que se tenha de aniquilar a própria existência humana, a busca da felicidade exige método adequado: identificar e remover as causas do sofrimento na medida do possível; buscar o prazer e evitar a dor; dedicar-se ao próximo e à comunidade de modo altruístico. A medicina investiga as causas da dor física e como eliminá-las. Na esfera psíquica, o ombro amigo alivia a dor moral. A psicanálise, o tratamento neurológico, o antidepressivo, ajudam o bem-estar psíquico. Remover de modo definitivo as causas do sofrimento moral, só na comunidade paradisíaca de Shangrilá.

O ser humano é agente e paciente do sofrimento. Além de se ferirem mutuamente, as pessoas são vítimas de outros fatores externos, como armadilhas, ataques de animais irracionais, fenômenos telúricos, acidentes naturais e artificiais. Da vida em sociedade provêm benefícios e malefícios. O indivíduo nasce, vive e morre no meio social; nele se educa e realiza suas potencialidades. Reduzir a dependência e aumentar a autonomia individual mediante moderação nos hábitos pode abrir caminho à felicidade. Quanto menor a necessidade a suprir, maior será a autonomia do indivíduo e menores as chances de insatisfação. O ser humano é o ponto de partida e de chegada. O conhecimento de si mesmo possibilita o autodomínio e felicidade mais duradoura.

A previsão dos efeitos do pensamento e da conduta pode evitar o sofrimento próprio e alheio. Quanto melhor nos conhecermos, melhor planejaremos as nossas ações, selecionaremos os nossos pensamentos e orientaremos a nossa vontade. Dependendo do que pensarmos, sentirmos, querermos e de como agimos, coisas boas e coisas ruins acontecerão em nossas vidas. A esse destino, os místicos denominam carma. Entende-se por carma o mecanismo cósmico de compensação, como se fora uma contabilidade espiritual a registrar os créditos e débitos da nossa conduta e a calcular o saldo. Esse mecanismo é visto também como lei de causa e efeito: colherás o que plantares; se plantares o bem, colherás o bem; se plantares o mal, colherás o mal; tu és o artífice do teu destino. Esse mecanismo distribui justiça de modo inflexível em nível individual e em nível coletivo, tanto para premiar como para castigar. O seu funcionamento desconhece misericórdia e corrupção. As agressões feitas pelos homens à natureza são retribuídas com mudanças climáticas, maremotos, terremotos, tempestades, perda dos mananciais e da fertilidade do solo. Nações sofrem os efeitos fastos e nefastos das suas próprias escolhas e das decisões dos seus governantes: progresso e atraso, ordem e desordem, alegria e tristeza, prazer e dor.

domingo, 18 de abril de 2010

FELICIDADE6

Sexta parte.

A felicidade experimentada pela comunidade ou pelo indivíduo isolado é um estado de espírito de duração variável no tempo, despertado por bens materiais e imateriais conjugados a princípios éticos. Com acerto e sensibilidade poética, diz a canção popular: “A felicidade é como a pluma / que o vento vai levando pelo ar / voa tão leve / mas tem a vida breve / precisa que haja vento sem cessar” (Orfeu do Carnaval). A comunidade e o indivíduo às vezes não a percebem no momento em que a vivenciam. Disse-o bem, em uma das suas canções, o compositor brasileiro Ataulfo Alves, ao falar da sua infância e da professora que lhe ensinou o b-a-bá: “eu era feliz e não sabia”.

Comparando a situação do presente com a do passado o indivíduo constata se foi feliz ou infeliz. O mesmo quando compara a sua situação atual com a de outros indivíduos, em seu país ou no estrangeiro. Em reportagem de emissora de televisão um soldado brasileiro, ao testemunhar a miséria do povo haitiano se declarou feliz com a sua casa e modesta condição social no Brasil (2010). A comparação o ajudou a sentir-se feliz com o que tem.

Em roda de samba, em desfile de carnaval, em torno da mesa com comidas e bebidas, pessoas da mesma ou de diferentes camadas sociais cantam, dançam, conversam, riem, se abraçam, apertam as mãos, mostram-se alegres e felizes. O desemprego, o abandono, a desilusão, a tragédia, deixam as pessoas tristes e infelizes. A alegria é sintoma de felicidade; a tristeza, de infelicidade. Há ocasiões em que as pessoas não se mostram felizes nem infelizes: à espera do resultado de um exame, mostram-se apreensivas; em cerimônias cívicas, mostram-se orgulhosas; meditando no templo, compenetradas; diante da televisão, impassíveis.

Perseguir a felicidade é o propósito da vida humana, afirma Tenzin Gyatso, atual Dalai Lama. Propósito aí significa objetivo visado, supõe vontade, decisão e intenção de alcançá-lo, o que implica querer, sentir e pensar. Com tais predicados conhecemos apenas dois sujeitos: Deus e o homem.

A presunção de que Deus tenha tais predicados assenta-se no cosmos e na organização física e mental do ser humano. Deus pensa, sente, quer e age, tal qual acontece com os seres humanos. O homem organiza e governa o mundo cultural; presume, então, que Deus organiza e governa o mundo material e espiritual. Da observação e do estudo dos fenômenos naturais e de si próprio, o homem intui a presença de Deus na origem e na evolução do universo, estabelece correspondência entre o poder humano e o poder divino. À hierarquia na cidade terrena faz corresponder a hierarquia na cidade celeste. Deus é o rei, governante supremo e absoluto. Nas respectivas graduações servem-no os serafins, querubins, tronos, potestades, principados, arcanjos, anjos e demais habitantes da cidade celeste.

