domingo, 30 de maio de 2010

FUTEBOL

O TÉCNICO E O PRESIDENTE
Ficou na retina a imagem do técnico da seleção brasileira de mão no bolso cumprimentando o Presidente da República na parte externa do palácio do governo em Brasília, antes do embarque para a África do Sul. Lembrou a imagem de Parreira com as duas mãos nos bolsos durante os treinos e jogos da seleção brasileira na copa de 2006. A displicência aparente na atitude de Parreira foi mais grave do que a de Dunga, no que tange a resultados.
Embora injustificável, o comportamento displicente de Dunga é explicável. A diplomacia não é o seu forte. Ele costuma ser franco e direto. Desde a sua atuação em campo como jogador, o público percebeu o seu modo sério e responsável, a sua franqueza rude, simples, comum aos homens e mulheres das sulinas querências. O público possivelmente se lembra do episódio durante uma das partidas da copa de 1994, quando ele discutiu com Bebeto. Os dois quase entraram em luta corporal, conforme imagem transmitida por emissora de televisão.
Disciplinado e disciplinador, o técnico parecia estar descontente com a perda de tempo em Brasília. A fisionomia do presidente não mostrava satisfação em cumprimentar o técnico. O presidente baixou os olhos, como querendo livrar-se logo do incômodo. Por sua vez, o técnico mostrou altivez ao encarar o presidente e falta de educação ao cumprimentá-lo sem tirar a mão do bolso. O aparente desgosto do técnico por essa visita tem prováveis fontes exotéricas e esotéricas. A fonte exotérica pode ser os escândalos do governo, a roubalheira, o tráfico de influência, o aparelhamento do Estado com os curraleiros do partido do presidente. Ser fotografado e filmado ao lado do chefe da quadrilha parece cumplicidade ou adesismo.
Ao invés de seguir diretamente de Curitiba para a África do Sul e poupar os jogadores de um desgaste desnecessário, a seleção foi a Brasília para saciar a sede de popularidade e a vaidade do presidente, comuns à classe política. O presidente dos EUA também não abriu mão da politicagem e se deixou filmar e fotografar junto à seleção de futebol daquele país. Pela imagem transmitida, os jogadores estadunidenses não pareciam satisfeitos em servir ao interesse político eleitoral do presidente e do seu partido.
Em Brasília, a seleção correu o risco de se contaminar com a urucubaca de Luis Inácio, coisa que todos gostariam de evitar. Aí está a provável fonte esotérica do desgosto do técnico. Por algum crédito resultante da incidência da lei do carma, quiçá oriundo das dificuldades que enfrentou desde a infância até assumir a presidência da República, Luis Inácio e sua família enriqueceram, desfrutam de boa vida, sem preocupação com inquéritos policiais e ações judiciais. O crédito e o débito decorrentes do carma não se transferem a terceiros. Logo, o crédito de Luis Inácio decorrente do seu carma pessoal positivo é intransferível. A imprensa registrou o fato de pessoas regredirem após visitar o presidente. A vibração que dele emana parece produzir efeitos negativos. Quiçá por isso, o técnico preferisse que a visita ocorresse no retorno, com a seleção exibindo a taça. A visita prévia pode azarar a seleção Além das dificuldades naturais, o técnico e sua equipe terão de superar mais essa dificuldade metafísica.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

