sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 13



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

A tensão entre URSS e EUA teve reflexos negativos em todas as nações do globo. A disputa entre o país socialista e o país capitalista pela hegemonia no mundo foi apelidada de guerra fria por Walter Lippmann, comentarista político estadunidense, expressão que se consolidou no vocabulário da política internacional como característica do período de 1945 a 1991. A expectativa de uma terceira guerra mundial deixa o mundo em suspense nesse período. Grave era o perigo geral proveniente da corrida espacial e armamentista. O potencial destruidor das armas contemporâneas colocou as grandes nações no caminho da coexistência pacífica. As duas grandes potências estabeleceram regras para o caso de um conflito nuclear. A população civil devia ser poupada. Foram celebrados tratados e acordos para limitar testes com bombas e evitar a proliferação de armas nucleares. Do medo da hecatombe nuclear surgiu a esperança de que ela jamais ocorresse. Havia preocupação com a sobrevivência humana, com a proteção do patrimônio econômico e cultural e com a organização estável e duradoura de uma sociedade internacional que proporcionasse paz e prosperidade. 

A competição entre as duas grandes potências estremeceu o espírito de conciliação e de colaboração internacional que presidira a fundação da ONU. O então Secretário-Geral da ONU, U-Than, afirma que essa competição envenenou as relações internacionais do pós-guerra (1963). O poder divorciou-se da ética e do direito nos negócios internacionais e enveredou para a espionagem, o seqüestro, a tortura, o assassinato, o genocídio, a derrubada de governos legítimos, o apoio a ditaduras, o desrespeito à autodeterminação dos povos. A produção de material bélico cresceu em progressão geométrica e os preços de tanques, aviões, navios, submarinos, atingiram níveis estratosféricos. Isto representou um peso colossal no orçamento militar dos países. A corrida armamentista e a disputa ideológica e econômica nos continentes africano e asiático eram manifestações do envenenamento a que se referiu U-Than.

A URSS foi a primeira a lançar ao espaço sideral um satélite artificial (Sputnik) e uma nave tripulada por ser humano (Yuri Gagarin, extasiado com a cor azul da Terra, 1961). Astronautas fincaram a bandeira dos EUA na Lua (1969). O terrorismo de grupo e o terrorismo de Estado marcaram presença na Europa, Ásia e África. A América também teve os seus dias amargos, tais como: o da explosão em local público no Brasil (Riocentro, RJ) e em local privado na Argentina (sinagoga) e o choque proposital de aeronaves civis contra edificações nos EUA (Pentágono e World Trade Center). Questões regionais como as de Cuba, do oriente médio e do sudeste asiático, ganhavam dimensão planetária desassossegando as nações ante a expectativa de novo conflito mundial. As duas potências dispunham da bomba de hidrogênio e de mísseis intercontinentais que podiam ser lançados da terra e do mar. A fim de evitar a hecatombe, linha telefônica foi instalada entre os gabinetes dos chefes de governo dos EUA e da URSS depois da crise dos mísseis soviéticos com ogivas nucleares em Cuba (1962). O governo estadunidense decretou embargo econômico a Cuba, no que foi acompanhado pelos países aliados.

Do ponto de vista secular, a derrocada da URSS começou com a “Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa” em Helsinque, realizada de comum acordo entre Washington e Moscou como estratégia para congelar a guerra fria (détente, 1975).

Leonid Brejnev, na chefia da URSS, insistira na realização dessa conferência pensando no reconhecimento internacional das fronteiras entre os países da Europa e assim evitar intervenções armadas como as ocorridas na Alemanha Oriental (para sufocar o levante de 1953), na Hungria e na Tchecoslováquia (em 1956 e 1968, respectivamente, para impedi-las de se desligarem do Pacto de Varsóvia). Leonid aceitou as cláusulas sobre direitos humanos que constaram da ata final da reunião. Os dissidentes internos da confederação soviética (países satélites + países federados) aproveitaram-se disto para exigir coerência do Kremlin, unidade de princípios, liberdade e respeito aos direitos humanos. A pressão por autonomia aumentou. A má situação econômica da URSS contribuiu para o desfecho implosivo (1981 a 1990).

Mikhail Gorbachev, na chefia da URSS, iniciou a reestruturação política e econômica (perestroika). Acreditava que a aceleração do desenvolvimento social e econômico do país era a chave para a solução de todos os problemas (1985). No “Congresso do Partido Comunista”, Mikhail afirmou que as dificuldades econômicas começaram a se acumular a partir da década de 1970 e as metas dos últimos planos qüinqüenais não foram alcançadas. Admitiu atraso geral nas seguintes áreas: (1) ciências, engenharia, eletricidade, carvão e petróleo; (2) indústrias dos metais ferrosos e dos produtos químicos; (3) formação de capital; (4) educação, saúde e cultura; (5) serviços à população (1986). Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia (estados satélites), romperam os vínculos políticos com a URSS (1989). O muro de Berlim que separava a Alemanha Oriental da Alemanha Ocidental veio abaixo por ação espontânea e rebelde do povo (09/11/1989). A Alemanha se reunifica e Berlim é a capital (1990). Armênia, Bielorússia, Casaquistão, Estônia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Moldávia, Rússia e Ucrânia (estados federados) rompem o vínculo federativo. Mikhail Gorbachev assina o decreto de dissolução da URSS (1991). Perde eficácia a ata final da Conferência de Helsinque que fixara as fronteiras européias. A guerra fria chega ao fim.

Do ponto de vista espiritual, a derrocada da URSS tomou impulso com a visita do papa à Polônia (1979). Leonid Brejnev, chefe do governo soviético, tentou impedir a visita. O governo da Polônia insistiu em receber o religioso, invocando o orgulho nacional: o papa era polonês! Leonid lavou as mãos. A massa do bolo desandou.

O papa não tinha arsenal bélico – fato que na segunda guerra mundial inspirou o motejo de Stalin – porém, dispunha de recursos mais poderosos do que fuzis, tanques e canhões. Karol Wojtyla, ator, atleta, sacerdote vigoroso física, moral e espiritualmente, entra no território comunista, beija o solo e provoca um terremoto. Multidões ouvem-no e cantam com entusiasmo em praça pública. João Paulo II (Wojtyla) coloca deus e Jesus acima de Marx e Lênin. O efeito mesmerizador de palavras e gestos faz o povo sentir a presença divina e perder o medo. A onda religiosa engolfa a Europa Oriental. Segundo o magistério pontifical, a moralidade devia ser uma só nas esferas individual, nacional e internacional. No ano seguinte, apoiado pela igreja católica, Lech Walesa, operário polonês, em frente ao estaleiro Lênin, em Gdansk, anuncia a fundação do sindicato de trabalhadores “Solidariedade” (Solidarnosc), o primeiro sindicato livre em solo comunista (1980). O episódio foi uma fissura no bloco do leste europeu. Lech foi eleito presidente da Polônia. No Brasil, ainda sob ditadura militar, mas já na fase de distensão lenta e gradual, Luiz Inácio da Silva, operário, lidera os metalúrgicos do Estado de São Paulo e funda o Partido dos Trabalhadores com apoio da igreja católica e de um grupo de intelectuais (1980). Luiz Inácio esperou 22 anos para ser eleito presidente do Brasil.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 12



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Terminada a segunda guerra mundial, as duas potências iniciaram a disputa pelo controle territorial, estratégico, econômico e ideológico de áreas do planeta: Europa (Oriental e Ocidental), Ásia morena (Palestina, Síria, Arábia Saudita, Jordânia, Iêmen, Iraque, Irã, Índia, Paquistão, Afeganistão), Ásia amarela (China, Coréia, Japão, Vietnã, Camboja, Tailândia), Oceania (Filipinas, Malásia, Indonésia), África morena (Egito, Marrocos, Argélia, Líbia), África negra (Central e Meridional), América morena (Central e Meridional). As duas potências prestavam ajuda financeira e militar aos países do “terceiro mundo”. A cessão de parte do território palestino para criação do Estado de Israel atendeu aos interesses dos EUA, o que explica a tolerância do governo ianque com as práticas criminosas do governo israelense.

