quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES VII

A política partidária dos séculos XX e XXI. no Ocidente, relativizou a verdade, a honestidade, o senso de justiça. Desvencilhou-se de preocupações morais. Indiferente ao humanismo, a atividade política distanciou-se do espírito religioso (cristão, judeu, islâmico) e aderiu ao pragmatismo mercantil. Colocou-se preferencialmente a serviço da economia. Ao partido político interessa primacialmente assumir as rédeas do governo a qualquer preço. Vale tudo. Considera a consciência moral e religiosa inoportuna e anacrônica. 

Essa realidade gerada pela fraqueza moral e espiritual da natureza humana pode ser notada no Brasil. Partidos da direita e da esquerda pretendem constituir uma frente mista para disputar as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O propósito é se opor ao bolsonarismo e ao candidato favorito do presidente da república. Paradoxalmente, o candidato posto pela frente mista para disputar a presidência da Câmara, ao exercer o seu mandato de deputado federal, mostrou-se deslumbrado apoiador do presidente da república. Na verdade, pois, a frente mista pretende lançar no aquário um tubarão ao invés de um cetáceo. Caso eleito, o tubarão continuará a agir como o seu padrinho, atual presidente da Câmara: (i) em defesa do modelo econômico neoliberal (ii) manter engavetadas as petições de impeachment, facilitando a permanência do presidente da república no cargo apesar de todos os danos causados à nação brasileira nas relações internas e internacionais. 

A carta-compromisso elaborada pelos partidos da esquerda serve para encobrir a fuga e a infidelidade aos princípios socialistas (PT, PDT, PSB, PCdoB). Os representantes desses partidos no Congresso Nacional deviam consultar os seus eleitores. O vigor da democracia depende das efetivas práticas democráticas, da coerência com a ideia de democracia, da fidelidade aos programas. Ainda que airoso, o discurso é insuficiente; requer ação efetiva, bons e concretos exemplos em sintonia com os princípios democráticos. Por atitudes corporativistas no âmbito parlamentar, os deputados e senadores da esquerda podem provocar a descrença nos eleitores e a migração destes para o imenso campo das abstenções, dos votos em branco e nulos, nas eleições de 2022. Fiel à sua ideologia, à sua estrutura ética e aos seus objetivos estatutários, o PSOL, até o momento, não aderiu a esse espúrio compromisso. 

Da referida carta, consta o seguinte compromisso: “não abrir mão dos instrumentos constitucionais para assegurar o respeito à Constituição, as leis, as instituições e a democracia”. Como acreditar nisto? Esses partidos nada fizeram junto ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho de Ética da Câmara, ao Supremo Tribunal Federal (STF), para denunciar a conduta dolosa e a inconstitucionalidade por omissão do presidente da Câmara no que tange ao gravíssimo descumprimento do seu dever jurídico de despachar as petições de impeachment. A palavra oral ou escrita do líder da frente mista, atual presidente da Câmara, não merece fé.  Ora a favor, ora contra o presidente da república, ele se aproveita do imbróglio para declarar amor ao seu eleitorado e garantir êxito nas eleições de 2022 como candidato a deputado ou senador. Deixou de cumprir o seu dever de deferir ou indeferir as petições de impeachment. Aqui não se trata do poder discricionário para colocar em pauta matéria legislativa e sim do dever jurídico da autoridade pública de despachar petição que lhe seja apresentada no devido processo legal. Esse dever dos poderes públicos é correlato ao direito de petição assegurado a todos os cidadãos pela Constituição da República (art. 5º, XXXIV, a). A dolosa conduta do presidente da Câmara: (i) caracteriza inconstitucionalidade por omissão apta a ser objeto de ação direta perante o Supremo Tribunal Federal (ii) sujeita o deputado às sanções constitucionais, legais e regimentais (perda do cargo, inelegibilidade, prisão). 

Honrar a palavra empenhada, ainda que por escrito e registrada em cartório, não é da tradição dos partidos da direita. Ante a falta de bom caráter dos políticos, o cacique Juruna obrigou-se a levar consigo um gravador para registrar o que fosse tratado nas negociações dos brancos com os indígenas. Ao concorrer para a prefeitura de São Paulo, o candidato tucano assinou declaração e a registrou em cartório comprometendo-se a não interromper o seu mandato para concorrer ao governo do estado. Eleito pelos munícipes, afastou-se do cargo de prefeito para concorrer ao de governador. Essa falta de vergonha é comum no mundo político. Há centenas de exemplos semelhantes nas esferas federal, estadual e municipal. Essa gentalha não é confiável. À falta de bom caráter, de princípios éticos e cristãos, alia-se a mentalidade nazifascista de grande parcela do povo e dos seus representantes no Congresso Nacional, brotada dos italianos e alemães (originários e descendentes) que participaram do desenvolvimento nacional, principalmente sulistas (SP, PR, SC, RS). Essa mentalidade é a mesma que domina o governo federal e os parlamentares da direita. Portanto, esperar fidelidade à carta-compromisso é esperar em vão e/ou querer enganar a si próprio. Honra, boa formação moral, bom caráter, espírito público e democrático, são virtudes ausentes nessas pessoas. Nelas imperam a mentira, a violência, a traição, a hipocrisia, a discriminação ilegítima, o interesse particular.


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES VI

As eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal alvoroçaram o mundo político partidário. O povo brasileiro começa a perceber a importância dessas eleições intestinas. A escolha dos nomes está dificultada pela pluralidade de partidos numa frente ampla liderada pelo presidente da Câmara. Segundo o manifesto publicado, essa frente, em nome da democracia e da liberdade, pretende evitar: (i) o comando das duas casas do Congresso Nacional pelo bolsonarismo (ii) a reeleição do atual presidente da república. 

Bolsonarismo é título condutor da falsa impressão de que se trata de uma teoria científica de valor acadêmico. As ideias da pessoa da qual deriva o nome dessa corrente não constituem arcabouço de um pensamento político sistemático, próprio, original, mas sim expressão do nazifascismo, conjunto de ideias e objetivos colocados em prática no século XX por Mussolini, Hitler e outros ditadores civis e militares na Europa e na América Latina, O ideário e a pratica nazifascistas incluem: autoritarismo antidemocrático, militarismo, beligerância, violência, genocídio, racismo, subordinação do trabalho ao capital, absorção do indivíduo no estado, desprezo pela vida, saúde e integridade física das pessoas, discriminação das minorias, obtusidade obsessiva. Desperdiça-se munição ao concentrar esforços no combate ao megalômano presidente da república brasileira. Gasta-se vela com mau defunto. O alvo do combate há de ser o nazifascismo que ele e seus seguidores encarnam. Alertar a nação sobre o perigo dessa corrente política. 

A probabilidade de reeleição do atual presidente da república é pequena. Dos 57 milhões de eleitores que nele votaram em 2018, talvez 30 milhões não façam a mesma escolha em 2022, tendo em vista o descalabro da sua administração e a ilicitude da sua conduta. Os 30 milhões de desiludidos e os 42 milhões que se abstiveram nas últimas eleições presidenciais somam a metade do corpo eleitoral. A direita moderada, a esquerda e a justiça eleitoral devem convencer esses eleitores a comparecerem às urnas, a não votar em branco e a não anular o voto. Esbravejar contra a extrema direita é cinismo da direita moderada e idiotice da esquerda. Perda de tempo e de energia. Essa ala extremista composta de pobres, remediados e ricos, cuja ação contraria o preâmbulo e o artigo 1º, da Constituição da República, nada ouve que não seja louvor a si mesma e ao chefe. No entanto, essa ala não pode servir-se da liberdade e da democracia para destruir a liberdade e a democracia. Militar contra direitos fundamentais é militar contra a Constituição. Militar contra a Constituição é militar contra o estado democrático de direito.

O presidente da república pode não concorrer às eleições de 2022 (i) se morrer ou ficar incapacitado (ii) se vivo e capaz, não se candidatar (iii) se perder os seus direitos políticos por decisão judicial (iv) se o seu mandato for cassado por decisão parlamentar. Os ilícitos denunciados nas dezenas de petições apresentadas ao presidente da Câmara dos Deputados poderão ser objeto de processo judicial e de processo parlamentar caso o novo (ou a nova) presidente da Casa despache e defira tais petições dando início ao processo de impeachment. As petições já deviam ter sido despachadas. A criminosa omissão do atual presidente da Câmara ensejou a permanência do presidente da república no cargo com todas as suas idiossincrasias. 

O presidente da Câmara e demais subscritores do manifesto carecem de autoridade moral para falar em nome da democracia e da liberdade. O manifesto foi gerado pela hipocrisia, assinado por falsos democratas, escória da política partidária, pessoas que promoveram golpes contra a democracia e que sem justa causa (i) destituíram a presidente da república (ii) arquitetaram processo judicial fraudulento a fim de afastar concorrente da disputa eleitoral (iii) divulgaram notícias falsas na campanha de 2018. Os partidos da esquerda têm rigor moral; a ética impregna seus estatutos. Daí, a perplexidade causada diante da submissão desses partidos à liderança de um mequetrefe da direita, ainda que seja por pragmatismo. Do ponto de vista moral, nota-se que (i) na esquerda, a maioria dos filiados tem boa formação e a minoria é desonesta (ii) na direita, a maioria dos filiados tem má formação e a minoria é honesta. A nação brasileira, inobstante a numerosa parcela de vira-latas, começa a sentir a importância do respeito a limites éticos. A direita costuma violar esses limites.  

Se o presidente da Câmara tivesse vergonha não teria pleiteado a reeleição para o cargo sabendo da vedação constitucional. Faltou-lhe escrúpulo e decência para se afastar dignamente. Descumpriu o dever de despachar as petições sobre o impeachment (deferindo ou indeferindo). Todo cidadão tem o direito de denunciar o presidente da república, direito de petição vinculado à cidadania. Cuida-se de direito entranhado na civilização ocidental desde a Magna Carta da Inglaterra de 1215 (art. 40 + 61), o bill of rights de 1689 (art. 5º) e as constituições de outros países, como EUA (primeiro aditamento em 1789) e França (1793). 

A norma jurídica caracteriza-se por sua bilateralidade atributiva. Supõe dois sujeitos na mesma relação: a um, atribui direito; a outro, atribui dever. Assim, ao direito de petição do cidadão corresponde o dever da autoridade estatal de despachá-la. Não se trata de discricionariedade e sim de dever jurídico dos poderes públicos. Ao violar esse dever, a autoridade pública fica sujeita às sanções legais. Ao engavetar as petições, o deputado frustrou também a eficácia da norma regimental que disciplina a matéria. Posicionou-se como cúmplice do criminoso: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade. Se falta, no regimento interno, expressa menção ao prazo para o presidente da Câmara despachar as petições, isto não justifica a dolosa omissão e a abusiva protelação. O direito põe limites no tempo para atos processuais nas esferas legislativa, administrativa e judiciária. Daí, a fixação de prazos. As lacunas são preenchidas pela aplicação de princípios, regras gerais e analogia. A colmatagem é própria da atividade jurídica. Aos legisladores e aos juízes cabe colmatar eventuais lacunas do ordenamento jurídico. No caso do processo de impeachment, a solução está prevista na lei: “No processo e julgamento (...) serão subsidiários desta lei (...) o Código de Processo Penal”. Portanto, a lacuna quanto ao prazo é preenchida mediante aplicação subsidiária e analógica da regra do Código de Processo Penal; logo, o dever do presidente da Câmara é despachar no prazo legal (10 dias), seja para deferir, seja para indeferir os pedidos. 

