sábado, 28 de novembro de 2015

FUTEBOL E TERRORISMO



13.11.2015. 22,00 horas. Horário esdrúxulo e inadequado para jogar futebol. Beneficia apenas as emissoras particulares de TV. Os jogos têm que se ajustar à grade da programação das emissoras. Em país onde vige o princípio da dignidade humana, onde os direitos e o bem-estar dos cidadãos realmente são respeitados, o correto e sensato é o inverso: a programação das emissoras é que deve se ajustar aos jogos e espetáculos estimados pela nação. As emissoras de radio e de televisão concessionárias do serviço público têm o dever de: (1) respeitar os valores éticos e sociais das pessoas e das famílias; (2) prestar serviço à população sem constrangê-la, sem impor horários impróprios para transmitir atividades educacionais, culturais e desportivas; (3) colocar o interesse nacional acima do interesse particular.    

Seleção argentina x seleção brasileira. (1 x 1). As duas equipes mostraram-se aguerridas. No primeiro tempo, a seleção platina esteve melhor, atacou mais e venceu. No segundo tempo, a seleção tupiniquim reagiu e empatou a partida. Estabeleceu-se equilíbrio entre as duas equipes. Botinadas dos dois lados. A temperatura subiu. O árbitro foi condescendente, porém, resolveu ser rigoroso na falta cometida por David Luiz e o expulsou pouco antes do final da partida. Em jogo desse tipo, convém o treinador escalar o Hulk, o Fernandinho, o David Luiz, o Marcelo e, se possível, o Mike Tysson.

Na torcida argentina, não se notou o mesmo diapasão das costumeiras animação e cantoria. Possivelmente, a torcida sentiu as ausências de Messi e Tevez. A torcida brasileira era pouco numerosa. O comportamento mais defensivo da equipe brasileira no primeiro tempo não se repetiu no segundo, quando os brasileiros resolveram atacar sem se descuidar da defesa. William novamente se destacou como excelente jogador. Os demais jogadores se mantiveram em bom nível. Douglas Costa, Lucas Lima e Felipe Luis, não repetiram a excelente atuação da partida anterior. Os argentinos souberam neutralizar os ataques e ameaçar a defesa da seleção brasileira.

Na data desse jogo, repercutiu no mundo as ações terroristas em Paris, das quais resultaram mais de uma centena de mortos e mais de três centenas de feridos. No jogo amistoso do dia seguinte (14/11) entre as seleções da Rússia e de Portugal, os portugueses perderam para os russos pelo escore mínimo (1 x 0). O melhor jogador do mundo, eleito pela mafiosa FIFA, não conseguiu levar a sua seleção ao pódio. Uma andorinha não faz verão, ainda mais quando não está voando bem. Os portugueses usavam braçadeira de luto em solidariedade aos franceses, enquanto os russos nada usavam. O Estado russo se mantém distante dos símbolos religiosos. Solidário e disposto a cooperar no combate ao terrorismo, o chefe de governo da Rússia (Putin) reuniu-se com o chefe de governo da França (Hollande).

O governo brasileiro se solidarizou com o povo francês. Há necessidade de cautela e diplomacia nesse apoio a fim de não provocar inimizade com fundamentalistas muçulmanos e com países árabes. Je suis Paris, mas também, Je suis Bagdá, Je suis Brasília, Je suis le monde. O Brasil já tem muitos problemas internos a resolver, tais como: tentativa de golpe de Estado, tragédia ambiental em Mariana/MG, movimento estudantil em defesa das escolas paulistanas, dívida pública monumental e os reflexos da retração econômica mundial.   

Os povos do Iraque, da Síria, do Afeganistão, sofrem com as intervenções estadunidense e européia. O povo palestino sofre com as invasões e agressões israelenses. Civis não combatentes (homens, mulheres, crianças, idosos) são mortos e feridos aos milhares. Em decorrência dessas intervenções e agressões, a vida desses povos virou um inferno.