Dean Rusk, secretário do governo estadunidense, faz a seguinte afirmação: “Este planeta tornou-se muito pequeno. Temos de nos ocupar de todo ele, de todas as suas terras, águas, atmosfera e com o espaço circundante” (1965). O governo soviético, sob a liderança de Kruschev, afirmava que havia diferentes caminhos para o socialismo e tomou iniciativa para o degelo da guerra fria ao retirar as tropas soviéticas estacionadas na Áustria, ao devolver base naval a Finlândia e o Port Arthur à China e ao suavizar as relações com a Iugoslávia. O líder soviético passou a ocupar-se intensamente com o “terceiro mundo” após ver frustrado o seu esforço para uma détente real e efetiva com os EUA em conseqüência dos incidentes com o U-2 (1960), com o muro de Berlim (1961) e com os mísseis em Cuba (1962). Alguns países procuravam manter boas relações diplomáticas com as duas potências sem alinhar-se, ainda que delas recebessem algum tipo de ajuda, como a Iugoslávia sob o governo Tito, o Egito sob o governo Nasser e a Índia sob o governo Nehru. O imperialismo universal russo e estadunidense sofria resistência.

A fissura no bloco soviético se deu com o afastamento da China (1963). A URSS liderada por Kruschev, colocava ênfase no proletariado industrial. A China liderada por Mao Tse Tung, colocava ênfase nos camponeses e se desvinculou do governo russo. Esperava-se que a China, a Índia e outros países do “terceiro mundo” promovessem com êxito a revolução verde mediante a produção e exportação de cereais. A China marchou a passos largos para ingressar no seleto clube atômico ao fabricar e explodir a sua primeira bomba (1964). O governo chinês assumiu uma linha independente. Contestou as ações do governo soviético sobre outros países comunistas e os tratados sobre armamento por ele assinados com países ocidentais.

A fissura no bloco estadunidense ocorreu inicialmente com a França, liderada pelo general De Gaulle, herói da resistência francesa, cuja postura era contrária à hegemonia dos EUA na Europa. A França entra para o restrito clube atômico ao fabricar e explodir a sua primeira bomba (1960). O governo francês expulsou de Paris a sede da OTAN, fechou todas as bases americanas em França, estabeleceu relações mais vigorosas com a URSS, discordou da entrada da Grã-Bretanha na Comunidade Econômica Européia e se reconciliou com a Alemanha então governada por Konrad Adenauer (1963). À doutrina Monroe, “a América para os americanos”, De Gaulle opôs uma doutrina simétrica: “a Europa para os europeus”. O prestígio do general sofreu sério abalo com a revolta dos estudantes e dos trabalhadores que tumultuou Paris (1968).

Outra fissura no bloco estadunidense, porém menos contundente, decorreu da política da Alemanha Ocidental de aproximação e reconciliação com a Rússia, Polônia, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental durante o governo de Willy Brandt (1969 a 1973). A Alemanha Ocidental estabeleceu relações econômicas e culturais com esses países e participou dos acordos de Helsinque sobre direitos humanos (1975). O número de estrelas no céu internacional aumentou. Forma-se progressivamente uma constelação e uma nova ordem multilateral: EUA, União Européia, Tigres Asiáticos (Cingapura, Taiwan, Hong-Kong, Coréia do Sul, países que se industrializaram e prosperaram rapidamente), BRICA (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). O centro de gravidade do poder econômico mundial fragmentou-se.

À medida que os laços entre os países da Europa Ocidental se fortaleciam, os países da Europa Oriental sentiam-se mais atraídos pelo progresso que percebiam naquela região. No sentido oposto, a Rússia, que fora a maior exportadora de cereais do mundo, teve necessidade de importar dezenas de milhões de toneladas de trigo e de milho a partir do início da década de 1970. Este foi o primeiro sintoma da implosão que ocorreria na década seguinte. Para fortalecer os laços de união das repúblicas soviéticas ante o perigo de secessão, as lideranças soviéticas providenciaram uma nova Constituição (1977) que anunciava um novo estágio em direção ao comunismo: Estado Socialista de Todo o Povo que expressa a vontade e os interesses dos trabalhadores, camponeses e intelectuais de todas as nações e etnias do país. O estágio da Ditadura do Proletariado fora cumprido com êxito. Entrava-se agora numa nova comunidade histórica socialista desenvolvida e de relações maduras: o povo soviético. Esta comunidade tem como lei de vida o desvelo de todos pelo bem de cada um e o desvelo de cada um pelo bem de todos; autêntica democracia cujo sistema assegura a eficiente administração de todos os assuntos sociais e a conjugação de direitos e deveres. Cuida-se de uma etapa lógica do caminho até o comunismo. O supremo objetivo do Estado soviético é edificar a sociedade sem classes na qual se desenvolverá a autogestão social comunista, sendo necessário, para tanto, criar a base material e técnica, aperfeiçoar as relações socialistas e transforma-las em comunistas, educar o homem da sociedade comunista, elevar o nível de vida dos trabalhadores, segurança do país, fortalecimento da paz e fomento da cooperação internacional.

Segundo a Constituição soviética de 1977, ao povo pertence o poder exercido através dos sovietes de deputados. Adota-se o centralismo democrático: (1) preenchimento de todos os órgãos de poder do Estado mediante eleições; (2) prestação de contas ao povo da gestão governamental; (3) obrigação dos órgãos inferiores obedecerem às decisões dos órgãos superiores. Legalidade socialista condicionadora da atividade administrativa. Obediência de todos à Constituição e às leis. Debate e referendo popular sobre as questões transcendentais da vida do Estado. O Partido Comunista da URSS, força dirigente e orientadora da sociedade, núcleo do sistema político, existe para o povo, ao serviço do povo e tem por objetivo: (1) definir a orientação geral do desenvolvimento da sociedade e a linha da política interna e externa; (2) imprimir caráter científico e sistemático na luta pelo triunfo do comunismo. A juventude, os sindicatos, as cooperativas e outras organizações sociais participarão da administração dos assuntos do Estado e da Sociedade e na solução dos problemas políticos, econômicos, sociais e culturais. A propriedade socialista dos meios de produção é base do sistema econômico. Ninguém tem o direito de utilizar a propriedade socialista para seu lucro pessoal e nem para outros fins egoístas. A atividade econômica individual na esfera da pequena produção, da agricultura e dos serviços à população é permitida na forma da lei. A propriedade do Estado, patrimônio comum de todo o povo soviético, é a forma fundamental da propriedade socialista. A renda proveniente do trabalho constitui a base da propriedade pessoal dos cidadãos. O desenvolvimento econômico e social obedecerá a planos periódicos. O solo, o subsolo, as águas, a flora, a fauna, serão objeto de proteção estatal para conservar limpos o ar e a água e assegurar a reprodução das riquezas naturais e o melhoramento do meio ambiente.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 11



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Nos anos 1960, o modelo social sueco encantou a civilização ocidental. Democracia social, amplo sistema previdenciário, revolução sexual, lei cominando pena aos homens que maltratam esposa e filho e instauração do respectivo processo independentemente da vontade das vítimas, são aspectos da vida sueca que atraíram a atenção de outros países. O modelo sueco exportável incluía o colírio das beldades suecas que fizeram sucesso no cinema: Greta Garbo, Ingrid Bergman e Anita Ekberg. Além do colírio cinematográfico, havia naquele modelo, o tempero esportivo, literário e filosófico.

Na Suécia, foi disputada a copa de futebol masculino que revelou ao mundo os dois maiores jogadores de todos os tempos: Garrincha e Pelé (1958).  Björn Rune Borg, tenista, nascido em 1956 na cidade de Estocolmo, entrou para a galeria das celebridades. Criou um estilo próprio de jogar tênis imitado por novos esportistas. Com ele, o tênis de quadra se popularizou e entrou em voga. Foi o mais jovem tenista do mundo a vencer o torneio do Grand Slam (1974). Venceu os torneios de Wimbledon (5 vezes) e de Roland-Garros (6 vezes). Em 1979 e 1980, ocupou o primeiro lugar no ranking mundial dessa modalidade esportiva. A vitoriosa carreira lhe rendeu cerca de 100 milhões de dólares.

Selma Lagerlöf, escritora sueca, foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel de Literatura (1909). O lirismo da sua obra literária inclui: “A Saga de Gösta Berling”, “Jerusalém” e “A Viagem Maravilhosa de Nils”. Depois de Selma e até 1974, outros suecos foram premiados: Verner von Heidenstam, Erik Axel Karlfeldt, Pär Lagerkvist (considerado um dos maiores poetas líricos da Suécia), Eyvind Johnson e Harry Martinson.

