sábado, 27 de abril de 2013

ORIGEM



Sobre começo e fim do universo o saudoso filósofo paulista Vicente Ferreira da Silva menciona abalizadas opiniões entre as quais a de Aristóteles: o vir-a-ser das coisas não tem começo nem fim, constituindo uma eterna evolução; e também a de Kant: o conceito de uma totalidade de fenômenos suscetível de começo e fim provém de uma totalização ilegítima que transforma a experiência indeterminada e móvel do mundo num dado objeto fixo (“Obras Completas”. São Paulo. Instituto Brasileiro de Filosofia, 1966, vol.II p.121/124). Marcel Proust faz um personagem dizer: A criação do mundo não teve lugar no começo; ela ocorre todos os dias (“Em Busca do Tempo Perdido - A Fugitiva”. Rio, Ediouro, 2002, vol.III, p.506).

De acordo com as “escrituras sagradas” o mundo teve começo e terá fim; foi criado há seis mil anos conforme as gerações desde Adão e Eva mencionadas no Gênesis. No quadro cronológico feito pelo historiador judeu Flávio Josefo, o ano da criação de Adão e Eva foi 4342 a.C. (Antigüedades Judias. Madri. Akal/Clásica, 1997, tomo I p.7). O Vice-Chanceler da Universidade de Cambridge, em 1654, reverendo John Lightfoot, depois de meticulosos cálculos, constatou que Adão foi criado na manhã do dia 26 de outubro de 4004 a.C. às 9,00 horas (Edward McNall Burns. História da Civilização Ocidental. Porto Alegre, Globo, 1955, vol. I p. 29).

O mito da criação do mundo e do homem exposto nos textos religiosos dos hebreus, cristãos e muçulmanos cede lugar ao novo conhecimento. Assim como a Terra não se formou em seis dias e nem é o centro do universo, o ser humano também não saiu da mão do divino oleiro e nem é o centro das atenções de Deus.

O físico George Gamow expôs, em 1946, a teoria do big bang, que atribui a origem do universo a uma gigantesca explosão ocorrida há bilhões de anos (10, 15, 20?) depois de uma formidável concentração de energia. Falta explicar a origem dessa energia. Retorna a antiga tese da geração espontânea retirada de cena por Louis Pasteur no que tange aos germes. Para elaborar sua teoria, Gamow serviu-se da descoberta feita em 1929 pelo astrofísico Edwin Powell Hubble de que as galáxias afastam-se umas das outras a indicar que o universo está em expansão.

Na opinião do físico Stephen Hawking, as galáxias situam-se na superfície de um universo esférico à semelhança de um balão de borracha que se enche de ar progressivamente. Destarte, o que se expande é o espaço e não as galáxias (O Universo em uma Casca de Noz. SP, Arx, 2001). Essa teoria tem implicações. A esfera implica um centro; a expansão implica uma força propulsora que, por sua vez, implica uma fonte (ou geração espontânea). No entanto, o universo não tem ponto de partida e nem lugar preferencial ou centro, segundo postulado copernicano.

A existência de outros universos cada qual com seus bilhões de galáxias também é objeto de especulação científica como informa o físico Brian Greene. As mesmas leis da matéria vigoram em todos os universos. Ao invés de partículas puntiformes, os componentes fundamentais da matéria são filamentos unidimensionais chamados cordas. Cada universo possui a mesma mistura de material e é sempre o mesmo em todas as direções (O Universo Elegante. SP. Cia. das Letras, 2001). Vislumbra-se aqui a unidade cósmica. Sem começo e sem fim, o cosmos seria a expressão material e espiritual da eternidade; dimensões material e espiritual imbricadas. O cosmos constituído de vários universos estaria mergulhado em um oceano de energia criadora, mantenedora e transformadora.

Trabalhos divulgados em filmes documentários exibidos na TV mostram como os primeiros humanos saíram da África para os demais continentes. Utilizando computadores, os trabalhos retrocedem 140 mil anos no tempo para explicar tal pressuposto. Entre o leste africano (Etiópia) e o sul da Ásia Menor (Yemen) o nível das águas baixou e a distância marítima encurtou. Os africanos atravessaram por aí e após cruzar o deserto localizado na outra margem descobriram um lugar rico em água, flora e fauna, cujo nome assemelha-se a Éden, o paraíso terrestre.