FUTEBOL

FUTEBOL ALEGRE
A graça do palhaço e a graça do jogador são distintas. O palhaço pinta o rosto para esconder a seriedade com que executa o seu trabalho. Às vezes, embora triste por motivos íntimos, ainda assim o palhaço faz graça para alegrar o público. O jogador externa a sua alegria de jogar futebol nos treinos e certames ao se esforçar, esmerar-se e se solidarizar com a equipe. O futebol alegre resulta da irradiação desse contentamento que gera um ânimo coletivo jovial e descontraído durante as partidas e mantém a equipe sintonizada. O jogador brasileiro tem um gingado que ajuda na descontração. Esse bamboleio natural é uma das diferenças entre o brasileiro e o estrangeiro. Na comemoração dos gols, os jogadores brasileiros externam a sua alegria mediante abraços, sorrisos e expressões corporais, algumas vezes diante do local do estádio onde se encontram a torcida do seu clube e/ou a câmera de TV.
O técnico é o comandante à margem do campo. A ele cabe alertar os seus comandados sobre a diferença entre jogo e festa, entre alegria e euforia. Orientá-los para evitar o deboche. Todo adversário merece respeito. Certos malabarismos de efeito exclusivamente ornamental podem ofender os brios do adversário. Jogar bonito é jogar visando à vitória com habilidade, elegância, lealdade, coragem e determinação. Combinam-se prudência, beleza e eficiência. Jogar feio é jogar na retranca, com medo de perder, desconfiado da própria capacidade para vencer. A experiência ensina: fechar-se na defesa para garantir resultado é dar chance ao azar. Há meios mais eficientes para obter tal garantia.
O prazer de jogar não justifica a indisciplina. Quando o técnico resolve substituir o jogador, a decisão deve ser acatada por todos. Poucos ficam satisfeitos quando deixam o campo antes de a partida chegar ao fim. Isto é natural e compreensível, pois quem gosta da arte de jogar futebol não gosta de abandonar o jogo. Às vezes, a fisionomia do jogador revela tristeza, não por desgosto com o técnico ou com os companheiros, mas pela frustração de não continuar no jogo. Censurável, entretanto, a atitude do jogador quando demonstra insatisfação de maneira afrontosa e acintosa ao técnico, aos companheiros ou à torcida.
No futebol há estrelas de diferentes grandezas, segundo o potencial de energia e inteligência de cada jogador, cujo valor e brilho são medidos segundo critérios quantitativos e qualitativos, tais como: (i) domínio total ou parcial dos fundamentos da arte de jogar futebol; (ii) ausência, no seu histórico, de disputas violentas e desleais ou de jogadas bisonhas; (iii) atuação reveladora de inteligência lúdica: raciocínio rápido, visão de conjunto, antevisão das jogadas com resposta imediata e adequada, capacidade de improvisar durante o jogo quando o padrão tático for insuficiente; (iv) coragem, determinação, eficiência, criatividade, lealdade, elegância e solidariedade exibidas regularmente nos jogos; (v) disciplina, assiduidade e aplicação nos treinos; (vi) conduta compatível com a ética desportiva.
A fim de obter o maior rendimento possível, o técnico organiza a equipe de acordo com o potencial de cada jogador. Apesar disso, o resultado favorável depende, às vezes, de um lance ocasional, isolado, principalmente quando o desempenho e a qualidade técnica dos dois times se equivalem. A copa do mundo de futebol de 2010, na África do Sul, talvez revele equipes asiáticas e africanas competitivas e aptas a chegarem à partida final.