[CR 1º, II + 5º, XXXIV, a + 51, I + 86 + Resolução 17/89, RIC Deputados, art. 217, 218 + lei 1.079/50, art. 14, 38 + CP 29 + CPP 800].


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

VACINA II

Desde os seus primórdios, a humanidade luta contra doenças. Curandeiros, xamãs, feiticeiros, sacerdotes, buscavam a cura por meio de danças, cantos, sacrifícios, fórmulas mágicas, misturas de substâncias, beberagens. Invocavam poderes sobrenaturais, rezavam, usavam fogo, manipulavam plantas. A tradicional e pré-científica medicina asiática amarela (chinesa unificada) existe há milhares de anos. No Sri Lanka e na Índia, utiliza-se a medicina ayurvédica baseada no uso das plantas (propriedades medicinais). O metódico estudo da estrutura e do funcionamento do corpo humano, a prática do diagnóstico, a cirurgia, o tratamento com drogas e a prevenção deitam raízes na antiga civilização egípcia (Imhotep). Posteriormente, essa medicina científica foi desenvolvida na Grécia Clássica (Hipócrates). Os terapeutas pensaram na cura e também na prevenção. Cuidados foram prescritos para evitar doenças e fomentar saúde: saneamento, água potável, redução da poluição, nutrição, imunização, planejamento, leis de prevenção contra acidentes. Taxar com rigor bebidas alcoólicas e fumo no propósito de reduzir o consumo a bem da saúde pública teve pouco efeito. Mais producentes têm sido as campanhas educativas para estimular bons hábitos, sexo seguro, moderação. 

Na jornada terrena da raça, os humanos sonharam encontrar uma fórmula que os protegesse de todas as doenças. Isto lhes permitiria vida saudável até a morte. Como a realidade teimava em contrariar o desejo e o sonho, eles transferiram a bem-aventurança ao mundo espiritual e consideraram a morte mera passagem do mundo material para aquele outro mundo. Isto avivou a imaginação e pavimentou a crença na transmigração das almas e na reencarnação. Segundo essa doutrina, vivendo e adquirindo conhecimento no mundo do espírito (luz), a alma da pessoa regressa ao mundo da matéria para cumprir missões (vida). Enquanto aguarda a reencarnação, a personalidade anímica, baixando em sessões espíritas, faz cirurgias e dita receitas para curar ou prevenir doenças sem nada cobrar (amor). 

Sem a fórmula da imunização total, os humanos encontraram a fórmula da imunização parcial. Na China do século X (901-1000) foi inventada a técnica da insuflação nasal para proteger da varíola. Consistia em soprar pelas narinas do paciente o pó obtido da mesma doença sofrida por outra pessoa. Combatia-se o veneno que atuava no organismo com o veneno similar manipulado, homeopatia cujo princípio ativo o médico alemão Samuel Hahnemann introduziu no Ocidente no século XVIII (1701-1800), mesmo século em que o médico inglês Edward Jenner descobriu nova fórmula para, com êxito, combater e erradicar a varíola. No século seguinte (1801-1900) o cientista francês Louis Pasteur expandiu a técnica imunizadora para outras doenças (cólera, antraz, raiva). Os elementos básicos da fórmula eram micro-organismos. A vacinação tornou-se procedimento de ordem pública, necessário e obrigatório. Foram produzidas vacinas contra catapora, caxumba, febre tifoide, gripe, poliomielite, rubéola, sarampo, tétano. As pesquisas prosseguem para cura e prevenção de outras doenças (câncer, aids) inclusive para erradicação da pandemia provocada pelo coronavírus

A imunização consiste num conjunto de procedimentos para aumentar a resistência do organismo e assim proteger os pacientes contra doenças infecciosas. A vacina, a imunoglobulina e o soro anticorpos são utilizados nessa terapia. A aplicação deve atender às contraindicações. A vacina pode gerar reações adversas locais (dor, edema) sistêmicas (febre, mal-estar, cefaleia) ou alérgicas (grave, morte). O antígeno resulta de um processo artificial que inclui o cultivo do vírus e a manipulação de adjuvantes, estabilizantes e conservantes. 

À aplicação da vacina também se erguem barreiras culturais. As crenças religiosas e místicas que consideram sagrado o corpo humano como templo da alma, vedam medicamentes aos fiéis e adeptos (proíbem também, entre outras coisas, bebidas alcoólicas, certos alimentos, transfusão de sangue, saia curta, rosto descoberto, homossexualismo). Governantes com intenções eleitoreiras embaraçam a imunização (como acontece atualmente no Brasil). A bilateralidade atributiva característica da norma jurídica também pode dificultar a imunização. Ao direito do cidadão corresponde o dever da sociedade e do estado de respeitá-lo. Ao direito do estado de mandar (autoridade) corresponde o dever do cidadão e da sociedade de obedecer. Ao dever do estado de vacinar em massa corresponde o direito do cidadão de ser vacinado. Como titular desse direito subjetivo, o cidadão pode se recusar a exercê-lo em concreto sem perde-lo em abstrato (liberdade). Se tal recusa ferir direito fundamental de outro titular, portanto, do mesmo nível hierárquico no sistema jurídico, cabe à autoridade pública competente, no caso concreto, decidir qual deles deve prevalecer. 

A vida humana é essencial à existência da sociedade e do estado. Por isto mesmo e pela possibilidade de erro judiciário, a pena de morte não é adotada em alguns estados. Ante esse valor supremo, o crime contra a vida é o primeiro a ser tratado no Código Penal Brasileiro e o de maior impacto na sociedade (homicídio). No confronto entre, de um lado, o direito à vida e seu correlato direito à saúde e, de outro lado, o direito de liberdade, ocorrido no caso da pandemia provocada pelo coronavírus, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão dos dias 16-17/12/2020, pela preponderância do direito à vida e à saúde. Tendo em vista a obrigatoriedade da vacinação determinada em lei, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF, o cidadão que exercer o seu direito de liberdade em sentido contrário ficará sujeito às sanções legais, destas excluídas a condução coercitiva e a violência física, vedado o emprego de força. Pais e responsáveis não podem impedir a vacinação das crianças e dos adolescentes. Em atenção ao federalismo cooperativo e à competência comum da união federal, dos estados federados e dos municípios nessa matéria, os 3 entes federativos poderão encetar a imunização. Quem pode os fins, pode os meios. 


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

VACINA

Na luta contra a pandemia, competindo entre si, laboratórios trabalham febrilmente para produzir vacinas no duplo objetivo: (i) social, de zelar pela saúde da humanidade (ii) econômico, de lucrar com a colocação do produto no mercado mundial. Além das dimensões social e econômica, o combate ao vírus também adquire dimensão política. Países disputam a primazia na compra dos produtos. A cada chefe de governo interessa agradar, obter a simpatia e o consenso da população. Vale qualquer negócio, por dentro e por fora. A fatura é paga pelo erário. Na confluência das três dimensões situa-se a corrupção moral. 

Aquisição, distribuição e aplicação da vacina dependem da sua existência. Notícias indicam que há pelo menos 4 vacinas diferentes e que nenhuma passou ainda pelo teste final, salvo a chinesa. A segurança das vacinas para a saúde não é plena, tal como qualquer remédio quimicamente produzido. Sempre há margem de risco, principalmente diante das distintas condições de saúde de cada indivíduo e da população de cada país e os prováveis efeitos colaterais e contraindicações. Enquanto a margem de risco não for tolerável, a vacina não deve ser ministrada ao paciente. Cabe às agências reguladoras nacionais e internacionais a aprovação de medicamentos e a concordância com as margens de risco. Depois de aprovada, a vacina é distribuída e aplicada. Do paciente, nada se há de exigir, salvo informações sobre a sua idade e seu estado de saúde. Por eventuais danos, respondem o fabricante e o distribuidor, conforme acordo entre as partes interessadas ou decisão judicial. 

No Brasil, todos os estados da federação e o distrito federal estão sob influência do vírus, com quase 7 milhões de pessoas infectadas e quase 200 mil pessoas mortas. Governantes nas esferas federal, estadual e municipal disputam exclusividade e autonomia para adquirir, distribuir e aplicar vacinas à população. Instalou-se batalha política semelhante à fiscal. Entre os seus provocadores está o autoritário, mentiroso, negacionista estúpido que ocupa a presidência da república; cria entraves à vacinação, seleciona fornecedor; cobre com o manto da política partidária, da disputa eleitoral e da safadeza, o gravíssimo problema de saúde pública. 

Do âmbito da administração pública a questão desembocou no Judiciário. Perante o Supremo Tribunal Federal: [1] o Partido Democrático Trabalhista (PDT) pede o reconhecimento da constitucionalidade da lei 13.979/2020, que autoriza a aquisição, distribuição e aplicação da vacina pelos estados e municípios [2] o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) pede a declaração de inconstitucionalidade da referida lei [3] o Partido Rede Sustentabilidade (REDE) pede que o governo federal apresente um plano de vacinação. Ao despachar, o ministro relator determinou a intimação do Presidente da República, do Ministro da Saúde, do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República. [ADI 6586, 6587 + ADPF 754]. 

A presidência da república apresentou o plano nacional de vacinação reclamado pela REDE na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). O plano foi impugnado por falta de identificação, cronograma e falsidade ideológica. Embora coubesse ao Presidente da República decidir sobre a oportunidade e a conveniência de elaborar o plano, o fato é que o pedido do autor da ADPF foi atendido. Esgotado o objeto da ação, extingue-se o processo. Aos juízes não compete avaliar se o plano é bom ou ruim. Eventuais defeitos devem ser debatidos no Legislativo. Nota-se que ficou em branco o espaço para indicar o elaborador do plano. Entretanto, o plano foi assinado pelo Ministro da Saúde; logo, existe a fonte e o responsável. Quanto aos colaboradores, não constam assinaturas. Portanto, não há falar em assinaturas falsas. Os nomes dos cientistas que figuram como colaboradores podem corresponder ou não à verdade, conforme se apurar no procedimento legal adequado. Tais nomes conferem autoridade científica ao plano. A falsidade ideológica poderá estar configurada se faltar autorização dos seus titulares (uso indevido de nome alheio). O cronograma depende dos fatos reais, de previsões e cálculo das probabilidades. O início da vacinação coletiva depende: (i) da existência da vacina (ii) da sua aprovação pela agência reguladora (iii) da sua posse e disposição (iv) da quantidade suficiente para todos ou para a maioria dos pacientes (v) dos meios necessários à boa e eficiente distribuição e aplicação das vacinas. 