A partir dos fósseis encontrados nas cavernas do Monte Carmelo pesquisadores aventam outro possível itinerário dos nômades pelo nordeste da África (Egito) e noroeste da Ásia Menor (Israel). Naquela época era menor e mais estreito o deserto do Saara. Israel não existia, mas tão somente o espaço geográfico conhecido como Canaã. Israel era apelido de Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão. Os descendentes de Jacó tomaram seu apelido, povo de Israel, constituído de doze tribos. Abraão e cerca de 70 pessoas chegaram à Palestina (Canaã) por volta de 1400 a.C. e se depararam com povos habitando aquele território. Escritores exageram essa data para dar ao povo hebreu antiguidade igual ou superior à dos outros povos (Flavio Josefo, por exemplo, fixa a data em 2080 a.C.). O grupo de Abraão e descendentes formam o povo hebreu que manteve relações ora amistosas ora conflituosas com aqueles povos. Nessa mesma região, já decorridos três mil anos, em pleno século XXI d.C. israelenses e palestinos continuam a trocar gentilezas.

O esforço para ajustar a teoria científica à teologia é recorrente. Einstein caiu nessa esparrela, mas se redimiu a tempo de reformular sua teoria. Nos trabalhos acima referidos nota-se a presença da versão bíblica (criação, paraíso, primeiro casal) a guiar o pensamento do cientista. Bem mais sensato e honesto seria livrar-se das algemas religiosas e partir do fato natural: a existência de águas, plantas e animais nativos em todos os continentes desde que o planeta reuniu condições propícias. Quando o meio favorável à vida se formou teve início a cadeia evolutiva nos diferentes pontos do planeta. Assim como os outros seres vivos, os humanos também são nativos de cada continente.

A vida animal na Terra quase desapareceu por completo há 65 milhões de anos, em conseqüência de terrível vulcanismo na Ásia (Índia) e da colossal colisão de um meteoro com o solo da América (México). Decorridos mais de 60 milhões de anos daquela catástrofe e depois de longa evolução ocorrida no reino animal nesse vasto período, nasceram os humanos com tipos distintos na compleição física, cor da pele, resistência ao ambiente, capacidade craniana, fala e cultura. Na primeira fase da sua existência na Terra (eolítica, anos 1.500.000 a 300.000) houve três tipos: Pithecanthropus (Java), Sinanthropus (Pequim) e Eoanthropus (Piltdown). Na fase seguinte (paleolítica inferior, anos 300.000 a 25.000) teve existência o gênero homo sob duas espécies: o homem de Heidelberg e o homem de Neandertal. O período seguinte (paleolítico superior, anos 25.000 a 10.000) foi do homo sapiens. Os dois períodos culturais subseqüentes foram do homo sapiens moderno: o neolítico (anos 10.000 a 3.000) e a civilização (Egito e Mesopotâmia 3.000 anos a.C.) (E. M. Burns, obra citada, vol. I p. 29/71). Pesquisas antropológicas e paleontológicas na América e na Oceania podem revelar outros tipos humanos.

sábado, 20 de abril de 2013

SEGREDO



Não deixe que males pequeninos/ venham mudar nossos destinos/ O peixe é pro fundo das redes/ segredo é pra quatro paredes/...(canção popular brasileira).

Ocultar de outrem coisa, fato, técnica, conhecimento, sentimento, faz parte dos costumes humanos. Pajés, feiticeiros, alquimistas, não revelam as fórmulas da sua arte. Depositários guardam silêncio sobre material e assunto que lhes são confiados. Proprietários ou administradores têm o conhecimento privativo dos códigos para abertura de cofres. Acesso a contas ou a lugares protegidos requer senha. Estudos, pesquisas e descobertas no campo da ciência ignorados do público ficam restritos à comunidade científica. Empresas ocultam fórmulas e técnicas de fabricação dos seus produtos. Governos classificam de confidencial assunto sobre o qual somente poucos agentes credenciados têm informação.