A afirmativa de que só Deus tem poder não encontra amparo na lógica e tampouco na experiência histórica. Revela isto sim, o intuito de negar o poder do chefe de Estado, do chefe de família, do dono do capital, da informação, do conhecimento e da tecnologia. Poder é aptidão do sujeito de submeter à sua vontade, aos seus interesses e aos seus propósitos, a vontade, os interesses e a conduta dos outros. A capacidade de persuasão caracteriza o poder, quer pelo diálogo, quer pela força potencial ou efetiva. A doutrina anarquista nega o poder político dos homens. Essa negativa serve também à doutrina religiosa da subordinação do Estado à Igreja. Intitulando-se delegada do poder de Deus e sua representante na Terra, a Igreja outorga a si mesma o papel de guardiã das consciências e o direito de governar o mundo.

A afirmativa de que Deus é fiel não resiste à crítica. O propósito dessa afirmação é o de fortalecer a fé dos crentes nas promessas atribuídas a Deus. Essas promessas, entretanto, foram inventadas pelos escritores dos textos religiosos e repetidas ad nauseam por rabinos, padres e pastores. O homem é que deve ser fiel a Deus e à palavra empenhada. Deus não é fiel nem infiel. Poderoso, não necessita do ser humano para coisa alguma. Deus nada promete e nenhum contrato celebra com os humanos ou qualquer outro ser do universo. Deus está acima de todas essas coisas e a tudo governa mediante leis inflexíveis. Há pessoas presunçosas que se acham o centro das atenções de Deus e quando situadas na sociedade de modo que facilita a aceitação do seu discurso, disto se aproveitam e passam a sua presunção ao público. Por sua vez, o público sente-se feliz, seguro e gratificado ao saber que é alvo da direta atenção e dos cuidados de Deus. Doce ilusão!

Os seres racionais opinam e especulam com os recursos da inteligência, com os dados da experiência, com as leis da natureza e com as crenças transmitidas de geração a geração. No plano dos fatos, reina incerteza se Deus tinha ou não tinha algum propósito ao criar o mundo; se houve um começo e se haverá um fim. A explosão referida pela astrofísica, imitada pelos cientistas em março de 2010, num mega reator nuclear, teria dado nascimento ao nosso universo. Outros universos podem estar nascendo e morrendo, como indicam os buracos negros. Não está descartada a tese segundo a qual o universo se expande até um limite, depois se contrai até um átomo embrionário que ao explodir dá origem a outro universo. A expansão e contração corresponderiam à grande respiração de Brahma referida no hinduísmo, como sugere o físico austríaco Fritjof Capra (Tao da Física).

Quanto à natureza, não há propósito algum. Propósito implica incidência da vontade. Destituída de vontade, a natureza apenas tem função governada pela inteligência cósmica. A função da vida é gerar universos e movimentá-los. A função do universo é existir e se movimentar no tempo e no espaço segundo as leis da natureza. A função da vida humana é cumprir o ciclo natural de cada indivíduo: geração, nascimento, existência e morte. No mundo da cultura ocorre o mesmo: Estado, sociedade, família, igreja, empresa, sindicato, associação civil, carecem de vontade própria e têm apenas função governada pela inteligência humana.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

FELICIDADE5

Quinta parte.

Nas tribos selvagens a bondade prevalece nas relações internas e a maldade, nas relações externas. São mais raras as maldades no seio da comunidade e as bondades nas relações entre as tribos. Os autóctones da América, da África, da Oceania, guerreavam entre si de modo permanente; os vencedores matavam os vencidos, às vezes os comiam, quando não os escravizavam. Assim também se comportavam os bárbaros da Europa e da Ásia. O selvagem é bom e mau; reflete a bipolaridade da natureza humana: angelical e demoníaca. O ser humano tem um lado pacífico e outro guerreiro. Os homens civilizados também se matam em guerras, revoluções, conflitos de grupos ou de indivíduos isolados.

Propaganda educativa pela televisão no Brasil mostrava a dupla face do ser humano. O varão cordial, amoroso com a esposa e os filhos, deles se despede no jardim da casa e entra no automóvel para ir ao trabalho. Ao assumir o volante, o seu rosto muda: aparece a cara de um animal irracional. O autor da mensagem não a tirou da sua imaginação e sim da realidade. Quando no volante do automóvel nas ruas e estradas, o indivíduo xinga os outros, atira o carro sobre pessoas e coisas, buzina insistentemente, acelera em alta velocidade, disputa corridas em locais impróprios, faz manobras perigosas que colocam em perigo não só quem está no interior do veículo como também quem está fora, pressiona quem estiver à sua frente, ultrapassa os outros veículos em trechos proibidos, transgride as normas de trânsito e de boa educação. Famoso romance inglês do século passado e que serviu de tema para alguns filmes (O Médico e o Monstro) abordava essa dupla face dos humanos: ao se fazer cobaia de experiência por ele próprio realizada, o médico liberou a fera, trouxe à tona a sua natureza demoníaca. “O Incrível Hulk” fez sucesso na televisão, repetindo o mesmo tema: o homem que após se submeter a uma experiência científica muda a sua estrutura física e libera forças colossais e acima do normal sempre que se irrita.

