sábado, 27 de julho de 2019

BRASIL x CHINA x EUA


O ex-diretor de operações de inteligência da Frota do Pacífico dos EUA, James Fanell, publicou carta criticando a política interna e externa da China. Ao responder, o porta-voz do governo chinês, Sheng Chuang, disse que: (i) a atitude do americano e dos seus apoiadores, ao instigarem o confronto entre as duas potências, em nada contribui para as boas relações internacionais e a paz no mundo (ii) a carta revela preconceito ideológico e mentalidade da guerra fria (iii) as acusações nela contidas são infundadas, mentirosas e difamatórias.
Na experiência política dos povos, o fator ideológico está presente, sendo comum a divergência entre agentes moderados e agentes radicais. O subscritor da mencionada carta alinha-se aos radicais que proliferam nos diversos escalões do governo estadunidense. As ideias e os interesses que a elite intelectual expressa e formaliza (filósofos, cientistas, artistas, jornalistas, professores, doutrinadores, legisladores, magistrados) brotam da complexa realidade social cujos principais elementos constitutivos são as famílias, os grupos, as classes, os setores industrial, comercial, agrícola, as instituições (civis, militares, religiosas) e o estágio cultural (usos, costumes, crenças, religiosidade, música, literatura, educação, arte, ciência, tecnologia). Em país sob regime totalitário, as ideias e os interesses prevalecentes são explícitos, enquanto os divergentes estão implícitos. Em país sob regime liberal autoritário, prevalecem as ideias e os interesses da elite econômica. Em país sob regime social democrático, busca-se o equilíbrio entre as ideias e os interesses da elite, de um lado, e as ideias e os interesses da massa popular, de outro. Em país sob regime socialista autocrático, prevalecem as ideias e os interesses da massa popular sob o comando da burocracia estatal.
O imperialismo das grandes potências, a espionagem, a difusão de falsidades, injúrias, difamações e calúnias, são fatos notórios da história universal. Nos EUA, são notórios: [1] o radicalismo de agentes do governo (congressistas, presidentes, vice-presidentes, secretários de estado, juízes) [2] o propósito de introduzir, em outros países, a sua cultura, o seu modo de vida e abrir portas aos negócios das suas empresas. 
Em Luoding, cidade da província de Guangdong, Sudeste da China, um brasileiro lá residente, instrutor de paraquedismo, surpreendeu-se com a realidade social diferente da imagem negativa exportada pelo governo dos EUA e por dissidentes asiáticos radicados na América e na Europa. Notou a arquitetura moderna de casas e edifícios, o trânsito barulhento e intenso com numerosas motocicletas, a existência de uma classe média semelhante à do Texas, crianças e adolescentes alegres, com roupas, tênis e hábitos ocidentais, pedalando nas suas bicicletas, ampla liberdade. Então, curioso, ele solicitou esclarecimentos ao chinês seu colega de profissão. Obteve a seguinte resposta: sim, temos bom padrão de vida e também liberdade para quase tudo, menos para atacar o governo. Esta restrição funciona como defesa preventiva de modo a evitar que a liberdade plena do indivíduo propicie a desestabilização do governo ou a destruição do estado.
Do preâmbulo e dos artigos  4º, 6º, 11/14, 33/36, da Constituição da República Popular da China (1982) verifica-se que: [1] as nacionalidades que compõem o estado chinês são livres para usar seus idiomas, preservar, ou reformar, os seus usos e costumes [2] apesar do coletivismo, da propriedade pública dos meios de produção, o estado chinês cedeu razoável espaço ao individualismo útil na área econômica e interessante na área social [3] o estado protege: (I)  os direitos e interesses legítimos da economia individual (II) o direito dos cidadãos à posse dos rendimentos legitimamente adquiridos, às suas poupanças, a casas e a outras formas de propriedade legítima (III) o direito a herdar propriedade privada [4] o estado tem em conta os interesses coletivos e individuais [5] todos os cidadãos são iguais perante a lei [6] todos gozam de liberdade de expressão, imprensa, associação, reunião, desfile, manifestação, crença religiosa.