Pessoas levam para o túmulo, para o forno crematório, para o outro mundo, vivências introvertidas, esperanças caladas, paixões e anseios secretos encerrados em seus corações. A revelação de tais segredos antes da morte do guardião pode ter bons ou maus efeitos. Sentimentos e projetos reprimidos quando deixam a esfera sigilosa para entrar na claridade dos fatos abrem caminho à desgraça. Às vezes, os guardiões do segredo exposto são pessoas comuns, amáveis, educadas, que se relacionam bem com os familiares e com os vizinhos. Ao serem descobertos como agentes do crime impactam a comunidade, causam espanto e incredulidade. Vem à balha a sentença de Blaise Pascal: o coração tem razões que a razão desconhece.

O conhecimento fechado em um círculo restrito de pessoas é fonte de poder. Razões de segurança determinam o sigilo de assuntos na esfera estatal, cientifica ou religiosa, visando a livrar de entraves o que se busca, investiga, pesquisa, ou para evitar o desvirtuamento e o mau uso pela massa ignara. Assim foi no passado e continua a ser no presente. Servem de exemplo cerca de oitocentos manuscritos descobertos em onze cavernas no sítio de Qumran, na Jordânia. A primeira caverna foi descoberta em 1947; as demais, entre 1952 e 1956. Até hoje (2013) o pleno conteúdo dos manuscritos não foi revelado ao público. Os pergaminhos lá encontrados em rolos e em fragmentos podem revelar dados que interessam à cultura ocidental e lançar nova luz sobre as raízes do cristianismo. Para tanto, importa manter o material intacto e o conteúdo original sem interpolações. O grupo de estudiosos, a maioria de católicos, mantinha os manuscritos em seu poder sem divulgá-los. A partir de 1985, agregaram-se judeus ao grupo. O propósito era traduzir os manuscritos do hebraico e aramaico para outros idiomas e publicá-los, porém prevaleceu o temor de que dogmas judeus e cristãos fossem abalados.

O clima de segredo continuou. O significado de muitos desses manuscritos continua inacessível a grande parcela da humanidade. A Biblical Archaeology Review publicou coletânea de ensaios organizada por seu presidente com o cuidado de resguardar a dogmática judia e cristã. Os ensaios versam a descoberta dos manuscritos e seus vínculos com seitas palestinas, com a bíblia hebraica, com o primitivo cristianismo, além de outros temas. (Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto. Hershel Shanks, org. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1993). 

A intuição, veículo de acesso ao conhecimento armazenado no mundo metafísico, conduz à iluminação espiritual (conhecimento intuitivo) e provoca mudanças na pessoa. Isto aconteceu com o dominicano Tomas de Aquino. Após sentir um toque espiritual quando celebrava missa em Nápoles, ele parou de escrever a Summa Theológica (06/12/1273). Indagado sobre o motivo, ele disse que lhe foram reveladas coisas de tal ordem que diante delas tudo o que escrevera parecia palha (Saint Thomas D´Aquin. Des Lois. Paris, Egloff, 1946, p. 11). Três meses depois (07/03/1274), aos 49 anos de idade, ele morre quando se dirigia a Lyon para o concílio ecumênico (reunião dos bispos de todo o mundo convocada pelo papa). Diante de tantos crimes praticados por papas, cardeais, bispos e padres no curso da história medieval e moderna, cabível a suspeita de que Tomas tenha sido envenenado para impedir que aquelas revelações íntimas viessem a público. Elas foram sepultadas com ele. A Igreja o santificou, adotou como pensamento oficial a “palha” por ele deixada e lhe outorgou o título máximo de Doutor da Igreja. Mediante essa artimanha clerical a “palha” adquiriu autoridade e triunfou sobre as revelações.

Desde a Idade Média até a Idade Moderna a maior parte da população européia era analfabeta (calcula-se em 90% ou mais). O vulgacho olhava com admiração e reverencial respeito os textos escritos e dependia de uma estreita minoria alfabetizada para conhecer e entender o conteúdo. Isto passou de geração a geração. Os textos religiosos eram cercados de uma aura sacra. O segredo e o sagrado se entrelaçavam. Os clérigos, senhores do mistério, convenciam os fiéis de que a Bíblia era a “palavra de Deus”, ou escrita por pessoas especiais inspiradas por Deus. Assim, as infantilidades, falsidades e maldades contidas na Bíblia, escritura “sagrada”, eram engolidas sem resistência e sem reflexão. Religião não se discute era o dogma para manter o crente na ignorância e na fé cega.