Os animais racionais e os irracionais têm em comum a ferocidade, com a seguinte diferença: só os racionais são cruéis. Sofisticadas técnicas de tortura física e mental são inventadas. Pessoas são submetidas a dolorosas experiências científicas, queimadas em fogueira, assadas em fornos, enterradas vivas, jogadas às feras, banhadas em óleo fervendo, envenenadas, açoitadas, afogadas, empaladas, enforcadas, esquartejadas, fuziladas, asfixiadas, eletrocutadas, mãos e pés decepados, unhas arrancadas, olhos vazados, línguas e orelhas cortadas, mentes atormentadas. Adultos violam e esganam mulheres e crianças. Mil horrores.

A arte expressa beligerância. Os autores de filmes e livros de ficção concebem as relações entre os habitantes da Terra e os de outros planetas em termos de guerra, de ataque e defesa. Novelas de televisão, peças de teatro, filmes, livros, revistas, expõem o mau caráter e a agressividade das pessoas, as relações de ódio e traição, enaltecem a ganância, os expedientes desonestos e a libertinagem; estimulam o tabagismo e o alcoolismo. Nessas obras, de ampla aceitação, a violência está presente.

A frieza, a brutalidade, a crueldade, compõem a natureza humana tanto quanto a meiguice, a ternura, a brandura. Visite um presidiário assassino na expectativa de encontrar uma pessoa cruel, feroz e brutal: surpreendentemente, você poderá se deparar com uma pessoa tranqüila, singela e de bons sentimentos. No Brasil, criminosos ganham a liberdade antes de cumprir a metade da pena; motivo: apresentam bom comportamento. Sob custódia do Estado, expressam a sua natureza angelical, manifestam boa conduta e bons sentimentos; alguns se tornam estudiosos das escrituras sagradas e guias espirituais de outros presidiários.

Parcela dos custodiados não se regenera. As prisões brasileiras funcionam como escolas de aperfeiçoamento dos criminosos. No seu interior há facções rivais, tráfico e consumo de drogas; do seu interior são comandadas ações criminosas externas. Com excesso de lotação, há prisões que mantêm os presos em condições aviltantes, incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Há presos que são vítimas da violência física e moral de outros presos ou dos agentes penitenciários. No gozo de benefícios legais, em liberdade condicional, condenados praticam delitos. Alguns egressos têm dificuldade de se reintegrar à sociedade, tanto por despreparo profissional ou deficiência de caráter, como por medo ou preconceito manifestado pelo público. Estatísticas, inquéritos policiais e processos criminais mostram réus que tornaram a delinqüir após saírem da penitenciária.

A felicidade resulta da supremacia da face angelical do ser humano. O conhecimento de si mesmo e a forte disposição para colocar a face demoníaca sob rédeas fazem parte do processo evolutivo no plano individual, o que se reflete no plano coletivo como ascensão espiritual da humanidade. O ser humano evoluirá espiritualmente admitindo, enfrentando e domesticando o seu lado demoníaco. Se a índole do homem fosse exclusivamente meiga e pacífica não haveria necessidade alguma de código penal e do aparelho repressor do Estado. A natureza demoníaca tem a função positiva dos instintos que orientam o ser humano na busca do que é necessário e o previnem de perigos ignorados pelos olhos e ouvidos; e tem a função negativa que provoca no ser humano ganância, inveja, imoderação, ódio, raiva, vingança, ou seja: ações, omissões, pensamentos e sentimentos malévolos. A eliminação da natureza demoníaca faria do homem um novo ser: o humano deixaria de ser humano, o corpo nada mais exigiria e seus órgãos atrofiar-se-iam.

A busca individual consciente e sistemática da felicidade quando se torna obsessiva traz sofrimento ao buscador. Nesse caso, o paradoxo: a busca da felicidade traz infelicidade. O prazer advindo das coisas materiais é transitório e ainda que moderado, não sustenta felicidade duradoura. O ser humano é insaciável. Os seus interesses, apetências e necessidades só terminam com a morte. A felicidade no mundo terreno não é eterna, nem contínua, pois a pessoa está sujeita a intervalos de tristeza e sofrimento.

Epicteto, nascido na Frígia, viveu no primeiro século da era cristã, era escravo romano e se tornou o filósofo que em seus discursos pregava o estoicismo. Para ele, assim como para os estóicos que o precederam (Zenão, Panécio, Sêneca) felicidade é o resultado de uma vida virtuosa, o que implica: conhecimento profundo de si mesmo, aprimoramento moral, domínio sobre os desejos, harmonização com a natureza, reconhecimento da igualdade de todos os seres humanos, serena aceitação do que não se pode evitar ou mudar, vigilância sobre si mesmo, sobre os outros e sobre os acontecimentos, a fim de seguir e preservar os princípios éticos e permanecer no caminho do bem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

FELICIDADE4

Quarta parte.

Quando nos sentimos infelizes no mundo em que vivemos, sonhamos com um mundo melhor. No mundo natural, estamos sujeitos a cataclismos, terremotos, maremotos, desmoronamentos, raios, tempestades, inundações, incêndios florestais, fenômenos telúricos que destroem o patrimônio e ceifam a vida das pessoas. No mundo cultural estamos sujeitos a guerras e toda sorte de conflitos, acidentes e infortúnios como fome, miséria, peste. A infelicidade gerada por fatores naturais e culturais é constante no curso da existência dos seres humanos.