Axel Anders Theodor Hägerström (1868 a 1939), sueco, professor, jurista, filósofo, iniciou a corrente do realismo jurídico na seara do positivismo e fundou a chamada Escola Escandinava. O sueco Karl Olivecrona (1897 a 1980) e o dinamarquês Alf Ross (1899 a 1979), professores, juristas e filósofos, discípulos de Axel, foram elos dessa corrente. Os adeptos da Escola Escandinava rejeitavam a metafísica e o direito natural. Admitiam, apenas, o direito positivo, isto é, o direito posto pela autoridade estatal em forma de lei ou derivado do costume que vigora como lei na sociedade. Para eles, a lei é a primordial fonte do direito. O costume secundum legem ou praeter legem é fonte secundária. Na opinião deles, o direito é um fato e não um valor. O direito implica a força. A norma jurídica é um comando que obriga as pessoas. O direito positivo é um conjunto coerente de normas. No ordenamento jurídico não há lacunas. O juiz pode sempre extrair do ordenamento uma regula decidendi para resolver os casos sob sua apreciação. O juiz deve atender ao significado gramatical da lei ao aplicá-la ao caso concreto. “Lei é lei”. Dura lex sed lex. Todos os membros da sociedade devem obediência absoluta ao que está escrito na lei. Essa corrente defendia o caráter científico da pesquisa jurídica isento de especulação metafísica. Os conceitos jurídicos devem ter por base a experiência, fatos reais e não idéias sem comprovação científica e nem expressões retóricas sem substância. As teorias jurídicas sempre têm intima relação com o pensamento filosófico, as correntes ideológicas e as condições políticas, o que pode lhes retirar o caráter científico. [O positivismo filosófico e jurídico integrou a cultura brasileira no período republicano].      

Em 1974, foi promulgada uma nova Constituição na Suécia segundo a qual: (1) o poder público emana do povo e é exercido com submissão às leis; (2) a democracia sueca se baseia na livre formação da opinião e no sufrágio universal e igualitário; (3) o sistema político sueco é representativo e parlamentarista. O Parlamento representa o povo sueco é unicameral e produz as leis do país. A chefia do Estado cabe ao Rei. O governo cabe ao Conselho de Ministros chefiado pelo Primeiro-Ministro. Os tribunais e as autoridades administrativas devem observar a máxima objetividade e imparcialidade e não podem, sem base legal, tratar com discricionariedade pessoa alguma com base no credo, opinião, raça, cor, origem, sexo, idade, nacionalidade, idioma, posição social ou condições de riqueza. O costume sueco de amplos debates públicos sobre violência, prostituição, homossexualidade, preços, energia e outros temas, com o propósito de orientar as decisões políticas, também tem sido imitado por outros países onde os processos decisórios sobre tais matérias são transparentes e alicerçados no consenso.

O ombudsman, criado na Suécia em 1809, foi mantido como poder de controle na Constituição de 1974. Essa autoridade é nomeada pelo Parlamento. Com base nas instruções expedidas pelo Parlamento, o ombudsman supervisiona a administração pública no que tange à aplicação das leis e poderá: (1) propor ação judicial nos casos especificados nas instruções; (2) formular acusação perante o Tribunal Supremo contra membros desse tribunal e do Conselho de Governo na hipótese de infração cometida no desempenho da função; (3) assistir às deliberações de órgãos públicos de superior escalão; (4) ter acesso a atas e demais documentos ali existentes. Todos os funcionários públicos devem fornecer dados e informações de que necessite o ombudsman. Os membros do ministério público devem lhe prestar assistência. Essa figura pública foi adotada por outros países, como Dinamarca e Nova Zelândia.

Todo cidadão sueco goza das seguintes liberdades: manifestação e expressão do pensamento, reunião, associação, religião, locomoção. Toda criança sueca tem o direito de conhecer o seu verdadeiro pai. Na administração pública sueca há procedimentos para garantir a eficácia desse direito sempre que pairar dúvida sobre a paternidade, inclusive exigindo exame do DNA. A mulher tem o direito de dispor do próprio corpo, portanto, interromper a gravidez se assim o desejar, porém, se decidir ter o filho, deve revelar o nome do pai verdadeiro. Se houver divergência, o caso será resolvido por via administrativa ou judicial. A inseminação artificial é permitida, porém, com registro das informações sobre o doador acessível ao público. A lei proíbe o anonimato do doador e, assim, garante ao filho o direito de saber quem é o seu pai biológico. No processo de separação dos pais, o filho com discernimento, representado por advogado indicado pelo tribunal, tem o direito de participar e expressar a sua vontade e a sua opinião.

No entender da elite intelectual e política de alguns países, a transparência e a ingerência do Estado devem respeitar os segredos da vida privada. No entanto, nesses cautelosos países, os dados da vida pessoal são acessíveis ao público, inclusive declaração de renda da pessoa natural. Para a devassa na vida das pessoas contribui o preceito do livre acesso aos documentos e dados oficiais e aos documentos e dados privados arquivados em instituições públicas ou em instituições privadas autorizadas pelo governo. As “razões de Estado” têm sido tratadas como exceção aos deveres dos governantes de transparência e de prestarem contas aos governados.    

Nos anos 1970, o modelo sueco começa a ser questionado. A confusão entre as esferas pública e privada resultante daquele modelo poderá ensejar totalitarismo indesejável, segundo pensa e teme a elite de alguns países. O índice elevado de suicídio, o tédio que tomou conta da juventude sueca, o afrouxamento dos laços familiares, a paixão carnal banalizada, o amor fugaz, fazem aquele invejável modelo social parecer utópico. Insuflado por pretensão de universalidade representada pelo pacifismo, pelo respeito aos direitos humanos, pela solidariedade social, pela ajuda ao “terceiro mundo”, o modelo sueco, fundado no consenso e na transparência, permanece como algo desejável e realizável no futuro.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 10



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Após a segunda guerra mundial, sopra nos céus europeus uma brisa democrática com nuances socialistas. Novo ordenamento jurídico acolhe na França, Alemanha e outros países, o sistema republicano democrático e a técnica da separação dos poderes mitigada por uma mistura de presidencialismo e parlamentarismo. O direito valoriza-se como fator de paz social e condicionador da ação política. O direito natural serviu de fundamento às decisões do Tribunal de Nuremberg que julgou alemães acusados da prática de crime durante a guerra. O tribunal se orientou por princípios éticos e jurídicos postos pela razão e decorrentes da dignidade humana. O tribunal desconsiderou a legislação alemã que vigorava ao tempo das ações consideradas delituosas. No entender daquele tribunal, o crime contra a humanidade, ainda que não esteja tipificado em lei específica, deve ser punido, mesmo se praticado em obediência a ordens de superior hierárquico. Desse modo, o direito natural também serviu de referencial de legitimidade ao exercício do poder político. O positivismo jurídico – que nega o direito natural e que amparou as autocracias européias – foi derrotado no tribunal. Naquele julgamento, o direito não foi visto apenas como um fato legislativo gerado pela autoridade, mas também, como um conjunto de princípios inspirados em valores estimados no tipo de civilização a que pertence determinado grupo de nações.  

Carta das Nações Unidas publicada em 26/06/1945, elaborada quando presentes na consciência coletiva os horrores do conflito mundial, conclama os povos a: (1) unir esforços para coexistência pacífica e segurança internacional; (2) usar a força apenas no interesse comum; (3) empregar mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos; (4) preservar as futuras gerações do flagelo da guerra; (5) respeitar obrigações decorrentes de tratados e de outras expressões do direito internacional.

A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) promulga em 10/12/1948, apesar do voto contrário da URSS, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com as seguintes proposições: (1) a liberdade, a justiça e a paz no mundo sustentam-se no reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis; (2) a mais alta aspiração do homem comum consiste no advento de um mundo em que os seres humanos gozem da liberdade de palavra, de crença e de viverem a salvo do temor e da necessidade; (3) direitos do homem protegidos pelo império da lei de modo a evitar a rebelião como último recurso contra a tirania e a opressão; (4) relações amistosas entre as nações; (5) melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; (6) fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher.