As ações propostas pelo PDT e pelo PTB referem-se à mesma lei federal e aos mesmos preceitos constitucionais (vida, liberdade e saúde), porém, abordados por ângulos opostos. Os ministros federalistas votarão a favor da tese do PDT: os estados e municípios têm autonomia para elaborar o seu próprio plano de imunização e para adquirir, distribuir e aplicar as vacinas. Os ministros unitaristas votarão a favor da tese do PTB: é inconstitucional a lei que autoriza estados e municípios a comprar, distribuir e aplicar vacinas. Atendendo ao interesse nacional e ao direito da população, alguns ministros votarão a favor da obrigatoriedade da vacina. Atendendo ao interesse de cada cidadão e ao direito individual à liberdade, alguns ministros declararão ser facultativa a aplicação da vacina. Quem obtiver mais votos leva a taça.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

ESTUPRO FRUSTRADO

Estuprada algumas vezes por seu guardião, a Constituição brasileira foi novamente violentada na semana passada (01-06/dez). Duas mulheres e quatro homens impediram a consumação do delito: Rosa, Carmen, Mello, Fux, Barroso e Fachin. Ao ler o texto constitucional, pessoa de mediana inteligência fica sabendo que os deputados e senadores componentes das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não podem ser reeleitos para os cargos que nelas ocupam. Os votos contrários ao expresso comando da norma constitucional lançados neste e em outros casos, criaram a imagem (i) de uma assembleia de politiqueiros ao invés de uma corte de justiça (ii) de um permanente congresso constituinte ao invés de um tribunal de juízes de direito (iii) de legisladores sem mandato popular (iv) de violadores contumazes do constitucional princípio da separação dos poderes. Esse reincidente comportamento dos ministros recomenda a dissolução do Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto esta não acontece, nem a exoneração dos ministros (impeachment), os cidadãos podem exercer, ad cautelam, o seu natural direito à desobediência civil no tocante às decisões abusivas desse tribunal.  

Em artigo intitulado “Lamaçal Republicano” publicado neste blog (04/11/20) lê-se: “Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal movimentam-se para permanecer no cargo. Seus mandatos terminarão em janeiro/2021. Os dois mequetrefes pretendem reeleição expressamente vedada pela Constituição da República. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse dos seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. [CR 57, §4º]. Como não se trata de cláusula pétrea, o óbice pode ser afastado por emenda à Constituição. Ante a supremacia da Constituição na hierarquia das leis, a norma regimental está em nível inferior. Portanto, a mudança nos regimentos internos da Câmara e do Senado para acolher a pretendida reeleição tem que aguardar a mudança na lei superior. Ainda que os interessados recorram ao STF, só uma decisão escatológica poderá salvá-los”. 

A “decisão escatológica” materializou-se nos votos de 5 ministros, mas não salvou os dois espertalhões. Sem pudor algum, o quinteto de ministros “interpretou” a norma constitucional como se mandato de 2 (dois) anos fosse igual a 4 (quatro) anos e a expressão vedada a recondução fosse equivalente à expressão permitida a reeleição. A aberração serviu para alertar o povo sobre a importância administrativa e política das chefias da Câmara e do Senado. Não é demais lembrar que (i) ao chefe da Câmara cabe assumir a presidência da república na ausência do presidente e do vice-presidente (ii) ao chefe do Senado cabe a chefia do Poder Legislativo. Afastada a reeleição, a esquerda provavelmente votará em bloco contra a hegemonia da direita nas duas Casas. Na correta opinião de Jobim, ex-presidente do STF, a matéria sequer merecia atenção do tribunal ante a clara e inequívoca redação da norma constitucional. No entanto, ao invés de indeferir a petição inicial “in limine”, o relator admitiu o processamento. Esse ato despertou suspeita. Ademais, a postulação disfarçava consulta. Responder consulta jurídica é atividade privativa dos advogados; vedada, pois, aos juízes. [Lei 8906/94, art. 1º, II]. 

Se a Constituição permite a reeleição do presidente da república por que há de proibir a reeleição dos congressistas? 

Como Fux, atual presidente do STF, bem acentuou, o lugar adequado para discutir essa questão é o Congresso Nacional e não o Judiciário. Houve motivo para o legislador constituinte vedar a reeleição dos congressistas naqueles cargos. Se novos fatos surgiram a exigir mudança, cabe ao Congresso Nacional, no uso da sua competência constituinte, emendar a Constituição. O aludido quinteto de ministros pretendeu usurpar competência privativa do Poder Legislativo. Não fora a reação das duas ministras e dos quatro ministros, o STF teria cometido novo abuso de poder. Essencialmente, a função judicante tem natureza política, qual seja, a de, em nome do estado e no devido processo jurídico, distribuir justiça mediante a racional, correta e serena aplicação das leis aos casos submetidos à apreciação dos juízes. Trata-se do exercício do poder estatal no campo jurisdicional incompatível com a política partidária. Lato sensu, quando praticada segundo a ampla extensão do conceito, a política implica discricionariedade, arbitrariedade e despotismo. Stricto sensu, quando praticada segundo a compreensão restrita do conceito, a política implica determinismo ético e jurídico.

Guardião da Constituição, o STF deve primar pelo respeito aos princípios e normas constitucionais. Jamais contraria-los. No caso em tela, ao sopro da política partidária, o quinteto exerceu o poder estatal além dos limites éticos e jurídicos vigentes na sociedade brasileira. Os abusos do STF asseguram-lhe lugar na História: o monturo. Justificam a sua dissolução. Em seu lugar, seria criada uma Corte Constitucional. Aos membros dessa Corte seriam exigidos: honestidade, decência, conduta ilibada, elevado nível cultural, idade mínima de 50 anos, respeito à ordem jurídica, distanciamento da política partidária, real e efetiva experiência como parlamentar, magistrado, advogado, defensor público, agente do ministério público, profissional de graduação superior civil ou militar (médico, engenheiro, economista, almirante, general, brigadeiro). Essa Corte seria composta de 21 membros assim distribuídos: 3 parlamentares, 3 desembargadores federais, 3 desembargadores estaduais, 3 agentes do ministério público, 3 advogados, 3 profissionais civis de formação universitária, 3 militares de alta patente. A escolha dos membros dessa Corte seria feita por comissão especial composta de cidadãos comuns e de agentes políticos e administrativos. A competência da Corte guardaria estrita sintonia com a sua finalidade. A competência do atual STF que não coubesse à Corte seria absorvida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Convocar-se-ia assembleia constituinte com o precípuo objetivo de criar a Corte Constitucional, reorganizar o Poder Judiciário, proibir expressamente julgamentos monocráticos nos tribunais, reconhecendo assim, o direito dos cidadãos ao exame colegiado dos seus recursos. 


sábado, 5 de dezembro de 2020

ELEIÇÕES V

Os resultados das eleições municipais de 2020 não são determinantes para as eleições estaduais e federais de 2022. Provavelmente, o desenho não será o mesmo. A influência do presidente da república nem sempre é decisiva como se viu nas eleições ora encerradas (29/11/2020). Nas eleições de 2022, tanto a direita como a esquerda, em proporções distintas, preencherão vagas nas assembleias legislativas, na câmara dos deputados e no senado federal, pois é assim que a banda toca. Cuida-se do território da incerteza onde grassa a quiromancia sensacionalista muito ao gosto de brasileiros ligados à magia e à adivinhação. Gangorra política. Nos EUA, ora o democrata fica no alto e o republicano no solo, ora acontece o inverso, segundo a pendular vontade dos eleitores de cada estado da federação. No Brasil, a direita tem ficado mais tempo no alto. Durante o período republicano (1889/2020) a direita esteve 114 anos no governo federal; a esquerda, 17 anos (1961/1964 + 2003/2016). A esquerda tem um crédito de 97 anos para ficar no alto e empatar com a direita. No regime democrático, a direita e a esquerda são partes legítimas no processo eleitoral; ambas têm o direito de participar do jogo político sintonizadas com as normas éticas e jurídicas em vigor. 

[O nazifascismo não tem esse direito. Essencialmente autocrático, portanto, antidemocrático, ele está em rota de colisão com a Constituição da República (Preâmbulo + Art. 1º)].

O Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua fundação tem sido o mais representativo da esquerda brasileira (1980/2020). Da sua costela saíram outros partidos formados por dissidentes. O citado partido continua vivo para tristeza daqueles que desejam a sua morte. Notam-se fortes e persistentes sentimentos de ódio e intolerância contra o PT; expedientes injuriosos, notícias falsas, comentários desairosos, referências capciosas. Campeiam inveja e preconceito contra o líder. Enfrentar esses ataques exigirá temporário recolhimento, repensar a prática partidária interna e externa, buscar soluções fundadas nas expectativas da massa popular, estabelecer diretrizes sob o consenso dos filiados no propósito de palmilhar o caminho a fim de mudar a desfavorável e injusta opinião do corpo eleitoral. 

Se é verdade que partido político não deve ter dono, também é verdade que o PT não deve prescindir da liderança, do carisma, da experiência, do conhecimento e da faculdade intuitiva de Lula. Ambições pessoais devem ser tratadas mediante a elevação do espírito de humildade, fraternidade, solidariedade, visando ao bem geral. Acautelar-se contra os vícios que caracterizam os tucanos e demais políticos da direita (desonestidade, vaidade, arrogância, inveja, mesquinhez, hipocrisia, violência). Essa fauna guia-se por oportunismo, sentimentos egoísticos e interesses particulares. Nela incluem-se políticos desassossegados que trocam várias vezes de partido, saltando da direita para a esquerda e desta para aquela, sem traço algum de pudor, coerência e sinceridade. 

Convém, às vezes, ainda que por breve tempo, fechar-se em si mesmo obedecendo a um imperativo posto pelas circunstâncias. Viver no interior do partido a amizade de modo autêntico, sincero, educado, amoroso, sinal positivo para eventual e satisfatória mudança estrutural e/ou funcional. Reunir lideranças internas e com elas planejar ações para serem executadas com entusiasmo e sem ufanismo. A unidade do partido é essencial ao fortalecimento. Associar-se a outros partidos é ato ocasional. A autoridade de Lula está sendo contestada. Isto agrada aos partidos da esquerda e da direita e a alguns setores da sociedade. A democratização do comando talvez seja uma das principais vias para o fortalecimento do partido. Todavia, o poder de decisão final na hipótese de divergência há de caber ao líder. O partido deve ajustar-se à constituição republicana, à coexistência do capital e do trabalho, às peculiaridades regionais, ao cenário internacional, aos efeitos da pandemia sobre os costumes, às novas necessidades, utilidades e prioridades nos campos social e geopolítico; estudar meios efetivos de atender a população sem ancorar na utopia socialista e no discurso ideológico rancoroso. Igualdade e liberdade estão equacionadas no sistema constitucional democrático do Brasil. 

De 2018 a 2020, o corpo eleitoral teve um acréscimo de 600 mil eleitores e agora se compõe de 147.918.483 (100% dos eleitores). Nestas eleições municipais compareceram às urnas: 113.757.199 (76,91% dos eleitores). Abstiveram-se: 34.161.284 (23,09%). Dos que compareceram às urnas, 3.909.363 votaram em branco (3,0% dos votantes) e 7.044.790 anularam o voto (6,21% dos votantes). Nas eleições municipais de 2016 houve maior número de comparecimentos (118 milhões) e menor de abstenções (25 milhões). Nas eleições presidenciais de 2018, houve 42 milhões de eleitores omissos (abstenções + votos em branco + votos nulos); nas eleições municipais de 2020 foram 45 milhões, aumento de 3 milhões. Os números são preocupantes e mostram que, no plano dos fatos, o voto facultativo abrange todo o eleitorado embora no plano do direito o voto facultativo seja privativo dos menores de 18 e dos maiores de 70 anos de idade. Seria conveniente o Tribunal Superior Eleitoral incrementar campanhas periódicas que salientem a importância do voto; despertem o espírito de cidadania; exibam imagens e citem reais exemplos das consequências negativas da omissão e da passividade; neutralizem o sentimento de revolta, as decepções, as desilusões, dos eleitores omissos e passivos. 

