quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

código da vinci IV

PECADO NO MUNDO

“O pecado está vigorosamente vivo em nosso mundo e não temos força para brigar com ele”, diz o autor de “Quebrando o Código Da Vinci”. Na definição de Bock, pecar é causar danos a si próprio e aos outros e estar distante de Deus é enveredar no pecado. Eis aí a fonte da angústia e do sofrimento de cristãos e judeus. O pecado neste mundo e o castigo, aqui ou no outro mundo, foram invenções do cérebro humano com duplo objetivo: (i) disciplinar os instintos humanos; (ii) submeter o povo à vontade de uma esperta minoria. A dar crédito às palavras do professor Bock, Deus seria o maior pecador do universo. Basta lembrar os estragos causados ao planeta e à humanidade pelas forças cósmicas (terremotos, tempestades, inundações, irrupções vulcânicas, colisões de corpos celestes).

O sistema penal espiritual assemelha-se ao sistema penal secular. A inteligência humana estabelece os mandamentos espirituais e os seculares. Violar essas leis constitui pecado e crime, respectivamente. Pecado é o ilícito espiritual. Crime é o ilícito secular. Ambos são puníveis. O pecado é um conceito. Paira no intelecto. Não está vivo nem morto no mundo. “Brigar com ele” é força de expressão. Pecado significa má conduta, maus pensamentos e maus sentimentos. Quem estabelece os parâmetros da boa ou da má conduta são os legisladores da religião, da moral e do direito. Há pecado quando o indivíduo pensa, sente ou age violando o código religioso. Há crime quando o indivíduo age ou se omite violando o código secular. Causar danos a si próprio e aos outros, em estado de necessidade, em legítima defesa ou no exercício regular de um dever, não configura pecado ou crime, porque tal comportamento harmoniza-se com as leis naturais e humanas. O juiz das questões religiosas e morais pode ser Deus, o sacerdote, a consciência, ou um mecanismo de compensação automática (carma). A misericórdia e o perdão podem livrar o pecador da punição, desde que haja sincero arrependimento e penitência. Na hipótese de condenação, o pecador passará por sofrimentos no purgatório ou no inferno (cristianismo). No mecanismo automático não há misericórdia, nem perdão. Há uma contabilidade dos pensamentos, dos sentimentos e das ações/omissões do pecador. O saldo definirá as reencarnações pelas quais o pecador terá de passar até alcançar o nirvana, estado de celestial bem-aventurança (budismo) ou até se identificar com Deus (hinduismo). A vida terrena é vista como um campo de testes.

Há espaço entre Deus, o mundo e o indivíduo? Se houver, qual o metro que medirá as distâncias? Quais os critérios válidos para julgar a conduta interior de cada pessoa? “Não julgueis para não serdes julgados”, sentenciou Jesus. Formular idéias, juízos e raciocínios é operação natural da inteligência. A advertência de Jesus é para com os juízos morais, os julgamentos sem conhecimento de causa, as opiniões levianas, as sentenças ditadas pela fé cega, pelo fanatismo, pela malícia, pela parcialidade. “Arrependei-vos e crede no evangelho” seria a mensagem de Jesus, segundo Bock. Arrepender-se de que? Obviamente, das violações às leis (pecados e crimes). Eis a esperteza do intelecto humano: elaborar um código de leis e atribuir a autoria a Deus para, assim, obter a submissão do povo. Culpa-se o indivíduo até por um pecado original que nunca existiu. Segundo o mito criado por Moisés, Adão e Eva comeram o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, contrariando ordem divina. Apesar de onisciente, Deus só inteirou-se do assunto depois de interrogar o casal. Há controvérsia filológica: o interrogatório foi em adâmico, aramaico ou português com sotaque carioca? Para que não comesse, também, o fruto da árvore da vida e vivesse eternamente, o casal foi expulso do Jardim do Éden (ou do Jardim de Alá?). Há controvérsia topológica: o paraíso ficava na Ásia, na África ou no Leblon? Pela desobediência, Deus aplicou os seguintes castigos: (i) à mulher, dores do parto e submissão ao homem (daí a vulgar equiparação do pecado original à transa sexual); (ii) ao homem, maldição da terra e trabalhos penosos (“comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado, porque tu és pó, e em pó te hás de tornar”).

“Crede no evangelho”. A exortação refere-se à mensagem que Jesus transmitia oralmente. Sem esse esclarecimento, parecerá que Jesus mandou o povo acreditar no evangelho escrito que consta da Bíblia, o que seria um anacronismo, pois, o primeiro texto somente surgiu 30 anos após a crucifixão. Ademais, apesar das semelhanças, há diferenças entre os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, sem contar os demais evangelistas cujos textos não foram incluídos na bíblia (Felipe, Tomé, Maria Madalena). As discrepâncias e idiossincrasias do evangelho escrito comprometem-no. A mensagem e a história de Jesus estão incompletas. Algo ficou perdido por esquecimento ou por seleção voluntária dos autores dos textos ou da corporação clerical. O processo seletivo da mensagem e dos acontecimentos reflete a objetividade e a subjetividade de cada autor, bem como, os propósitos das corporações religiosas. A recomendação de Jesus para que os discípulos amassem uns aos outros foi esquecida. A unidade inicial da doutrina, seguindo a lei biológica da divisão celular, acabou em várias correntes cujos seguidores tornaram-se até inimigos figadais.

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