sábado, 23 de dezembro de 2023

IRRACIONALIDADE HUMANA

Perduram as definições de Aristóteles: “O Homem é um animal racional” + “O Homem é um animal político”. No cristianismo, perdura a proposição bíblica: “Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança”. Portanto, sob a ótica religiosa, o Homem não é animal, não resulta do processo evolutivo biológico. Todavia, sob a ótica científica, o Homem é animal e resulta do citado processo. O Homem pertence à categoria racional (homo sapiens). Os seres vivos são passíveis de classificação. Os humanos são seres vivos. Logo, os humanos são passíveis de classificação. As diferenças físicas entre os humanos são utilizadas como critérios taxionômicos. Da classificação dessas diferenças resultam as raças. Dos cruzamentos entre elas, surgem novas raças (miscigenação). De homo sapiens existiam (i) no mundo da natureza, há 20 mil anos, três raças: negroide, mongólica e caucasiana (ii) no mundo da cultura, há 6 mil anos, três tipos: homo social, homo econômico e homo político. 
O trato científico não afasta do ser humano a dimensão irracional própria do reino animal. Na sua integridade física e psíquica, sob os ângulos biológico e sociológico, o Homem é (i) animal submetido às leis da natureza (ii) racional por ter a faculdade de pensar (iii) irracional por agir segundo os seus sentimentos, interesses e apetites, mesmo contra a lógica, a moral, o direito e o bom senso. 
O binômio racionalidade + irracionalidade está presente (i) na paz e na guerra (ii) na harmonia e no conflito no âmbito das instituições (lar, escola, igreja, empresa, parlamento, tribunal). Se amor, bons pensamentos, bons sentimentos, boa conduta, prevalecessem nas relações humanas, haveria paz duradoura e fraterna convivência. Contudo, na sociedade moderna, vigora a regra egocêntrica ditada pelo instinto de conservação: cada um por si e Deus por todos. Entretanto, sem o outro não há comunidade, sociedade e nem estado. Os humanos são animais gregários. A vida de relação interdependente é fato natural e social. Nos intensos casos de sofrimento, de felicidade ou de confraternização, o solidário espírito fraterno se manifesta.
Os vocábulos estória e história, na sequência do presente artigo, serão empregados com significados distintos. 
Estória = narrativa frívola, infantil, brotada da íntima convicção sem respaldo na realidade, contos da carochinha, lenda nos textos religiosos.
História = narrativa veraz com selo de autenticidade, baseada em fatos comprovados sobre pessoas, coisas, acontecimentos, instituições, comunidades, sociedades, estados. 
A fim de angariar simpatia e obter proveito político e econômico, os judeus divulgam a estória do “Povo de Deus”, inventada por alguns deles durante o desterro na Babilônia. O objetivo dessa estória era (i) disciplinar o povo de “cabeça dura”, como Moisés se referia aos hebreus (ii) separar os judeus do gentio e, assim, garantir pureza à raça, pois, naquela época, eles estavam misturados a outros povos mediante laços sensuais e conjugais (iii) tornar obrigatório o culto exclusivo a Javé (iv) impor a Torá (Pentateuco) como escritura sagrada e lei magna do povo judeu. Esse “Povo de Deus” é o mesmo que provocou a crucifixão de Jesus e que agora, em 2023, massacra os palestinos de Gaza. A Torá, redigida por Esdras no século IV a.C., foi lida em público por ele e companheiros, em Jerusalém. Depois disto, os judeus passaram a se considerar “Povo de Deus”. Esse “Deus” chamava-se Javé, ou Jeová, divindade genocida, sanguinária, vingativa, inventada na Babilônia. Através de uma sarça ardente, esse “Deus” falou com Moisés. Ainda hoje, milhões de pessoas acreditam nessa estória.
Os cristãos e os muçulmanos também são “Povo de Deus”. Diferente do Deus do povo judeu, o Deus do povo cristão não é infernal e sim celestial, amoroso, misericordioso, a quem Jesus chamava de Pai. Os muçulmanos prestam culto ao Deus chamado Alá. O seu profeta é Maomé. A sua escritura (Al Corão) autoriza a guerra contra os infiéis e promete as delícias do paraíso aos fiéis. Em comum, esses povos têm a irracionalidade, o monoteísmo e o dogma da superioridade do homem sobre a mulher. As suas crenças religiosas sustentam-se no medo, na ignorância e na fraqueza humana. Fé sem a luz da razão significa blasfêmia. Se Deus dotou o Homem de razão, a fé cega, então, contraria a vontade divina.
Jesus, profeta monoteísta, nada deixou por escrito. Relatos sobre a sua vida e a sua doutrina datam dos anos 50 a 100 (século I), feitos por apóstolos e discípulos mediante epístolas, evangelhos e o livro Apocalipse. Seus dados biométricos, fisionomia, compleição física, são desconhecidos e deles se encarrega a imaginação de cada pintor e especulador. A sua família morava na Galileia (Norte da Palestina), composta do pai, da mãe e de seis filhos (quatro meninos e duas meninas), conforme os costumes daquela época e o mandamento divino crescei e multiplicai. Jesus foi geneticamente concebido depois que, na ausência de (ou do) marido, a sua mãe recebeu a visita de um anjo. Aos 12 anos de idade, ele debateu temas religiosos com sacerdotes no templo de Jerusalém. Outros fatos da sua infância, adolescência e mocidade são desconhecidos. A virtual data do seu nascimento (25 de Dezembro) foi copiada da religião romana. 
Jesus iniciou o seu magistério na Galileia aos 30 anos de idade. Depois, como rabi itinerante, passou pela Samaria (Centro da Palestina) e chegou à Judeia (Sul da Palestina), onde foi morto aos 33 anos de idade. A sua doutrina, quiçá haurida na escola iniciática do Egito, contrariava dogmas do judaísmo. Por blasfêmia, o jovem impetuoso e turbulento profeta galileu foi condenado à morte pelo tribunal judeu (Sinédrio). Ironia da estória: o “Povo de Deus” matou o “Filho de Deus”. 

domingo, 17 de dezembro de 2023

TROVAS

 Vontade mansa de rimar

Nem sei para que isto serve

Se para nutrir a fraca verve

Se para meu tempo ocupar

 

Noite chuvosa sombria

Leve cadência para embalar

As mágoas da alma fria

De quem se recusa a sonhar

 

Trovas e trovoadas

Chegam enlaçadas

Aquelas para alegrar

Estas para assustar

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

SABER NOTÁVEL

A indicação do Ministro da Justiça para ocupar vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) agitou o Senado Federal, órgão do Poder Legislativo competente para sabatinar o candidato escolhido pelo Presidente da República. Os requisitos a serem preenchidos pelo candidato, segundo dispõe o artigo 101 da Constituição da República, são: (i) idade superior a 35 anos e inferior a 65 anos (ii) notável saber jurídico (iii) reputação ilibada. 
Motivados por venenosa política partidária, os senadores da oposição ao atual governo federal mostram-se propensos a questionar o requisito do notável saber. Disto, subentende-se que os dois outros requisitos não serão questionados ante a sua pública notoriedade.
Em sabatinas anteriores, os senadores não se alvoroçaram tanto como agora. Eles aprovaram até pessoas que não preenchiam o requisito do notável saber jurídico. Certa vez, em sessão do STF, enquanto examinava um caso, o ministro Barroso ironizou o “notável saber jurídico”. Deixou a impressão de que se tratava de algo imaterial, subjetivo, de difícil avaliação e fácil engano. A sabatina tem sido vista como simples formalidade, compadrio dos senadores com o Presidente da República. Em atenção ao constitucional princípio da harmonia entre os poderes, os senadores aceitam a indicação feita pelo Executivo, ainda que o candidato, ou, a candidata, não preencha aquele requisito.  
No processo mental da cognição, o saber é um conhecimento de especial conotação. Resulta da interação do elemento lógico com o dado empírico carregada do convencimento da verdade. O saber notável situa-se acima do conhecimento vulgar e pode ser técnico, artístico, científico, filosófico, religioso. O conhecimento considerado verdadeiro por convenção e/ou por convencimento, qualifica-se como saber quando regularmente aplicado à vida humana, individual e coletivamente; equivale dizer: quando incorporado ao modus vivendi do indivíduo e/ou da sociedade. 
Para ser ministro do STF, a Constituição de 1988, ora em vigor,  exige que o candidato tenha saber jurídico. Essa mesma exigência constou das constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/69. Portanto, não basta conhecer, tem que saber. Não basta ter conhecimento científico do direito. O candidato necessita, ainda, demonstrar que tem sabedoria jurídica. Isto compreende: (i) experiência jurídica, “conhecimento de experiência feito”, no dizer de Camões (ii) proficiência como operador do direito (iii) bom senso. O ministro Octávio Gallotti, do STF, dizia: “O direito é lógica e bom senso”. O conhecimento, a experiência, a proficiência e a sensatez, no caso de ministro do STF, devem ser notáveis, portanto, acima do comum, dignos de nota, ou seja, notórios no ambiente acadêmico, forense, político e social. 
Para caracterizar o notável saber jurídico concorrem diversos indicadores: (i) a docência exercida por vários anos e de forma ilustre em faculdade de direito (ii) a autoria de obra de direito de boa qualidade técnica, científica e literária (iii) o renome como jurista (iv) os títulos acadêmicos autênticos e reconhecidos (v) as aprovações em concursos públicos na área do direito (vi) o efetivo exercício profissional como advogado, defensor público, membro do ministério público, magistrado (vii) o efetivo exercício do poder de legislar e administrar (viii) o efetivo exercício de função jurídica na estrutura de qualquer dos poderes da república, ou, de corporações privadas com sede ou filial no Brasil.   
A pessoa aprovada na sabatina e nomeada para o cargo de ministro do STF leva consigo uma incógnita. A experiência de décadas torna isto evidente. As aparentes qualidades pessoais positivas podem sofrer mutação. O Dr. Jekyll transforma-se no Mr. Hyde. As fraquezas humanas podem macular o caráter do juiz. O espírito público, a imparcialidade, a independência, a serenidade, o senso de justiça, a moralidade, a dedicação exclusiva à judicatura, a assiduidade, a celeridade e a eficiência, tudo isso pode ser aviltado por [a] estímulos financeiros, políticos partidários, ideológicos [b] pressão de indivíduos e grupos [c] ligações perigosas [d] insensibilidade em relação aos sentimentos e aos direitos do povo [e] agressividade no trato com os jurisdicionados [f] ímpeto despótico [g] vaidade.