Em grandes e pequenos municípios, inclusive capitais como as dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, houve jogo sujo, revelando baixo nível moral dos políticos e dos seus partidos. Apesar disto, é necessário insistir no esforço para convencer os eleitores omissos e passivos de que pastor, missionário, padre, rabino, pai-de-santo, não são sinônimos de político honesto e capacitado. Por outro lado, mostrar que nem todo político é ladrão e safado. Insuflar razão no emotivo. 


sábado, 28 de novembro de 2020

VIRA-LATA

O falecimento nesta semana do argentino Diego Armando Maradona, notável jogador de futebol, comoveu o mundo esportivo (25/11/2020). Milhares de pessoas compareceram ao velório no palácio do governo (Casa Rosada). Cortejo de carros e motos acompanhou o féretro até o cemitério. O acesso à cerimônia de sepultamento foi obstado ao público. Políticos da Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Itália, Uruguai, Venezuela, apresentaram suas condolências. Nos meios de comunicação social, o panegírico aliado ao sentimentalismo, ao oportunismo e ao sensacionalismo, soava como latido da cachorrada ao escapar do canil. Homenagem a quem partiu pode ser feita com elegância sem atacar a quem ficou. Críticas injustas e infundadas, diretas ou indiretas, são dispensáveis. O fúnebre evento avivou o complexo de vira-lata da gente colonizada cuja mentalidade inclui o pressuposto universal da superioridade das pessoas e coisas estrangeiras em relação às pessoas e coisas nacionais. Em decorrência dessa mentalidade – e não só da cor da pele – os brasileiros recebem dos argentinos o apelido “macaquitos”. 

O vira-lata brasileiro apoia a opinião argentina sobre superioridade de Maradona e inferioridade de Pelé. Dizem, os áulicos, que Maradona conquistou sozinho duas copas do mundo enquanto Pelé contou com o auxílio de Rivelino, Tostão, Gerson e outros craques. Além de desprestigiar os valorosos jogadores da seleção argentina, tal comparação é bisonha. Pelé exibiu o seu talento não só na seleção brasileira de 1970 como também nas seleções de 1958, 1962 e 1966. Das 4 (quatro) seleções, jogando em campos estrangeiros, 3 (três) foram campeãs mundiais e 1(uma) vice-campeã. Futebol é esporte coletivo. Exige 22 jogadores em campo, metade para cada lado. Vencer, perder ou empatar é responsabilidade da equipe (treinador inclusive). Ninguém vence, perde ou empata sozinho. Alguns jogadores destacam-se por suas habilidades, cuja participação tende a ser mais decisiva do que a dos companheiros. Maradona foi um desses jogadores.

Ele é Deus? Sim, dos argentinos. Lenda? Sim. Realidade? Não. A paixão escurece o véu de maya. Ídolo? Sim, dos argentinos e dos napolitanos. Genial? Não. Habilidoso? Sim. Ao jogar usava bem as duas pernas? Não. Primoroso apenas com a esquerda. Dominava todos os fundamentos do futebol? Não. Só o drible. Sofrível nas assistências e finalizações. Durante toda a sua carreira não fez sequer um terço (1/3) dos 1.200 gols de Pelé. Herói? Sim. Desde a derrota diante da Inglaterra na Guerra das Malvinas em 1982, a Argentina necessitava de um herói. Maradona foi o guerreiro providencial. Em território mexicano, ele comandou a tropa que venceu a Inglaterra no desenrolar da Copa de 1986. O seu exitoso e extraordinário lance individual contra vários jogadores ingleses lavou a alma dos argentinos. As imagens foram repetidas milhões de vezes nos aparelhos de televisão mundo afora. Maior jogador de todos os tempos? Não. Fora o cabeceio com a mão, Maradona mais nada criou. Com Rivelino, ele aprendeu a bem usar a canhota e o drible elástico. Com Pelé, ele aprendeu a driblar dois ou mais adversários e, sem a regularidade e a eficiência do mestre, a chutar a bola do meio do campo contra o desguarnecido gol do adversário, a aplicar lençól (chapéu) e meia-lua. Com Sócrates, ele aprendeu a usar o calcanhar. Tal como a maioria dos jogadores americanos, europeus, africanos, asiáticos, ele também copiou jogadas lícitas criadas por craques brasileiros. 

Bom treinador de futebol? Não. Tanto na seleção como nos clubes, o trabalho de Maradona como treinador foi sofrível. Carismático? Sim, exuberante. Apaixonado? Sim, pelo futebol e por sua pátria. Inteligente? Sim. Politizado? Sim. Pendia para a esquerda. Admirava Chávez, Evita, Fidel, Guevara, Lula, Perón. Sua preocupação com a justiça social entrava em rota de colisão com o bunker nazista entranhado na Argentina. Exemplo a ser seguido? Na prática esportiva e no posicionamento político, sim. Na conduta social, não. Embora alegre, irreverente, havia traços negativos: turbulento, arreliento, consumidor dependente de drogas e de bebidas alcoólicas, mulherengo, paternidade irresponsável. Os áulicos retocam esse retrato com lindas cores e frases poéticas. Ao vira-lata, embevecido com o som da própria voz, caramujo em seus ouvidos, pouco importa se a conduta do ídolo é moral ou imoral, honesta ou criminosa.        

O maior jogador de futebol de todos os tempos, reconhecido internacionalmente, ainda está vivo, 80 anos de idade, mora no Brasil e se chama Edson Arantes do Nascimento, alcunha Pelé. Ombrear com Pelé? Só Leônidas (“Diamante Negro”), Zizinho (“Mestre”, espelho de Pelé) e Garrincha (“Alegria do Povo”). Nenhum outro o iguala ou supera na arte de jogar futebol. [Post scriptum. Domingos da Guia (1912/2000), quiçá o maior zagueiro driblador de todos os tempos, sabia das coisas do futebol. Entrevistado pela imprensa (salvo engano, nos anos 90) disse categoricamente: “Leônidas foi o Pelé da Era do Rádio; Pelé foi o Leônidas da Era da Televisão”].   

A operação mental de comparar implica elementos fáticos, históricos, lógicos e psicológicos. Isto considerado, compara-se a habilidade de Maradona com a de Romário, Ronaldinho Gaúcho, Zico. O padrão técnico do argentino ficava abaixo do padrão de Didi, Eusébio, Zidane. Pelé prestou serviço militar. Embora inclinado à direita, ficou distante da militância política. Reservado, sem paixão por holofotes, valoriza a saúde, a vida e a paz. Intuitivo, genialidade lúdica, visão de jogo ampla e privilegiada, desempenho excelente e criativo na arte de jogar futebol, hábil e eficiente no uso das duas pernas e no cabeceio, inventou jogadas que têm sido copiadas por jogadores nacionais e estrangeiros. Elevou a importância social e a dignidade do esporte. Honra a nação brasileira.  

A autofagia do vira-lata quanto aos produtos culturais (samba, carnaval, futebol, folclore, idioma, literatura, personalidades) vem exemplificada não só por essa tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Pelé, mas também pela tentativa de rebaixamento da figura exponencial de Lula. Esse presidente aumentou o prestigio internacional do Brasil, colocou o país entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada e estável, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o bem-estar da população, promoveu o bem de todos sem preconceito, contribuiu para o desenvolvimento nacional, entrou para o primeiro time dos estadistas mundiais. Respeitado pelo Papa e por estadistas e líderes americanos, europeus, africanos, asiáticos. Apesar disto, brasileiros movidos pelo ódio, pelo preconceito, pela inveja, usando de sordidez, espalhando notícias falsas, instaurando processos fraudulentos, tentam apequenar a gestão e a pessoa desse presidente, afasta-lo da cena política e da História do Brasil.

Em nação civilizada, que preza a si mesma, Pelé e Lula seriam respeitados, admirados, motivo de orgulho. No entanto, aqui nesta republiqueta de vira-latas, eles têm sido vilipendiados.  

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

ELEIÇÕES IV

Novembro. 2020. Eleições municipais. Mulheres e homens eleitos em primeiro turno por diferentes partidos políticos. Algumas candidatas e alguns candidatos a prefeito aguardam o segundo turno. Bipolarização esquerda x direita comum e normal no processo político democrático. Nível ético da disputa: razoável em alguns municípios; baixo em outros. Jogo sujo dificilmente aparta-se do processo eleitoral. A sujeira também transita por via eletrônica. Notícias falsas e mensagens mentirosas e ofensivas circulam pela rede de computadores e celulares (WhatsApp). Vitória a qualquer preço. Ausência de escrúpulos. A justiça eleitoral busca aprimorar-se técnica e legalmente para impedir expedientes moral e juridicamente ilícitos utilizados por candidatos e partidos. 

Ódio, inveja, maldade, preconceito, maus costumes, pulsam no corpo eleitoral (soma de todos os eleitores). Ocorrem agressões físicas e morais, vilanias, mortes, motivadas politicamente. Legislatura e chefia de governo são atividades próprias do gênero masculino. À mulher cabe exercer outras profissões que lhe sejam mais adequadas, diz o machista. Negro não é gente, diz o branco fascista. Racismo não existe no Brasil, diz o aristocrata manhoso. Negro tem que ficar no lugar que lhe cabe sem piar, diz o patrão oligarca. Lugar de negro é na senzala, diz o escravocrata. Negro é vagabundo e ladrão, diz o policial. Essa inferior, atrasada e preguiçosa raça, tal qual a indígena, tem que desaparecer, diz o nazifascista. 

A pureza das raças humanas é um dos postulados do racismo. No entanto, segundo a ciência moderna, as raças negra, branca, vermelha e amarela são todas miscigenadas desde a origem da espécie humana. Outro postulado do racismo sem amparo científico é o da superioridade física, moral e intelectual de uma raça em relação às demais. A espécie humana do reino animal comporta diferentes tipos raciais. Apesar dessa diversidade, em todos os tipos há componentes estruturais e funcionais comuns à espécie. Essa comunhão conduz à ideia e ao sentimento de uma fraternidade primitiva, natural, espiritual e universal, que tendem a se aprofundar na marcha ascensional da civilização. Por outro lado, a competição própria do mundo animal é um dos comportamentos naturais dos indivíduos e grupos na comunidade humana. O regramento dessa competição decorre do grau de civilização alcançado pelos indivíduos e grupos. A obediência a esse regramento depende do grau de educação moral e cívica conquistado pelos cidadãos (governantes e governados). A atual competição capitalismo versus socialismo será vista e estudada, dentro de 100 ou 200 anos, como etapa do progresso culural da humanidade (social, político e econômico).     

Sobre a face da Terra, não há paz duradoura, diz o filósofo sob influxo hinduísta. [Schopenhauer]. Entretanto, guerras, batalhas, revoluções, conflitos, confrontos, debates, discussões, vias de fato, ajustes de contas, podem ser regulados pela inteligência e sensatez dos humanos a fim de evitar (i) hecatombe (ii) crueldade ao tratar prisioneiros (iii) meios perversos e humilhantes de vencer, prender e matar (iv) formas desonestas de destruir os bens alheios ou deles se apropriar (v) dores e sofrimentos excessivos ou desnecessários. Destarte, tanto na competição cotidiana como na ocasional, os adversários podem combinar: (i) os golpes tolerados e os proibidos (ii) os limites temporais e espaciais (iii) os meios, armas e técnicas permitidos e os considerados ilícitos.   