domingo, 23 de maio de 2010

FUTEBOL

GENIALIDADE NO FUTEBOL
Os jornalistas que vivem de sensacionalismo criam fantasias como essa dos jogadores do Santos FC, Ganso e Neymar, qualificados de “gênios”. A genialidade banaliza-se: qualquer bom jogador é “gênio”. Pessoas sensatas não se deixam iludir: confiam no testemunho dos seus próprios olhos e avaliam a qualidade do jogador segundo critérios objetivos. No sensacionalismo vem embutida propaganda subliminar favorável às empresas de comunicação, aos comunicadores sociais, anunciantes, patrocinadores e também aos jogadores que perdem rendimentos se perderem o patrocínio. Daí o interesse econômico em estar na crista da onda. Com esse objetivo, a mesma boa jogada (às vezes única do jogador) é repetida milhares de vezes pelas emissoras de televisão.
Esse artifício também é usado pelos argentinos para enaltecer Maradona e colocá-lo no mesmo nível de Pelé. Nas devidas proporções, considerado o desempenho durante a carreira, o argentino não foi melhor do que Rivelino, Jairzinho e outros jogadores brasileiros. Os comunicadores sociais não mencionam os lances negativos dos seus protegidos: furadas, passes errados, perdas de bola e de gol, dribles e chapéus sofridos, faltas cometidas, simulações, deslealdades e assim por diante.
A genialidade do jogador se revela no curso da sua vida esportiva. Acertos e erros no que tange aos fundamentos da arte de jogar futebol devem ser contabilizados. A genialidade supõe criatividade e inteligência lúdica (ludus = jogo) que não se confunde com intelecto cultivado. O jogador pode ter pouco estudo e cultura rudimentar, mas ser um gênio, criativo, dotado de vocação e inteligência para a arte de jogar futebol. Garrincha, fenomenal jogador de pernas tortas, serve de exemplo. Os gênios do futebol mundial são brasileiros: Didi, Garrincha, Leônidas, Pelé, Romário, Ronaldo Gaúcho e Zizinho (ordem alfabética). Até o momento, não há jogador que a eles se compare.
Estrelas de segunda grandeza, os estrangeiros Beckenbauer, Cristiano Ronaldo, Di Stefano, Eusébio, Fontaine, Gerd Muller, Kócsis, Maradona, Messi, Platini, Puskas, Riquelme, Zidane brilham em intensidade igual ou inferior à dos brasileiros: Ademir, Ademir da Guia, Amarildo, Cafu, Djalma Santos, Domingos da Guia, Falcão, Gerson, Giovane, Jairzinho, Júnior, Nilton Santos, Paulo César, Reinaldo, Rivaldo, Rivelino, Roberto Carlos, Robinho, Sócrates, Tostão, Vavá, Zé Roberto, Zico (ordem alfabética). No gol, entre os melhores do mundo: Castilho, Gilmar, Julio César, Leão, Marcos, Taffarel e fenômeno raro: goleiro-artilheiro Rogério Ceni.
Estrelas de terceira grandeza, os estrangeiros Anelka, Baggio, Ballack, Batistuta, Beckham, Breitner, Cambiasso, Cruyff, Cubillas, Deco, Eto´o, Klinsmann, Klose, Lato, Lineker, Malouda, Nasri, Ribery, Robben, Rummenigg, Totti, Valderrama, Vieri, brilham em intensidade igual ou inferior a uma plêiade de defensores, armadores e atacantes brasileiros: Adriano, Alex, Bebeto, Careca, Carlos Alberto, Clodoaldo, Coutinho, Diego Tardelli, Dirceu Lopes, Edu, Juan, KK, Leivinha, Lúcio, Luis Fabiano, Luis Pereira, Maicon, Miller, Nelinho, Nilmar, Palhinha, Pepe, Pinheiro, Raí, Renato, Roberto Dinamite, Ronaldo, Zagalo, Zito (ordem alfabética).
Gol de placa não é privativo de gênio. Resulta de um lance feliz. Nas semifinais da copa do Brasil (maio, 2010), Santos FC e Grêmio de Porto Alegre enfrentaram-se. No primeiro jogo, Jonas, do Grêmio, faz belo gol de fora da área. O comentarista da TV usou o jargão. No segundo jogo, Ganso, do Santos, faz gol idêntico. O comentarista da TV o qualificou de “gênio”. Debita-se o exagero ao bairrismo, jabá, patrocínio ou mera simpatia, pois, ao contrário do gremista, o santista só apresentou bom futebol no segundo tempo da segunda partida. Em belo gol, Robinho encobriu o goleiro, à semelhança do que fizeram e fazem outros jogadores brasileiros e estrangeiros.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

FUTEBOL

O TÉCNICO E OS TORCEDORES.
Sempre que há convocação de jogadores para formar a equipe brasileira de futebol super 20, a polêmica se instala. Cada torcedor forma em sua mente a sua própria seleção. O técnico, também, faz a sua, que raramente coincide com a do torcedor. Incluídos na categoria de torcedor, os jornalistas esportivos servem-se dos meios de comunicação social para pressionar o técnico. O espaço dos jornais reservado aos leitores traz a opinião de alguns torcedores. As manifestações tanto de jornalistas como de outros torcedores à vezes são ácidas e até ofensivas à pessoa do técnico.
O atual técnico da seleção brasileira não goza da admiração e do apreço de alguns torcedores, inclusive jornalistas esportivos, por se tratar de gaúcho com aquele modo de falar próprio dos descendentes de europeus que imigraram para a região sul do Brasil. Ele mostra um pouco daquela rudeza típica dos homens simples daqueles rincões. Assim como alguns técnicos brasileiros – como, por exemplo, Murici Ramalho – Dunga, por dever de ofício, presta entrevistas à imprensa, mas impacienta-se. Efetivamente, há perguntas que irritam não só ao técnico como também ao telespectador. Há técnicos – como, por exemplo, Luxemburgo – que ficam à vontade diante das câmeras de televisão e cuja verbosidade agrada mais ao público.
Há jogadores que, indiferentes à ética profissional, manifestam seu desagrado por não integrarem a seleção. Serve de exemplo o jogador do Santos FC, conhecido como Ganso, que apesar de constar dos 30 jogadores convocados, protestou por estar fora dos 23 titulares. Sem modéstia alguma, o jogador se acha um craque e refuta as afirmações do técnico sobre sua atuação no selecionado sub 20. Ele pensa que atingiu o nível de Giovane, quando a trilha para chegar ao topo ainda não terminou. Ele tem o estilo de Giovane, mas não a mesma eficiência, nem a mesma elegância.
A seleção fora derrotada em 2006, sob o comando de Parreira, técnico incensado pela imprensa. Temiam-se novas derrotas sob o comando de Dunga, considerado inexperiente para a função e sem a qualificação de Parreira. Assim como parcela do povo brasileiro, KK e Ronaldo Gaúcho pareciam duvidar do sucesso de Dunga. Logo após a nomeação desse técnico, os dois pediram para não ser convocados alegando cansaço. Jogar em seleção perdedora acarreta perda de patrocínio o que implica perda de rendimentos para o jogador. Por essa falta de comprometimento com a seleção brasileira, esses dois jogadores não mereciam mais ser convocados. No entanto, em 2010, Dunga convocou KK. Faltou coerência. De duas uma: ou mantinha os dois fora, ou a ambos convocava, até porque, tecnicamente, Ronaldo Gaúcho é craque e KK apenas um bom jogador.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