Exaurido o clima emoliente da hecatombe que matou vinte milhões de pessoas, fora os que morreram em campo de concentração e as vítimas da tirania e da depravação nas áreas devastadas pela guerra, as declarações solenemente assinadas pelas potências internacionais foram “solenemente” desrespeitadas. A bomba atômica que devastou Hiroshima e Nagasaki foi o marco simbólico de uma nova ordem mundial. Relatório militar estadunidense, quando a guerra ainda não terminara, fazia a seguinte observação: “Depois da derrota do Japão, os Estados Unidos e a União Soviética serão as únicas potências militares de primeira grandeza. Isto se deve em ambos os casos, a uma combinação de posição e extensão geográficas e a um grande potencial de municiamento”.

De fato, surgiram duas grandes potências mundiais e o mundo se dividiu em dois grandes blocos ideológicos: liberalismo x igualitarismo. Estabeleceu-se o maniqueísmo nas relações internacionais a partir da Doutrina Truman motivada pelo medo de que a Rússia ocupasse os vazios de poder na Europa e no resto do mundo. Em síntese, o presidente estadunidense doutrinava: “Um modo de vida baseia-se na vontade da maioria, distinguindo-se pelas instituições livres, governo representativo, eleições livres, garantia de liberdade individual, liberdade de palavra e religião e ausência de opressão política. O segundo modo de vida baseia-se na vontade de uma minoria imposta pela força à maioria. Vale-se do terror e da opressão, de uma imprensa controlada, de eleições forjadas e da supressão da liberdade pessoal. A política dos EUA será de ajudar os povos livres e manter suas instituições e sua integridade contra movimentos agressivos que buscam impor-lhes regimes totalitários” (1947).

O general Eisenhower, sucessor de Truman na presidência dos EUA, acentuou esse maniqueísmo com expressões emocionais que imprimiram caráter permanente na política estadunidense: “As forças do bem e do mal estão reunidas e armadas em oposição como raramente aconteceu antes na História. A liberdade está em oposição à escravidão, a luz em oposição às trevas”. Evidentemente, na opinião do general ianque, as forças do bem, da liberdade e da luz estavam com os americanos e as forças do mal, da escravidão e das trevas estavam com os russos. Apesar disto, o governo estadunidense incluiu os países socialistas no Plano Marshall de ajuda maciça à reconstrução econômica da Europa. O governo soviético recusou a ajuda por nela ver o propósito americano de convencer os países europeus da superioridade do sistema capitalista em relação ao sistema socialista. Considerando a posição antagônica da URSS e temendo ameaça de guerra na Europa, os EUA, Canadá e Grã-Bretanha criaram, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na década de 1950, a Alemanha Ocidental e outros países ingressaram na OTAN. Em resposta, a URSS e seus satélites celebram o Pacto de Varsóvia (1955). O fosso entre os dois blocos aprofundou-se.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 9



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

O nacionalismo, o ódio e a rivalidade entre as nações, a competição selvagem, a incerteza econômica, a depressão, a ambição imperialista, o militarismo, contribuíram para a hecatombe. Incluem-se entre os fatores do conflito mundial: (1) As posições opostas na guerra civil espanhola (1935 a 1938): Mussolini e Hitler apóiam os rebeldes comandados pelo general Franco, enquanto Stalin apóia os republicanos; (2) A expansão da Alemanha como triunfo do nazismo que, ao seu território, anexou a Áustria, a Boêmia e a Moravia (Tchecoslováquia), tomou o porto de Danzig, invadiu a Polônia e deixou clara a sua pretensão ao domínio continental (1939). Ao anexar a Áustria, a Alemanha ganhou mais cinco divisões de tropas, minério de ferro, campos petrolíferos, indústria metalúrgica, 200 milhões de dólares em ouro e reserva de divisas estrangeiras. Inglaterra e França se aliaram e entraram na guerra contra a Alemanha. O avanço alemão prosseguiu: Finlândia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica e França (1940). Os alemães também dirigiram seus ataques aos Bálcãs, submetendo a Romênia, a Bulgária, a Iugoslávia e a Grécia (1941).

Duas guerras, uma na Ásia, do Japão contra a China (1937) e outra na Europa, da Alemanha contra a Polônia (1939), transformaram-se numa só guerra de âmbito mundial. O Japão atacou a base americana de Pearl Harbor no Oceano Pacífico e declarou guerra aos EUA e à Inglaterra (1941). Alemanha e Itália declararam guerra aos EUA. Os países da América Latina apoiaram os países da América Anglicana, porém, só o Brasil e o México enviaram tropas enquanto outros países forneceram apenas bens de consumo civil e militar. Hitler enviou agentes à América do Sul a fim de angariar simpatia para a causa nazista.

Após um período de derrotas, a Inglaterra e seus aliados conseguiram reverter a marcha dos acontecimentos (1942). Na batalha de El Alamein, norte da África, ingleses aliados aos australianos venceram os alemães, apesar da habilidade estratégica e da capacidade marcial de Rommel, marechal alemão (1942). Certo de que suas tropas teriam êxito em três meses, Hitler ordenou a invasão da Rússia. A tática defensiva russa suportou o ataque alemão meses a fio. Com a chegada do inverno, mudou a sorte da guerra. Os alemães não estavam preparados para: (1) enfrentar o rigoroso inverno da Rússia; (2) guerra prolongada, posto que os recursos distanciavam-se cada vez mais do campo de batalha à medida que as tropas alemãs avançavam; o transporte ficava cada vez mais difícil e demorado. A batalha de Stalingrado (atual Volgogrado, ao sul de Moscou) foi cruel, implacável, casa a casa, mas os russos venceram e impediram os alemães de transpor o Rio Volga (1942 a 1943). Da defensiva, as tropas russas passaram à ofensiva, recuperaram as cidades conquistadas pelos alemães e os encurralaram em Berlim. Na Itália, Mussolini foi deposto e morto quando fugia Os italianos assinaram o armistício (1943). Apesar disto, tropas alemãs permaneceram na Itália. Os combates prosseguiram em solo italiano com as tropas inglesas, estadunidenses e brasileiras de um lado e as alemãs de outro. Palmo a palmo, as forças alemãs foram perdendo os territórios conquistados até serem comprimidas em Berlim.

Nada como a desgraça para despertar a humildade e a sensatez nos desgraçados e provocar juras de elevados propósitos. Assim foi com os ingleses e americanos quando elaboraram a Carta do Atlântico em 1941, assinada pelo presidente dos EUA (Roosevelt) e pelo primeiro-ministro da Inglaterra (Churchill) declarando os seguintes princípios: (1) ausência de ambição territorial; (2) respeito ao direito dos povos de escolher a forma de governo sob a qual desejam viver; (3) comércio livre e matérias-primas acessíveis a todos em plano de igualdade; (4) melhor padrão de trabalho; (5) desenvolvimento econômico e segurança para todas as nações; (6) paz e segurança individual e coletiva; (7) liberdade dos mares em tempo de paz; (8) desarmamento das nações agressivas. A Carta do Atlântico recebeu a adesão da URSS, da China e de mais 24 países (1942). Posteriormente, aderiram mais 40 nações. Formava-se o embrião da futura ONU.

Os chefes de governo dos EUA, da Inglaterra e da China nacionalista (Chiang-Kay-Chek) reuniram-se no Cairo (África morena), em conferência sobre o destino do império nipônico na hipótese de vitória dos aliados (1943). No mesmo ano, os chefes de governo dos EUA, da Inglaterra e da URSS reuniram-se em Teerã (Ásia morena), para declarar que juntos trabalhariam na guerra e na paz, a fim de banir o flagelo e o terror da guerra por muitas gerações e possibilitar a todos os povos uma vida livre e isenta de tirania. Estes chefes de governo tornaram a se reunir no palácio dos czares, próximo à cidade de Yalta, na província da Criméia (sul da Ucrânia e da Rússia) para combinar os termos da rendição alemã, a extinção do nazismo e do militarismo alemão, os planos de paz (1945). Marcaram uma conferência de nações, que se realizou na cidade de São Francisco, EUA, a partir de 25.04.1945 e se encerrou em 26.06.1945, com a promulgação da Carta das Nações Unidas centrada na paz mundial.