Ainda que a paz não seja duradoura e esteja submetida às oscilações provocadas pelo essencial egoísmo dos seres vivos, a natureza humana tem, na sua face angelical, a força que impulsiona indivíduos e grupos para níveis mais elevados de iluminação espiritual. Tais níveis implicam alto grau de moralidade, compaixão, solidariedade e fraternidade. Chegará a época, ainda distante, em que a santificação da mulher e do homem será a regra e não a exceção.     



domingo, 22 de novembro de 2020

A PODÓLOGA E EU

Mascarado e precavido contra o vírus assassino, arrojo-me pela Rodovia Dutra na boleia do meu jipe em direção à Resende/RJ, a fim de cuidar dos meus pés de diabético. Embora Penedo, onde moro, pertença ao Município de Itatiaia/RJ, mais fácil e mais perto é ir à Resende, cidade maior e de mais amplos recursos. Itatiaia tem cerca de 31 mil e Resende, 131 mil habitantes.

Como de costume, nestes últimos meses, encontro vazio o pequeno, bem montado e asseado consultório localizado no subsolo do edifício de 3 andares onde há várias clínicas medicas e de estética. Local sem aglomeração, conforme o figurino. Mascarada, com seu uniforme limpo e bem assentado no corpo, a podóloga me esperava na parte externa. Cumprimentamo-nos à distância de acordo com o atual protocolo. Acomodado na cadeira profissional semelhante à de consultório de dentista, observo a podóloga calçar luvas, colocar algodão nas pontas dos dedos dos meus pés cobrindo as unhas e borrifa-los. Nesse dia, fora do seu hábito, ela resolveu puxar conversa.

Ela – E sua filha, como foi nas eleições?

Eu – Ficou em quarto lugar. 

Ela – A sua filha precisa mudar de partido. Aqui, o PT não ganha. Odeio o PT. Lula é ladrão. Nada fez no governo. Só roubou. 

Eu – Em todo governo sempre há “roubo”, independente do partido e do sujeito que estão no poder. A corrupção está encalacrada na administração pública. O “ladrão” nem sempre é o chefe de governo ou o diretor da empresa pública, mas, sim, auxiliares próximos ou pessoas dos escalões inferiores que agem à sorrelfa. [Pela expressão corporal dela, creio que não entendeu, ou fez ouvidos moucos].  

Ela – Não gosto do Fernando Henrique. Está doendo algum dedo?  

Eu – Sim, o dedão direito. [Ela ataca com o cortador afiado, penetra na carne, arranca um encravado pedaço de unha. Queixo-me da dor lancinante].    

Ela – Tem que doer mesmo; não tem outro jeito.  

Eu – Odiar o partido e o político, não vejo sensatez, mas, vá lá; porém, injuriar, difamar e caluniar, não é direito teu e de ninguém. O que foi que ele roubou de você?

Ela – De mim nada. Do país. 

Eu – O que foi que ele roubou do país?

Ela – Muita coisa. Todo mundo sabe.  

Eu – Gente do Brasil e do resto do mundo não sabe. Tampouco eu. 

Ela – O Lula foi processado e condenado por ser ladrão. Todo mundo sabe. 

Eu –Todo mundo sabe também que o processo é fraudulento, que teve início em foro incompetente, atuação de juiz parcial e de procurador faccioso e teve o propósito político partidário de afastar Lula do processo eleitoral. Além disso, o processo judicial não foi por roubo e sim por outro delito inventado pelo procurador em conluio com o juiz. 

Ela – Isso eu não sei. É assim que eu penso. Fico na minha. 

Eu – Pior cego é quem não quer enxergar. Como você pode afirmar que no governo Lula nada foi feito? 

Ela – É a minha opinião. 

Eu – Caramba! O homem elevou o prestigio internacional do Brasil às alturas, colocou-o entre as primeiras economias do planeta, moeda valorizada, erradicou a fome, reduziu o desemprego, aumentou o poder aquisitivo, o bem-estar e o padrão de vida dos pobres e dos trabalhadores como você, promoveu o bem de todos sem preconceito, fortaleceu a segurança, contribuiu para o desenvolvimento nacional permitindo lucros enormes aos bancos, à indústria, ao comércio, ao agronegócio, entre outras coisas relevantes. 

Ela –Travestis foram eleitos em São Paulo. [Tom de censura]. Travesti é homem que se veste e se comporta como mulher. Antes, isto não acontecia. O mundo está perdido. Eu não gosto de política. Prefiro ficar na minha profissão.

Eu – Tudo bem, mas, hoje você não ficou. Caberá à Câmara Municipal de São Paulo decidir se dará ou não dará posse aos travestis eleitos, se a identidade social encobrindo a identidade natural tipifica ou não tipifica contrafação no processo eleitoral. Ademais, você falou como se tivesse poderes de investigação superiores aos da polícia federal e provas contra o partido e o político. A referida polícia que, assim como você, também não morre de amores por Lula e pelo PT, investigou de cima a baixo a vida do político e nada encontrou que o incriminasse; nenhum apartamento em Paris, em outra cidade europeia, na zona nobre da capital paulista ou de outra capital,  nenhuma conta bancária na Suíça ou em qualquer outro país, nenhuma remessa de dinheiro a amante e a filho bastardo dentro ou fora do Brasil, nenhuma fazenda em zona rural, nenhum bem sonegado à Receita Federal. Na conta bancária dele havia saldo compatível com os seus ganhos como presidente e como ex-presidente da república. Então, cadê o produto do roubo? Assim como não há homicídio sem o cadáver, não há roubo sem a coisa alheia. 

Ela –Eu disse o que todo mundo diz e que eu acho que é verdade. [Tom defensivo].

Eu – Então, você seguiu opinião alheia, sem exigir prova alguma. “Achar” que é verdade é o mesmo que não ter certeza. Fechar os olhos para a realidade dos fatos é vontade de aceitar a falsa versão que lhe agrada. Logo, em termos legais, no mínimo, você xingou o político e o partido por simples ojeriza e fútil motivo. Isso é crime contra a honra. 

Ela banhou meus pés com duas diferentes substancias, os massageou e enxugou. Encerrou a sessão. Além do tratamento dolorido, suportei o azedume da podóloga. Ela informou o preço e apresentou a máquina de porte manual. Introduzi o cartão de crédito, digitei a senha, apanhei o recibo e me despedi. 

  


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

ELEIÇÕES III

A tendência do eleitorado tem sido a de manter na chefia do governo municipal, estadual ou federal, quem já venceu a eleição anterior e está no exercício do mandato. A derrota do ocupante do cargo é menos esperada. Nos EUA, por exemplo, na esfera federal, Carter e Trump, que eram presidentes eleitos, não conseguiram se reeleger. No Brasil, desde que foi instituída a reeleição dos chefes de governo durante o mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), todos os presidentes foram reeleitos, porém, alguns prefeitos e governadores não se reelegeram. 

As eleições municipais deste ano chegaram ao fim no primeiro turno na maior parte dos municípios brasileiros (15/11/2020). Nos municípios de menor densidade demográfica a reeleição dos prefeitos é mais frequente. Em 57 municípios, inclusive capitais, onde o primeiro colocado não alcançou votos suficientes para vitória definitiva em primeiro turno, haverá segundo turno (29/11/2020). Nova campanha eleitoral já começou. No Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, por exemplo, os opositores disputam as prefeituras com os atuais prefeitos. No pleito carioca, os dois candidatos são da direita. Nos pleitos paulistano e porto-alegrense, os prefeitos são da direita e os adversários são da esquerda. Os partidos da esquerda, inclusive o PT, mostram disposição de apoiar os candidatos do PSOL (Boulos) e do PC do B (Manuela). A direita marcha unida, salvo no RJ, onde se divide entre a direita moderada (Paes) e a extrema direita miliciana pentecostal (Crivella). [No antigo Estado da Guanabara, isto era impensável].    

Em Curitiba/PR, a vitória do atual prefeito era esperada (DEM). Golias venceu Davi. O mesmo se diga da estrondosa vitória do atual prefeito de Maricá/RJ (PT): obteve 76.885 dos votos válidos, cerca de 88% do eleitorado municipal. Em Resende/RJ as abstenções foram altas, cerca de 25% do corpo eleitoral. Provavelmente, a pandemia contribuiu para esse número. Votos nulos e em branco giraram em torno de 5% do total de votantes. O corpo eleitoral de Resende totaliza 94.212 eleitores. Desse total, votaram: 70.334; abstiveram-se de votar: 23.878. Dos votos apurados, 1.271 foram em branco, 2.600 nulos e 66.463 válidos. Dos votos válidos, o atual prefeito obteve 54.880 (DEM), cerca de 58% do eleitorado municipal; o segundo colocado obteve 5.182 (PDT); o terceiro obteve 3.712 (Rep); a quarta obteve 1.287 (PT); os demais candidatos, menos de 1.000 votos. 

Nos estados do RJ, SP, PR, SC e RS a fatia nazifascista da população é grande e o contingente da direita é maior e mais unido do que o contingente da esquerda. Portanto, nessas regiões, a vitória da esquerda, embora possível, é muito difícil, trabalhosa, quase heroica. A eleição em Resende/RJ, acima citada, serve de exemplo, com a agravante de lá funcionar, há 76 anos, a escola de formação de oficiais do Exército, difusora da mentalidade fascista na cidade. Criada em 1944 como Escola Militar de Resende, mudou o nome, em 1951, para Academia Militar das Agulhas Negras, que mantém até hoje. O atual presidente da república foi lá diplomado e a visita ocasionalmente. Nas eleições em foco, o candidato que recebeu apoio declarado do presidente da república ficou em terceiro lugar. 

Os cidadãos resendenses orgulham-se de sediar essa modelar e notável instituição de ensino militar. Esse orgulho se traduz em votos para os candidatos da direita em época de eleições. O voto feminino vai para os homens. O feminismo ainda não emplacou nessa província. Das 49.367 eleitoras resendenses, só uma escassa minoria vota em mulher (2%). Provavelmente, os fardados maridos e companheiros influem na mentalidade e nas decisões das esposas e companheiras. 

Do resultado das urnas, percebe-se que parcela do eleitorado é indiferente à dicotomia política esquerda-direita. Nota-se mudança no comportamento dos eleitores. O brilho e o entusiasmo da novidade e da originalidade não mais lhes ofuscam a visão. Perceberam, quiçá, após a campanha eleitoral e as eleições presidenciais de 2018, a ilusão desse brilho e a infantilidade desse entusiasmo. O candidato vendeu e o eleitor comprou vidro por diamante. Agora, esses eleitores, num sincrético bailado, guiam-se por fatores objetivos e subjetivos, racionais e emocionais, tais como: (i) simpatia, parentesco, amizade (ii) carisma, aparência física, postura (iii) qualificação moral, intelectual, profissional, patrimonial (iv) intuição dos imediatos benefícios (v) esperança de obter vantagem futura (vi) interesse de mudar ou de manter o status quo (vii) inércia, preguiça de escolher entre vários candidatos, programas e planos de governo (viii) valor ou favor recebido antecipadamente (ix) desilusão com o governo e/ou com o sistema político (x) ódio, antipatia, preconceito, dirigidos contra candidatos e partidos. 