A senda realista e pragmática aberta (parte capitalista, parte socialista, liberal sob um aspecto, igualitária sob outro) ensejou extraordinário desenvolvimento econômico e social à China. Iniciada com a revolução liderada por Sun Yatsen, que derrubou a monarquia e instituiu a república (1911), avançando com a revolução liderada por Mao Zedong, que substituiu o modelo capitalista de sociedade pelo modelo socialista (1949), experimentando a revolução cultural (1996) e executando o projeto “socialismo de mercado” de Deng Xiaoping (1997), essa trilha sintonizou-se com a temperança do chinês. Em que pesem os movimentos revolucionários inspirados no materialismo dialético, os chineses conservam aspectos tradicionais da sua milenar cultura (medicina, ensinamentos de Lao-Tse e Kong-Fu-Tse, visão metafísica do mundo, concepção filosófica e mística do homem e da sociedade) paralelamente ao esforço de modernização orientado para a educação, arte, literatura, ciência, tecnologia, industrialização, agricultura e defesa nacional.
A vigente Constituição da república chinesa contém os fundamentos jurídicos do estado e da sociedade, conforma-se à ditadura do proletariado (operários + camponeses), assegura a unidade de todas as nacionalidades que compõem o estado, define o sistema e as tarefas básicas do estado, atribui todo o poder ao povo que o exerce através do Congresso Nacional Popular e dos congressos populares locais, todos formados mediante eleições democráticas. Estes órgãos são responsáveis perante o povo e estão sujeitos à fiscalização pelo povo. Os assuntos econômicos, sociais e culturais são administrados pelo povo por diversos canais, em conformidade com a lei.
O Brasil, a partir da Constituição de 1988, seguiu o caminho conciliatório entre ideologias opostas. Essa trilha tornou-se mais viva e fecunda no período de 2003 a 2010. Todavia, a ala direita da política nativa usou a liberdade para destruir o modelo social democrático. A partir de 2013, a democracia brasileira foi se desmantelando. Restou o processo eleitoral. Ainda assim, fraudaram-no. Sem justa causa e em frontal colisão com a letra e o espírito da Constituição e das leis, processaram, condenaram e prenderam o concorrente com maior chance de vencer as eleições presidenciais de 2018. O candidato da extrema-direita sagrou-se vencedor com 57 milhões de votos. O candidato da esquerda obteve 47 milhões de votos. Abstiveram-se: 42 milhões de eleitores.
O novo governo brasileiro manifesta tendência nazifascista, semeia ódio, discrimina pessoas de modo preconceituoso, faz apologia das armas, da violência, da tortura e do extermínio dos adversários (vistos e tratados como inimigos da pátria). Atua contra os direitos dos trabalhadores, dos indígenas, dos negros, das mulheres, dos homossexuais, dos professores, dos estudantes, dos jornalistas [inclusive legislando em causa própria mediante portaria, ultrapassando os limites da simples regulamentação]. Interfere destrutivamente na previdência e assistência sociais, nos sistemas de educação e saúde, na cultura e no meio ambiente. Falta-lhe a compostura digna de presidente de uma nação livre e soberana. Entre as suas atitudes contrárias aos interesses nacionais incluem-se: [1] alienar a soberania e bens estratégicos da nação [2] prestar continência à bandeira dos EUA formalizando, com este gesto altamente simbólico, a submissão ao governo daquele país [3] patentear o retrocesso do Brasil à condição de colônia [4] usar linguagem rasteira própria de capataz da colônia ou de miliciano [5] atacar de forma precipitada, leviana e injuriosa, o resultado de pesquisa sobre desmatamento elaborada por instituto brasileiro de reconhecida capacidade técnica e científica [6] agredir governos de países amigos (China, Índia, Irã, Venezuela) a fim de agradar a metrópole [7] depreciar publicamente cidadãos do Nordeste do Brasil [8] prestigiar oficiais entreguistas e menosprezar os nacionalistas [9] aparelhar o estado com evangélicos em detrimento dos católicos, muçulmanos e espíritas [10] ensejar embate entre seitas e a formação de um estado religioso contrário à laicidade do estado brasileiro.   