No clima de boa vontade e de proteção ao sistema capitalista dos países ocidentais, foram celebrados acordos internacionais criando o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BID) e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). A URSS negou-se a participar dessas instituições. Divulgou-se pelos meios de comunicação disponíveis à época, que a experiência estadunidense era a chave do futuro e todos os países ainda não desenvolvidos (“terceiro mundo”) deviam adotar os princípios e as práticas daquela fabulosa nação: autoajuda, espírito empresarial, livre comércio, democracia. Em janeiro de 1946, instala-se a Organização das Nações Unidas (ONU), constituída dos seguintes órgãos: (1) Assembléia Geral, composta de todos os Estados membros; (2) Conselho de Segurança, composto de representantes de cinco Estados com assento permanente (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) e de seis outros Estados com assento temporário escolhidos pela Assembléia Geral; (3) Secretaria, com um Secretário-Geral e o corpo de auxiliares; (4) Conselho Econômico e Social, com oito membros escolhidos pela Assembléia Geral; (5) Corte Internacional de Justiça. Observadores internacionais otimistas viam nessa organização o esboço de um futuro Estado mundial.

Os chefes das potências vitoriosas reuniram-se em Potsdam, subúrbio de Berlim, centro histórico do militarismo prussiano, a fim de tratar do destino da Alemanha e dos territórios por ela ocupados durante a guerra (1945). Nessa ocasião, o presidente dos EUA era Harry Trumann, sucessor de Roosevelt. No curso da conferência, Churchill foi substituído por Clement Atlee, novo primeiro-ministro da Inglaterra. Stalin permaneceu como representante da URSS até o final. Os “três grandes” decidiram que a Alemanha: (1) perderá grande porção do seu território; (2) terá totalmente desmontada a sua organização militar, inclusive os serviços de inteligência e as escolas militares; (3) terá reduzida a sua rede industrial; (4) estará proibida de produzir material bélico e todos os itens necessários à economia de guerra; (5) será incentivada a desenvolver a agricultura e a indústria doméstica de fins pacíficos; (6) pagará indenização por perdas e danos em dinheiro e em forma de máquinas, minério, produtos manufaturados, equipamentos, navios mercantes. Instituíram um Conselho de Ministros composto de representantes dos EUA, Inglaterra, França, Rússia e China, com sede permanente em Londres, para os projetos de paz com as nações européias derrotadas, propor ajustes territoriais e resolver questões submetidas à sua apreciação por outros Estados.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 8



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

O governo soviético adotou uma política de aproximação com as potências ocidentais prevenindo-se contra o perigo nazista. A URSS entrou para a Liga das Nações e ratificou aliança militar com a França (1934/1935). Depois, celebrou pacto de não agressão com a França ao constatar que esse país e a Inglaterra apoiavam a expansão da Alemanha para o leste europeu (1938/1939). A economia soviética prosseguiu socializada (agricultura, pecuária, comércio, indústria). Foram criadas fazendas coletivas e cooperativas. A religião foi tolerada, mas as igrejas tiveram seu número reduzido e as suas atividades educacional e caritativa foram proibidas. Só ateus podiam ser membros do partido. A ética cristã é substituída por uma ética positiva estribada no bem coletivo, no dever social, no devotamento ao trabalho, no respeito ao patrimônio público, no sacrifício pessoal, no interesse público, na lealdade à pátria e ao ideal socialista. A lealdade podia ser demonstrada por delação; enaltecia-se o delator. O governo reduziu em 90% a taxa de analfabetismo, esterilizou o poder da igreja, livrou da superstição a maioria do povo, suprimiu o ódio racial, aperfeiçoou os métodos agrícolas e a fertilização do solo obtendo aumento da produção, expandiu a indústria, reduziu o tempo de trabalho para oito horas diárias, planificou a economia ensejando mais empregos, facilitou o acesso à educação e à cultura às pessoas comuns, organizou a assistência do Estado à maternidade, às crianças, aos doentes e aos inválidos. Esses avanços não acabaram totalmente com a pobreza na URSS. 

Às vésperas da segunda guerra mundial, o regime democrático vigorava nos seguintes países: (1) da Europa: Inglaterra, França, Suíça, Holanda, Bélgica e escandinavos; (2) da América: EUA, Canadá, México. O regime autocrático vigorava nos seguintes países: (1) da Europa: Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Polônia, Hungria e Rússia; (2) da América: Brasil e Paraguai; (3) da Ásia: Turquia, China e Japão. Estas listas não são exaustivas e interessam exclusivamente ao capítulo da segunda guerra mundial.   

A Inglaterra, no fim da primeira guerra mundial, perdera grande parte do seu comércio exterior. Dos seus aliados europeus não podia receber o que lhes emprestara. A dívida com os EUA era enorme. A procura dos seus produtos manufaturados diminuiu tendo em vista o crescimento da tecelagem de algodão na Índia e no Japão e de lã na Austrália. A procura do carvão inglês também sofreu queda, pois a França retirava milhões de toneladas do território alemão. O governo inglês teve de suportar cerca de dois milhões de desempregados. Tarifou o produto de algumas indústrias básicas. Conservadores e trabalhistas revezavam-se no governo sem melhora alguma na mineração de carvão e na construção de navios e casas. Os mineiros entraram em greve e receberam a solidariedade dos operários da indústria pesada e dos transportes (1925). O governo baixou lei proibindo greves gerais, o piquete e a arrecadação pelos sindicatos de fundos para objetivos políticos (1927). Pesam na sociedade os efeitos da depressão (1931). Aumenta o número de desempregados. Forma-se um governo de coalizão. A reserva de ouro reduziu-se drástica e rapidamente. Pagamentos em ouro foram suspensos. Abandona-se o padrão ouro da economia. Outras nações fizeram o mesmo. O governo inglês adotou política protecionista, aumentou os subsídios para a construção naval e civil, reduziu os juros e as isenções de imposto sobre a renda e conseguiu equilibrar o orçamento. O desemprego recuou (1937).   

Na França também houve revezamento no governo. A política era ditada ora por um grupo de capitalistas financeiros, grandes banqueiros e industriais do ferro e do aço, ora por um grupo constituído de pequenos industriais, pequenos comerciantes e de pessoas que viviam da renda oriunda da aplicação de capital. O primeiro grupo defendia um governo forte, a aliança com a Polônia e se opunha ao radicalismo econômico. O seu objetivo era juntar o carvão e o coque do Sarre e do Ruhr ao ferro da Lorena para aumentar o valor deste último (1918 a 1924). O segundo grupo preocupava-se primordialmente com a segurança e em conservar o que tinha; desprezava os grandes negócios e considerava o especulador financeiro tão prejudicial quanto o comunista (1924 a 1926). A parcela da população francesa que se dedicava às atividades urbanas era quase igual à parcela que se dedicava às atividades rurais. Milhões de pessoas trabalhavam em seus próprios negócios. A França também sofreu os efeitos da depressão (1932). Os governos se sucediam sem superar a crise. Comunistas e fascistas aproveitavam-se da situação para promover tumulto. A união provisória de três partidos da esquerda denominada Frente Popular venceu a eleição nacional. Esse governo procedeu a reformas econômicas e deu nova orientação aos negócios estrangeiros, nacionalizou a indústria bélica, reorganizou o Banco de França, desmontou o monopólio sobre o crédito, desvalorizou a moeda (franco), fixou em 40 horas a semana de trabalho, concedeu férias anuais obrigatórias para os operários, cancelou a redução dos salários pagos pelo governo, iniciou programa de obras públicas, disciplinou a indústria do carvão, criou departamento para fixar o preço e controlar a distribuição do trigo, celebrou aliança com a Inglaterra (1936 a 1938). O governo sucessor da Frente Popular deparou-se com o agravamento da crise internacional e passou a se utilizar dos decretos de emergência (1939).   

Quando a primeira guerra mundial chegou ao fim, os EUA eram os mais ricos do mundo. Enquanto os europeus vertiam rios de sangue na guerra, os americanos apossavam-se dos seus mercados. A indústria e a agricultura americanas conheceram notável desenvolvimento. A dívida dos países europeus com os EUA girava em torno de 11 bilhões de dólares. O padrão de vida do seu povo era o mais alto do mundo. Aquela prosperidade fincou seus alicerces na areia, fato comum no sistema capitalista. O seu estímulo inicial proveio dos altos preços cobrados na primeira guerra mundial. Os fazendeiros esperavam o preço do trigo acima de dois dólares e se atolaram em dívida para adquirir mais terras. Quando o preço caiu abaixo de um dólar, os fazendeiros ficaram impossibilitados de pagar suas hipotecas. A mesma motivação de lucro excessivo levou à exploração de minas de carvão e à criação de fábricas muito acima da demanda normal. Os frutos da prosperidade foram distribuídos de forma desigual: maior proporção para os ricos; menor para a massa popular. Dos lucros da guerra, resultou excesso de capital para muitos americanos. Este capital foi aplicado na indústria doméstica, em empréstimos ao estrangeiro e na bolsa de valores.