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

CRISE

O Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 8 de 2021, cuja ementa está assim redigida: Altera a Constituição Federal para dispor sobre os pedidos de vista, declaração de inconstitucionalidade e concessão de medidas cautelares nos tribunais
Essa PEC seguirá seus trâmites na Câmara dos Deputados e tem por fim alterar os artigos 93, 97, 102 e 125, da Constituição da República (CR). Da sua justificação emana o motivo: persistentes abusos praticados por juízes. Entre os abusos alí citados constam as invasões da competência privativa do Presidente da República de nomear os seus auxiliares (CR 84). Decisões monocráticas de juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), durante os governos Rousseff e Bolsonaro, violaram frontalmente a norma constitucional que estabelece a mencionada competência privativa. Os juízes imiscuíram-se em assunto que não era da alçada deles. 
A mudança preconizada na PEC tem caráter saneador: limpar o processo judicial (a) dos pedidos de vista utilizados pelos juízes para engavetar processos e (b) da aberração lógica e jurídica que significa qualquer decisão monocrática proferida em nome de tribunal judiciário. 
A paralização dos trâmites processuais mediante o expediente de pedir vista “a perder de vista” (ironia do ministro Marco Aurélio) constitui praxe indecorosa, antijurídica, politicamente incorreta, contrária aos princípios constitucionais (i) da celeridade e razoável duração e (ii) da moralidade e eficiência (CR 5º LXXVIII + 37). 
Sentença prolatada por juiz singular deve passar pelo crivo de um tribunal judiciário do segundo grau de jurisdição. Cuida-se de constitucional garantia dos jurisdicionados. Decisão monocrática é própria dos juízos de direito do primeiro grau de jurisdição (órgãos singulares, varas). Decisão colegiada é própria do tribunal judiciário de segundo grau de jurisdição (câmaras, turmas, plenário). O fundamental princípio da segurança jurídica exige a revisão das sentenças judiciais pelos diversos graus de jurisdição a fim de proporcionar certeza aos jurisdicionados sobre a maior probabilidade de justiça quando o caso sub judice é examinado por três ou mais juízes em pública sessão de julgamento sob a garantia constitucional do contraditório (CR 5º, LV). 
Tribunal judiciário é órgão colegiado cuja precípua finalidade é examinar e resolver controvérsias de forma colegiada. Decisão monocrática, cautelar ou de mérito, no seio de um tribunal judiciário de segundo, terceiro ou quarto grau de jurisdição, constitui aberração lógica, jurídica e política em país onde vigora o regime democrático. 
A PEC saiu capenga do Senado. Decisão monocrática no seio do tribunal deve ser extinta por incompatível (a) com a estrutura processual do ordenamento jurídico em vigor e (b) com as garantias fundamentais dos jurisdicionados. Cabe à Câmara dos Deputados corrigir a falha e excluir do direito processual brasileiro essa aberração. A desculpa de que a decisão monocrática é necessária para atender situações emergenciais não convence. Trata-se de desculpa para atender ao interesse do juiz, ao seu pendor despótico, à sua vaidade de sozinho se colocar acima do Legislativo e do Executivo. Poder supremo tende ao despotismo e à suprema injúria. “A corrupção de cada governo começa quase sempre pela corrupção dos princípios” (Montesquieu “in” Do Espírito das Leis). No recesso, o tribunal pode instituir câmara ou turma de plantão para os casos de real urgência. Os pedidos de urgência geralmente não têm real urgência. Provêm da esperteza postulatória. A prestação da tutela jurisdicional seria mais eficiente, imparcial e compatível com o decoro, se os juízes se dedicassem mais à função judicante e menos aos negócios paralelos, tais como: fazendas, escritórios, atividades docentes (faculdades, cursos), culturais (seminários, congressos, palestras, viagens) e políticas (holofotes, aconselhamentos). 
A PEC está em sintonia com o princípio da separação dos poderes (CR 60). A função do STF de guardião da Constituição está preservada. Do texto da PEC verifica-se que o controle da constitucionalidade das leis e da legalidade dos atos do Legislativo e do Executivo deve ser feito pelo STF de forma colegiada e nunca por um só dos seus juízes. Por sua relevância para a nação brasileira, a PEC situa-se acima de rivalidades, de mesquinhos sentimentos e interesses políticos partidários, ideológicos e/ou eleitoreiros. Como dizem os religiosos: “Deus escreve certo por linhas tortas”. A PEC talvez não seja do agrado das grandes bancas de advocacia que se beneficiam das decisões monocráticas, porém, neste caso, o interesse público sobrepõe-se ao interesse privado, assim como, a norma processual posta pelo legislador sobrepõe-se à norma regimental dos tribunais, conforme hierarquia das normas no ordenamento jurídico. Monocracia no tribunal judiciário conflita com a dimensão material do devido processo jurídico (CR 5º, LIV).
A reação de juízes do STF, inclusive a queixosa e reivindicante visita ao Presidente da República, mostra-se incompatível com a austeridade e a dignidade que se exige da magistratura. A reação gerou crise institucional, embora o presidente do Senado a negue ao dizer: “Não se pode criar uma crise que não existe”. Criar é dar origem a alguma coisa que ainda não existe. O que já existe não se cria, apenas se transforma, como diria Lavoisier. A rebeldia dos juízes balançou a harmonia que deve existir entre os poderes da república. A independência restou intocada (CR 2º). A defesa da democracia pelo STF não inocenta os seus juízes dos abusos cometidos; tampouco ofusca as medidas saneadoras estabelecidas na PEC. A experiência jurisprudencial brasileira deste século XXI mostra que o guardião tem sido o supremo e funesto violador da Constituição.
Essa PEC também devia patentear a subordinação dos juízes dos tribunais superiores ao Conselho Nacional de Justiça. Alterar-se-ía a redação do § 4º, do artigo 103-B, da Constituição: Compete ao Conselho o controle (…) do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, inclusive dos juízes do Supremo Tribunal Federal e demais tribunais superiores (…). Essa adição é necessária, pois, na república democrática, nenhuma autoridade do estado há de ficar fora de qualquer controle. O impeachment restringe-se à prática de crime de responsabilidade cujo processo compete ao Senado, órgão do Poder Legislativo. O controle disciplinar tem caráter administrativo (não jurisdicional) e compete ao Conselho Nacional de Jusiça, órgão do Poder Judiciário (CR 92). Desse controle administrativo, os ministros do STF fugiram através de um parcial e vergonhoso julgamento em causa própria sob a presidência do ministro Cézar Peluso (2010-2012).