Os “terroristas” resolveram dividir com a América e a Europa esse inferno criado pelo governo estadunidense associado aos governos de alguns países europeus. Esses governos não respeitaram os princípios da autodeterminação dos povos e da não-intervenção que integram o direito internacional e que merecem o respeito dos povos civilizados. As retaliações procedidas pelas vítimas da violência parecem obedecer a leis não escritas, como a do karma e a do talião.

De acordo com a lei do karma, colherás o bem ou o mal, segundo o que plantares, os povos dos EUA e da França estão colhendo o que os seus governos plantaram na Ásia morena. De acordo com a lei do talião, olho por olho, dente por dente, os “terroristas” (patriotas dos países invadidos e/ou membros radicais da fraternidade muçulmana) estão retribuindo o que as suas famílias e os seus compatriotas receberam daqueles governos estrangeiros. De acordo com essas duas leis, o povo judeu também, cedo ou tarde, receberá o troco da violência praticada pelo mendaz e criminoso governo de Israel. Quiçá, nem o “muro das lamentações” sobrará para os judeus chorarem o seu merecido castigo.

Desde a Idade Antiga até a Idade Moderna, o povo judeu sofre as conseqüências da sua má índole. O deus Javé pretendia exterminá-lo e diz a Moisés: vejo que este povo tem a “cabeça dura”. Aarão diz a Moisés: tu mesmo sabes o quanto este povo é inclinado ao mal (Êxodo 32: 9 e 22). Não foi à toa que esse povo recebeu dos seus vizinhos o nome de hebreu. Não foi sem motivo que por mais de uma vez no curso da história esse povo esteve ameaçado de extermínio.

O Antigo Testamento (AT) narra vários episódios que testemunham a crueldade do povo hebreu (israelitas + judeus). Bastam dois exemplos. O juiz Samuel informa ao rei Saul, a vontade do deus Javé: votar ao interdito o reino de Amalec. Isto significava destruir cidades, matar o rei (Agag) e todos os homens, mulheres, crianças, bois, ovelhas, camelos e jumentos, o que realmente aconteceu sob o comando de Saul (I Samuel 15: 2/9). Na Pérsia, durante o exílio desse povo, havia um edito real de proscrição para exterminá-lo. O edito foi revogado graças às suplicas de Ester, judia esposa do rei Xerxes (Assuero). Livres do extermínio e apoiados por esse rei, os judeus mataram 75 mil homens, mulheres e crianças nas 127 províncias do reino persa. (Ester 3: 12/14 + 8: 3/9 + 9: 5/16).

O Novo Testamento (NT) narra a violenta perseguição a Jesus e a seus apóstolos e adeptos, promovida pelos judeus. O tribunal judeu (Sinédrio) prendeu, julgou e condenou Jesus à morte, sem que ele houvesse cometido crime algum. Impedido de executar tal sentença, o tribunal pediu à autoridade civil/militar para executá-la (a Palestina estava submetida à lei romana). Herodes, tetrarca da Galiléia, e Pilatos, governador da Judéia, julgaram improcedentes as acusações formuladas contra Jesus e se negaram a executar a sentença de morte ditada pelo Sinédrio. Liderada pelos sacerdotes e anciãos, diante do pretório, a turba exaltada insistia na execução. Aos gritos, os judeus recusaram a oferta de Pilatos de libertar um inocente (Jesus) e de crucificar um culpado (Barrabás, preso por sedição e assassinato). Ameaçaram denunciar Pilatos ao imperador romano se protegesse um agitador que se dizia rei. Pressionado e ameaçado, Pilatos lava as mãos na água que lhe trouxeram e diz: “sou inocente do sangue deste homem”. O profeta é entregue à turba e crucificado. (Mt 26: 47/67 + 27: 11/26; Mc 14: 43/65 + 15: 1/15; Lc 23; Jo 18 + 19).

sábado, 21 de novembro de 2015

TOLERÂNCIA E VERDADE II



O vocábulo “verdade”, usado pelo profeta, tem evidente conotação simbólica. Verdade era o que Jesus encarnava: o conteúdo do seu pensamento formalizado nas suas palavras e refletido na sua conduta. No contexto da sua pregação, verdade é tudo que provém do Pai Celestial (sabedoria divina) e revelado ao ser humano. O encarnado que se dizia filho, simbolizava a verdade do Pai Celestial.