Apesar da vitória do cristianismo no ocidente, o paganismo se manteve ativo. Algumas práticas pagãs foram cristianizadas (a festa natalina, por exemplo). Enquanto na Europa o cristianismo vigorou como religião oficial do Estado, os europeus se dedicavam em segredo às práticas pagãs em suas casas, nos bosques ou em redutos ocultos. Na época atual (séculos XX e XXI) essas práticas livraram-se do constrangimento estatal e religioso em países da Europa e da América. Servem de exemplo: o carnaval, a festa das bruxas, os cantos e danças em locais abertos ou fechados para invocação de espíritos. A ordem maçônica, a ordem rosacruz e outras similares funcionam às claras na forma da lei e dos estatutos. Aos membros dessas ordens é exigido segredo apenas no que tange aos rituais e ensinamentos. 

sábado, 13 de abril de 2013

MUNDO ESPIRITUAL



Os costumes, crenças, aspirações, sentimentos, idéias, vigentes em uma sociedade conformam a existência religiosa, moral e jurídica dos seus membros. Ao se falar no espírito do povo, no espírito da lei, no espírito científico, no espírito religioso, está se reconhecendo um substrato mental e emocional, uma dimensão espiritual da cultura humana à qual temos acesso por intermédio da nossa inteligência e sensibilidade. Desde a infância somos educados para penetrar nesse mundo e trabalhar com o material nele existente (aritmética, álgebra, estética, regras do decoro, explicações científicas, opiniões filosóficas, doutrinas religiosas). 

Além desse mundo imaterial criado pela mente humana, acredita-se na existência de outro mundo também imaterial organizado segundo leis divinas e povoado por seres desprovidos de corpo físico. Essa crença é o alicerce do espiritualismo que está na base das religiões. Aniquilada essa crença que inclui a continuidade da vida após a morte do corpo físico, religiões desmoronariam e igrejas perderiam poder. Secaria a fonte de renda dos mercadores da fé. Cada líder religioso constrói a imagem do mundo espiritual como lhe parece e a transmite ao público. A necessidade humana do pão espiritual torna viáveis a mitologia e a religiosidade. Desse pão, a ilusão é o fermento. Entre os padeiros estão os estelionatários da fé. Sociólogos consideram a religião fenômeno social com base nessa necessidade sentida pelo grupo humano desde remota antiguidade quando ainda não havia templo nem teologia (Émile Durkheim. Las Formas Elementales de la Vida Religiosa. Madri. Akal, 2007, p. 8).

O medo, a ignorância, a insegurança, a incerteza, o sentimento de impotência diante das forças telúricas, o desejo de se proteger da doença e do perigo, as inquietações da vida enfim, levam os humanos a crer em entidades poderosas exteriores ao mundo físico. Essa base psicológica leva à solidariedade e à comunhão. Rituais e fórmulas são engendrados para agradar à divindade, aplacar a fúria da natureza, obter proteção, cura dos males, êxito nos empreendimentos e prosperidade. A religião do antigo Egito tinha por base a crença na imortalidade da alma e na vida no além. O paganismo grego e romano prescindia desse tipo de preocupação embora houvesse espírito religioso (deuses com atuação histórica, templos, devoção, cultos domésticos). O judaísmo, o cristianismo e o islamismo colocam fé e esperança na salvação da alma. Segundo a Bíblia hebraica, os humanos são pecadores. A igreja cristã assombra os fiéis com o pecado: poucos ganham o Céu, cuja porta é estreita; a maioria arde nas labaredas do Inferno. Essa doutrina contradiz a tese de que Jesus veio para salvar a humanidade e tirar os pecados do mundo. De acordo com o próprio Jesus, a maioria dos humanos já está condenada; só a minoria que atravessa a porta estreita se salvará. Durante sua passagem pela Terra coube a Jesus criar o embrião dessa pequena comunidade de santos.