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

FUTEBOL

As seleções masculinas de futebol da Argentina e do Brasil enfrentaram-se no dia 21/11/2023, no Maracanã, em partida oficial dos jogos eliminatórios para a copa mundial de 2026. Os platinos venceram pelo escore mínimo (1 x 0). Resultado lógico, posto que o desempenho da seleção brasileira vinha decaindo à medida que se confrontava com adversários cada vez mais fortes. O fato de ocupar a primeira colocação na tabela trouxe tranquilidade à seleção argentina. Trata-se da mesma equipe que conquistou a última copa do mundo, todavia, sem o mesmo fôlego conforme constatado durante o jogo. Ao comemorarem a vitória como se houvessem ganho a copa do mundo pela quarta vez, os jogadores argentinos revelaram, implicitamente, o receio que eles tinham de sair do Maracanã derrotados. Depois de perderem para a seleção uruguaia, vencer a seleção brasileira seria um modo de reafirmarem a supremacia platina. Eles serviram-se da catimba e do jogo bruto para irritar e provocar efeitos psicológicos no adversário. Dessa tática resultou a expulsão de um jogador brasileiro no segundo tempo da partida. Ao agredir fisicamente o argentino (De Paul), Joelinton refletiu a tensão sob a qual jogava a equipe brasileira. 
A briga entre as torcidas no estádio ocorrida antes do início do jogo, com a violenta intervenção do aparelho de segurança público e privado, influiu no comportamento dos jogadores em campo. A demora de quase 30 minutos para o início da partida mexeu com os nervos dos brasileiros e favoreceu o cálculo dos argentinos. Talvez, aquela briga que gerou o atraso tenha sido planejada como parte da guerra psicológica. Convém lembrar que o cone sul da América é sementeira do nazifascismo  (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai). Agora mesmo, a maioria do eleitorado argentino escolheu um homem da extrema direita para governar o país. Quem vota em nazifascista apoia o nazifascismo, cujo modus vivendi é racista, preconceituoso, inescrupuloso e violento. Os jogadores argentinos e os jornalistas esportivos fazem parte desse eleitorado. No Brasil, também, o processo eleitoral revelou o nazifascismo de enorme parcela da população, principalmente da Região Sul. Os jogadores brasileiros e os jornalistas esportivos fazem parte desse eleitorado. 
A violência, o cálculo, a ação coletiva, a ausência de escrúpulos, as informações enganosas, o racismo, o preconceito, integram o método nazifascista. Vai longe o tempo da ingenuidade. Na Idade Contemporânea, pelo menos no Brasil, tudo é válido para realizar determinados objetivos sem fronteiras fixas entre política, religião, economia, moral e organização esportiva. Há intersecções nessas áreas. O direito é acessório utilizado e interpretado segundo as conveniências.
Como espetáculo esportivo, o jogo foi desagradável. O público merecia algo melhor. Nível técnico razoável, sem destaque individual. O único gol da partida saiu do cabeceio da bola alçada na área após cobrança de escanteio. O treinador brasileiro foi infeliz: (i) nas substituições, menos pelas peças e mais pelo momento (ii) nas convocações. Treinador do Flu ignora craque do Fla. Individualmente, os jogadores convocados estão no patamar médio. Desde 1930 até 2023, ninguém igualou ou superou a arte de Garrincha e Ronaldinho Gaúcho. Apesar da pouca documentação (falta de filmes, principalmente) há notícia de que houve um precursor desses dois notáveis jogadores. Chamava-se Petronilho de Brito, visto como fabuloso goleador e driblador, jogou em vários clubes e nas seleções paulista e brasileira. Quando defendia a camisa do San Lorenzo, clube argentino (1933-1935), ele teve reconhecido o seu talento artístico e técnico pela imprensa platina: “El Maestro”, “El Bailarín”, “El Artista de la Pelota”, “El Malabarista”, “Fenômeno”. 
No primeiro e mais alto patamar da arte de jogar futebol situa-se este maravilhoso trio: Petronilho + Garrincha + Ronaldinho Gaúcho. No segundo patamar, com desempenhos igualmente extraordinários, situam-se os brasileiros Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Didi e Pelé. No terceiro patamar situam-se os brasileiros Rivelino, Zico, Romário e Ronaldo Nazário + os argentinos Di Stéfano, Maradona, Riquelme e Messi + os portugueses Eusébio e Cristiano Ronaldo + os franceses Platini e Zidane + os húngaros Puskas e Kócsis + os alemães Beckenbauer e Gerd Muller. No quarto patamar, situam-se excelentes jogadores da América do Sul e da Europa. No quinto patamar situam-se jogadores de desempenhos ordinários.
No Brasil, a maioria da população sofre do complexo de vira-lata. Daí, serem mais valorizados o produto estrangeiro, a cultura estrangeira, a história estrangeira. Qualquer jogador estrangeiro, bom ou medíocre, é visto e tratado como gênio, enquanto excelentes e geniais jogadores brasileiros são ignorados. A parcialidade é comum nas análises dos jornalistas. Adoçam os comentários relativos aos clubes, treinadores e jogadores que lhes são simpáticos e apimentam os comentários sobre os demais. Tal postura foi criticada por Abel Ferreira, treinador do Palmeiras, em recente entrevista coletiva transmitida pela TV. Ele disse que técnicos estrangeiros (certamente, seus patrícios) tinham opinião igual a dele. Na América do Sul, a emotividade sufoca a racionalidade no que concerne ao futebol. Quando há disputas e/ou rivalidades, o espaço para a neutralidade e a parcimônia jamais é ocupado pelos treinadores, jogadores, repórteres, narradores, comentaristas e pelo público em geral.  