A pergunta de Pôncio Pilatos (o que é verdade?), só mencionada por João, provavelmente é produto da imaginação e fantasia do narrador, como quase tudo na Bíblia. Não houve testemunha dessa conversa. Os judeus não entraram no pretório para não se contaminarem. Livres de contaminação, eles podiam celebrar a páscoa (Jo 18: 28). No interior do pretório, Pilatos interrogou Jesus. Depois, saiu do pretório e se dirigiu aos judeus. Portanto, além de Pilatos e de Jesus, a narrativa não aponta a presença do apóstolo narrador e nem de qualquer outra pessoa no interior do pretório naquele especial momento.

Todavia, supondo-se que a tal pergunta existiu, cabem duas hipóteses. Primeira: A pergunta foi meramente retórica. Expressava ceticismo. Pilatos formulou-a, deu as costas ao interlocutor e saiu sem esperar resposta. Daí, o silêncio de Jesus. Segunda: A pergunta foi inquisitória. Exigia resposta. Nesta segunda hipótese, o silêncio de Jesus comporta quatro possíveis interpretações.
(I) Ele seguiu os seus próprios ensinamentos: “não atirai pérolas aos porcos”. Os romanos eram politeístas e sem apetite para a filosofia. A resposta entraria por um ouvido e sairia pelo outro. O profeta silenciou por entender inútil treplicar.
(II) Ele percebeu o ridículo da situação e assim pensou: estou aqui todo ferrado diante dessa populaça sequiosa por fatiar a minha carne e beber o meu sangue e esse romano aí querendo filosofar sobre a verdade. Esse sujeito deve estar zombando de mim. Não lhe darei resposta alguma.
(III) Em conseqüência do padecimento físico e moral que sofria na ocasião, o profeta não teve disposição e nem palavras adequadas para responder.
(IV) Jesus tinha apenas a intuição da verdade e não o conceito de verdade. A sua doutrina não exigia a racional definição da verdade. O Jesus do evangelho era um profeta e não um filósofo. A sua mensagem veio calcada na fé religiosa – não na ciência. O seu objetivo era domar a face diabólica da natureza humana.  

Analogia mística.

Com a cautelar advertência de que “nenhuma analogia é perfeita” (Sankara, filósofo indiano), as crenças e doutrinas religiosas podem ser explicadas mediante operação analógica. Assim, por exemplo, toma-se a refração da luz (passagem da luz de um meio para outro) como elemento da comparação. No campo ótico, utiliza-se um prisma, geralmente com o formato de pirâmide, com superfícies retas e polidas, sobre o qual se faz incidir luz branca (policromática). Ao atravessar o prisma, a luz branca se divide em sete raios monocromáticos (espectro visível). Sob a ótica mística, a cada uma das sete cores corresponde uma virtude: poder, vitalidade, sabedoria, beleza, bondade, santidade, amor. A luz branca é comparada à luz divina e o prisma, à mente humana. Ao passar do mundo espiritual para o mundo material, atravessando o prisma humano, a luz divina produz diferentes raios monocromáticos, ou seja, idéias radicais captadas segundo o grau de compreensão de cada indivíduo. Cada raio monocromático, ou seja, cada idéia dominante alicerça alguma teoria ou alguma doutrina e se ramifica. Os teóricos e os doutrinadores combinam idéias básicas e criam sistemas, uns abertos e outros, dogmáticos. Nas relações sociais, a conduta de cada pessoa será mais ativa ou mais passiva de acordo com aquela compreensão, com o seu temperamento e com as circunstâncias. “Eu sou eu e as minhas circunstâncias” (José Ortega y Gasset).   