Em setembro de 1929, os especuladores começam a vender seus títulos na bolsa de valores de Nova Iorque. O mercado de títulos flutua inquieto. Em outubro, o desvario nas vendas. A bolha de sabão estoura. Perdedores se suicidam. Catástrofe na economia. O presidente Hoover eleva os tributos de muitos artigos a altos níveis. Para aliviar a crise, esse presidente lançou moratória das dívidas entre governos, incentivou a aplicação de dinheiro em atividades públicas, autorizou empréstimo em dinheiro aos bancos, às estradas de ferro e aos Estados, visando à assistência pública (1932). O candidato democrata, Franklin Delano Roosevelt, vence as eleições e promove reformas na economia, cujo programa denominou-se “New Deal” (1933 a 1945). Mediante a lei do reajustamento agrícola e a lei de recuperação da indústria nacional, o governo Roosevelt estabeleceu um sistema de limitação da colheita, regras para a produção, horas de trabalho e salários adequados a cada tipo de indústria. Serviu-se do erário para: (1) construir barragens, pontes, estradas, parques, prédios escolares, casas populares; (2) demolir cortiços; (3) estender a rede elétrica à zona rural. O governo Roosevelt instituiu: seguro federal dos depósitos bancários, controle das bolsas e das emissões de apólices de seguro, pensões aos idosos, seguro desemprego, salário mínimo por hora trabalhada, semana de 40 horas de trabalho.              

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 7



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Lênin interpreta a doutrina marxista à luz das circunstâncias russas. Os seus textos, principalmente “O Estado e a Revolução” e “Materialismo e Empiriocriticismo”, foram incorporados à ortodoxia estatal soviética. A negação a essa ortodoxia fazia do indivíduo um traidor, culpado de divergência, inimigo do socialismo. A interpretação feita por Lênin era a única maneira correta de compreender o mundo. A política inicial e de emergência elaborada por Lênin incluía a nacionalização das maiores indústrias e dos bancos e o controle da agricultura. Passado o período emergencial, ele organizou e executou a chamada Nova Política Econômica.

Leon Trotsky nasceu em família de classe média; seus pais eram judeus da região russa de Odessa. Considerava-se marxista independente. Liderou o soviete de São Petersburgo na revolução de 1905. Por seu ativismo político foi exilado na Sibéria, de onde fugiu. Errou por várias cidades européias. Expulso de Paris, foi para os EUA (1916). Após a queda do czar, retornou à Rússia com a revolução já em andamento e aliou-se aos bolcheviques (1917). Trotsky foi ministro dos negócios estrangeiros e comissário de guerra. Orientado por Lênin, negociou a paz com a Alemanha. A Rússia retira-se da primeira guerra mundial. Trotsky organiza o Exército Vermelho e o comanda na guerra civil russa provocada pela reação dos capitalistas e latifundiários que não se conformaram com a perda dos seus bens (1918 a 1921). Massacres de ambos os lados: russos brancos x russos vermelhos. Coube a vitória aos vermelhos, que inauguraram um período de terror: tortura e extermínio dos adversários. Do julgamento sumário, sem o devido processo legal, foi encarregada uma comissão extraordinária denominada Tcheka. Com a morte de Lênin, Trotsky disputou o poder com Stalin, perdeu influência, foi expulso do partido e depois do país (1929). Quando vivia no México, foi assassinado (1940).

A Rússia defrontou-se com o colapso econômico. O governo decretou o racionamento de suprimentos, aboliu o pagamento de salários, proibiu o comércio particular e obrigou os camponeses a entregar toda a produção ao Estado. A “nova política econômica” planejada por Lênin mudou a situação (1921). Segundo esse líder, ao contrário do que afirmava Karl Marx, era perfeitamente possível saltar do sistema feudal para o sistema socialista sem passar pelo estágio capitalista. Marx entendia possível a passagem pacífica do capitalismo ao socialismo: “Há certos países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nos quais os operários podem esperar alcançar seus fins empregando meios pacíficos” (discurso de Amsterdã, 1872). Na sua obra “O Capital”, Marx mantém essa opinião. Lênin discordava e colocava ênfase no caráter revolucionário do socialismo. Marx defendia a ditadura do proletariado no cenário da luta contra a burguesia, porém admitia a prática democrática no interior daquele regime uma vez instaurado. Lênin via na ditadura do proletariado um regime aristocrático: a elite, componente do partido único, minoria seleta titular da soberania, governava o povo. No final do século XX, a história mostrou que Marx tinha razão.

Lênin dizia que era necessário “um passo atrás a fim de se dar dois passos à frente”. A sua nova política permitia: (1) exploração em caráter privado da pequena indústria e do pequeno comércio; (2) pagamento de salários; (3) venda do trigo pelo camponês no mercado livre. Após a morte de Lênin (1924), deu-se início à prática de elaboração de planos qüinqüenais (1928). No seu testamento, Lênin criticou Trotsky e Stálin. Esperava que ambos fossem removidos da liderança. O primeiro, por excesso de autoconfiança e de detalhes administrativos. O segundo, por sua brutalidade e capricho.

Ossip Vissarionovitch Dzhagashvili (José Stalin, 1879 a 1953), nasceu na província russa da Geórgia. Família pobre. Expulso do seminário por carecer de vocação religiosa, o rapaz de 17 anos dedica-se ao ativismo revolucionário e foi um dos primeiros membros do Partido Bolchevique. Amargou o exílio por seis vezes, sendo duas na Sibéria. Do sexto exílio ficou livre por decisão do governo provisório (1917). Ascendeu na carreira do partido e se tornou o braço direito de Lênin. Foi escolhido secretário-geral do partido comunista, posição que lhe permitiu construir poderosa máquina partidária. A disputa com Trotsky não foi apenas pessoal; envolvia posições políticas distintas. Trotsky defendia a ação revolucionária mundial, pois o socialismo não teria pleno sucesso enquanto o capitalismo não fosse destruído. Stalin entendia que primeiro era necessário concentrar-se na construção do socialismo na Rússia para depois pensar em revolução mundial. Visão internacionalista de um se opondo à visão nacionalista do outro.

Após vencer a luta contra Trotsky pela liderança, Stalin se torna ditador da Rússia, acelera a industrialização ao elaborar e executar os planos qüinqüenais e transforma o país na segunda potência industrial e militar do mundo. Respeitou a lição de Engels: forças armadas são diretamente dependentes das condições econômicas do país. No seu governo, a agricultura foi coletivizada, adversários foram eliminados e milhares de pessoas submetidas ao trabalho forçado. Stalin assegurou influência soviética na Europa Oriental mediante habilidosa diplomacia. Celebrou pacto com Hitler (1939). Quando a Alemanha invadiu a União Soviética, ele celebrou tratado com a Inglaterra (1942), participou com os chefes de governo dos EUA e da Inglaterra nas conferências de Teerã (1943), Yalta e Potsdam (1945).  

A primeira Constituição elaborada após a revolução russa define a organização de uma República Socialista Federativa Soviética (1918). Os sovietes de operários e camponeses situavam-se na base. O Conselho dos Comissários do Povo situava-se na cúpula. Com a expansão do bolchevismo por outras nações da Europa Oriental (Armênia, Azerbaijão, Geórgia, Ucrânia) formou-se uma união de Estados denominada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) sob uma nova Constituição (1923). Cada república tinha seus próprios sovietes e seu próprio Conselho de Comissários. A expansão bolchevista prosseguiu: as repúblicas que eram cinco, depois sete, agora eram onze. Nova Constituição as incorporou (1938). Os cidadãos maiores de 18 anos adquiriram o direito ao sufrágio universal: mediante voto secreto, elegiam os membros dos sovietes locais e do parlamento nacional. A cúpula da hierarquia estatal era ocupada pelo Conselho Supremo da URSS, órgão bicameral: Conselho da União e Conselho das Nacionalidades. As duas câmaras comungavam o poder de legislar. O comitê denominado Presidium eleito pelo Conselho Supremo podia promulgar decretos, declarar guerra e anular atos administrativos contrários à lei. O Conselho dos Comissários do Povo também eleito pelo Conselho Supremo ocupa o escalão superior executivo. Cada comissário chefia um departamento (guerra, relações exteriores, indústria).