A maioria dos eleitores rompe a inércia só quando o descontentamento com o estado de coisas em vigor ultrapassa limites suportáveis. Nas relações humanas, prevalece o egoísmo essencial aos seres vivos. Homens e mulheres, quando livres, escolhem e buscam o que lhes parece mais necessário, útil, interessante ou vantajoso. O altruísmo ocupa lugar secundário e complementar. 


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

MARICAS?

O presidente da república ressuscitou um vocábulo da língua portuguesa que eu considerava morto ou em desuso há muitos anos. Quando criança, nos anos 1940, em Ponta Grossa/PR, minha cidade natal, eu e meus amiguinhos usávamos essa palavra para xingar uns aos outros. Bastava alguém choramingar por ter se machucado enquanto jogava bola na rua, ou mostrar medo de mergulhar pelado no rio, para os demais xingarem-no de “maricas”. Homem que é homem não chora, tem que ser macho, não ter medo, “seu” viadinho. O garoto ficava acabrunhado. 

O uso da expressão não significava crença real na homossexualidade do amigo. O objetivo era confuso, contraditório, não premeditado, impulsivo (humilhar, caçoar, confortar, incentivar). Levava em si, embutido na provocação, o preconceito contra homossexualidade. Ninguém gostava de ser chamado de maricas ou de viado (assim mesmo, com i). Doía menos ser chamado de filho-da-puta do que ser chamado de maricas. Muitas vezes, os garotos se atracavam na porrada por causa deste xingamento. Sangramento pelo nariz e hematomas no rosto e nas canelas eram os mais frequentes resultados da briga. Chegando em casa, os briguentos apanhavam dos pais. 

Na década 1951/1960, em Curitiba/PR, para onde nossa família se mudou, o uso do vocábulo maricas foi caindo em desuso, pelo menos no meu círculo de amizade. Na década seguinte, 1961/1970, quer em Curitiba, quer em São Paulo, nunca mais vi e ouvi alguém pronunciar essa palavra. Nos anos 80 e 90, dizia-se “boiola”, "bicha", "viado", "gay". Esses qualificativos eram empregados sempre contra pessoas do sexo masculino que manifestavam, de modo ocasional ou permanente, maneirismos e atitudes mais presentes nas mulheres. Os pederastas e os homens fronteiriços à pederastia estavam mais sujeitos a esses qualificativos, à zombaria e às agressões físicas e morais.  

Maricas, em português, maricón em espanhol, referem-se a esses homens pederastas ou fronteiriços e às pessoas do sexo masculino que apreciam afazeres mais comuns às mulheres, tais como: cozinheiro, faxineiro, costureiro, modista, maquiador, cabelereiro, bailarino, guia turístico. No Brasil, neste século XXI (2001/2100), aumentou o respeito por esses profissionais, entre eles, muitos heterossexuais. Aqueles qualificativos depreciativos não lhes são mais aplicados, pelo menos na intensidade dos séculos anteriores. Os efetivos das forças armadas se compõem de mulheres e homens homossexuais e heterossexuais. Outrora, as mulheres não eram admitidas e os pederastas não eram tolerados em qualquer das 3 armas (Marinha, Exército, Aeronáutica). 

Mando e obediência decorrem da estrutura hierárquica do governo do estado. A autoridade superior (presidente da república) manda e o escalão inferior obedece (ministério). A hierarquia e a disciplina estão na base da organização militar. O comando supremo das forças armadas brasileiras cabe ao presidente da república. O ministro da defesa e os chefes das 3 armas lhe devem obediência. Na opinião do presidente, quem quer tomar vacina, usar máscara e seguir as demais recomendações da ciência, é indivíduo medroso, covarde, maricas. Essa opinião presidencial alcança civis, militares e religiosos. No que tange aos militares, integrantes das forças armadas, a vacina é obrigatória. A obrigação decorre do medo de contrair doenças infecciosas, de fragilizar a saúde própria e de outrém, ou de perder a vida. Portanto, a prevalecer a opinião do presidente, as forças armadas se constituem de batalhões de medrosos, covardes, maricas. Nesta imagem se encaixa a frase do ministro da saúde: um manda e outro obedece. Postura de maricas. O ministério é civil. O ministro, se for corajoso, se não for medroso, se não for maricas, recusa-se obedecer às ordens inconstitucionais, ilegais, imorais e/ou absurdas, entrega a pasta, manda o presidente às favas e, em sendo militar ainda na ativa, volta à caserna. Duas coisas não podem faltar ao militar da ativa: brio e coragem.   


domingo, 8 de novembro de 2020

ELEIÇÕES II

No Brasil, os cargos eletivos municipais (prefeito e vereador) são disputados em época distinta da prevista para os cargos eletivos estaduais e federais (presidente, governador, deputado e senador). O mandato de chefe de governo e de parlamentar é de 4 anos; o de senador é de 8 anos. Só pode ser candidato quem estiver filiado a algum partido político. O sistema constitucional brasileiro não admite candidatura avulsa (estreitamento do modelo democrático). O partido político deve ter caráter nacional, vedada, pois, a criação de partido estadual ou municipal (estreitamento do modelo federativo). 

As eleições municipais acontecem neste ano em todo o território nacional. As eleições estaduais e federais estão previstas para 2022. O processo eletrônico de votação e apuração dos votos permite resultados seguros, rápido encerramento das eleições e imediato conhecimento da população. Os eleitos tomarão posse em janeiro de 2021 e de 2023, respectivamente. Todos os legisladores e chefes de governo eleitos nas esferas municipal, estadual e federal estão obrigados a exercer suas funções em sintonia com os preceitos constitucionais da república, tais como: dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo e cor. 

Leis, decretos, resoluções, portarias, planos de governo e respectivas execuções devem se ajustar: [i] aos princípios e objetivos fundamentais da república [ii] aos direitos e garantias individuais e coletivos [iii] aos direitos sociais, tais como: educação, cultura, desporto; saúde, previdência social, assistência social; proteção à maternidade, à infância e aos idosos; segurança, trabalho, moradia, lazer [iv] à promoção do desenvolvimento científico [v] ao incentivo à pesquisa e à capacitação tecnológicas [vi] ao direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [vii] aos direitos dos indígenas. 

Em decorrência da pandemia gerada pelo coronavirus, provavelmente serão evitados debates presenciais entre os candidatos. Eventual confronto dar-se-á de modo virtual segundo cláusulas previamente combinadas entre os participantes. Em decorrência desta nova circunstância, poderá crescer a audiência do programa eleitoral levado ao ar pelas emissoras de rádio e televisão. As exposições dos candidatos têm mantido aceitável nível ético, pelo menos, no Município de Resende/RJ. Assisto-as pela TV com muito interesse não só por civismo como também pelo fato primordial de minha filha, Gabriela Lima, disputar a Prefeitura Municipal de Resende pelo Partido dos Trabalhadores (PT). 

Os candidatos expõem as carências do Município, as mazelas e os erros atribuídos ao Prefeito, como o de priorizar hospital para animais quando falta hospital para humanos, o mau funcionamento do hospital veterinário, atendimento precário, falta de material e de profissionais preparados, concursados e dignamente remunerados (médicas e médicos veterinários, enfermeiras e enfermeiros, auxiliares, pessoal burocrático). Os candidatos que dispõem de maior tempo na TV ilustram suas mensagens com fotografias, filmes e depoimentos de moradores. Denunciaram propaganda enganosa. Talvez, sejam estes os motivos de o Prefeito faltar ao debate entre os candidatos. 

A direção nacional do PT investiu forte nestas eleições municipais conforme se nota do teor da propaganda. Quiçá isto faça parte da estratégia de recuperar a confiança e o entusiasmo da sua base de filiados e simpatizantes um tanto negligenciada quando o partido ocupou o governo federal. Percebe-se um sincero, decidido e contagiante empenho dos seus líderes. Na tela da TV os candidatos e os líderes mostram de modo convincente, real e verdadeiro, o bom desempenho quando o PT governou o Brasil e alguns estados e municípios. Arredados o ódio, a leviandade  e o preconceito emanados da direita, suspenso o aspecto ideológico inerente ao jogo político, o exame racional e objetivo dos fatos passados e comprovados revela que a administração petista gerou: (i) reais benefícios à população brasileira (ii) efetivo desenvolvimento econômico e social à nação brasileira (iii) prestígio internacional ao estado brasileiro.

Nos limites das constituições federal, estadual e municipal (lei orgânica), compete aos prefeitos e vereadores: (i) tratar dos assuntos de interesse local (ii) suplementar normas federais e estaduais (iii) instituir e arrecadar tributos (iv) aplicar suas receitas (v) prestar contas (vi) criar, organizar e extinguir distritos (vii) organizar e prestar serviços públicos (viii) planejar e realizar obras necessárias, ou úteis, de interesse público local (ix) manter programas de educação infantil e de ensino fundamental (x) prestar serviços de atendimento à saúde da população (xi) promover adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (xii) proteger o patrimônio histórico e cultural (xiii) ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes em obediência às diretrizes legais de uma política de desenvolvimento urbano. 

Exemplo emblemático da criatividade, da capacidade e do bom desempenho do PT em nível municipal é dado pela Prefeitura de Maricá/RJ, citado por Gabriela Lima, principalmente quanto ao transporte público gratuito e à moeda local para pessoas de baixa renda. Ela afirma que incluirá essas duas medidas no seu plano de governo quando for Prefeita. A proposta é tão boa que está sendo copiada por candidato de outro partido. Diferença: Gabriela não é sócia de empresa de ônibus e nem patrocinada. Gabi é pessoa simpática, autêntica, bem educada, culta, carismática, honra a palavra empenhada, tem maturidade e boa disposição para o trabalho físico e intelectual. Essas qualidades têm sido testemunhadas diretamente: (i) pelos resendenses quando ela conversa com eles ao percorrer o centro e os bairros da cidade (ii) pelas pessoas com quem ela trava conhecimento no exercício das suas tarefas oficiais e comunitárias.  

Quanto a mim, observador, escritor, professor de direito constitucional, juiz de direito aposentado, sou o pai coruja que deposita fé e confiança nas virtudes e no talento da filha.     


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

ELEIÇÕES

Há brasileiros que na rede de computadores, nos vídeos de celulares, em programas jornalísticos de televisão, manifestam sua estranheza e criticam pejorativamente o processo eleitoral dos EUA. Negam  zombeteiramente a esse país o título de “maior democracia do planeta”. A crítica vem fundada na cultura luso-franco~teuto-ítalo-afro-nativo-brasileira, diversa da cultura anglo-americana. 

Nos EUA, a federação de estados é autêntica e original; no Brasil, a federação é cópia infiel e artificial. Lá, as colônias se libertaram como estados soberanos (1776). Depois da vida independente isolada, os estados soberanos se uniram para fortalecer a defesa de todos contra as pretensões metropolitanas da Inglaterra. Mediante pacto entre os representantes dos estados soberanos, constituíram um novo estado sem abdicar da autonomia de cada um deles e das suas próprias e respectivas constituições. Deram-lhe o nome de Estados Unidos da América imutável desde a primeira e única Constituição Federal (1787). Instituíram a federação como forma de estado composto. Vínculo federativo forte e indissolúvel bem demonstrado na guerra civil em defesa da indissolubilidade do vínculo, da integridade da união dos estados e da abolição da escravatura (Sul x Norte, 1861/1865). Adotaram a república como forma de governo, a democracia e a separação de poderes como sistema de governo (freios e contrapesos). Conciliaram a monarquia (presidência da república), a aristocracia (senado + suprema corte) e a democracia (câmara dos representantes do povo). 