A crença comum na realidade absoluta da divindade, na sabedoria e no amor divinos, aproxima as religiões. A partir daí, elas se afastam umas das outras impulsionadas por seus dogmas sobre: [1] idéia de deus (substância, forma); [2] modo de cultuá-lo (rituais); [3] interpretação das leis divinas e naturais (pecado, salvação, condenação); [4] estrutura e funcionamento do mundo espiritual (seres angelicais, hierarquia celestial, relação com o mundo natural); [5] idéia de alma e seus atributos (etérea, eterna, individual, cósmica, inteligente). Cada pessoa, cada igreja, cada instituição, acha-se possuidora da divina verdade. No entanto, nenhuma delas a possui na sua plenitude. O arrolamento das virtudes divinas resulta mais da imaginação e das aspirações humanas do que da sublime realidade. A régua humana é insuficiente para medir a intenção, a extensão e a substância de deus.        

“Enganador é falar de diferentes religiões, pois estas são apenas diferentes aproximações simbólicas da única verdade religiosa e filosófica a respeito da divindade como realidade absoluta” (Radhakrishnam, filósofo indiano). “A tradição bíblica é uma mitologia socialmente orientada” (Joseph Campbell). “A religião é a realização fantasmagórica da essência humana, porque a essência humana não tem realidade verdadeira” (Karl Marx).  

Na mais conhecida filosofia indiana (Advaita Vedânta), não se nota ênfase no problema da verdade, salvo o dever moral de não mentir. Isto porque, segundo essa escola, o que o homem considera real (pessoas, coisas, universo, deus) faz parte do mundo de aparências; tudo é maya (ilusão, criação mágica); nada é real, salvo Brahman, ser unitário, íntegro e inefável. Segundo as escrituras védicas (Índia), Brahman é a verdade absoluta, fonte do real e verdadeiro conhecimento. Krishna é a encarnação de deus, personalidade histórica que viveu 125 anos em nosso planeta e transmitiu os ensinamentos védicos que existem há cinco mil anos.          

Verdade profana.

A busca da verdade pelos caminhos da arte, da ciência, da filosofia, da religião e do misticismo, deve-se à curiosidade humana, à ânsia de saber, à vontade de compreender, explicar e crer, combinadas com a capacidade humana de observar, analisar, sintetizar, refletir, orar e meditar. Por esses caminhos, trilham o racional e o irracional; a intuição desafia a razão; a imaginação desafia a realidade; aquilo no que se crê desafia aquilo que é; o dever-ser desafia o ser.

Na civilização ocidental, a relação entre a inteligência humana de um lado e os fenômenos naturais e os fatos sociais de outro, tornou-se um complicado problema. Criou-se toda uma epistemologia com diferentes teorias sobre o conhecimento humano. A verdade virou mito, algo volátil e enigmático, fora do imediato alcance do entendimento humano. Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano (Joseph Campbell). O objetivo do mito é fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição (Claude Lévi-Strauss). Verdade é uma correta união ou separação de sinais e o modo pelos quais as coisas significadas por eles concordam ou discordam entre si (John Locke).

Do ponto de vista lógico, verdade consiste na conformidade do pensamento com o ser (verdade material) ou do pensamento consigo mesmo (verdade formal). A verdade é produto da razão humana. Do ponto de vista ontológico, verdade é o espetáculo do mundo percebido pelos sentidos e refletido na mente do homem. Verdade fundamental no plano da natureza. Cada ser (mineral, vegetal, animal) é o que é ainda que a sua essência seja ignorada pelo homem. Vidro é vidro, ainda que visto e recebido como diamante. Do ponto de vista psicológico, verdade consiste em tudo o que se conforma com a concepção de mundo do indivíduo; cada pessoa detém a verdade acerca de si mesma, do outro, da sociedade, do universo e de deus. Do ponto de vista sociológico, verdade consiste nas efetivas e comprovadas relações estabelecidas entre os indivíduos ou entre grupos humanos no curso da história. Do ponto de vista teleológico, verdade é a exata correspondência das coisas com os seus úteis ou necessários fins. Do ponto de vista teológico, verdade é a refulgência de deus no mundo.