O otimismo de Tenzin Gyatso, no que tange à humanidade, conduz à fantasia, a uma realidade que não é a deste mundo. A sua crença na meiguice congênita do ser humano assemelha-se à tese de Jean-Jacques Rousseau sobre a inata bondade do selvagem. Ao equacionar a busca da felicidade em termos marciais (combate ao sofrimento, conhecer bem o inimigo e escolher as armas adequadas, como se estivesse em guerra declarada) Tenzin deixa implícito o pressuposto do seu argumento: belicosidade inerente à arquitetura mental do ser humano, da qual ele próprio não escapou ao assim raciocinar. Os pares de opostos decorrem dessa arquitetura que leva o ser humano a pensar e agir em termos de combate: bem-mal, amor-ódio, amigo-inimigo, quente-frio. Na opinião do venerável tibetano, a ferocidade humana é contingente e a bondade humana permanente. No entanto, o passado e o presente testemunham a constante ferocidade do ser humano, tanto no estágio selvagem como no estágio civilizado.

Fritjof Capra, cientista austríaco que de modo arguto e fascinante traçou o paralelo entre a Física e o misticismo (Tao da Física) diz em outro livro (Sabedoria Incomum) que a impressão de meiguice que o povo indiano lhe causara se modificou ao saber do assassinato de Indira Gandhi e lembrar o de Mahatma Gandhi. Podia acrescentar o clima de ódio e beligerância entre hinduístas e muçulmanos que, após a morte de Gandhi, separaram-se e formaram duas nações distintas que se hostilizam, cada qual com a sua bomba atômica.

Recentemente, a televisão mostrou: batalha campal entre monges budistas na Ásia; lutas corporais nos parlamentos de diferentes países; pancadarias entre policiais e reivindicantes em movimento de rua. Lutas esportivas violentas, do tipo vale-tudo, esportes sangrentos ou de alto risco para a vida e a integridade física, como as touradas e as corridas de automóveis, têm grande audiência e público aficionado. Movidos pela ganância, países se aliam para invadir e pilhar outros, matando, mutilando, ferindo os habitantes. O demônio fica à solta – não aquele da fantasia maliciosamente criada pelos sacerdotes para aterrorizar os fiéis, o senhor do Inferno que habita o centro da Terra, onde o calor é infernal – e sim aquele que habita o interior de cada pessoa, o autêntico e poderoso demônio que é o próprio ser humano.

A ausência de maldade no homem primitivo é lenda. O paraíso terrestre jamais existiu. O homem não foi criado diretamente por deus algum, como bem o demonstra a ciência contemporânea. A espécie humana resultou de uma evolução do gênero animal ao longo de milhões de anos. A bíblia hebraica e os evangelhos cristãos enganaram-se quando, através das genealogias que arrolam, estabeleceram em apenas seis mil anos o surgimento do primeiro casal. O historiador Edward McNall Burns (História da Civilização Ocidental – 1º volume) conta que, em 1654, o reverendo John Lightfoot, Vice-Chanceler da Universidade de Cambridge, depois de acurada pesquisa bíblica descobriu que o primeiro homem foi criado pela Trindade no dia 26 de outubro de 4004 a.C., às 9,00 horas. Talvez, ele comemorasse a data com bolo de aniversário.

Ao contrário do que está escrito na bíblia hebraica, o homem não foi criado à imagem e semelhança de deus. O deus hebreu é que foi concebido à imagem e semelhança do homem hebreu. Ao escrever o Gênesis, no século V a.C., porque o rolo de papiro com o texto original fora queimado no incêndio que destruiu o templo de Jerusalém, como informa Tomas Hobbes (Leviatã), o escritor hebreu se olhou no espelho e viu a imagem do deus hebreu: vaidoso, egocêntrico, exclusivista, negociante, cruel, rancoroso, homicida e genocida. Assim como os outros povos da antiguidade, os hebreus também tinham os seus próprios deuses, porém Moisés os reduziu a um só e lhes outorgou uma série de mandamentos. O povo hebreu resistiu. Moisés e o seu grupo mataram três mil hebreus. Imposto à força pelas armas, o culto monoteísta não passou da monolatria. O povo retornava ao culto politeísta reincidentemente, culminando com o cisma, em 930 a.C., entre hebreus conservadores de um lado (as tribos de Judá e Benjamin que reunidas formaram o reino de Judá) e hebreus liberais de outro (as dez tribos que formaram o reino de Israel). Os dois grupos se odiavam, embora tivessem em comum a origem (hebraica) e o patriarca (Abraão).