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

FELIZ ANIVERSÁRIO

No apartamento de Júlia estavam reunidas as suas amigas da mesma faixa etária, todas saudáveis e elegantes, além de  Inês, sua única filha e de Bruna e Patrícia, suas duas netas. Comemoravam o septuagésimo aniversário de Júlia no mesmo dia em que a república brasileira celebrava o centésimo trigésimo quarto ano de nascimento. A coincidência das datas veio à baila. Júlia respondeu às amigas: A república nasceu num ambiente pérfido, parida à sorrelfa no convescote de militares de alta patente, sem participação do povo. Derrubaram a monarquia constitucional e desterraram o monarca e família. Quanto a mim, nasci 64 anos depois desse golpe de estado. A minha vinda era esperada, fruto de um ato de amor da minha mãe e do meu pai. Eu fui recebida com carinho no seio de uma família honesta, culta e religiosa.     
O clima no amplo apartamento era de animada conversação. Algumas fumavam e se ajudavam ao acender os cigarros. Dora, uma das amigas, dedicada ao comércio de joias, exibia sofisticados isqueiro e piteira. Música instrumental em som baixo. As netas ansiosas para escapulir. Os namorados aguardavam na pracinha próxima ao prédio da avó das garotas situado num bairro de classe média da cidade. Empadão, salgadinhos, docinhos, sucos, refrigerantes, água mineral. Cadê o bolo? Inês havia esquecido. Na véspera, ela o encomendara à confeitaria do bairro. Desculpou-se e saiu às pressas a fim de buscá-lo. As filhas aproveitaram o ensejo e saíram à francesa. 
Júlia era viúva, dona do apartamento em que morava, tinha como fontes de renda os proventos da sua aposentadoria como funcionária pública e a pensão gerada por morte do seu marido, contribuinte autônomo da previdência social. No mercado de capitais, investiu o valor da apólice do seguro de vida do marido. A sua poupança permitia cobrir os gastos extras como estes do seu aniversário, os de eventuais viagens e as pequenas quantias que esporadicamente dava às netas. 
Ao retornar com o bolo, Inês notou a ausência das filhas. Conformou-se. Acostumara-se a tais escapadas. As amigas da aniversariante discutiam várias coisas, inclusive política e religião. A falta de homens na casa foi intencional. Júlia assim pensou: Além de não ajudar, eles ainda atrapalham. Ficou a matutar: O marido de Inês viajara a negócios. Ele começou a viajar “a negócios” depois de vinte anos de casado e de ter conquistado bom padrão de vida. Inês nada questiona; prefere manter a estabilidade da família, o seu papel na sociedade e costuma dizer que felicidade é coisa ilusória. Cita os versos do poeta: “O amor é eterno enquanto dura”. Falava mais para convencer a si própria do que aos outros. Dizia que durável é o amor sereno da maturidade. Felicidade? Momentâneo estado da alma que acontece de vez em quando. Convicta e realista, afirmava: Neste mundo, eterna é a luta pela vida, por subsistência, bem-estar, liberdade e justiça.  
Jornalista vivaz e experiente, Eugênia pergunta em tom provocador: Júlia, o que você acha dessa tragédia? Quando, por alguns segundos, Júlia mergulhara naqueles pensamentos, perdera parte da conversa. Saiu pela tangente: Queridas amigas, sempre houve tragédias. De qual delas vocês querem a minha opinião? 
Letícia, assistente social ativa e brincalhona, exclama: Acorda amiga! Nós estávamos falando do genocídio em Gaza. Júlia se desculpou pelo apagão. Claro que concordo com vocês (ela presumiu que havia unanimidade). A nossa geração está testemunhando atrocidades praticadas por gente genocida e selvagem. Essa gente criminosa e racista ainda tem o desplante de qualificar os palestinos de animais sub-humanos! Devemos organizar uma passeata de mulheres a partir do nosso grupo, protestando contra esse crime cometido por aquele estado terrorista. Devemos exigir do governo posicionamento claro e firme. Os homens que atualmente governam o nosso país não têm colhões roxos. No mundo violento em que vivemos, essa tibieza é anacrônica e inoportuna, ainda que disfarçada de diplomacia. Nós, mulheres, devemos tomar a iniciativa de sacudir esses homens para que tomem vergonha na cara.
Letícia, com olhar malicioso e sorriso maroto, simulando ignorância, pergunta: Colhões roxos? Sim, confirma Júlia. Ouvi isto do Collor, na televisão, não lembro se em campanha eleitoral ou se ele já era presidente. Na ocasião, eu entendi que ele se referia a homem destemido. Eugênia dá a sua pitada: O que ele queria era evitar a imagem de emasculado. Dora também dá a sua: Pois é. Vejam só como são as coisas. Machão porém corrupto, igual ao capetão que não foi reeleito presidente. 
Maria de Fátima, engenheira civil, universaliza a sua crítica: No mundo contemporâneo, a violência espalhou-se como pandemia. A democracia fragilizou-se. O fator emocional prepondera. O romantismo fascista seduz considerável parte da humanidade. O ódio suplanta o amor e verga a razão. O pensamento racional e crítico é visto como grave ameaça ao domínio exercido pelo sistema financeiro em níveis nacional e internacional. Além da violência do estado, há a violência da sociedade civil nos lares e bares, nas ruas, escolas, lojas e fábricas. Há violência contra as mulheres dentro e fora de casa. Elas apanham dos maridos e dos companheiros machistas. Isto quando não são assassinadas por esses covardes. Júlia atalha: Tem havido reação. Algumas mulheres insurgem-se e denunciam os seus agressores às autoridades públicas. Enfrentam, às vezes, a má vontade e as interpretações capciosas de policiais, delegados e juízes que beneficiam os machos, principalmente, os machos ricos e poderosos como, por exemplo, empresários, ministros, presidentes de casas legislativas, magistrados.  
Homens também são vítimas da violência, ponderou Iracema, procuradora estadual aposentada. Agora mesmo, alguns brasileiros estão sendo perseguidos em solo brasileiro e privados da sua liberdade a pedido de um governo estrangeiro nazista. As prisões ocorrem por simples suspeita, sem prova, sem que esses cidadãos estejam cometendo crime. Motivo dessa prisão cautelar: denúncia do primeiro-ministro e do serviço de inteligência de Israel, sem carta rogatória. Cidadãos brasileiros são acusados de terroristas contratados pelo Hezbollah, instituição libanesa inimiga de Israel. No campo da futurologia, em frontal colisão com os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, a polícia brasileira colocou-se a serviço de um paranoico governo estrangeiro.
Selma, advogada e professora universitária, lamenta: Realmente é surreal, sem trocadilho. Aduz: De acordo com a nossa Constituição, ninguém será privado da sua liberdade sem o devido processo legal; ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; ninguém será preso senão em flagrante delito; ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória. Fala-se de ordem de prisão expedida por autoridade judiciária brasileira. Se isto for verdade, a justiça brasileira, mais uma vez, terá se precipitado, violado a Constituição, ferido a dignidade humana de cidadãos brasileiros, sem a evidência de fatos que estivessem provados no devido processo jurídico. O nosso sistema de segurança submeteu-se, de modo servil e vergonhoso, ao capricho de um governo estrangeiro nazista. A vida e a liberdade são os bens mais preciosos das pessoas civilizadas, mas, o estado israelense age como se tais preciosidades fossem patrimônio exclusivo dos judeus. Trata os palestinos como seres inferiores sem direito a esses bens. 
Maria Augusta, médica que presta serviço hospitalar e ainda atende pacientes em seu consultório, manifesta a sua opinião: Os políticos são craques no jogo das palavras. Escondem a verdade com filigranas. O discurso dos ministros para justificar a submissão do governo brasileiro aos interesses e orientações do governo estrangeiro não me convenceu. O argumento cronológico de que a polícia brasileira já se debruçava sobre o caso antes dos acontecimentos em Gaza mostra-se falacioso, pois, a operação sanduíche foi iniciada agora, depois de tais acontecimentos. O que foi, Isabel?
Artista plástica de reconhecido valor, Isabel segurava o seu queixo com a mão direita, o cigarro entre os dedos da mão esquerda e rindo divertida, respondeu: Maria, meu anjo, o nome da operação policial é “trapiche” e não “sanduíche”. Você olhava para a mesa do lanche quando falou. Calma! Lá estaremos tão logo a Inês chamar. No diapasão em que tocamos o assunto (Isabel mantinha o tom divertido enquanto falava) “trapiche” significa o armazém próximo do “caos” onde as mentiras são depositadas antes de serem embarcadas com destino à massa ignara. 
A feminina audiência riu às gargalhadas da “definição” posta por Isabel. Cessado o ruído, ela continuou a jocosa dissertação: Eu sei e vocês sabem que todos que nascem e vivem em cidade são cidadãos. Lembro que a palavra “cidade” vem do grego “polis”. Portanto, como moramos e vivemos na “polis”, todas nós somos “políticas”. Em sentido estrito, apelidamos de “políticos” os homens e mulheres filiados a partidos que se dedicam à causa pública e exercem, ou aspiram a exercer, o poder do estado. Aqui no Brasil, as cidadãs e os cidadãos devem ter a idade mínima de 16 anos para escolher governantes; de 18 anos, para servir às forças armadas; de 21 anos, para adquirir a capacidade civil plena. No entanto, desde o nascimento, todos são titulares dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, sustentáculos da dignidade humana. 
Inês faz soar o pequeno gongo e, como arauto, conclama: Meninas, eu sei que vocês querem esticar a conversa, porém, antes, venham aqui para a sala, sentem-se em torno da mesa e compartilhem do lanche que preparei para vocês, auxiliada pela Rosa, nossa fiel escudeira. Júlia agradeceu. Às convivas, em tom de gracejo, ela diz: O bolo da velhinha está sem velinhas. Por gentileza, não cantem “parabéns a você”!
 

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

SEMITISMO

A imprensa nacional e internacional, de modo tendencioso e com imagens selecionadas, informa e comenta o conflito bélico entre o estado de Israel e a comunidade árabe da Palestina. Há notícias de recentes ataques aos judeus, às suas casas, lojas e sinagogas, ocorridos em diversos países americanos e europeus. Trata-se de reação popular aos crimes praticados por Israel contra a comunidade árabe, principalmente, o genocídio em Gaza. Milhões de judeus vivem nos Estados Unidos da América (EUA), na Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Rússia, Argentina, Brasil e outros países. As comunidades judias desses países reclamam das agressões contra elas e alegam antissemitismo. Servem-se dos meios de comunicação social para, às vezes com arrogância, afirmar inocência do que acontece em Israel e Gaza. 
Desde o holocausto de ciganos, de homossexuais, de comunistas e de pessoas de “raça inferior”, ocorrido na segunda guerra mundial, os judeus colocam-se como eternas vítimas, fazem chantagem emocional e usam argumentos falaciosos a fim de obter vantagens políticas e econômicas. Assim, desse modo: I. Eles conseguiram um estado próprio, depois da choradeira na ONU, em 1948. II. Obtiveram apoio e proteção dos EUA para: (i) violar fronteiras e invadir o território do povo palestino (ii) oprimir a comunidade árabe da Palestina (iii) atacar e exterminar a população de Gaza (iv) destruir casas, prédios, escolas, hospitais, vias públicas (v) impedir a saída de civis de ambos os sexos e de todas as idades, daquela faixa conflagrada.  
Nesse conflito não há paridade de forças. O poderio bélico de Israel é superior. O exercício do direito de defesa de Israel no episódio Sete de Outubro foi desproporcional e abusivo. Os nazistas judeus aproveitaram a ocasião para executar o projeto de extermínio dos árabes. Portanto, afigura-se legítima a reação popular nos diversos países contra a ação criminosa de Israel. A justa reação popular brota do senso humanitário das pessoas naturais civilizadas, o que não se confunde com antissemitismo. Cuida-se de (i) ação contrária ao nazismo judeu (ii) protesto contra o sofrimento imposto aos palestinos. Os judeus residentes em outros países também são responsáveis pelos atos praticados pelo governo da sua pátria comum: Israel. O governo nazista desse estado foi eleito pelo povo judeu. Destarte, se as comunidades judias no estrangeiro pretendem livrar-se da culpa, deverão se manifestar publicamente, de modo oficial, organizado e inequívoco. Mediante declarações coletivas autênticas, exigirão do governo israelense: I. Que cesse imediatamente as hostilidades contra Gaza e liberte os reféns. II. Que devolva aos palestinos as terras invadidas desde a segunda metade do século passado. III. Que cumpra sem subterfúgios as recomendações da ONU e as decisões do Tribunal Internacional. IV. Que respeite o direito internacional. V. Que indenize Gaza por perdas e danos. 
Sem essa concreta manifestação coletiva, objetiva e válida, os judeus de qualquer país serão vistos como cúmplices das atrocidades praticadas por Israel e ficarão sujeitos às represálias como aquelas noticiadas. A omissão ensejará contra eles a radical opinião de um policial brasileiro: “bandido bom é bandido morto”, ou, parafraseando, “judeu bom é judeu morto”. 
Há judeus liberais – e não são poucos – todavia, são os judeus ortodoxos os que governam Israel em nome do povo. Logo, ao povo judeu cabe se levantar contra essa política assassina praticada pelos atuais governantes.  
O apelo à semântica ajuda a esclarecer o assunto. Entende-se por semitismo a cultura dos povos semitas, o respeito a essa cultura, a experiência histórica, o estudo e a expansão dessa cultura. Segundo a lenda bíblica do dilúvio e da arca, esses povos descendem do filho de Noé chamado Sem. De acordo com a História, os povos semitas eram assim chamados em virtude da sua língua comum. Falavam-na árabes, arameus, assírios, babilônios, cananeus, etíopes, fenícios, hebreus, sírios. Originários da Arábia, os semitas migraram para a Mesopotâmia e outras regiões da Ásia morena (+ ou – 3000 a.C.).
Antissemitismo ou semitofobia significa: (i) aversão à cultura semita (ii) antipatia, inimizade ou ódio aos povos semitas. No sentido estrito, significa antipatia, inimizade ou ódio aos árabes e aos judeus, dois povos semitas da atualidade, cultores de duas grandes religiões: o islamismo e o judaísmo. 
Tal como no Irã, em Israel não há separação entre política e religião. Nesse tipo de estado, a lei religiosa ("divina") é suprema, bússola da validade da lei votada no parlamento. No Irã, prevalecem os preceitos ditados por Maomé. Em Israel, prevalecem os preceitos ditados por Moisés. Destarte, o combate à política de Israel pode ser visto pelos judeus ortodoxos como ataque à sua religião. Entretanto, esse modo de ver desvia o foco da questão central. Vista sem malícia, a reação popular tem por alvo a política israelense e não a religião judaica. O noticiado movimento popular em outros países é contra o terrorismo de estado praticado por Israel. A violenta e mortal ação dos judeus ortodoxos estriba-se no Pentateuco (Torá). O citado movimento popular não se deixou impressionar com a propaganda enganosa que qualifica o Hamas e o Hezbollah de “terroristas” quando, na verdade, são duas instituições políticas responsáveis pela liberdade, segurança, desenvolvimento e bem-estar dos seus povos. A resistência à opressão hebraica é uma das formas de exercer essa resposabilidade. 
Bauman, Zygmunt – Retrotopia. Rio. Zahar. 2017. 
Burns, Edward McNall – História da Civilização Ocidental. P.Alegre. Globo. 1955.
Finkelstein, Norman G. – A Indústria do Holocausto. Rio. Record. 2001.
Velasco, Francisco Diez. Breve Historia de las Religiones. Madrid. Alianza. 2008.
Bíblia Sagrada.  Centro Bíblico Católico. SP. Ave Maria. 1987.
Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Caldas Aulete/Santos Valente. Rio. Delta. 1958. 