sábado, 6 de julho de 2019

FALSIDADE

Grande parcela da população mundial constatou, neste século XXI (2001-2100), que a falsidade é corriqueira nos setores público e privado da sociedade. Desde a antiguidade, na vida palaciana, nos diferentes poderes do estado, são comuns as mentiras, as intrigas, as traições, a hipocrisia, elementos corrosivos do bem, antagônicos da verdade. A mentira tem sido utilizada pelas autoridades religiosas, civis e militares. As mentiras plantadas pela religião, coetâneas da civilização, ponto forte das escrituras “sagradas” dos povos, penetram na alma, condicionam o modo de pensar, de sentir e de agir dos indivíduos e grupos, governantes e governados. O Novo Testamento (parte cristã da Bíblia) menciona os falsos profetas e mostra um Jesus paladino da verdade contra as falsidades contidas no Antigo Testamento (parte judia da Bíblia). As mentiras das autoridades civis e militares são menos duradouras. Atualmente, os meios de comunicação social são poderosos veículos da mentira. Jornais, revistas, emissoras de rádio e de televisão, perderam a credibilidade nos setores mais esclarecidos da sociedade. As redes sociais na internet tornaram-se um monturo, fossa de lama intelectual, campo de ofensas e baixarias, depósito do que há de pior na natureza humana.   
Faltar intencionalmente à verdade significa mentir, enganar, fraudar. Como valor moral de suma importância nas relações humanas, a verdade recebe proteção jurídica. Daí, a falsidade estar na base de várias figuras delituosas, tais como: falsificar moeda, obras de arte, documentos (falsidade material), atribuir-se falsa identidade, inserir declaração falsa em documento verdadeiro (falsidade ideológica), imputar falsamente a alguém fato definido como crime (calúnia), prestar falso testemunho, induzir alguém em erro servindo-se de meios fraudulentos (estelionato).
A falsidade integra o jogo político. Na década de 1920, Karl Mannheim afirmava: “A política é conflito e tende cada vez mais a ser uma luta de vida e morte.  A discussão política, além de ter razão, busca demolir a base da existência social e intelectual do adversário”. (Ideologia e Utopia. RJ/SP/RS, Globo, 1956, p. 35). Direita e esquerda são direções opostas tomadas pelo pensamento político e pela ação partidária nele inspirada. Para a direita, senhora da verdade, a falsidade localiza-se na esquerda; para a esquerda, senhora da verdade, a falsidade localiza-se na direita. A bipolaridade política europeia do século XIX (1801-1900), projeção da imagem gerada pelo acidente topográfico na assembleia nacional francesa do século XVIII (1701-1800), deu azo a duas ideologias distintas que, depois da segunda guerra mundial (1939-1945), dividiram o mundo em dois grandes blocos liderados por duas potências mundiais (guerra fria). O governo de direita tende para o autoritarismo fascista, coordena o capital, vê o trabalho como dever, tem preferência pelos ricos. O governo de esquerda tende para o totalitarismo comunista, assume a direção da economia, vê o trabalho como direito, tem preferência pelos pobres.
Considerando que a opinião e o apoio da maioria do povo são importantes para qualquer governo, verifica-se que, na prática, a efetiva política governamental não se ajusta à pureza, quer do liberalismo, quer do socialismo. Servem de exemplo, os governos de Getúlio Vargas e de Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos não se ajustaram à dicotomia direita/esquerda, eis que revestiram caráter pragmático, mostraram desapego às ideologias, moderada intervenção na economia, conviveram com a propriedade privada e a livre iniciativa, apoiaram e incentivaram a indústria e a agricultura, reconheceram direitos aos trabalhadores, adotaram vigorosa política previdenciária e assistencial, investiram na educação, dedicaram atenção aos pobres, às minorias, aos esportes, à cultura, portaram-se com inteligência e altivez nas relações internacionais.
No Brasil, a falsidade ganhou proporções gigantescas durante a campanha eleitoral para a presidência da república (2018). A “operação lava-jato” (OLJ), uma das grandes mentiras do jogo político, passou ao público a ideia de que seu objetivo era combater a corrupção. Descobriu-se, depois, que (i) os próprios combatentes eram corruptos (ii) o real objetivo era abrir caminho para a direita permanecer à frente do governo federal. A direita se acha dona da razão, senhora da justiça, autorizada a eliminar a esquerda da vida política, a manter a hegemonia do pensamento liberal e a sufocar o pensamento socialista. Espalhou ódio e violência. Dividiu a nação. Demoliu a estrutura econômica do país. Entregou aos estrangeiros as riquezas nacionais e as empresas estratégicas. Submeteu-se ao comando de governo estrangeiro. Alienou a soberania nacional. Nessa devastadora missão atuaram políticos, policiais, advogados, agentes do ministério público e da magistratura, todos bem concatenados. A OLJ foi o teatro e o patíbulo. Encenou o julgamento e cortou a cabeça do líder do maior partido da esquerda. Decapitou a verdade. Esquartejou a democracia. Violou a ética e o direito.
A mentira, cujas pernas não são tão curtas como apregoam, nem tão longas que não possam ser alcançadas, acabou exposta à luz do dia, felizmente, revelada por um sítio jornalístico da internet. A falsidade assumiu clareza solar. O conluio, no processo criminal, entre a parte acusadora e o juiz, ficou evidente. O juiz da OLJ, hoje Ministro da Justiça, em sessões do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (junho-julho/2019), ao depor sobre os fatos revelados pelo jornalista, negou a prática delituosa, tal como fazem os réus em processo criminal. A conduta do ministro está sendo avaliada no país e no estrangeiro. Ninguém é obrigado a confessar. No devido processo jurídico, a negativa do réu não significa que ele será absolvido, pois, em havendo prova idônea da ilicitude e não havendo causa de exclusão, o réu será condenado. Se houver parcialidade, venalidade ou covardia do órgão julgador, o inocente poderá ser condenado e o culpado absolvido. Na derradeira instância, a decisão anterior pode ser modificada e o direito e a justiça restabelecidos, mormente se surgirem fatos que estiveram ocultos ao tempo do processo de conhecimento.