Na esfera humana, verdade não é algo uniforme e substancial que exista abstrata, perene e isoladamente. Parafraseando o poeta no seu refinado humor (entre os amantes, “o amor é eterno enquanto dura”), pode-se dizer que entre os homens a verdade é absoluta enquanto dura. A verdade provém de um tipo de relação estabelecida entre a percepção e a inteligência do sujeito de um lado, e o objeto observado, de outro. O objeto observado pode ser deus, a natureza, a sociedade, pessoas ou o próprio sujeito (introspecção). A verdade é problema ético e lógico que decorre da sociabilidade e da racionalidade do ser humano.

sábado, 14 de novembro de 2015

TOLERÂNCIA E VERDADE



Choque de culturas.

“Se tu, americano e cristão, censuras o nosso costume relativo à conduta e ao vestuário das nossas mulheres, eu, oriental e islâmico, também, dentro da mesma lógica e com igual autoridade, censuro o costume das tuas mulheres de exibirem as pernas, os seios e as roupas íntimas, provocando o desejo sexual nos homens, como fazem as prostitutas, e penso que a tolerância com esses hábitos faz de ti e dos vossos iguais, uns cornos mansos”.

A censura do homem ocidental vale tanto quanto a do homem oriental e revela intolerância e espírito de dominação. A força moral é inata, provém da natureza anímica do ser humano. Essa força gera na mente dos homens preceitos morais que integram a cultura de cada povo.

Errado é confundir o que é costume com o que é certo. Comer o primogênito como fazem os habitantes de Kai-Shu pode ser o costume, mas não é o certo (Mo Tse, filósofo chinês, 478-436 a.C.). Não existe uma moralidade absoluta, mas apenas uma conveniência oportunista. Na realidade, não há verdade e nem erro, nem outras distinções. Existem apenas aspectos diferentes que dependem do ponto de vista (Chuang Tse, filósofo chinês, 369-286 a.C.).

O conflito, hoje, se dá entre uma cultura que afirma, ama e celebra o dom da vida e uma cultura que declara que grupos inteiros de seres humanos, crianças por nascer, doentes em estágio terminal, inválidos e outros, vistos como “inúteis”, devem ficar fora das fronteiras e da proteção legal. (João Paulo II. Saint Louis, Missouri, USA, 26/01/1999).

No confronto das culturas há oposições, mas também sintonias. O espírito de submissão a deus revelado na escritura islâmica (Alcorão) sintoniza com o espírito de completa e incondicional rendição a deus revelado na escritura védica (Bhagavad-Gita). Numa das passagens desta última, Krishna diz ao guerreiro Arjuna: “Abandona todas as tuas demais ocupações e submeta-se a mim”. O espírito islâmico e o espírito védico sintonizam com o espírito de humildade que brota do amor a deus revelado na escritura cristã (Novo Testamento). 

Das escrituras “sagradas” dos diversos povos nota-se um manto sagrado sobre a vida privada. As regras islâmicas ditadas a Maomé pelo arcanjo Gabriel são criticadas por suas minúcias, como aquelas sobre: qual a mão que deve limpar o próprio traseiro; virar-se de frente para o vento ao expelir gases intestinais; tipo e quantidade de alimentos que os fiéis devem comer; posições sexuais (veda-se à mulher ficar por cima); assuntos proibidos de se conversar; partes do corpo que não podem ser tocadas; modo lento (por sangramento) que deve ser usado para abater animais (degola ritual); maneira de sepultar o homem. No entanto, a Bíblia também tem centenas de regras sobre o cotidiano inadequadas à vida moderna ocidental (higiene, dieta alimentar, abate de animal, comportamento sexual, endogamia, primogenitura e outros assuntos). A literatura védica (Índia) ensina como homens e mulheres devem se unir, o que devem fazer para gerar filhos e qual o objetivo da vida sexual, além de outros preceitos relacionados à vida privada. Na China, regras sobre a conduta individual e coletiva foram ditadas por Lao Tse (Tao Te King) e Kung Fu Tse (Analectos) que orientaram a conduta de povos asiáticos por muitos séculos.