domingo, 29 de outubro de 2023

TITICA JUDIA & ÁRABE

Oriunda do deserto da Arábia, a pequena e insignificante tribo, chefiada por um aventureiro semita chamado Abrão, chega e se instala em Ur, cidade da Caldeia, na Mesopotâmia, por volta do ano 1400 ou 1300 antes da era cristã (a.C.). Depois de alguns anos, a tribo se desloca para oeste, entra e se assenta em Canaã, área situada no litoral do Mar Mediterrâneo. Entre tapas e beijos com os nativos cananeus, os membros da tribo de Abrão recebem o nome de “hebreus” com o duplo significado de “nômades” e “bandidos”. Vindos da Ásia Menor e das ilhas do Mar Egeu, os filisteus aportam em Canaã, assentam-se e dominam os cananeus e os hebreus. De filisteu derivou o nome Palestina (filistina) como se tornou conhecido o país, em substituição ao nome Canaã. Organizado em monarquia por volta do ano 1000 ou 900 (a.C.), o povo hebreu, sob liderança de Davi, seu segundo rei, finalmente derrotou o povo filisteu. O território do reino filisteu ficou reduzido a uma pequena e estreita faixa na fronteira com o Egito, sul da Palestina (Gaza). O território restante ficou sob o poder soberano do rei hebreu. 
Com a morte do vaidoso, perdulário e medíocre rei Salomão, sucessor do rei Davi, a nação hebraica dividiu-se em dois reinos: (i) o do norte, denominado Israel, capital Samaria, composto de dez tribos (ii) o do sul, denominado Judá, capital Jerusalém, composto de duas tribos. Os dois reinos foram destruídos. Primeiro, o do norte, em 722 (a.C.), pelos assírios. Por último, o do sul, em 586 (a.C.), pelos caldeus. Sem pátria, israelitas e judeus espalharam-se por diversos países. 
Ciro, rei da Pérsia (Irã), ao vencer os caldeus, faz da Palestina um estado vassalo (539 a 332 a.C.). O rei persa permite, então, que os judeus retornem a Jerusalém (muitos preferiram ficar onde estavam). Depois disto e sucessivamente, a Palestina: [1] Em 332 (a.C.), cai sob o domínio da Macedônia [2] Em 63 (a.C.), torna-se protetorado de Roma. Na era cristã, a revolta armada dos judeus contra o domínio romano fracassou. Os judeus foram expulsos, Jerusalém foi destruída e a Palestina virou província de Roma no ano 70 (d.C.). A partir daí, a diáspora durou séculos com os judeus apátridas dispersos por diferentes países. 
Na Idade Moderna, gerações de israelitas e judeus emigraram, paulatinamente, dos seus países para a Palestina. Após a segunda guerra mundial, a Organização das Nações Unidas reconheceu a existência política e jurídica dos israelitas e judeus como estado soberano com o nome de Israel e território delimitado no interior da Palestina (1948). 
Vista em sua extensão territorial, a Palestina é uma titica de galinha na qual se remexem, exalando fedor, os povos de Israel, da  Cisjordânia e de Gaza. Os seus conflitos desbordam para países fronteiriços, como Egito, Líbano, Síria, Jordânia e para países próximos, como Turquia, Iraque, Arábia Saudita e Irã. Comparados com o espaço territorial desses e de outros países da África, da América, da Ásia e da Europa, os minúsculos territórios de Israel, Cisjordânia e Gaza são titicas. Neles vivem 14 milhões e 510 mil habitantes. Os hebreus (israelitas + judeus) compõem 70% dessa população.
[Dados geográfico e demográfico para comparação: 1. Numa pequena e estreita faixa do litorial brasileiro ocupada pelo Estado do Rio de Janeiro concentram-se mais de 16 milhões de habitantes. 2. A Palestina (Israel + Cisjordânia + Gaza) é 12 vezes menor do que o Estado do Rio Grande do Sul. 3. A sua área é igual à área do Estado de Alagoas]. 
Essas titicas têm diferentes forças protetoras. A favor de Israel colocam-se: Estados Unidos da América (EUA), Reino Unido e países satélites americanos e europeus. A favor de Gaza (talvez, a mais antiga cidade do planeta) e da Cisjordânia, colocam-se: China, Cuba, Rússia e países satélites asiáticos e africanos. Milhares de seres humanos de ambos os sexos e de todas as idades, vítimas da crueldade da guerra, estão sendo mortos, feridos, torturados, perdendo a liberdade e os seus bens. 
A propaganda favorável a Israel tem sido intensa, mentirosa e maliciosa, tanto a direta como a subliminar. Os hipócritas partidários do genocídio mostram-se numerosos no mundo, a começar pelo presidente dos EUA. Eles declaram (a) horror ao racismo, ao genocídio e à tirania (b) amor à vida, à democracia, à liberdade e à igualdade. Contudo, no plano dos fatos, por ação e omissão, eles (inclusive brasileiros) deficientes morais, comportam-se em sentido contrário. Entrevados espiritualmente, eles tentam encobrir: [1] o genocídio e a limpeza étnica promovidos pelos hebreus [2] o ilegal e criminoso propósito de expansão territorial do estado israelense.   
Os defensores dos crimes praticados pelo governo de Israel fazem corte cirúrgico num dos polos do conflito. Isolam o Hamas e o Hezbollah como se os ataques israelenses fossem apenas contra os militantes desses dois grupos e não contra a comunidade árabe. Hamas exerce o direito de resistência à opressão hebraica. A retaliação israelense foi desproporcional ao ataque sofrido em 7 de Outubro. Por evidente e censurável oportunismo, Israel aproveita-se da ocasião, não só para se vingar como, também, para executar o seu antigo projeto de exterminar a comunidade árabe.
Ao qualificarem os árabes de “raça de animais sub-humanos”, os nazistas judeus colocam-se numa posição de superioridade racial. O excesso de poder e de violência por eles praticado tipifica abuso do direito de defesa. Na guerra, infelizmente, amor, compaixão, sensatez, moralidade e juridicidade nada valem. Imperam ódio, estupidez e sordidez, a impactante expressão do elemento diabólico constituinte da natureza humana.