FUTEBOL

A ESCOLHA DE DUNGA
O título deste artigo foi tirado do livro “A Escolha de Sofia”. Entre a sua filha e o seu filho, Sofia foi obrigada, por oficial alemão, a escolher qual deles ficaria no campo de concentração. Ficou o menino, por ser o mais sadio e forte, com mais chance de sobreviver. Nesse momento de angústia, prevaleceu o senso prático da mãe. Só a mulher que foi ou é mãe, saberá avaliar a dor de Sofia.
O técnico da seleção brasileira não foi obrigado a suportar tamanha crueldade, mas confessou ficar angustiado, dividido entre a emoção e a razão. Das suas entrevistas às emissoras de televisão, constata-se que prevaleceu o senso prático. Jogadores que ele gostaria que estivessem na seleção ficaram de fora pelas razões que apresentou.
Certamente, o técnico deu explicações em respeito à opinião pública que, na verdade está dividida; há brasileiros a favor e contra. A maioria dos jornalistas torceu o nariz à lista dos convocados. Alguns desses jornalistas, derrotistas, vaidosos e pretensiosos, ficaram desapontados porque o técnico não lhes deu acatamento, afirmaram que a seleção brasileira não terá êxito e torcem para que o futuro lhes dê razão.
Os critérios de escolha apontados pelo técnico merecem reparo. Idade, experiência, comprometimento, coerência, não convencem quem gosta de futebol e acompanha os campeonatos. Em 1958, quando a equipe brasileira conquistou a copa do mundo de futebol pela primeira vez, dela faziam parte jogadores com menos de 20 anos de idade, como Pelé e Mazzola. Ronaldo Gaucho e KK se negaram a participar da seleção em jogos anteriores. Os dois e todos os outros que manifestaram a vontade de não integrar a equipe brasileira mostraram de modo inequívoco a sua falta de comprometimento. Jamais deveriam vestir a camisa da seleção brasileira novamente. No entanto, o técnico convocou KK e não convocou Ronaldo Gaucho, o que significa falta de coerência. Além disso, KK sempre jogou melhor no seu clube do que na equipe brasileira.
O técnico tem liberdade de escolha e conhece muito bem o esporte ao qual dedica sua vida até o momento. Demonstrou isto não só em suas entrevistas como também em sua atuação à frente da equipe brasileira. Os jornalistas sabichões não sabem como digerir essa realidade e censuram a ausência de um jogador do Santos FC. Acontece que as molecagens desse jogador e as suas artimanhas para forçar faltas ou cometê-las podiam causar prejuízo à equipe brasileira durante as partidas. O técnico optou pela seriedade e pela experiência dos jogadores. Nisto, acertou. O clima carnavalesco da copa de 2006 não se repetirá. O cuidado com a produtividade da seleção brasileira prevalecerá. O interesse econômico dos jogadores e dos seus patrocinadores ficará em segundo plano, como convém. Cultivar-se-á o clima fraterno de alegria e respeito.
Em todo mundo, o Brasil é o país com maior quantidade de bons jogadores. Selecioná-los é tarefa muito difícil. O rendimento de cada jogador em campo não se conserva sempre o mesmo; há altos e baixos. Os clubes com maior potencial financeiro contratam os que se encontram em melhores condições. Desse modo, formam pequenas seleções.
Os clubes com menor potencial financeiro conseguem vencer os grandes justamente porque o jogador brasileiro é muito bom, seja do interior, seja da capital. A sensação do momento, no Brasil, o Santos FC, perdeu para o Santo André, para o Atlético Mineiro, para o Grêmio de Porto Alegre, no primeiro semestre de 2010. Em campeonato de futebol, nem sempre a melhor equipe sai vencedora. Foi assim com a seleção brasileira em 1950, com a húngara em 1954, com a holandesa em 1974 e com a brasileira em 1982. Mesmo sem uma grande equipe, o Brasil venceu as copas de 1994 e 2002. Talvez, vença a de 2010; qualidade e garra há de sobra.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