A Constituição de 1938 traz em seu bojo extensa declaração de direitos e deveres. Nacionalismo, patriotismo exaltado, militarismo, política de potência, integram a estrutura ideológica e emotiva do ordenamento constitucional. Sob a égide desta Constituição, algumas práticas capitalistas foram adotadas, tais como: remuneração de depósitos em dinheiro (juros), emissão de obrigações com prêmios, desigualdade no pagamento de salários (trabalhadores domésticos x operários simples x operários especializados x funcionários administrativos do alto escalão). Formou-se um núcleo privilegiado de membros do partido que se denominou nomenclatura com salários elevados e nível de vida superior ao nível popular. As mulheres foram estimuladas a parir. O exército foi reorganizado nos moldes ocidentais.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 6



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

O partido nazi apresentou a seguinte plataforma: (1) rejeitar os tratados de Versalhes e Saint-Germain; (2) extinguir o regime parlamentar; (3) fortalecer o poder central; (4) confiscar integralmente lucros de guerra; (5) nacionalizar os trustes; (6) distribuir os lucros das grandes indústrias; (7) dividir as grandes casas de comércio em pequenas unidades de vendas a retalho; (8) proibir especulação imobiliária; (9) vedar renda obtida sem trabalho; (10) punir a usura com pena de morte; (11) aumentar os benefícios aos idosos, mães e crianças; (12) cassar a cidadania dos judeus. Além desses pontos havia outros. A revolução nazista teve um início calmo. Nenhum chanceler conseguia maioria no Parlamento. O pequeno partido nazi crescera e se fortalecera no curso dos 10 anos a partir da sua fundação e, agora, pleiteava o cargo de chanceler para Adolf (1932). Empresários da indústria e banqueiros exigiram do presidente Hindenburg a chancelaria para Adolf (1933). O presidente atendeu ao pedido com ressalva: do gabinete não podiam participar mais de três membros do partido nazi. Depois da morte do presidente em 1934, o povo outorgou a Adolf, mediante plebiscito, o poder de chefe e chanceler da nação (führer und reichskanzler).

O nacionalismo ressurgiu com força total e Adolf tirou proveito da situação: suprimiu a união dos trabalhadores (sindicatos); combateu os comunistas e os socialistas; dissolveu o Reichstag e convocou novas eleições. O número de cadeiras do seu partido aumentou. Obteve maioria no Parlamento mediante aliança partidária que lhe concedeu plenos poderes. A bandeira da República de Weimar foi substituída pela bandeira do partido com a suástica ao centro. A nova Alemanha foi declarada sucessora dos impérios dos Hohenstaufen e dos Hohenzollern e proclamada III Reich. Com Adolf no poder, a Alemanha melhorou a sua posição diplomática e militar. O fascismo italiano e o nazismo alemão tinham pontos de contacto. Os dois eram totalitários, militaristas, nacionalistas e românticos [predomínio da vontade e da emoção sobre a razão]. O nazismo apresentava mais algumas características: (1) superioridade racial como fundamento; (2) aversão aos judeus por só produzirem cultura judaica oriental determinada pelo sangue e que, por isto mesmo, jamais seriam alemães e arianos; (3) valorização do camponês, considerado o portador das mais altas qualidades alemãs. O sangue e o solo eram as chaves da teoria nazista. Oriundos das camadas mais simples da sociedade, os nazistas exaltaram a vida simples do campo num mecanismo psicológico de compensação.

O modelo corporativo de Estado desenvolvido na Itália não vingou plenamente na Alemanha. No Reichstag havia representação geográfica de caráter estritamente político (distritos) ao invés de representação classista (sindicatos). O nazismo era mais impulsivo do que o fascismo italiano, incentivava o fanatismo e assemelhava-se a uma religião se considerados os seguintes aspectos: dogmatismo, ritualismo, expansionismo e a cruz suástica que era o símbolo místico do círculo externo (culto à pátria) e do círculo interno (irmandade secreta). Com Adolf, o nacional socialismo pretendia: (1) criar uma sociedade purificada por eliminação dos judeus, ciganos, negros e todos os outros elementos estranhos à raça germânica; (2) condicionar a mente e o coração do povo ao apoio irrestrito do regime político; (3) relegar ao segundo plano a lealdade à família, à classe e à religião; (4) enfrentar qualquer nação que opusesse resistência à expansão econômica e militar alemã; (5) esmagar o inimigo sem concessões, com raiva, bravura e heroísmo; (6) vingar a humilhação sofrida em 1919, na assinatura do Tratado de Versalhes, quando os vencedores da guerra estabeleceram obrigações excessivamente severas à Alemanha. Essa ideologia e esses propósitos encontravam resistência de minorias ocultas e sigilosas. O regime nazista, no entanto, era imensamente popular e o uso que fazia dos recursos nacionais não era questionado. A Alemanha gastava mais com armamento do que as demais nações européias. Visivelmente, as energias da nação estavam sendo canalizadas para novas guerras.               

Na Rússia, a corte do czar estava mergulhada na corrupção e na superstição. O monge Rasputin, magnetismo pessoal emoldurado pelo misticismo, dominava o espírito crédulo da czarina e dava as cartas na corte. A participação na primeira guerra mundial deixara a Rússia em lastimável situação social e econômica. Havia insuficiência geral de alimentos, calçados, agasalhos, medicamentos, médicos e armamentos. Por algum tempo, a estrada de ferro ficou sem tráfego. A inflação agravou-se e os preços das mercadorias subiram. O carvão, importante fonte de riqueza, teve sua produção reduzida. Os camponeses buscaram abrigo nas cidades. Os opositores do governo pressionaram até a queda do czar e da monarquia absoluta (1917). Os líderes da Duma (assembléia legislativa) organizaram ministério provisório incluindo representantes dos operários de Petrogrado. A maioria dos ministros era liberal. O novo governo pretendia instaurar monarquia constitucional à inglesa, enunciou as liberdades civis, convocou assembléia constituinte, libertou milhares de prisioneiros e permitiu o regresso de todos os exilados. O primeiro-ministro, Milyukov, sucumbiu à pressão popular e renunciou. Ele insistia em manter a Rússia na guerra enquanto a massa popular ansiava pela paz. Povo também cansa.

Alexandre Kerensky, revolucionário social, menchevique, assume o governo, porém a sua política interna e externa também desagrada à massa. Os bolchevistas organizaram uma força armada com o nome de Exército Vermelho e prenderam os membros do governo. Kerensky fugiu. Os bolchevistas assumem o poder. Esse grupo formado por marxistas radicais era uma das facções do partido social democrático; a outra facção era dos moderados mencheviques. Os bolchevistas contavam com o apoio da massa e tinham por lema: “paz, terra e pão”. O governo provisório assinou o armistício com a Alemanha (1917). Cansados de guerra, os soldados queriam paz. Cansados da submissão aos senhores feudais, os camponeses queriam terra para agricultura e pecuária. Cansada de privações, a população queria alimento, agasalhos, calçados e moradia. Por serem minoria na assembléia constituinte, os bolcheviques dissolveram-na, instauraram a ditadura do proletariado, nacionalizaram a terra e os bancos, reservaram para os camponeses o uso exclusivo da terra, passaram o controle das fábricas aos operários e a propriedade respectiva ao Estado.