Religião e mito são aparentados. O humano cria o mito: narrativa, deuses e heróis. Os membros do clã, da tribo ou da nação compartilham do mito. A tradição conserva-o. Segundo Joseph Campbell, o mito é uma pista para as potencialidades espirituais da vida humana. Ao invés de um sentido para a vida, busca-se uma experiência de estar vivo de modo que essa experiência no plano puramente físico tenha ressonância no interior do ser humano. Essa ressonância provoca o enlevo de estar vivo. O mito ajuda a colocar a mente em contacto com a experiência de estar vivo (O Poder do Mito. São Paulo, Associação Palas Athena, 1990, p. 5/6).

A busca por essa experiência não exclui a busca pelo sentido da vida. Ainda que a vida não tenha sentido algum e a salvação da alma seja uma quimera ou um pretexto, o fato é que fiéis do judaísmo, do cristianismo e do islamismo procuram tal sentido e nessa procura podem perceber o enlevo de estar vivo. O terreno da espiritualidade é metafísico e nele se caminha com a intuição; prepondera a crença; o raciocínio é coadjuvante. Diz Huberto Rohden: entre o entendimento intelectual do homem profano e o compreender espiritual do iniciado medeia um grande sofrimento. Ninguém chega a Deus só pela força do pensamento (“O Triunfo da Vida Sobre a Morte”. São Paulo, Martin Claret, 1991, p. 17).

Em se tratando de uma dimensão cósmica imaterial, o mundo espiritual se constitui no habitat dos seres imateriais inteligentes que ocuparam corpos físicos nos rincões do universo. No mundo espiritual será impossível uma torre de babel, pois os seres imateriais não necessitam do aparelho da fala próprio do organismo físico. Idiomas são dispensáveis. A personalidade anímica não está sujeita aos limites da matéria. Os seres encarnados na Terra usam diferentes idiomas para expressar a mesma idéia (céu, cielo, sky). No mundo espiritual há transparência, a expressão das idéias é direta e imediata e o meio de circulação é vibratório.  

Em decorrência da sua arquitetura mental, os humanos pensam o mundo espiritual em termos de espaço e tempo. O brocardo místico assim como encima é embaixo exemplifica essa transposição. Vem de Platão essa imagem espacial e hierárquica do mundo material como sombra do mundo espiritual. Místicos orientais afirmam a necessidade de esvaziar a mente para acessar ao mundo espiritual. Para eles, aquelas categorias são inoperantes no mundo espiritual. A estrutura lógica do pensamento humano coloca ordem nas idéias, mas o raciocínio dificulta a harmonização no plano espiritual. A mente vazia é a senda para o êxtase espiritual.

A radical separação entre os mundos material e espiritual pode ser enganosa. Espírito e matéria formam unidade cósmica em faixas vibratórias distintas. A célula animal serve de exemplo. Além da matéria (membrana plasmática, citoplasma, cromossomos, ribossomos, mitocôndrias) a célula está provida de energia e de inteligência para realizar sua função, ou seja, provida de substrato espiritual.

Inferno e purgatório não são lugares e sim condições terrenas criadas pela morbidez humana e materializadas pela conduta dos crentes. Na avançada concepção de Santo Agostinho, o paraíso era um lugar de paz e alegrias harmoniosas onde Adão e Eva se relacionavam sexualmente com prazer e sem pecado, sob o beneplácito divino. Esse lugar jamais existiu. Paraíso é sonho esperançoso. O primeiro casal é concepção infantil da mente primitiva. No mundo material atua a lei do karma nos dois níveis: individual e coletivo. Plantado o bem, colhe-se o bem; plantado o mal, colhe-se o mal. Cogita-se do perdão. Recebe-lo não significa neutralizar o karma. Pedir perdão com arrependimento gera efeito compensador. Conceder perdão com sinceridade gera crédito. Alguns perdoam porque se julgam divinos; outros perdoam porque se julgam civilizados e bondosos. A natureza não perdoa. A rigidez das suas leis mantém o universo estável apesar do caos aparente. Flexíveis porque ditadas por conveniência, as leis humanas geram instabilidade apesar da ordem aparente.   

sábado, 6 de abril de 2013

ADULTÉRIO NA BÍBLIA



Durante milênios, a capacidade de gerar filhos foi valorizada e abençoada. A esterilidade era vista como deficiência feminina. As mulheres estéreis buscavam meios para compensar esse infortúnio. O homem tinha a seu favor a presunção de fertilidade e a licença de possuir várias mulheres, esposas ou não. Essa mentalidade propiciou algumas lendas.