domingo, 22 de outubro de 2023

FUTEBOL

Nos jogos eliminatórios das seleções masculinas de futebol da América do  Sul, visando a classificação para a copa mundial de 2026, a brasileira venceu de modo folgado a da Bolívia e de modo apertado a do Peru, empatou com a da Venezuela e perdeu para a do Uruguai. Este sucessivo decréscimo nos resultados não significa decréscimo da capacidade dos jogadores e treinador e sim aumento da força adversária. Isto indica diminuta probabilidade de vitória nos próximos jogos contra as seleções da Colômbia e da Argentina (16-21/11/2023). 
A robotização do futebol iniciada com a seleção holandesa de 1974, aprimorou o jogo coletivo, mas, diminuiu o espaço do improviso e da criatividade pessoal. Hoje, nota-se em todos os continentes: (i) a prática do futebol europeu padronizado (ii) o individual trato artístico da bola por jogadores brasileiros imitado por estrangeiros. A importância do treinador ultrapassou a do jogador. Interiorizada na mente, a robotização faz a equipe se apresentar da mesma forma quando vence, empata ou perde. Os jogadores obedecem ao planejamento tático do treinador. Assim, firma-se a disciplina coletiva. 
A mercantilização influi no futebol de maneira mais incisiva nos países subdesenvolvidos. O fator moeda supera o fator chuteira. A prioridade passou a ser o dinheiro para os cofres das entidades esportivas e para os cofres particulares dos dirigentes, treinadores, jogadores e corretores. A mercantilização influi na escolha dos atletas para a seleção nacional. O patrimônio material obscurece o patrimônio moral e conforma o setor social. A função de competir fica em posição subalterna no cenário esportivo. 
Destarte, a história do futebol pode ser dividida em dois períodos: antes e depois da robotização e da mercantilização, tomando-se como divisor o ano 1970. 
1. Período romântico: 1930 a 1970. Prevalecem o amor à camisa e o amor  à arte de jogar futebol. O brasileiro Arthur Friedenreich, genial jogador da primeira metade do século XX, contestou a profissionalização. Ele temia os efeitos negativos disto no esporte. No período romântico, as seleções brasileiras foram: (a) três vezes campeãs mundiais ao vencerem as copas de 1958 na Suécia, a de 1962 no Chile e a de 1970 no México (b) duas vezes vice-campeãs mundiais ao disputarem as partidas finais nas copas de 1950 no Brasil e de 1966 na Inglaterra. Desse período, entre os brasileiros que encantaram o mundo esportivo podem ser citados, em ordem cronológica: Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Didi, Garrincha, Pelé. Ainda podem ser destacados, entre outros, em ordem alfabética: Ademir Menezes, Amarildo, Carlos Alberto, Djalma Santos, Domingos da Guia, Fausto, Gérson, Heleno, Jair, Jairzinho, Nílton Santos, Rivelino, Tostão, Vavá, Zagalo. 
2. Período robótico/mercantil: 1974 a 2022. Nesse período, a tecnologia e o mercantilismo envolvem o profissionalizado esporte. Os atletas passaram a jogar mais pela harmonia do conjunto em campo e pelo dinheiro. As seleções brasileiras foram: (a) duas vezes campeãs mundiais ao vencerem as copas de 1994 nos Estados Unidos da América e a de 2002 na Ásia amarela (b) duas vezes vice-campeãs ao disputarem as partidas finais nas copas de 1998 na França e de 2014 no Brasil. Desse período, entre os brasileiros que encantaram o mundo esportivo podem ser citados, em ordem cronológica: Zico, Romário, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho. Ainda podem ser destacados, entre outros, em ordem alfabética: Ademir da Guia, Adriano, Alex, Cafu, Djalminha, Falcão, Geovani, Hulk, Juninho Pernambucano, Júnior, KK, Leandro, Lucas Moura, Luís Pereira, Marcelo, Pato, Rivaldo, Roberto Carlos, Sócrates, Thiago Silva, Zé Roberto, Zinho. 
Nenhum país tem a quantidade de excelentes jogadores como o Brasil. Por isto, fica difícil selecioná-los. Nas listas acima, por exemplo, cabem centenas, tais como: (1) goleiros: Ado, Barbosa, Castilho, Dida, Gilmar, Leão, Marcos, Poy, Rogério Ceni, Taffarel, Velloso (2) defensores e armadores: Branco, Clodoaldo, Juan, Lúcio, Marcos Assunção, Mauro Silva, Pinheiro (3) atacantes: Bebeto, Careca, Coutinho, Dener, Dirceu Lopes, Edmundo, Miller, Nelinho, Neto, Palhinha, Reinaldo, Roberto Dinamite, Zito.
Atualmente, há bons goleiros, defensores, armadores e atacantes, alguns deles convocados para a seleção brasileira. Há jogadores e treinadores bons em seus clubes, porém, sofríveis na seleção nacional. O treinador italiano cogitado pela imprensa brasileira nunca treinou seleção alguma. Portanto, não há certeza de que ele terá êxito na empreitada, caso aceite dirigir a seleção brasileira. Até o momento, sempre que provocado, Ancelotti nega entendimento com a Confederação Brasileira de Futebol e afirma sua intenção de permanecer à frente do Real Madrid.

domingo, 15 de outubro de 2023

ISRAEL versus PALESTINA

Nas relações humanas, a busca da verdade e da justiça é incessante porque o falso e o injusto são de uso constante. A mentira está presente na diplomacia e na propaganda. As opiniões veiculadas pelos jornais, pelas emissoras de rádio e televisão e pela rede de computadores, têm que ser filtradas, pois, via de regra, carregam mentiras camufladas. A propaganda universalizou e coloriu a mentira, tornando-a palatável e apta a enganar. O sítio Brasil 247 da rede de computadores publicou, no dia 17/08/2023, o substancioso artigo “Robert F. Kennedy Jr. O Idiota Útil do Lobby de Israel”, sobre a propaganda do governo de Israel e o encobrimento dos horrores e crimes praticados pelos judeus. Chris Hedges, autor do artigo, jornalista estadunidense, trabalhou durante 7 anos em Israel como correspondente do New York Times. Segundo a sua opinião, o governo judeu nivelou-se ao governo da Alemanha nazista. “Israel de Fantasia”, foi o apelido dado à falsa imagem construída pela máquina de propaganda do governo israelense. O jornalista mencionou o holocausto na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e o apartheid impostos aos palestinos, criticou a manobra jurídica que ampara antigo projeto judeu de limpeza étnica na Palestina, relatou a subnutrição e o elevado índice de desemprego dos palestinos, a morte de milhares de palestinos de ambos os sexos e de todas as idades, a dificuldade ou impossibilidade de acesso a água, alimentos, remédios e energia elétrica, as torturas, o bombardeio de casas, hospitais, escolas, ataques indiscriminados e nada “cirúrgicos”, referiu-se às mentiras dos judeus para justificar o genocídio, ao racismo, ao nacionalismo e ao fascismo dos judeus, à proibição de casamentos entre judeus e palestinos, e ao arremedo de democracia.
[Excertos do artigo “Verdades & Mentiras” publicado neste blog em 20/08/2023].
Alguns veículos progressistas da média brasileira questionaram o qualificativo “terrorista” dado ao Hamas pelos governos dos Estados Unidos da América (EUA) e de Israel e pela indecorosa média corporativa satélite. Lembraram que a Organização das Nações Unidas (ONU) não atribui tal qualificativo ao Hamas. Os grupos defensores da liberdade e dos direitos dos seus povos oprimidos são qualificados de “terroristas” por seus opressores. Em conclave internacional, os países mais potentes elaboram o conceito “terrorista” com notas que os excluem. Esse conceito funciona como “definição oficial”, na qual se enquadra como criminoso subversivo quem  luta pela liberdade e pelos direitos do seu povo. 
Terrorista é todo indivíduo, grupo, ou estado, que provoca e/ou espalha terror mediante ações aterrorizantes. Nessa definição entram os EUA, Israel e demais estados opressores. O terrorismo estatal configura sistema opressor de persuasão social e domínio político. O terrorismo social configura método utilizado pelo oprimido para obter o reconhecimento da sua dignidade e dos seus direitos. Os dois tipos de terrorismo utilizam meios violentos e cruéis para atingir os seus objetivos. Atropelam o direito internacional e a ética humanitária. Assumem posição refratária a quaisquer conceitos, sentimentos, regras e interesses que não sejam os deles próprios. 
EUA e Israel são exemplos de estados terroristas, criminosos, genocidas, que violam as regras jurídicas internacionais, afrontam decisões dos tribunais, menosprezam os princípios humanitários. Desde a segunda metade do século XX, com ajuda e beneplácito dos EUA, Israel vem invadindo e se apossando das terras da nação palestina, destruindo casas, edifícios e a infraestrutura hidráulica e elétrica, cerceando a locomoção, prendendo, torturando e assassinando adultos e crianças. O Hamas constitui um movimento paramilitar, social e político de resistência à tirania dos judeus militares, civis e religiosos. Leva o selo do temperamento, dos costumes e da milenar cultura dos povos árabes. 
Os acordos de paz nestes últimos 40 anos ficaram no esboço, não se concretizaram. O episódio de 11 de Setembro na América e agora o episódio de 07 de Outubro no Oriente Médio, foram respostas desesperadas e advertências singelas dadas pelos oprimidos aos opressores. Só haverá paz depois de lançada bomba atômica em cada uma das seguintes cidades: Washington, Nova Iorque, Tel Aviv, Jerusalém, Londres e Berlim. Desse modo, cortar-se-á o mal pela raiz. Sem esse bombardeio exitoso, a paz continuará a ser vã esperança, objeto de discursos demagógicos e de fingidos esforços, perda de tempo e de dinheiro. O oprimido de ontem (holocausto judeu) é o opressor de hoje (holocausto palestino). Ontem, rebelião heroica e suicida dos judeus contra os nazistas alemães. Hoje, rebelião heroica e suicida dos palestinos contra os nazistas judeus. Assim caminha a humanidade.  