Verdade religiosa.

Em que pese a Bíblia ser uma coleção de livros recheados de falsidades, fantasias, megalomanias e verborragia (narrações romanceadas e pretensamente históricas, oráculos proféticos, genealogias, milagres) nela é possível achar coisas verossímeis (textos legislativos, ensaios filosóficos, poemas, orações). Campeã de vendas, muito falada, pouco lida e mal interpretada, essa coleção se divide em duas partes: (1) Antigo Testamento, “escritura sagrada” dos hebreus composta de livros de vários autores; (2) Novo Testamento, “escritura sagrada” dos cristãos composta de cartas e de livros (evangelhos, atos dos apóstolos, apocalipse) escritos ou ditados por apóstolos do profeta Jesus. Essa coleção de textos (Bíblia) é a base espiritual e social da comunidade cristã e se universalizou graças: (1) ao magistério de João Batista e de Jesus; (2) ao trabalho dos apóstolos; (3) à ação catequética da igreja católica e da igreja protestante; (4) à ignorância e à credulidade da massa popular. A Bíblia refere-se, no Antigo Testamento, ao deus do povo hebreu (israelitas + judeus) e no Novo Testamento, ao deus do povo cristão (católicos + protestantes). Qual dos dois é o deus verdadeiro?

O deus dos hebreus, que Moisés denominou Javé (ou Jeová) tem as seguintes características: (1) poderoso na “terra prometida”, circunscrita ao território palestino, pois nos países vizinhos sofre a concorrência dos outros deuses; (2) belicoso, homicida, genocida; (3) exclusivista, vingativo, cruel. Javé escolheu um povo exclusivamente para si do qual exigiu fidelidade e pureza racial (endogamia); em troca, prometeu numerosa descendência, riqueza, felicidade, domínio do mundo; autorizou extermínio de outros povos e invasão de terra alheia. O apego dos hebreus ao dinheiro e aos bens materiais e a pretensão ao domínio amparam-se na crença nesse deus e nessa escritura. (Gênesis 15. Êxodo 6/7. I Samuel 15: 1/9. II Samuel 7: 1/16. Isaías 14/23; 60/65).

O deus dos cristãos, que o profeta Jesus, o Cristo, denominou Pai Celestial, tem as seguintes características: poderoso, misericordioso, amoroso, pacífico, universalista, sábio. A esse deus, desagrada a sensualidade e a riqueza mundanas. Ele deve ser incondicionalmente amado sobre todas as coisas e recomenda o amor fraterno, humildade, moderação nos costumes, desapego aos bens materiais, obediência às autoridades paterna e estatal. A bem-aventurança situa-se no mundo celestial; dela, poucos desfrutarão. (Mt 5/7. Lc 9: 62; 13: 24. Jo 15/16).

Apesar das diferenças essenciais e contrastantes entre esses dois deuses, há quem afirme que se trata de um único e mesmo deus. Se assim fosse, esse deus teria, então, duas faces: a diabólica, que ele exibiu ao patriarca Abraão e a angelical, que ele exibiu ao profeta Jesus. De fato, comparando-se passagens bíblicas entre si, verifica-se que no Antigo Testamento, o deus Javé promete ao patriarca o domínio do mundo; no Novo Testamento, o deus Satanás faz a mesma promessa ao profeta. A conclusão se impõe: Javé e Satanás são idênticos e não se confundem com o Pai Celestial. Abraão não resistiu, prostrou-se e, seduzido pelas promessas “divinas”, celebrou o pacto com Satanás (Gênesis 17: 1/22). Jesus resistiu; não se prostrou e nem se deixou seduzir por tais promessas. “Para trás, Satanás” (Mt 4: 3/10. Mc 1: 12/13. Lc 4: 1/13).    