Consta do livro da Bíblia intitulado Gênesis (6: 1-4) que no tempo dos gigantes aqui na Terra as mulheres transavam com os “Filhos de Deus”. Os seus rebentos tornavam-se heróis. Há também notícia de casos incestuosos como o de Lot e suas filhas. O escritor bíblico justificou o incesto afirmando que as filhas embriagaram o pai e com ele transaram a fim de assegurar a descendência (Gênesis 19: 30/38). Habitando uma caverna na montanha só com suas duas filhas, Lot nada viu e nada sentiu e nada ficou sabendo, apesar de transar com elas mais de uma vez. Sempre que lhes convém, os escritores bíblicos criam uma aura de santidade, de necessidade ou de finalidade superior em torno da conduta dos adúlteros, dos proxenetas, dos larápios e genocidas. Justificam, por exemplo, relações sexuais de mulheres casadas fora do matrimônio ou de mulheres solteiras ou viúvas que as mantiveram de maneira livre.

O livro da Bíblia intitulado Judite narra feito heróico dessa linda mulher, rica e viúva, que impediu a queda de Jerusalém frente ao exército assírio. Enquanto as autoridades judias e os anciãos rasgavam as roupas, jogavam cinzas sobre suas próprias cabeças, desesperados ante a presença das forças estrangeiras, Judite se embelezou, se perfumou, orou e com as suas servas dirigiu-se ao acampamento assírio, entrevistou-se com o comandante (Holofernes), seduziu-o sem com ele se deitar e o decapitou enquanto ele dormia embriagado pelo excesso de vinho. Levou a cabeça de Holofernes como troféu e instruiu os judeus para que atacassem o inimigo que estava desarvorado pela perda do comandante. Os assírios foram derrotados e a Judéia desfrutou da paz por 100 anos até ser conquistada por Nabucodonosor.

O episódio da sedução é fantasia, obviamente. Um vitorioso e selvagem guerreiro assírio em campanha bélica longe do seu país não ficaria sem transar com uma bela, perfumada e elegante mulher que o visitava e pousava à noite em sua tenda. O insucesso dos assírios está contado de modo diferente no livro de Isaías. No apêndice histórico (capítulos 36/39) oráculo refere-se à intervenção divina. Os assírios haviam conquistado o reino de Israel e se dirigiam ao reino de Judá quando o Anjo do Senhor apareceu e feriu 185 mil homens. Na verdade, epidemia ou peste que se abateu sobre as tropas deixando milhares enfraquecidos ou mortos. Sobre a formosa e sedutora Judite, nada consta no livro do profeta.   

Conforme um dos manuscritos do Mar Morto intitulado Apócrifo do Gênesis o judeu Lamec suspeitava que sua esposa Betones mantinha relações extraconjugais com um anjo. Ela engravidara e dera luz a Noé (aquele da arca). O pai de Noé seria, pois, um anjo (Gênesis 5: 28/30 + Para Compreender os Manuscritos do Mar Morto. Coletânea de ensaios organizada por Hershel Shanks. Rio de Janeiro. Editora Imago S/A, 1993, pág. 206).

Sara, a bela e estéril esposa de Abraão, prestou favores sexuais ao faraó do Egito. Abraão instruíra Sara para se apresentar como sua irmã e não como sua esposa. Isto rendeu tratamento especial a Abraão, que recebeu ovelhas, bois, jumentos, camelos, servos e ficou muito rico em rebanhos, prata e ouro. O mesmo estratagema Abraão utilizou posteriormente com Abimelec, rei de Gerara, o que lhe rendeu mais ovelhas, bois, servos, moedas de prata e terras. Abraão dizia não mentir porque de fato Sara era sua irmã, pois ambos eram filhos do mesmo pai. Na sua velhice, após receber a visita do Senhor, Sara engravidou e pariu um filho, certamente fruto da esperteza dela para evitar que a rica herança do patriarca fosse para Ismael, o filho mais velho de Abraão e da escrava Agar (Gênesis 12: 11/16; 16: 1/7; 20: 2,12/16; 21: 1/3).