domingo, 8 de outubro de 2023

TROVAS

 

Muito ajuda quem não atrapalha

Inútil ou imprestável vira tralha

Palavra acelerada virtude pouca

Confusão na meta decisão louca


Quem neste mundo muito arma

Mais do mal que do bem se vale

No seu destino faz que se instale

Merecido castigo da lei do carma

domingo, 1 de outubro de 2023

NUVENS

Ele agradece a deus pela concessão de mais um dia. Preenche a primeira hora de cada manhã com exercícios físicos no quintal da sua casa. Contempla as montanhas. Observa o movimento das nuvens. Como se fossem chumaços de algodão, elas se aproximam umas das outras, unem-se, formam um bloco. A nuvem assim encorpada cobre as montanhas, sobe e continua a se mover sem pressa alguma. Depois, começa a se desfazer e a desenhar figuras no céu.
Quando criança, Ariosto – esse era o seu nome – pensava que as nuvens se formavam no céu e pairavam sobre cidades e montanhas. Às vezes, elas ficavam muito escuras, ameaçadoras, revoltosas, trovoavam, lançavam chuvas e raios. A sua avó materna, italiana católica fervorosa, dizia que a fúria da natureza era sinal da zanga de deus provocada pelos pecados dos adultos e das crianças rebeldes e desobedientes. Segundo vociferava o padre da paróquia, “os homens são pecadores e devem fazer penitência para obter a misericórdia divina e salvar suas almas das labaredas do inferno”. Aos domingos, Ariosto ouvia essa ladainha durante a missa enquanto o sacristão sacudia o saco das esmolas diante do peito de cada fiel, insistentemente, percorrendo, um após outro, os bancos da igreja. O saco ficava pendurado na extremidade de uma vara que o sacristão segurava pela ponta oposta. Na sua ingenuidade infantil, Ariosto ficava intrigado. Só os homens? E as mulheres, não são pecadoras? Será que elas são protegidas por Nossa Senhora?  
Ainda garoto, Ariosto se admirava com a cerração matinal. Quando moço, associou a cerração à nuvem. Passeava pela neblina como se estivesse andando nas nuvens. Afinal, como dizia a sua mãe, ele sempre andava “com a cabeça nas nuvens”. A neblina era uma nuvem ao alcance dos pés. Pilotando automóvel, ele reduzia a velocidade, mas, às vezes, preferia parar e aguardar no acostamento até a neblina enfraquecer e melhorar a visibilidade. “Cautela e caldo de galinha mal não fazem”, ditado que ouvia na família. 
Ariosto lembrava dos ensinamentos de ciências naturais do curso ginasial da sua adolescência. Com o calor do sol, as águas do mar, do rio, da lagoa, evaporam. O vapor quente sobe e atinge o ar frio nas alturas. Desse encontro, formam-se os ventos e as nuvens. No entanto, ele viu nuvens que não desciam sobre as montanhas e sim que subiam das suas bases. Oriundas das águas dos vales e sopés, as nuvens se elevavam até cobrir a montanha. Então, deduziu, assim como lá em cima é aqui embaixo, e fez um muxoxo ao concluir o seu raciocínio.
Certa ocasião, ele percebeu detalhe que o incomodou. As nuvens nem sempre cobriam as montanhas. Na verdade, elas cobriam a visão que ele tinha das montanhas. Sentiu-se vítima da ilusão de ótica. Caso ele se postasse na montanha, notaria a distância entre ela e as nuvens. A beleza seria a mesma, porém, a informação seria diferente. Veria que as nuvens situadas à frente da montanha levantavam-se de baixo para cima, saíam da terra e não do céu. 
Ariosto já havia testemunhado esse fato na sua adolescência, mas, a memória apenas registrou o que os olhos viram sem especular. Jovem aspirante a alpinista, ele escalara algumas vezes a cadeia de montanhas do seu estado natal. Em uma dessas ocasiões, resolveu dormir no ponto mais alto da cordilheira. Mirou as estrelas e as desafiou a se esconderem. Não havia nuvens. As estrelas não tinham como se esconder e ficaram mais brilhantes. Ele não lhes deu importância. Recusou-se a lhes servir de plateia e foi dormir no leito de pedra. Sem a atenção dele, as estrelas ficaram a brilhar umas para as outras. Amanheceu. Ele sentiu o frescor da névoa matutina. As nuvens ocultavam o sol e o azul do firmamento. 
Na segurança do seu lar, na quietude do seu quarto, Ariosto meditava sobre as nuvens que cobrem os seus pensamentos e os seus sentimentos. Afastando as nuvens do seu cérebro, ele buscava o que elas ocultavam: o sol espiritual do sublime conhecimento. Ele ficara encasquetado com a nuvem do mundo tecnológico. Tal como a nuvem cerebrina, a nuvem tecnológica não era gás, nem outra coisa real. Ela ocultava dados contidos em partículas eletromagnéticas. Tratava-se de ambiente virtual de armazenamento de dados acessíveis por meio de aparelhos sincronizados, ferramenta invisível para armazenar virtualmente arquivos sem ocupar espaço na memória do aparelho celular. Sonhador, Ariosto imaginou essa nuvem como um setor do cinturão eletrostático que envolve o planeta. Demorou a conciliar o sono. 