Na revolução russa destacaram-se dois líderes: Vladimir Ilyich Ulianov (pseudônimo Lênin, 1870 a 1924) e Lev Bronstein (pseudônimo Leon Trotsky, 1879 a 1940). Lênin, nascido em família da pequena nobreza (seu pai era inspetor de escola e conselheiro de Estado), ficou marcado em sua juventude pela morte do seu irmão mais velho que se envolvera em golpe de Estado contra o imperador. Diplomou-se em direito e dedicou-se à causa socialista. Por propagar a doutrina de Marx entre os trabalhadores de São Petersburgo, Lênin foi preso e depois exilado na Sibéria (1895). Viveu na Alemanha e na Inglaterra (1900 a 1917). Dirigiu o jornal Iskra (“A Chispa”) e se destacou na propaganda socialista. Morava na Suíça quando teve início a revolução russa em março de 1917. Deslocou-se imediatamente para a Rússia e assumiu a chefia do movimento, graças à sua atuação como jornalista, à sua oratória vibrante, à sua habilidade política e ao magnetismo da sua personalidade. Tornou-se presidente do Conselho dos Comissários do Povo e virtual ditador naquele período revolucionário. Venceu as forças reacionárias na guerra civil russa (1918 a 1921). Sem ambicionar riqueza ou glória pessoal, ele vivia e se vestia simples e modestamente. Com seu exemplo pessoal ele propiciou um padrão de honestidade e austeridade ao partido político. Os textos de Lênin, teórico do marxismo aplicado à realidade social e econômica da Rússia, eram lidos e seguidos com fervor religioso.






segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 5



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Alemanha e seus aliados levaram a culpa exclusiva pela mortandade e pelos danos causados na primeira guerra mundial. Os vencedores fizeram exigências abusivas. A carga exagerada de obrigações impostas aos vencidos minou a paz e preparou os espíritos para a próxima guerra. Cresceu a competição por armamentos e mercados. O princípio da autodeterminação dos povos foi negligenciado. Tanto os EUA como a Rússia, optaram pelo isolamento diplomático. Os assuntos de caráter internacional centraram-se na França e na Inglaterra. A crise econômica mundial, a partir do estouro da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, intensificou o nacionalismo econômico e contribuiu para estremecer a paz. Cada nação buscava preservar o mercado interno para seus produtores. Entra em vigor a doutrina do espaço vital que justifica a expansão territorial para resguardar a economia e a segurança da nação mais forte. O desespero das massas (desemprego, pobreza, falta de perspectivas para o futuro) adubou o nacional socialismo alemão. Apesar da guerra, a infra-estrutura alemã estava praticamente intacta. Isto facilitou a recuperação econômica. A Alemanha se nega a pagar a indenização a que se obrigara ao assinar o Tratado de Versalhes. Os países devedores dos EUA se recusaram a pagar as suas dívidas enquanto não recebessem a indenização da Alemanha. O governo americano manifestou descontentamento com esse calote.

Alguns países concentraram em si mesmos os seus interesses e a respectiva defesa. Disto resultou pluralidade de centros de poder na Europa. A primeira república a repudiar os ideais liberais e democráticos foi Itália, a pretexto de livrar o país dos governantes corruptos. A filosofia política de Hegel influiu no pensamento dos ideólogos da revolução fascista, como Giovanni Gentile e Giuseppe Prezzoline. A tese de Hegel de que “o Estado é a manifestação suprema de deus na Terra”, serviu de base à doutrina fascista. A palavra fascismo deriva: (1) do latim, fasces, machado rodeado de um feixe de varas representando a autoridade do Estado romano; (2) do italiano, fascio, que significa grupo ou bando. Segundo os líderes, a Itália tinha a missão gloriosa de iluminar o mundo civilizado tal qual fizera ao tempo do império romano e ao tempo da renascença. [Na Roma antiga, a ordem estatal ofuscava a liberdade pessoal]. O interesse do operário liga-se ao interesse da nação. Para a revolução fascista contribuíram os seguintes fatores: inflação, alta dos preços, especulação, falta de emprego, salários baixos, greves freqüentes, fechamento dos mercados estrangeiros, radicalismo econômico. Este último fator consistiu na implantação do socialismo pelo ativismo do operariado com aumento de cadeiras no Parlamento e filiação à Internacional de Moscou (1918). A reação da classe patronal ao radicalismo econômico e o insucesso do governo parlamentar fortaleceram o fascismo.

Soberania absoluta do Estado, totalitarismo, nacionalismo, idealismo, romantismo, corporativismo, militarismo, eram elementos da doutrina fascista. O Estado congrega todos os interesses individuais e coletivos: nada acima do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado. Perante o Estado, o cidadão não tem direitos, só deveres. A doutrina fascista ampara o Estado Corporativo, no qual a representação política tem por base a economia e não a geografia. A nação é representada pelas classes produtoras. As corporações abrandam a tensão entre o capital e o trabalho. Repudiava-se o laissez-faire. Ao Estado cabe regulamentar e controlar a economia. A encampação de empresas privadas ocorre sempre que assim o exigir o bem coletivo. A liberdade é dispensável; os italianos necessitam de ordem, trabalho e prosperidade; bastam um só partido, uma só imprensa e uma só educação. A nação com alma e vida próprias é a mais alta forma de sociedade. Internacionalismo é perversão, óbice ao progresso humano; jamais duas nações distintas comungarão os mesmos ideais e interesses. A nação pode se tornar em tudo o que desejar. O espírito fascista é vontade e não intelecto. A razão jamais será instrumento adequado à solução dos grandes problemas nacionais. A fé mística, o sacrifício individual, o heroísmo e a força, são válidos e necessários. O governo cabe à elite que, pela força e superior compreensão dos ideais nacionais, conquista o direito de governar. A doutrina fascista incorporou, ao seu modo e conveniência, o pensamento dos filósofos Anaximandro e Heráclito: a luta é a origem de todas as coisas. Segundo os ideólogos fascistas, a guerra eleva e enobrece o homem e regenera os povos ociosos e decadentes. As nações que não se expandem, morrem.

Júlio César, Napoleão e Garibaldi, eram imagens fortes no imaginário italiano da época. Benito Mussolini soube sintetizar esse trio em sua pessoa. Na Suíça, ele iniciou-se no socialismo e no jornalismo. Impressionou e liderou o povo italiano com sua linguagem bombástica, suas bravatas e mentiras. Benito não era o tão poderoso chefe como a propaganda fazia crer. As prerrogativas reais eram preservadas pelo rei Vitor Emanuel III. Parte considerável da burocracia e dos oficiais militares era fiel ao rei. Com freqüência, essa parcela fazia objeções e impedia Benito de realizar sua própria vontade. O papa, com sua autoridade moral e espiritual e com o apoio do povo católico, era mais uma pedra na bota do Il Duce. 

Na Alemanha, após a queda do kaiser e da monarquia, instaurou-se a república, cuja Constituição resultou do consenso entre os chefes dos partidos socialistas, centristas e liberais em torno dos seguintes preceitos: sufrágio universal, representação proporcional, governo de gabinete, direitos à liberdade, à segurança, à propriedade, ao emprego, à educação e à proteção contra os riscos da sociedade industrial (1919). Parcela do povo nutria aversão à democracia. A longa experiência germânica com a monarquia dificultou a confiança do povo em governo democrático. A severidade do Tratado de Versalhes gerou o caos na sociedade alemã. Em assuntos externos, a Alemanha perdeu a liberdade. Em assuntos internos, havia tensão entre as camadas sociais e confusão dos eleitores e partidos. A moeda alemã se desvalorizou ante a inflação desenfreada (1923). Ruína geral do setor privado. Especuladores (principalmente judeus) aproveitaram-se da crise econômica para adquirir bens a preços irrisórios. Quando chegou a hora, o povo despejou toda a sua ira sobre essa malta de aproveitadores. A reação do Estado alemão às condições humilhantes em que fora lançado pelos vencedores da primeira guerra mundial, correspondeu à sua tradição guerreira cujo símbolo era o exército. Sair da humilhação e exibir grandeza nacional era ponto de honra. O governo alemão violou as cláusulas restritivas do Tratado de Versalhes, aumentou o efetivo do exército, restabeleceu a força aérea, a frota de tanques, navios e submarinos e incrementou a produção de material bélico. A Alemanha ingressa na Liga das Nações (1929). No contexto social e econômico do período de 1920 a 1940, o povo alemão ansiava mais por segurança do que por liberdade.

A burguesia alemã alarmou-se e reagiu ante o crescimento do partido comunista e da sua influência no Parlamento. Na grande depressão da sociedade alemã foi gerado o nazismo (fascismo germânico). O movimento nazista contou inicialmente com: (1) a camada inferior da classe média; (2) os antigos oficiais do exército; (3) os fazendeiros; (4) os estudantes universitários; (5) os desempregados. Esse movimento teve início despretensioso em uma cervejaria de Munique, onde sete homens se reúnem, tomam cerveja em canecos, fundam um partido político e o batizam de Nacional Socialista dos Operários Alemães (1919). O vulgo apelidou-o de nazi e os seus membros de nazistas. O mais obscuro dos sete fundadores do partido nazi chamava-se Adolf Hitler, nascido em 1889 (ano em que nascia a república brasileira). Adolf era pintor de quadros e admirava os políticos de Viena que discriminavam os judeus. Adolf aderiu à crença de que os alemães pertenciam à superior raça ariana.