Do confronto entre o antigo testamento (bíblia hebraica) e o novo testamento (evangelhos cristãos) verifica-se que o deus hebreu, de nome Jeová, não se confunde com o deus cristão: são divindades distintas e opostas. Jeová é deus de um só povo (hebreu). O deus cristão, que Jesus chamava de Pai Celestial, é deus de todos os povos. Jeová tem características perversas; o Pai Celestial, características bondosas. Jeová promete vida afortunada aqui na Terra ao hebreu que lhe for fiel. Jesus promete bem-aventurança no reino espiritual aos seres humanos segundo o merecimento. Jeová seduziu Abraão prometendo riquezas materiais. Ao tentar fazer o mesmo com Jesus, fracassou. Jesus resistiu à tentação: “afasta-te de mim Satanás”. O Jeová de Abraão e o Satanás de Jesus são o mesmo demônio que habita o interior de cada ser humano. O judaísmo e o cristianismo são patriarcais. A igreja católica atenuou a situação, criando o culto à Maria, mãe de Jesus, que passou a mãe de deus e virgem, como se fosse possível Deus ter pai ou mãe e Maria ser virgem depois de parir sete filhos!
O ser humano, criatura do reino animal, tem todos os atributos dos animais irracionais, inclusive a ferocidade. Tal como os irracionais, o animal racional não é feroz o tempo todo, nem manso o tempo todo. A educação encobre a ferocidade e a coloca na jaula. Ao menor descuido, abre-se a porta da jaula e o demônio escapa. Krishnamurti dizia que devemos ir além do pensamento, da linguagem e do tempo se quisermos resolver os problemas existenciais e eliminar o medo e o desejo. Em outras palavras: devemos assim proceder para dominar o demônio, que além de feroz é inteligente e sagaz. A técnica de controle dificilmente é aplicada, pois, no cotidiano, as pessoas comportam-se de modo letárgico, nem feliz nem infeliz. A felicidade parece não constar objetivamente dos seus propósitos. Nota-se que as pessoas levam uma existência robotizada, padronizada na linguagem, no consumo, nos costumes, sem questionar as informações que lhes entram pelos olhos e ouvidos, sem refletir, sem meditar sobre as idéias e as crenças circulantes.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

FELICIDADE3

Terceira parte.

A coexistência pacífica e a necessidade de ordem que a garanta dependem da escolha adequada entre os vários modos de vida e os diferentes métodos de solucionar problemas da comunidade. Quando escolhe mal, ou quando não lhe é dado o direito de escolher, o povo sente-se infeliz. Pacificada a escolha no texto da lei fundamental, ainda assim o povo pode ser infelicitado em decorrência da política adotada pelo governante ao tratar dos assuntos econômicos e sociais. A noção de bem comum serve para orientar a atividade governamental. O conteúdo do bem comum varia de povo para povo e de época para época; o que parecia bom a uma geração, pode parecer ruim a outra: a segurança nacional prioritária numa década pode ser secundária na década posterior; o modelo econômico do século XX, manipulador e destruidor da natureza, substituído no século XXI por um modelo ecológico de economia: fundamento holístico, crescimento moderado, menos quantidade, mais qualidade, menos trabalho, mais lazer, tecnologia simplificada, energia limpa, bens renováveis, reflorestamento, agricultura biológica.

Em nível teorético, o bem comum pode ser compreendido na síntese de Augusto Comte: o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim. Em nível dos princípios, o bem comum compreende a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade e a segurança. No plano dos fatos, o bem comum compreende o patrimônio natural e cultural da humanidade, em geral, e de cada país, em especial, e o correspondente bem-estar usufruído pelo maior número de pessoas. Na extensão do bem comum estão incluídos serviços e obras realizados direta ou indiretamente pelo Estado como, por exemplo, fundar, construir, manter, conservar: escolas, centros de excelência para formação de professores, cientistas e artistas, bibliotecas, museus, teatros, cinemas, ginásios e estádios; hospitais, postos de saúde, clínicas de recuperação e repouso, creches, laboratórios, farmácias; casas, restaurantes, albergues e centros de distribuição de alimentos e vestuário para atender a população carente; redes de água, esgoto, energia, telefonia e computadores; ruas, pontes, viadutos, rodovias, ferrovias e linhas de transporte terrestre, fluvial, marítimo e aéreo para circulação das pessoas, mercadorias e matéria-prima. Inclui-se também no bem comum: a direta exploração de atividade econômica pelo Estado, quando necessária à segurança nacional ou para atender interesse coletivo relevante; a defesa do país, da ordem pública, do meio ambiente, do trabalhador, do produtor, do consumidor, das minorias; crédito à população, à agricultura, à indústria, ao comércio, ao setor privado de serviços; registros públicos; correios, telégrafos, rádio, televisão; previdência social, assistência social.

No seio da família, a felicidade é um bem compartilhado, a exemplo do que acontece em nível nacional: consiste num estado coletivo de contentamento e de segurança. A harmonia e afeição entre cônjuges ou companheiros, entre pais e filhos, a vivência de princípios éticos e religiosos, a satisfação das necessidades básicas de moradia, alimentação, vestuário, educação, saúde, lazer, em nível compatível com a dignidade humana, bem como a permanente fonte de renda que permita suprir tais necessidades, fazem da família uma comunidade feliz.

No mundo ocidental contemporâneo essa felicidade encontra obstáculo no consumismo e no excesso: (a) de horas à frente do aparelho de televisão ou do computador (b) do tempo de permanência diária fora do lar (c) de atividades profissionais, corporais e sociais (d) de preocupação com a sobrevivência ou em manter o padrão econômico e social conquistado. Sobre os laços afetivos, Mark Twain dizia que homem e mulher só sabem o que é amor perfeito depois de 25 anos de casados. Oscar Wilde dizia que a pessoa apaixonada principia por enganar a si própria e depois acaba por enganar aos outros. Esses dois escritores são citados por Howard C. Cutler, psiquiatra estadunidense que no século XX realizou uma série de entrevistas com Tenzin Gyatso, XIV Dalai Lama. O tema era a felicidade. O médico publicou um livro onde expõe e comenta, sob prisma psicanalítico, as respostas daquela autoridade tibetana e budista (A Arte da Felicidade).