Cá, no Brasil, a colônia se libertou como estado unitário composto de províncias submetidas à soberania do imperador (1822). Depois do golpe militar contra o império, as províncias foram elevadas, pelo decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, ao nível de estados autônomos e unidos. Assim, de modo artificial e despótico, os militares instituíram a república federativa. Portanto, não há falar em pacto federativo. Sob o conhecimento jurídico e o esforço intelectual de Ruy Barbosa foi elaborada e promulgada pela assembleia nacional constituinte a primeira Constituição da República (1891). As instituições estadunidenses serviram de modelo. A macaquice brasileira vem de longe. 

O novo estado composto foi batizado de Estados Unidos do Brasil, organizado artificialmente como federação de estados autônomos, república presidencialista e democrática, incluindo declaração de direitos fundamentais. No curso da história colonial, imperial e republicana, o país mudou de nome várias vezes. No período republicano, inicialmente recebeu o nome de “Estados Unidos do Brasil” em 1891; depois, o nome simples de “Brasil” em 1967; finalmente, o nome de “República Federativa do Brasil” em 1969 e 1988. A fragilidade da federação brasileira resulta do seu artificialismo. Vínculo federativo dissolúvel como demonstrado nos períodos autocráticos de 1937/1945 e 1964/1985 quando, no plano dos fatos, os estados perderam autonomia. Na primeira república, dois estados federados exibiam autonomia e se revezavam no governo federal (SP + MG, 1891/1930). 

Nos períodos democráticos, a federação se recompôs juridicamente, porém, no plano existencial, os estados federados continuaram anêmicos politicamente (1946/1964 + 1988/2020). O processo eleitoral atende a um estado unitário e não a um estado composto (federal); atende a uma homogeneidade nacional desmentida pela realidade social. Da escolha do chefe do estado federal (presidente da república) participam diretamente os cidadãos e não os representantes dos estados federados. O processo eleitoral está nacionalmente sob administração, controle e fiscalização de uma justiça nacional especializada. Atualmente, a votação ocorre por meio eletrônico seguro. A apuração dos votos e o resultado das eleições são imediatos. Poupam-se os nervos e a paciência dos eleitores. A sociedade livra-se do clima de ansiedade e insegurança. Os estados, como unidades federativas, ficam alheios ao processo.   

Lá, nos EUA, os estados federados são ciosos da sua soberania anterior à união (1776) e zelosos da sua autonomia posterior à união (1787). Cada estado tem suas próprias leis penais, civis e administrativas; uns adotam a pena de morte, outros não; as fronteiras físicas e jurídicas são fortemente demarcadas e respeitadas. Os procedimentos eleitorais têm características próprias em cada estado, respeitados o direito geral de sufrágio e as liberdades públicas. O processo eleitoral ocorre e se exaure na seara política; não há justiça eleitoral; excepcionalmente, a justiça comum é chamada a resolver, à luz do direito, controvérsias de cunho político eleitoral. A escolha do chefe do estado federal (presidente da república) compete a um colégio eleitoral. Passa por dois momentos: [1] o povo local escolhe os cidadãos que representarão o seu estado federado no colégio eleitoral (momento democrático) [2] o colégio eleitoral formado por representantes de cada estado federado (delegados) escolhe o chefe do estado federal (momento republicano federativo). Essa técnica ocasiona demora na apuração dos votos o que impacienta nacionais e estrangeiros. Cuida-se de deficiência tecnológica e não de ausência de democracia. 

Os cidadãos estadunidenses podem votar nas seções eleitorais e até pelo correio. Ninguém está obrigado a votar. O voto é facultativo, um direito subjetivo do cidadão e não um dever imposto ao cidadão pelo legislador para fortalecer os partidos políticos. O volume de cédulas ultrapassa a casa dos milhões. A contagem manual é demorada; gera um clima de impaciência, desconfiança e insegurança durante a espera dos resultados. Entretanto, ao governo dos EUA, potência mundial, parece afigurar-se impróprio, até humilhante, importar tecnologia criada por uma republiqueta vagabunda localizada no seu quintal. 

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

LAMAÇAL REPUBLICANO

CARTÃO CORPORATIVO

Em republiquetas vagabundas como a brasileira, notórias pela corrupção dos administradores públicos, onde a honestidade é rara e elogiável exceção, instituir cartão corporativo equivale a confiar a chave do cofre ao ladrão. Criar esse tipo de cartão onde impera a frouxidão moral é o mesmo que institucionalizar a imoralidade; criação que reflete o deficiente caráter dos criadores. Legisladores pilantras cristalizaram na regra escrita (lei) a corrupção cristalizada nos costumes. Liberaram o dinheiro público para festa dos portadores do cartão.   

Quem utiliza recursos do erário no exercício da função pública deve prestar contas. Incide o princípio da responsabilidade inerente ao modelo republicano de estado. O dinheiro e os bens da república não pertencem ao governo e sim à nação. Cabe ao Congresso Nacional com auxílio do Tribunal de Contas, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária dos negócios do governo. Perante esses órgãos. na forma da lei, as contas devem ser prestadas por quem utiliza o dinheiro do tesouro estatal e administra o patrimônio da nação. As despesas do cartão corporativo são pagas com dinheiro do tesouro estatal. Logo, o titular do cartão tem que prestar contas dessas despesas ao órgão estatal competente. Caracteriza crime de responsabilidade a negativa do agente político em prestá-las, ou quando as presta sem comprovantes, deturpadas ou lacunosas. 

Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”. [CR 70, p.u. + 71/72].

Qualquer lei que abra exceção ou disponha em sentido contrário ao preceito constitucional adentrará o campo da imoralidade e da antijuridicidade. Será nula de pleno direito.

Mediante o uso do cartão corporativo, o atual presidente da república multiplica por 50 os seus subsídios mensais. Há notícias de que os seus gastos superam a casa do milhão de reais e que foi proposta ação judicial perante o Supremo Tribunal Federal – STF, a fim de apurar a sua responsabilidade. Al Capone só foi processado, condenado e preso por causa de ilícito fiscal. A justiça dos EUA não conseguiu provar os outros crimes praticados pelo gangster. Bol Sonaro ainda não foi processado, condenado e preso. A justiça do Brasil (polícia + ministério público + magistratura) está travada, não só pelas próprias mazelas, inépcia, lerdeza e fraqueza moral, como também (i) pela cumplicidade do presidente da Câmara dos Deputados com o presidente da república no que tange aos crimes de responsabilidade e (ii) pelo apoio de parlamentares e generais ao criminoso. 

Eventual sigilo nos afazeres do presidente da república aplica-se aos casos excepcionais de caráter estratégico. A regra constitucional é a publicidade. Não há razão alguma para esconder, no desempenho da função pública, ainda que em assuntos sigilosos e de segurança nacional, gastos com locomoção, estadias e acessórios. O sigilo há de cobrir o assunto tratado e não as despesas efetuadas. Uma coisa é o conteúdo político, econômico ou cultural da ação ou da missão governamental; outra coisa é o suporte burocrático, financeiro e contábil da atividade. Todas as despesas devem ser autorizadas em lei e acompanhadas de comprovantes. Despesas desnecessárias, inúteis, voluptuárias, devem ser pagas com recursos pessoais do seu autor e não mediante cartão corporativo (CPGF). O dinheiro do tesouro nacional não se destina a pagar: [1] as compras das autoridades e familiares realizadas no Brasil ou no exterior, em mercearias, boutiques (perfumes, joias, bijuterias, roupas e calçados finos); ou em lojas comuns (eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, veículos automotores, bicicletas, brinquedos, artesanatos, presentes) [2] as despesas com (i) o  colégio e a faculdade dos filhos (ii) academias (iii) viagem de férias (iv) lazer nos feriados e fins de semana (v) serviços especiais e diversão. 

REELEIÇÃO NAS CHEFIAS 

Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal movimentam-se para permanecer no cargo. Seus mandatos terminarão em janeiro/2021. O deputado diz que o Brasil está próximo do precipício. Não percebeu, ainda, que o Brasil já caiu no precipício pelo menos há 4 anos e só não chegou ao fundo porque esse abismo não tem fundo. Ignora, ou finge ignorar, que ele é um dos causadores da queda. Os dois mequetrefes pretendem reeleição expressamente vedada pela Constituição da República. 

Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse dos seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. [CR 57, §4º].  

Como não se trata de cláusula pétrea, o óbice pode ser afastado por emenda à Constituição. Ante a supremacia da Constituição na hierarquia das leis, a norma regimental está em nível inferior. Portanto, a mudança nos regimentos internos da Câmara e do Senado para acolher a pretendida reeleição tem que aguardar a mudança na lei superior. Ainda que os interessados recorram ao STF, só uma decisão escatológica poderá salvá-los. 

PARCIALIDADE

Apesar da sua inconstitucionalidade, o pleito desses dois parlamentares poderá ter sucesso porque nos últimos 20 anos o STF tem adotado em seus julgamentos critérios marginais, tais como: (1) da “flexibilização” das normas constitucionais e legais (inclusive cláusulas pétreas) conduto largo das soluções políticas (2) da “excepcionalíssima” situação do caso (3) do "domínio" do fato. Por estes ralos  escorrem as soluções mais vergonhosas. Essa linha ativista neoliberal fora do padrão ético, iniciada no "mensalão" e continuada na "lava-jato", espraiou-se. Em Santa Catarina, estado atualmente governado por nazistas, o judiciário, no intuito de absolver o macho integrante da alta sociedade barriga verde, criou a figura do “estupro culposo”. O estupro é crime doloso por definição legal. Se houve estupro, então houve dolo. Se não houve dolo, então não houve estupro. Não há modalidade culposa. No caso em tela, segundo o que foi publicado nos meios de comunicação, não há controvérsia sobre a existência da relação sexual e o consumo da droga pela mulher. A controvérsia gira em torno da violência e do consentimento. A mulher diz que foi drogada e não consentiu na relação (portanto houve dolo). O homem diz que ela consentiu (portanto não houve dolo). O homem diz que desconhecia o efeito inibidor da droga. Isto significa confessar tacitamente a culpa (imprudência ou negligência), mas não o dolo (intenção de violar). O homem foi absolvido porque o judiciário entendeu que a conduta foi culposa e não dolosa. A mulher ficou a ver navios no porto catarinense. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

O recente plebiscito no Chile com o propósito de consultar o povo sobre a necessidade, ou não, de se convocar assembleia nacional constituinte, agitou nações sul-americanas. A maioria do povo chileno votou a favor da convocação, saiu às ruas e entoou belo e comovente hino comemorativo. Evidente sinal da caducidade da Carta Magna chilena de 1980, promulgada sob o governo Pinochet. Provavelmente, em 2021, o Chile terá nova Constituição. Aqui, na terra onde canta o sabiá, alvoroçaram-se os “macaquitos brasileños” (royalties para os argentinos). Pretendem imitar os chilenos, apesar das diferenças. Agem como macacos em loja de louças. Anacrônicos, pois o contragolpe brasileiro já foi desferido em 1988.       