Nos quatro evangelhos selecionados pela igreja cristã, há inúmeras passagens em que Jesus fala sobre a verdade sem defini-la. Se permanecerdes nas minhas palavras sereis meus verdadeiros discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos livrará. Na última ceia com seus apóstolos antes da crucifixão, o profeta diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. O apóstolo João narra o seguinte episódio: Jesus, prisioneiro, diante de Pôncio Pilatos, diz: É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz. A isto, Pilatos replicou: O que é verdade? Jesus não treplicou. (Jo 8: 31/32; 14: 6; 18: 37/38).       

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

VISTA DOS AUTOS



O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em outubro de 2015, baixou ato normativo disciplinando o pedido de vista pelos magistrados. O Supremo Tribunal Federal (STF), decidindo em causa própria, colocou-se fora do âmbito disciplinar do CNJ. Exclusão contrária ao sistema republicano e, especialmente, ao princípio de isonomia, o que torna necessária expedição de Emenda à Constituição: (1) submetendo os juízes do STF: (I) à mesma disciplina dos demais magistrados; (II) ao regime de dedicação exclusiva, vedando a participação deles no CNJ, no Tribunal Superior Eleitoral e no magistério; (2) proibindo os juízes do STF de se afastarem das funções fora do período de férias, salvo por doença ou luto. Vem a calhar, o artigo “Pedido de Vista dos Autos do Processo” publicado neste blog em 12 de abril de 2008, cuja ementa pode ser assim redigida:

Abuso de direito. Protelação do julgamento. Devolução compulsória dos autos ao presidente do tribunal, da turma ou da câmara. Sanções penais e administrativas. Direito do cidadão à tutela jurisdicional. Responsabilidade do magistrado. Prevaricação e desídia do magistrado. Violação à ética da magistratura. Intervenção do CNJ. (Constituição Federal 93, II, letra e; 103-B, §4º, III; Lei Complementar 35/1979, 35: I a III; Código Penal, 319).

Eis a íntegra do artigo:

“À semelhança do que ocorre no mundo da natureza, há herança genética também no mundo da cultura, características de um povo que passam de geração a geração. O período colonial e o período imperial, por exemplo, deixaram marcas profundas no caráter do povo brasileiro: complexo de inferioridade; menosprezo às coisas da terra e valorização das coisas estrangeiras; olhos postos na Europa e nos EUA; imitação do que acontece de bom e de ruim naquelas paragens; importação de idéias, modismos e bugigangas; submissão aos interesses da metrópole (Portugal, Inglaterra, EUA); subserviência às oligarquias locais; incensar os poderosos; ser malandro e levar vantagem em tudo; protestar contra o ladrão do dinheiro público e justificar o roubo quando ele próprio for o ladrão. Eis aí o gene macunaíma & mazombo de parcela do povo brasileiro. Na outra parcela encontram-se: (i) os brasileiros que conseguiram identificar e isolar aquele gene cultural (ii) os imigrantes europeus e asiáticos, com características físicas e culturais diferentes, aqui chegados a partir do século XIX”.

“Compreende-se, pois, a existência de macunaímas e mazombos no Legislativo, no Executivo, no Judiciário, nas igrejas, nos sindicatos, nas universidades, nas empresas e demais setores da sociedade. Não admira, pois, a existência de condutas contrárias à ética, ao direito e aos bons costumes nos Poderes da República. Tome-se, como exemplo, a área jurídica. Ao esforço para a celeridade processual se opõe a praxe nos tribunais de procrastinar mediante pedidos de vista. O Supremo Tribunal Federal, que devia dar o bom exemplo, incide nessa praxe censurável. Nos tribunais, os motivos da retenção abusiva são os mais variados: amizade, débito para quem o auxiliou na obtenção do cargo, crença religiosa, ideologia política, simpatia com partido político, cortesia para com os governantes do momento, gratificação pecuniária e outras formas de recompensa. As justificativas também variam: doença do juiz, acúmulo de serviço, necessidade de exame mais detido da questão”.