No âmbito individual, a felicidade consiste no contentamento desfrutado pela pessoa em relativa segurança. Segundo Tenzin Gyatso, perseguir a felicidade é o propósito da vida; a felicidade é determinada mais pelo estado mental da pessoa do que por fatores externos; o estado mental abrange intelecto e sentimento, razão e coração; a pessoa encontra a felicidade ao atingir o estágio de libertação ou superação do sofrimento. Quando depende do prazer físico exclusivamente, a felicidade é instável: a pessoa é feliz num dia e infeliz no dia seguinte. A felicidade advém da gratificação das necessidades próprias acoplada ao objetivo de proporcionar igual gratificação aos outros, estimar o próximo e suavizar o seu sofrimento. Compaixão, empatia, intimidade, são ingredientes da felicidade que valorizam a vida humana. Na ótica budista, a ignorância, a ganância e o ódio são os venenos da mente, causas primeiras da infelicidade cuja remoção requer treinamento.

Contribuem para a felicidade de cada indivíduo: a posse de um patrimônio econômico, o sucesso no projeto pessoal de vida, a vivência de sua própria concepção de mundo na intimidade e privacidade, a momentânea ausência de sofrimento, o êxito nas atividades culturais, artísticas e esportivas. Pessoas sentem-se felizes em ajudar aos necessitados, servir ao próximo sem qualquer interesse egoístico, como Teresa de Calcutá; encontram felicidade na devoção ao sagrado e às coisas mais simples da natureza, como Francisco de Assis. O prazer que a pessoa desfruta nessas coisas é um atributo da felicidade.

A ausência definitiva do sofrimento é bem-aventurança. O filme Horizonte Perdido, produzido nos EUA na primeira metade do século XX, mostra essa felicidade paradisíaca. A cidade fictícia de Shangrilá, nas montanhas do Himalaia, era esse paraíso de permanente prazer, alegria, harmonia e suavidade. As escrituras sagradas dos cristãos e dos muçulmanos também se referem a esse paraíso de eterna felicidade. No mundo real não há lugar para felicidade plena. A dor e o sofrimento são realidades existenciais: alternam-se momentos de prazer e de dor, de alegria e de tristeza; desavenças quebram a harmonia e a suavidade.

Ao nascer, a pessoa sente dor física quando respira pela primeira vez e dor psíquica por separar-se da mãe. A partir do nascimento, as dores físicas e psíquicas não cessam pela vida afora: fraturas, ferimentos, doenças; ofensas, desilusões, perdas de entes queridos e de bens. A capacidade de suportar a dor e o sofrimento varia de pessoa para pessoa. Poucas pessoas dedicam-se a treinar a mente e o coração para evitar ou suavizar o sofrimento; a alquimia mental e emocional é domínio de poucos; grande parcela da humanidade está no limbo: almas e corpos minados pela fome e pelo sofrimento não se dispõem a voar. Enternece o intrigante sorriso meigo e triste de gente cujo cotidiano é de padecimentos. Enigmático e comovente sorriso que brota da alma personalizada.

domingo, 4 de abril de 2010

FELICIDADE2

Segunda parte.

No período de regência de Pedro (abril de 1821 a setembro de 1822) as Cortes Portuguesas exigiram que o príncipe deixasse o Brasil. A ordem tinha o propósito de facilitar o retrocesso do Brasil, de reino a colônia. Livre da ameaça napoleônica, com seu rei de volta à terra lusitana, Portugal sentia-se no direito de restabelecer a colônia americana. Atendendo ao pedido do povo, com cerca de 8.000 assinaturas, o príncipe regente declarou que ficava no Brasil para o bem de todos e felicidade geral da nação. Mencionar o que ainda não existia foi artifício retórico; quando muito, havia uma incipiente e embrionária nacionalidade. O bem de todos equivale à felicidade geral; o bem de cada um ficou implícito.

Em junho de 1822, o príncipe convoca eleições à assembléia constituinte. O processo da independência galopava. A ruptura com Portugal se torna definitiva em 7/09/1822, quando o príncipe se rebela, mais uma vez, contra as ordens das Cortes Portuguesas. Pedro Américo imortalizou o grito do Ipiranga em quadro pintado com as tintas da sua imaginação e exposto no museu do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Na guerra da independência lutaram: de um lado, chefiados por um príncipe português (D. Pedro), brasileiros brancos, mestiços, negros além de portugueses leais ao príncipe e mercenários franceses e ingleses contratados pelo governo brasileiro; do outro lado, chefiados por um rei português (D. João VI), brasileiros e portugueses leais a Portugal. A guerra, com centenas de mortos e mutilados, só terminou em 1825, após assinatura do tratado de amizade e paz celebrado entre o pai (D. João VI, rei de Portugal) e o filho (D. Pedro I, Imperador do Brasil) sob as bênçãos do espírito santo (Trono da Inglaterra), amém. No ano anterior a esse tratado, D. Pedro já havia outorgado Constituição aos brasileiros, culminância jurídica do processo que tornava irreversível a independência política. Consta do preâmbulo da Constituição de 1824, que os súditos e povos do Império esperavam individual e geral felicidade política.