Assembleia constituinte compõe-se de representantes eleitos pelo povo com a finalidade de elaborar e promulgar a lei fundamental do estado. Trata-se do exercício democrático do poder constituinte. No Brasil, isso aconteceu em 1891, 1934, 1946 e 1988. A experiência política brasileira também passou pelo exercício autocrático do poder constituinte em 1824 (imperador), 1937 (ditador) e 1967/1969 (estamento militar). O autocrata atribui a um jurista ou a uma comissão de juristas e gramáticos, a tarefa de elaborar o projeto que depois ele outorga à nação como nova lei fundamental do estado. Com algum refinamento, reserva-se o título de (i) Constituição à lei fundamental resultante do exercício democrático do poder constituinte (ii) Carta Magna à lei fundamental quando outorgada por um indivíduo (rei, ditador) ou por um grupo (civil, militar, religioso, misto). 

Poder constituinte, na dimensão política e cultural de um povo, consiste na aptidão de um sujeito singular (rei, chefe, líder) ou plural (nação, povo, grupo civil/militar) para elaborar e promulgar válida e eficazmente a lei fundamental do estado. O exercício do poder constituinte é provocado por situações de fato, eventos de natureza social, política e/ou econômica, que reclamam novo tratamento jurídico. O caso chileno é exemplar. Havia anseio popular por mudança ante os persistentes efeitos do antigo regime (ditadura). A população foi consultada sobre a necessidade de se convocar assembleia constituinte. A resposta negativa significaria que o povo estava satisfeito com a ordem constitucional vigente. A resposta positiva significaria que o povo desejava novo arcabouço jurídico às suas aspirações, aos seus atuais interesses, a uma realidade incompatível com o antigo regime. A resposta da maioria do povo chileno foi positiva.

Consoante experiência política dos povos, a iniciativa do plebiscito pode ser tomada pelo chefe de estado ou pelo parlamento: (i) ex officio (ii) por provocação escrita de entidades representativas (iii) por reivindicação popular em praça pública. Ao povo cabe responder se deseja uma assembleia (i) exclusiva, que se dissolva depois da elaboração e da promulgação do novo texto constitucional (ii) inclusiva, que funcione como legisladora constituinte e como legisladora ordinária (iii) sucessiva, que após o término da função constituinte converta-se em parlamento ordinário. 

A toda revolução política vitoriosa, armada ou desarmada, a todo golpe de estado vitorioso, armado ou desarmado, segue-se nova lei fundamental alicerçada em princípios e normas sintonizados com as ideias, os valores, os motivos e os fins revolucionários ou golpistas. Na ausência de revolução ou de golpe, a mudança constitucional opera-se mediante reforma quando fatores internos e externos assim o exigirem e a lei fundamental em vigor permitir. Há estados em que a reforma constitucional só é possível através de assembleia constituinte. Em estados como o brasileiro, a reforma compete ao poder constituído (legislativo + executivo) mediante emenda à Constituição. Se houver cláusulas pétreas, estas só podem ser legitimamente afastadas ou modificadas pelo poder constituinte (assembleia).  

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de estado (ii) o voto aberto, secreto, universal e periódico (iii) a separação dos poderes (iv) os direitos e garantias individuais”. [CRFB 60, §4º]. 

Do ponto de vista formal, entende-se por Constituição do Estado, o documento escrito, supremo na hierarquia das leis, posto pelo titular do poder constituinte, contendo os princípios e as normas que plasmam a organização política, social e econômica da nação e que obriga a todos os cidadãos (governantes e governados). Considera-se legítima tão só a Constituição de origem democrática. Trata-se de qualificação ideológica sem respaldo científico. Seja de origem democrática ou autocrática, a lei fundamental do estado tem força normativa, vigora e é eficazHá o dever geral de obedece-la e os deveres correlatos aos direitos. Cuida-se da bilateralidade atributiva característica do fenômeno jurídico. A autoridade pública tem o direito de fazer cumprir as leis. O cidadão tem o dever de respeitá-la. O cidadão tem o direito de exercer as liberdades públicas. A autoridade estatal tem o dever de respeitá-lo. Governantes e governados têm o dever de respeitar os direitos individuais declarados na Constituição. O cidadão tem o dever de exercer o seu direito nos limites da lei, sob pena de ser responsabilizado por suas ações e omissões ilícitas. 

O movimento político chileno provocou, em parcela do povo brasileiro, a vontade de também convocar assembleia constituinte. Põe-se a questão: o exercício desse direito político da nação é oportuno e necessário? Para alguns, a resposta é positiva; entendem que a Constituição de 1988 caducou; não mais atende às exigências atuais do bem comum. Para outros, a resposta é negativa; entendem que a Constituição de 1988 ainda não esgotou o seu potencial, tanto na esfera pública como na esfera privada. 

A numerosa parcela nazifascista do povo brasileiro, principalmente do Sul (SP, PR, SC, RS) não suporta ouvir falar em direitos humanos; detesta as ideias de igualdade, fraternidade, solidariedade, assistência social e meio ambiente ecologicamente equilibrado; vê nessas ideias empecilho ao desenvolvimento econômico e aos seus próprios, liberais e particulares interesses; defende a elaboração de nova Constituição, quer por votação, quer mediante outorga, que expresse tal ojeriza e acolha tal pretensão. 


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

ESTUPRO IV

CASO ROBINHO

Esse jogador brasileiro responde a ação penal na Itália pela prática de estupro coletivo. Numa festa, depois de despachar a esposa para casa, ele e outros amigos levaram jovem mulher para local privado e com ela mantiveram relações sexuais. Estimulada pelos rapazes, a jovem havia se embriagado antes de ser conduzida ao camarim. A embriaguez retira a capacidade de entendimento, reduz o discernimento, relaxa o controle da vontade, deixa a pessoa sem condições de tomar decisões plenamente conscientes. A justiça italiana, no devido processo jurídico, deu provimento à acusação e condenou os réus. A sentença está sub judice na superior instância e poderá ser confirmada ou reformada. O jogador regressou ao Brasil contratado pelo Santos FC. Houve torcedores que aprovaram e outros que protestaram. Patrocinadores afastaram-se. O clube suspendeu a vigência do contrato até que o imbróglio com a justiça italiana seja definitivamente resolvido. O jogador alega inocência. Afirma que não manteve relação sexual com a vítima; que se limitou a colocar o seu pênis na boca da jovem; que ela consentiu no ato; que ele se arrepende de haver traído a esposa. No mínimo, essa parcial confissão do jogador à imprensa revela caráter mal formado e cumplicidade com a violência sexual sofrida pela jovem. Relação sexual por via oral ou anal também entra na definição genérica de conjunção carnal.      

CASO NEYMAR

A modelo e o jogador, ambos brasileiros, a milhas de distância um do outro, combinaram, por via eletrônica, encontro em Paris. Reuniram-se em quarto de hotel. No retorno ao Brasil, a mulher compareceu à delegacia de polícia e relatou acontecimentos em solo francês que tipificam crimes de lesão corporal e estupro cuja autoria atribuiu ao jogador. Por sua vez, o jogador postou na internet mensagens e fotos exibindo a nudez da modelo. Foram instaurados dois inquéritos policiais para apurar a autoria e a materialidade dos delitos de lesão corporal, estupro e violação da intimidade da mulher. As lesões corporais foram constatadas por laudo médico. A conduta violenta do jogador foi por ele próprio admitida ao afirmar que estava bêbado e meio louco (quiçá drogado). O jogador também admitiu ser o autor da divulgação das mensagens e fotos da modelo pela rede de computadores. Como a ação penal por delitos contra a liberdade sexual exige queixa, a vítima pode desistir de promover a persecutio criminis se for indenizada pelo agente. Talvez, no caso em tela, os inquéritos tenham sido arquivados por acordo entre as partes.     

CONDUTA CRIMINOSA

Diversas condutas são tipificadas no Código Penal (CP) como crimes contra a liberdade sexual: [i] constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça (estupro) [ii] constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado violento ao pudor) [iii] ter conjunção carnal com mulher mediante fraude (posse sexual mediante fraude) [iv] induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal (atentado ao pudor mediante fraude) [v] constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função (assédio sexual). Com exceção desta última, a conduta dos jogadores publicamente revelada pode ser enquadrada em qualquer das outras mencionadas. [CP 213/216]. 

O fato de a relação sexual ser eventualmente combinada não significa que a mulher esteja obrigada a consuma-la. À caracterização do crime são indiferentes a nacionalidade, o estado civil, a profissão, a raça, a cor, a posição social e o patrimônio do agente e da vítima. O agente e a vítima podem ser celebridades artísticas, ídolos do esporte, expoentes da política, grandes empresários, ou pessoas comuns. A prostituta pode ser vítima de estupro quando decide não consumar a relação sexual com o cliente. Os crimes contra a liberdade sexual implicam fraude, constrangimento, grave ameaça e violência; são praticados contra o corpo, a vontade e a dignidade da mulher. Derivam do incontido apetite sexual do homem, da necessidade de autoafirmação, da sede de poder, da ânsia de domínio. O agente desconsidera a alma da mulher e a trata como objeto da sua lascívia. 

MACHISMO

Na sociedade brasileira ainda se nota forte presença do patriarcalismo e do machismo, em que pese a esperança implícita em “O Crepúsculo do Macho” de Fernando Gabeira. A imoralidade dos costumes vem referida direta ou indiretamente nas obras de cunho sociológico como as de Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) e Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro), literárias como as de Mario Andrade (Macunaíma) e Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela), nas peças humorísticas como as encenadas na TV por Chico Anísio e Jô Soares, nas novelas de TV como "O Bem Amado", em filmes como "Pixote" e "Bacurau", no cancioneiro popular como os versos cantados por Caetano Veloso (não há pecado abaixo do equador; é proibido proibir) e Chico Buarque (se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão). 

A conjunção carnal com mulher, por bem ou por mal, ainda é vista como legítima licença do macho. A fêmea está obrigada a se submeter, a disponibilizar o seu corpo; a negativa e a resistência constituem grave ofensa aos brios do macho. A infidelidade da esposa, companheira, noiva ou namorada, autoriza o seu espancamento e a sua morte a fim de lavar a honra do macho. No tribunal do júri, o macho é absolvido sob a excludente da legítima defesa da honra. 

Certa vez, na TV Gazeta, em programa esportivo, um dos jornalistas exaltava o vigor masculino de Ronaldo, renomado jogador de futebol, porque “traçava” quem estivesse à sua frente. Os jornalistas comentavam, naquele programa, o relacionamento do jogador com travestis num motel e as desavenças em torno do pagamento dos serviços prestados. Em virtude desse escândalo, o jogador perdeu a função honorária de embaixador da UNESCO. Entre os dirigentes e técnicos do futebol brasileiro está ausente o senso moral semelhante ao dessa entidade internacional. O jogador pode ser um crápula, mas se for tecnicamente bom e útil às vitórias da equipe, será contratado para vestir a camisa do clube e da seleção. Robinho e Neymar, ambos envolvidos em crimes contra a liberdade sexual da mulher, amplamente divulgados pela imprensa nacional e estrangeira, são recebidos de braços abertos, sem pudor algum, pelos comandantes brasileiros do esporte e apoiados por alguns torcedores, jornalistas e políticos. Essa receptividade reflete a frouxidão moral de considerável parcela do povo brasileiro e reforça a imagem do Brasil como republiqueta vagabunda, paraíso dos corruptos, liderada, dirigida e governada por gentalha.