domingo, 24 de setembro de 2023

O RETORNO DO TORNEIRO

No discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferido no dia 19/09/2023 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) temas sensíveis foram abordados, tais como: democracia, direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, cooperação entre os povos, repúdio ao racismo e ao terrorismo. O presidente: 
1. Criticou: (i) os excessivos gastos com a guerra comparados com os gastos da paz (ii) a seletividade do Conselho de Segurança da ONU conforme a potência de cada estado (iii) a demora no cumprimento dos objetivos da agenda 2030 (iv) o  protecionismo dos países ricos e a consequente estagnação da Organização Mundial do Comércio (v) a desproporção nas ajudas prestadas pelo Fundo Monetário Internacional. 
2. Cobrou dos países ricos: (i) ajuda financeira para a solução dos problemas na amazônia (ii) empenho em escala planetária na defesa do meio ambiente, na erradicação da fome e da pobreza, na redução das desigualdades sociais e econômicas. 
3. Acentuou a necessidade de: (i) fortalecer os sindicatos (ii) igualar os salários de homens e mulheres que desempenham a mesma função (iii) facilitar acesso das camadas vulneráveis de cada povo à educação, à saúde e à cultura (iv) justa distribuição da riqueza, tanto no interior de cada estado como entre os estados (v) tributar os ricos. 
4. Atribuiu culpa ao neoliberalismo pelas desigualdades econômica e política nas democracias. 
Causa estranheza o elogio ao discurso do presidente feito por jornalistas da média corporativa nacional de direita que habitualmente atacam o líder progressista. Ao vivo, na TV, alguns desses jornalistas balbuciam, têm dificuldade para concatenar ideias, vocabulário pobre e mal-empregado. Disfarçam a mediocridade com poses emolduradas com vestes e calçados de griffe. Eles são “a voz do dono” [RCA Victor]. “Lula fez um discurso perfeito”, diz um; “belíssimo”, diz outra, “de Chefe de Estado” acrescenta com ênfase e entusiasmo como se o presidente da república, além de chefe de governo, não fosse também chefe de estado. A direita tem enorme dificuldade de respeitar Lula como chefe de estado e chefe de governo. O preconceito é muito forte. A elite branca civil e militar não se conforma com o status político do torneiro mecânico nordestino pobre sem curso universitário. O grupo globo marinho e seus jornalistas amestrados não se cansam de tramar golpes contra o governo. Todos eles, amestrados e amestradores, merecem ser processados judicialmente por tal ação política subversiva e injuriosa. Não só o jornalista e a empresa devem ser punidos, mas, também, o dono da empresa, cuja vontade se expressa na politica interna por ele estabelecida, caso em que se aplicam a teoria do domínio do fato e o preceito legal do concurso de pessoas. 
O presidente ressaltou a importância da liberdade de imprensa sem mencionar o exercício criminoso dessa liberdade. Em nome da liberdade de informação, ele fez corajosa defesa do jornalista australiano Julian Assange que está sob custódia da polícia londrina desde 2019, preso por haver publicado, em 2010, no WikiLeadks [site fundado pelo jornalista] vários documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos da América. A direita está feliz também porque o presidente não censurou a Ucrânia, não elogiou a Rússia e nem falou em combater a corrupção. Aliás, no Brasil, “combate à corrupção” é bandeira da canalha corrupta que coordenou e financiou a fraudulenta operação lava-jato. Ao governo legal, legítimo, honesto e ativo, compete lutar contra todos os crimes, quer os praticados por pobres e pretos, quer os praticados por ricos e brancos. 
Nota-se um tom imperialista em alguns trechos do discurso que parecem sugerir aos outros estados o modelo constitucional brasileiro. Todavia, entre os membros da ONU há repúblicas democráticas e autocráticas; há monarquias democráticas e autocráticas; há povos cristãos, muçulmanos, budistas, hinduístas. A cultura desses povos deve ser respeitada se a proposta de paz for séria. Nesse contexto, a referência feita no discurso sobre o estado de direito foi inoportuna e equivocada. As nações componentes da ONU estão política e juridicamente organizadas. Portanto, são estados de direito ainda que não se encaixem no figurino ocidental. O presidente referia-se, talvez, ao estado democrático de direito. No entanto, compete a cada nação decidir sob qual modelo político pretende viver, sem exigir que as demais nações também o adotem. Há, por exemplo, nações em que: (i) a religião condiciona a política e a forma de governo (ii) dinastias governam desde as origens históricas por direito próprio e tradicional. 
Outros reparos: 
1. O presidente dirigiu condolências aos mortos, vítimas do infortúnio que menciona, invés de dirigi-las aos vivos (parentes e amigos). Pêsames são dados a alguém vivo em virtude da morte de outrem. 
2. Falta sentido à frase “A extrema direita surge dos escombros do neoliberalismo”. A extrema direita não surge de entulho e sim da divisão ideológica e política no seio da sociedade. Trata-se do posicionamento político estável e ideológico de um grupo humano radical, autocrata, nacionalista, racista, sexista, violento, conservador das desigualdades, adepto do capitalismo selvagem, inimigo figadal do socialismo, que se vale das crises sociais e econômicas para subverter a ordem jurídica vigente. 
3. A frase “O Brasil voltou” soa como jactância. Só volta quem antes partiu. O Brasil nunca saiu do seu território e nem da ONU. Quem saiu do governo foi o governante autoritário de extrema direita derrotado nas eleições de 2022. Quem retornou ao governo e à cena internacional foi o torneiro democrata.

domingo, 17 de setembro de 2023

ÉTICA NO FUTEBOL

O agir humano rege-se por impulsos instintivos e por normas convencionais. A origem dos impulsos é irracional. O pensamento, o sentimento, a vontade e a experiência dos humanos estão na origem das normas convencionais de natureza moral (obediência livre) e de natureza jurídica (obediência obrigatória). Desobedecer às regras morais enseja censura pela família e pela sociedade. Desobedecer às normas jurídicas enseja punição pelo estado. A desobediência também pode ser reprovada pelo tribunal da consciência. As normas jurídicas produzidas pelo estado são de maior extensão e estão contidas nas leis. As normas jurídicas produzidas pela sociedade são de menor extensão e estão contidas nos contratos. Inato, o senso moral está presente tanto na produção das normas jurídicas como na produção das normas éticas.

O refinamento intelectual distingue Ética e Moral. No entanto, a real distinção limita-se à origem das palavras. Ética vem do grego ethos. Moral vem do latim mores. Ambas têm o mesmo significado: costume, conjunto das regras de conduta obedecidas constante e historicamente como se fossem escritas e obrigatórias. Em nível prático, Ética ou Moral compõe-se dessas regras que orientam o comportamento humano. Em nível teórico, Moral ou Ética é a ciência do bem e do mal, estudo metódico e sistemático desse fenômeno cultural normativo.

A universal lei do movimento atua não só no mundo da natureza como também no mundo da cultura. Os costumes mudam conforme as vicissitudes sociais, econômicas e políticas das diversas nações no curso dos anos e séculos. Na cultura ocidental, valores morais como justiça, bondade, veracidade, honestidade, estão dominados pelo utilitarismo. O bem e o mal são vistos através da lente econômica e mudam de posição conforme mudam os interesses. Disto, resultou um pragmatismo divorciado dos preceitos morais que, de um modo geral, inseriu-se no lar, na escola, na empresa, no clube, enfim, nas instituições civis, militares e religiosas.

No setor esportivo, ocorrências publicadas na imprensa revelam a fraqueza moral de atletas, treinadores e dirigentes. Recentemente (2023), um jogador acusado de agredir a namorada foi excluído da seleção brasileira enquanto outro jogador, acusado de estuprar a namorada, foi incluído na seleção brasileira. O critério moral do treinador e dos dirigentes mostrou-se flutuante. Certamente, a pecúnia é brisa que sopra nessa biruta. Provavelmente, por constatar essa realidade, o apresentador do programa “Os Donos da Bola”, da TV Bandeirantes, distinguiu a seleção da CBF da seleção idealizada por ele, notável craque do passado que, no presente, afoito e mal-educado, interrompe os convidados quando estão falando e opinando. A distinção permite os acréscimos: [1] Na seleção da CBF pesa mais o dinheiro no preenchimento das vagas [2] Na seleção do povo pesam mais o bom caráter, a honestidade, o talento, o refinamento técnico e a eficiência dos jogadores [3] A seleção da CBF é real [4] A seleção do povo é virtual.

Nas competições eliminatórias para a Copa do Mundo/2026, partida Brasil x Bolívia, por haver tirado doce das mãos de criança, o artilheiro foi considerado gigante pelo treinador. Com base em petulante enganação, o jogador recebeu – sem merecer – placa de maior artilheiro da seleção brasileira por ter supostamente superado a marca de Pelé. Na ocasião, o jogador disse que a placa não significava ser ele melhor do que Pelé. Isto nem precisava ser dito, salvo por falsa modéstia. Ele nunca foi melhor do que Pelé, Garrincha, Zico, Romário, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho. Isto sem falar de outros notáveis como Domingos da Guia, Djalma Santos, Nílton Santos, Carlos Alberto, Gérson, Júnior, Falcão, Sócrates, Ademir da Guia, Didi, Zizinho, Ademir Menezes e Leônidas. Perto destes, quer como pessoa, quer como atleta e cidadão, o emplacado é nanico.

No que tange à artilharia da seleção, o trono ainda é de Pelé com 95 gols. Seguem-se: Neymar com 79 gols, Ronaldo Nazário com 67, Zico com 66, Romário com 56. Outro é o cenário que resulta do cálculo proporcional [mais adequado para esse tipo de classificação] quando é considerada a quantidade de jogos dos quais cada jogador participou. A lista dos maiores artilheiros da seleção tem as seguintes médias: Pelé 0,93; Romário 0,77; Zico 0,68; Ronaldo 0,63; Neymar 0,62.

A lógica matemática não mente, porém, os falsificadores manipulam os números segundo os seus interesses. Eles surrupiaram 18 gols feitos por Pelé em jogos da seleção a fim de que o “gigante” deles pudesse ultrapassá-lo. Argumentaram que gols feitos em jogos da seleção contra clube ou contra selecionado de clubes não podem ser computados na artilharia. Tal vedação não consta do código do futebol e nem dos bons costumes. No futebol, artilharia é arma de ataque. O artilheiro toca na bola (chute, cabeceio) imprime força e velocidade à bola (projétil) arremessando-a contra o gol adversário (alvo). O êxito desse movimento (passagem da bola para o espaço interior das traves) entra para o cabedal do artilheiro, pouco importando se aconteceu em jogo amistoso ou de campeonato, se o adversário era um clube, um selecionado de clubes ou uma seleção nacional. 

Retirar, em proveito próprio ou de terceiros, gol da conta do artilheiro, tipifica ato ilícito sob o prisma moral e jurídico. O “gigante” deles escorou-se no prestígio de Pelé. Na carreira, o “gigante” também está longe de alcançar a marca de Pelé (1.282). Antes de pendurar as chuteiras, jogando mais deitado do que em pé [royalties para Casagrande], mais andando do que correndo, o “gigante” talvez chegue à marca do Romário. Ao sair da Europa, o “gigante” causou alívio aos europeus. Isto indica que o patrimônio material ainda não aniquilou o patrimônio moral de uma parcela da humanidade. Isto também lembra que Gulliver só era gigante no país dos liliputianos.