A felicidade geral foi o propósito da organização da sociedade civil em Estado, expressamente declarado por libertadores, líderes e assembléias populares do Ocidente, a partir das revoluções americana e francesa. A felicidade tornou-se um bem estimado oficialmente para ser vivenciado de modo individual e coletivo. Esse bem foi entendido como um estado de contentamento desfrutado pela comunidade, que permite aos indivíduos o pleno desenvolvimento das suas potencialidades físicas, morais e intelectuais. Esse estado exige uma organização que o torne possível, uma ordem essencial a qualquer tipo de sociedade. Constituída de regras de necessário e obrigatório cumprimento, informada por princípios éticos, jurídicos e religiosos, essa ordem disciplina as relações políticas, sociais e econômicas que se estabelecem na sociedade. Do ponto de vista dinâmico, essa ordem permite ações públicas e privadas que tornam efetivos os objetivos nacionais, asseguradas por um conjunto de órgãos que leva o nome genérico de Justiça: delegacia de polícia, instituto de criminalística, presídio, ministério público, juízo de direito, tribunal do júri, tribunal de recursos. A defesa da lei, da ordem e da pátria se faz por forças armadas regulares e permanentes.

A ordem social, política e econômica há de ser justa, segundo o sentimento da comunidade. O povo sente-se feliz quando percebe que há justiça nos negócios públicos e privados e que prevalece a honestidade; sente-se feliz quando essa ordem permite ampla liberdade e o desenvolvimento da nação. A experiência dos povos a partir do século XX mostrou que sem liberdade pode haver prosperidade fundada exclusivamente na igualdade social e econômica, ou na promessa de realizá-la, porém, que disso não resulta felicidade geral, necessariamente. Sem liberdade e apesar de potência mundial, a União Soviética implodiu. China e Cuba mantêm governos autocráticos pela relativa igualdade e algumas concessões à liberdade. As autocracias árabes se mantêm pela tradição dinástica e condicionamento religioso, sem que isto assegure felicidade, mormente às mulheres. As regras jurídicas devem ser o veículo do sentimento de justiça acalentado pelos membros da sociedade. A ordem instituída por essas regras vale e obriga – não só por consentânea com aquele sentimento – mas, também, porque posta pela autoridade competente ou por quem está investido de poder para garantir a sua eficácia. Esse fato da experiência revela outro: os detentores do poder baixam normas que os beneficiam, em detrimento da felicidade geral.

Justiça, valor moral gerado no sentimento, qualificado no pensamento, assentado na igualdade e na proporcionalidade. Os romanos diziam que justiça consiste em viver honestamente, não lesar o próximo e atribuir a cada um o seu direito. Aristóteles classificava a justiça em distributiva e equitativa. Justiça distributiva: os bens e as honras distribuídos de modo que cada um receba a porção adequada ao seu mérito. Justiça equitativa: igualdade das partes nas relações de troca. O filósofo grego classificava a justiça equitativa em comutativa e judicial. Justiça comutativa: implica certa medida nas relações de troca segundo a harmônica vontade das partes; as cláusulas contratuais são estabelecidas pelas próprias partes, dispensando a intervenção de juiz e árbitro. Justiça judicial: supõe controvérsia entre as partes; a medida nas relações de troca efetiva-se pela intervenção do juiz ou do árbitro. Ocasional na esfera civil por depender de provocação das partes, a justiça judicial intervém na esfera penal independentemente da vontade do jurisdicionado, por ter em mira a preservação da ordem pública e a felicidade geral.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

FELICIDADE

Primeira parte.

Votos de felicidade são freqüentes nas relações humanas em várias ocasiões: aniversário, casamento, diplomação, início de profissão, de empreendimento, de gestão, de viagem. Consciente ou inconscientemente, individual ou coletivamente, os seres humanos buscam a felicidade. Por longo tempo na historia da humanidade predominou a consciência coletiva. Fortes eram os laços de solidariedade entre os membros do grupo. O indivíduo era um elemento do organismo social e vivia em função do todo. Até onde foi possível chegar, a ciência jamais encontrou o ser humano vivendo isolado. Estima-se em 47 milhões de anos a idade do fóssil humanóide encontrado recentemente pelos cientistas, o que derroga as estimativas anteriores. A descoberta ocorreu em território europeu, o que robora a tese da evolução dos animais em vários pontos da Terra e da variedade de raças. A tese em vigor, de que o homem surgiu no continente africano e dali se espalhou pela superfície do planeta brota de uma concepção de mundo pré-científica: ajustamento à versão da bíblia hebraica sobre a origem da família humana. A probabilidade de diferente conformação geológica do planeta quando, por exemplo, África e América formavam um só continente, pode modificar essas teses se comprovada existência de humanóides naquela era geológica.