Do livro da Bíblia intitulado Juízes (13: 2/7, 24) consta que a estéril esposa de Manué, quando se achava no campo, transou com um homem que lhe aparecera como anjo e lhe prometera um filho. Ela engravidou, pariu Sansão e o fez nazareno ao consagrá-lo a Deus. Sansão foi juiz hebreu e ficou famoso por sua força física e seu romance com Dalila.

Do livro da Bíblia intitulado 1-Samuel (1: 2, 5, 20, 24/28) consta que Ana, uma das esposas de Elcana, era estéril, orou a Deus e conseguiu engravidar. Pariu Samuel e o fez nazareno ao consagrá-lo a Deus. Entregou o menino ao sacerdote em Silo, na casa do Senhor, depois do período de amamentação. O marido contentou-se com os filhos que tinha com Fenena, sua outra esposa. Samuel foi juiz hebreu e sagrou Saul o primeiro rei de Israel.

Longe dos maridos, as primas Isabel (estéril?) e Maria (virgem?) transaram com homens que se diziam anjos. Engravidaram e trouxeram à luz João Batista e Jesus (evangelhos de Lucas 1; 7, 13, 19, 24 + Mateus 1: 18, 21/23). As duas consagraram os filhos a Deus, tornando-os nazarenos. Cessado o período da amamentação, Isabel entregou João ao mosteiro de Qumran, na Judéia, e Maria entregou Jesus ao mosteiro do Monte Carmelo, na Galiléia. Os maridos certamente sentiram-se aliviados ao se livrarem dos bastardos. José, esposo de Maria, percebera que aquele nascituro fora concebido na sua ausência. Daí a constatação objetiva de Celso, filósofo romano do século II (101-200) de que Jesus nascera do adultério de Maria.

No que tange ao nascimento virginal, trata-se de lenda antiga. Conforme tradicionais relatos, inúmeros “Filhos de Deus” nasceram de mães virgens ou estéreis graças à intervenção da divindade. Nesse rol incluem-se: Amenófis III (Egito), Zoroastro (Pérsia), Gilgamesh (Babilônia), Perseu (Grécia), Krishna e Buda (Índia), Lao-Tsé (China), Gengis Kan (Mongólia), Jesus Nazareno (Palestina). Na verdade, todos nasceram das relações sexuais entre homem e mulher. As leis da natureza são leis divinas inflexíveis. Alguns humanos mais espertos inventam exceções visando ao domínio de indivíduos e grupos, de gente crédula ou ignorante. Tratam o ato sexual como pecaminoso e o prazer sexual como sensação animal asquerosa. O sêmen e o óvulo são vistos como coisas orgânicas sujas. A saída da criança pela vagina é vista como impureza. Segundo essa visão, seres eminentes (filhos da divindade, mensageiros de Deus) concebidos pelo sêmen divino não podem provir de meio impuro. Na tradição hebréia havia ritual de purificação após o parto. Tradições chinesas referem-se ao nascimento dos “Filhos do Céu” pela orelha, pelo peito ou pelas costas da mãe.

O povo acolhe cegamente os ensinamentos dos Filhos de Deus guardados, manipulados e transmitidos pela religião e pelo governo (faraó, rei, chefe). No meio social, a crença religiosa alicerçada em tais ensinamentos pesa mais do que a teoria de um cientista, o pensamento de um filósofo ou a pesquisa de um professor. A partir do século V (401-500) o cristianismo foi o pilar religioso da cultura européia e da civilização ocidental. No século XXI (2001-2100) religiões como o cristianismo, islamismo, budismo, hinduismo, continuam a influir no destino da humanidade, a orientar a conduta de indivíduos e de nações mediante regras, exercícios espirituais e crença na vida em um mundo metafísico após a morte do corpo físico.