POESIAS

Veio coleante essa mágoa / arrastas triste e submisso / também choro veio d´agua / sem que ninguém dê por isso... / soltas nos seixos de chofre / choras ... No mundo inclemente / só não chora quem não sofre / só não sofre quem não sente / procuras dentre os abrolhos / ver o céu que astros povoaram / eu também procuro uns olhos / que nunca me procuraram / os céus não vêem tua mágoa / nem estas ela advinha / veio d´agua veio d´agua / tua sorte é igual à minha / ora em bolhas vãs tu medras / eu em sonhos bem mesquinhos / teu leito é cheio de pedras / minha alma é cheia de espinhos / se uma rama se desfolha / sobre o teu dorso e resvala / corres doido atrás da folha / sem poder nunca alcançá-la / às vezes também risonho / um sonho minh´alma junca / corro doido atrás do sonho / sem poder tocá-lo nunca / ventura ... doida corrida / de uma folha sobre um veio / folha ... esperança perdida / de um bem que nunca me veio / assim vou sangrando mágoa / e doido para onde for / veio d´agua veio d´agua / corro atrás da minha dor! / (“A Serenata” – trecho de “Juca Mulato” – Menotti del Picchia).

Macunaíma, Maria / viajando por essas terras / com os dois manos, encontrou / uma cunha tão formosa / que era um pedaço de dia / na noite do mato-virgem. / Macunaíma, Maria / gostou da moça bonita. / Porém ela era casada. / E jamais não procedia / que nem as donas de agora / que vivem mais pelas ruas / do que na casa em que moram; / vivia só pro marido / e os filhos do seu amor / fiava, tecia o fio / pescava, e março chegado / mexendo o corpo gostoso / ela fazia a colheita / do milho de beira-rio. / Que bonita que ela é!...Bom. / Macunaíma, Maria / não pode seguir, ficou. / Quêque havia de fazer! / Amar não é desrespeito / falou pra ela e ela se riu. / Então lhe subiu do peito / a escureza da paixão / e o apaixonado cegou. / Pegou nela mas a moça / possuía essa grande força / que é a força de querer bem:/ forceja que mais forceja / até deu nele! Não doeu. / Macunaíma, Maria / largou a moça. / Ô, meu Deu! (...) (“Lenda das Mulheres de Peito Chato” – Mário de Andrade).

A tarde se deitava nos meus olhos/ e a fuga da hora me entregava abril / um sabor familiar de até-logo criava / um ar e, não sei por que, te percebi. / Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança. / Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade / o arcanjo forte do arranha-céu cor-de-rosa / mexendo asas azuis dentro da tarde. (“Poemas da Amiga” – Mário de Andrade).

Janaína vive no rio / vive no açude / vive no mar. / Lembrou-se de vir passear / nas ôndias passou dendê. / As ôndias se acomodaram / cavalo marino veio / para ela se amontar. / No cavalo se amontou / galopando descuidada / acordando os afogados / dando adeus à maré grande. / Botando nome nos peixes / ouvindo a fala dos búzios. / No ventre de Janaína / as escamas estão brilhando / nos olhos de Janaína / na cauda de Janaína / tem cem doninhas pulando. / Nos peitos de Janaína / tem dois langanhos babando. / Se Janaína sorri / as ôndias ficam banzeiras. / Se Janaína está triste / o mar começa a espumar / a pegar gente na praia / pra Janaína afundar / - Janaína dá licença / que eu me afogue no seu mar? (“Janaína” – Jorge de Lima).

Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que não compreendem os teus meios-dias voluptuosos / as tuas redes pesads de corpos eurrítmicos, que se balançam nas sombras úmidas / as tuas casas de adobe que dormem debaixo dos cardos / os teus canaviais que estalam e se derretem em pingos de mel / as tuas solidões, por onde o índio passa, coberto de ouro, entre rebanhos de cabras / as tuas matas que chiam, que trilam, que assobiam e fervem / os teus fios telegráficos que enervam a atmosfera de humores humanos / os martelos dos teus estaleiros / os ilvos das tuas turbinas / as torres dos teus altos fornos / o fumo de todas as tuas chaminés / e os teus silêncios silvestres que absorvem o espaço e o tempo?/ Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que se não debruçam sobre os trágicos suores das tuas sestas bárbaras? / No teu sangue mestiço crepitam fogos de queimadas / juízes, tribunais, leis, bolsas, congresso, escolas, bibliotecas / tudo se estilhaça em clarões, de repente, nos teus pesadelos irremediáveis / Ah! Como sabes queimar todos esses troncos da floresta humana / e refazer, como a Natureza, a tua ordem pela destruição! / Onde estão os teus poetas, América? / Onde estão eles que não vêem essas bocas marítimas que te alimentam de homens / que atulham de combustível as fornalhas dos teus caldeamentos / onde estão eles que não vêem todas essas proas entusiasmadas / e esses guindastes e essas gruas que se cruzam / e essas bandeiras que trazem a maresia dos fiordes e dos golfos / e essas quilhas e esses cascos veteranos que romperam ciclones e pampeiros / e esses mastros que se desarticulam / e essas cabeças nórdicas e mediterrânicas que os teus mormaços vão fundir em bronze / e esses olhos boreais encharcados de luz e de verdura / e esses cabelos muito finos que procriarão cabelos muito crespos / e todos esses pés que fecundarão os teus desertos! / Teus poetas não são dessa raça de servos que dançam no compasso de gregos e latinos / teus poetas devem ter as mãos sujas de terra, seiva e limo / as mãos da criação! / E a inocência para adivinhar os teus prodígios / a agilidade para correr por todo o teu corpo de ferro, de carvão, de cobre, de ouro, de trigais, milharais e cafezais! / Teu poeta será ágil e inocente, América! / A alegria será a sua sabedoria / a liberdade será a sua sabedoria / a sua poesia será o vagido da tua própria substância / América, da tua própria substância lírica e numerosa / do teu tumulto ele arrancará uma energia submissa / e no seu molde múltiplo todas as formas caberão / e tudo será poesia na força da sua inocência. / América, teus poetas não são dessa raça de servos que dançam no compasso de gregos e latinos! (“Toda a América” – Ronald de Carvalho).

Muro que hoje separa / os homens / em passado e futuro. / Muro do absurdo / que divide, agora / o coração em dois: / em oriente e ocidente. / Divide o sol em dois:/ em dois mistérios. / Divide o mundo em dois: / em dois hemisférios. / Ou em dois cemitérios? / No labirinto / do desentendimento humano / o anjo rebelde / se debate, em busca / de uma saída. / E, ao mesmo tempo, é expulso / de uma cor para outra / deixando os pés escritos / em areia e neve / na rude geografia / das injustiças. / (Só a dor e as estrelas / são universais) / Mas, como destruí-lo? / Com as velhas trombetas / de Jericó / já douradas de pó? / Recolocando, no ar / em seu lugar, agora / o novo arco celeste / de uma ponte pênsil? / Ou com a lira em flor / que Anfião tocou em Tebas? / Anfião, a quem possam / as pedras transformar-se / de novo, em pássaros? / Ou com o sol de hidrogênio / se só pelo consolo / de morrermos, todos / - todos, ao mesmo tempo - / e, assim, um ser irmão / do outro, por prêmio? / Ah! O herói obscuro / a quem – todos – pudéssemos / os que sofremos, dentro / e fora do muro / de um só mal, todos presa / ofertar, toda em ouro / a coroa mural. / Igual à que os romanos / num afresco antigo / estão oferecendo / sob um céus de turquesa / ao primeiro soldado / que escalou a muralha / de uma fortaleza. / O dia é geográfico / a noite é universal / mas, se Deus ouvir rádio / esteja onde estiver / ouvirá o meu grito: / por que a noite nos une / e o dia nos separa? ( “Coroa Mural” – Cassiano Ricardo).