Einstein foi vítima da mesma tentação (de ajustar a ciência à bíblia) quando rejeitou o caráter probabilístico da mecânica quântica, a cujos partidários advertiu: Deus não joga dados com o universo, ou como consta da carta a Max Born, citada pelo matemático Ian Stewart (Será que Deus Joga Dados?): “Você acredita num Deus que joga dados e eu em lei e ordem absolutas”. Após várias experiências, constatou-se o engano de Einstein, como informa Brian Greene (O Universo Elegante). Diz, Ian Stewart: a questão não é mais se Deus joga dados e sim como ele o faz. O caos e a incerteza estão presentes no microcosmo e no macrocosmo: as partículas atômicas nem sempre obedecem ao mesmo padrão de comportamento; o sistema solar é um dos enclaves de ordem existentes no universo e reina o caos nos espaços interestelares, como afirmava Willard Gibbs, citado por Norbert Wiener (Cibernética e Sociedade). Pela primeira vez, Gibbs apresenta um método científico que leva em conta a incerteza e a contingência nos eventos estudados pela Física e lança a noção de entropia. Na abalizada opinião de Wiener, essa foi a primeira grande revolução da Física no século XX, que deixa Einstein, Heisenberg e Planck em plano secundário. Goffredo Telles Jr. (Direito Quântico) refere-se a uma ordem que desconhecemos: regularidades (ordem) e irregularidades (desordem) da Natureza parecem obedecer a uma lei cósmica.

No processo evolutivo, o ancestral do ser humano passa de quadrúpede a bípede. A posição ereta lhe proporciona visão ampla do firmamento, do horizonte e de tudo que o cerca. O pequeno cérebro do primata antecessor (Pithecanthropus Erectus) torna-se maior no homo sapiens (Cro-Magnon). Dilata-se a capacidade operacional do intelecto. Acelera-se a aquisição de conhecimento prático e teórico. Aumenta a complexidade das relações entre os membros da comunidade. Multiplicam-se e repartem-se as tarefas. Busca-se a grandeza e a felicidade da tribo, da cidade, do reino. A pressão social faz do ser humano um elemento do ente coletivo mergulhado na objetiva consciência comunitária; assim aconteceu no primitivo grupo e continuou na tribo, na cidade e no império.

Após a cultura humana atingir o estágio de civilização, os povos orientais mantiveram, tradicionalmente, o sentimento de união íntima a um todo cósmico, o que fortifica a solidariedade social, o espírito comunitário, a vigência de regimes autocráticos e o reverencial respeito à autoridade. Nos povos ocidentais operou-se mudança em direção ao individualismo. A consciência da individualidade se manifestou amplamente após o advento do cristianismo. Jesus, com seu exemplo e sua doutrina, modificou o milenar panorama: conciliou o espírito comunitário com a autonomia da pessoa humana. O indivíduo deixa de ser uma simples partícula de um organismo cósmico. A doutrina cristã valoriza o ser humano como individualidade anímica; acentua a dignidade própria da pessoa como fonte de todos os valores; afirma a igualdade entre os seres humanos e entre todos os povos sob a paternidade divina; iguala os poderosos aos humildes perante a lei divina; subordina o poder dos governantes ao poder de Deus (“nenhum poder teríeis, não fora a vontade do meu Pai”).

Em conseqüência do individualismo e racionalismo que desponta na Europa da segunda fase da Idade Média e se torna vigoroso na Europa e na América da Idade Moderna, a busca da felicidade individual no Ocidente ofuscou a busca da felicidade coletiva. A Magna Charta Libertatum outorgada pelo soberano João Sem Terra em 1215, concede liberdades a todos os homens livres da Inglaterra. Documentos posteriores falam no bem do reino e nos direitos e liberdades dos homens (Petição de Direitos, de 1628; Lei de Habeas Corpus, de 1679; Declaração de Direitos, de 1689; Ato de Estabelecimento, de 1701). Esses documentos, leis fundamentais do reino britânico, não mencionavam explicitamente a felicidade; o propósito de buscá-la individual e coletivamente estava implícito. Mantido o sentimento de solidariedade, realçava-se o de justiça. Como bem observou Léon Duguit (Traité de Droit Constitutionnel – Tome Premier) a solidariedade social e o sentimento de justiça são permanentes no plano dos princípios, apesar de variáveis em suas manifestações.

No século XVII (1601-1700), a Companhia de Londres fundou uma colônia na América do Norte e a batizou com o nome de Virgínia, homenagem à virgindade da rainha Isabel. No contexto da época, o paralelo com o dogma católico da virgindade de Maria é inevitável. Isabel confirmara a supremacia da igreja da Inglaterra em relação à igreja de Roma. Protestantes, os diretores da Companhia aproveitaram a ocasião para cutucar os católicos.

No século XVIII (1701-1800), os colonos da Virgínia, inspirados na doutrina cristã, rompem o vínculo com a Inglaterra afirmando que todos os homens são por natureza livres e independentes e têm certos direitos inatos à vida, à liberdade e aos meios de adquirir propriedade, obter felicidade e segurança (16/06/1776). No mês seguinte (04/07/1776) os Estados Unidos da América do Norte se declaram independentes afirmando a igualdade de todos os homens, dotados pelo Criador com certos direitos inalienáveis entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

A declaração francesa dos direitos do homem e do cidadão, promulgada pela Assembléia Nacional em 26/08/1789, afirma que a conservação da Constituição e a felicidade geral são objetivos permanentes da associação política; que os homens nascem livres e iguais em direitos e as distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum; que a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o desiderato de toda associação política; que esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

A declaração universal dos direitos do homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948, segue no mesmo diapasão: a dignidade é reconhecida como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos; dotados de razão e consciência, devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade; todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.