“Se o magistrado adoece seguidamente e muitas são as licenças para tratamento de saúde no ano, o caminho é a aposentadoria por incapacidade física ou mental. A prestação jurisdicional não pode adoecer nem morrer com o magistrado. O acúmulo de serviço é a porta larga por onde passam a preguiça e a esperteza. Juiz que conhece bem o direito, raciocina dentro da lógica e do bom senso, tem experiência de vida, se dedica integral e honestamente à judicatura, com espírito público e sensibilidade para com os direitos dos jurisdicionados, não sofre com acúmulo de serviço. Mantém o seu serviço em dia; despacha, decide e sentencia dentro do prazo simples ou em dobro. Trabalha muito, porém com a consciência de que foi essa a sua escolha ao prestar concurso ou pleitear o cargo de livre nomeação. Mais do que servidor comum, o juiz é agente político com a função de distribuir justiça. Ao juiz não fica bem se comportar como barnabé-de-toga ou com esperteza politiqueira. Por uma ou duas sessões, tolera-se a retenção dos autos para melhor exame pelo juiz. Cumpre assinalar, todavia, como disse Marco Aurélio, eminente juiz do Supremo Tribunal Federal, em tom bem humorado, que há diferença entre pedido de vista e perdido de vista. O pedido de vista se faz depois do voto do relator, durante o julgamento da ação ou do recurso. O juiz que pediu vista não deve manter o julgamento suspenso por muito tempo. Os juízes que aguardam a vez para proferir o seu voto e os jurisdicionados que aguardam a solução da demanda merecem respeito e consideração. A existência de prazo para a devolução indica que o processo goza de preferência por se encontrar em fase de julgamento. Entretanto, a faculdade legal e regimental de pedir vista dos autos tem sido desvirtuada. O presidente do tribunal, da turma ou da câmara, tem autoridade para solicitar a devolução dos autos. A retenção dos autos além do prazo legal é justa causa para punir o magistrado (CF 93, II, letra e). Autoriza, pois, a intervenção do juiz-presidente. Despacho, decisão e sentença são atos distintos do magistrado (CPC 162). A citada norma constitucional exige a devolução dos autos com despacho ou decisão. Silenciou quanto à sentença. A esta equivalem o voto (individual) e o acórdão (coletivo). Portanto, os autos podem ser devolvidos sem o voto escrito do juiz que solicitou vista. Entende-se que o juiz concordou tacitamente com o voto do relator. Cuida-se de presunção juris tantum, pois, nada impede que o juiz infrator profira voto oral divergente na sessão de julgamento.

“O entendimento aqui exposto se harmoniza com as normas da razoável duração do processo e da celeridade dos trâmites processuais (CF 5º, LXXVIII). Se notificado pelo juiz-presidente, o juiz não devolver os autos, o presidente pode determinar a busca e apreensão. Se houver exercício de autoridade, esse tipo de procrastinação tenderá a decrescer. Acontece que o presidente do colegiado pode estar incluído entre os juízes tardinheiros. Nesse caso, faltar-lhe-á autoridade moral para exigir dos seus colegas o que ele mesmo não cumpre. Resta, então, às pessoas com legitimidade ativa, reclamar junto ao Conselho Nacional de Justiça e ao Ministério Público, as providências para que os processos retomem os trâmites legais e os magistrados desidiosos recebam as merecidas sanções penais e administrativas, ainda que sejam membros de tribunal superior. Todos são iguais perante a lei (CF 5º)”.