EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
Na
opinião de Aléxis de Tocqueville, o gênero humano não é inteiramente
independente e nem inteiramente escravo. Em torno de cada homem há um círculo
do qual não pode sair, porém, dentro desses limites ele é poderoso e livre. Com
os povos acontece o mesmo. A ordem do coração e a ordem da razão convivem no
homem e na sociedade. [Aléxis não esconde a sua filiação ao pensamento de
Pascal]. Da polaridade entre opostos advém a história humana: o princípio
democrático opõe-se ao aristocrático, mas ambos consideram a liberdade e a
igualdade em determinada estrutura. [A bipolaridade masculino x feminino
respondia pela distinção do papel social do homem e da mulher, ele provedor do
lar e ela dona de casa]. A liberdade
é dom que se adquire e que se perde; pode ser usado para o bem e para o
mal. A igualdade é paixão,
afeto comum e natural do ser humano. O excesso de liberdade destrói a
igualdade; o excesso de igualdade destrói a liberdade. O ideal está no ponto
extremo em que a liberdade e a igualdade se tocam e se confundem: os homens são
livres porque são iguais e são iguais porque são livres. Segundo as tendências
das nações, a igualdade pode conduzi-las à servidão ou à liberdade, à luz ou à
barbárie, à prosperidade ou à miséria, sem subordinação alguma com os ritmos da
natureza.
A
igualdade abre dois caminhos aos homens: um que conduz a novas idéias, outro
que conduz à apatia. Os homens são iguais na medida em que são livres. A
igualdade que torna os homens reciprocamente independentes cria neles o hábito
e o gosto de seguir sua própria vontade nas ações particulares. Essa
independência os predispõe contra toda autoridade e lhes desperta a idéia e o
amor à liberdade política. A uniformidade das leis é exigência do princípio da
igualdade e a condição primeira de um bom governo cuja imagem é a de um poder
único, simples, providencial e criador. O amor à tranqüilidade pública leva os
cidadãos a conceder continuamente novos direitos ao poder central. Os privilégios,
por menores que sejam, repugnam à consciência democrática. O homem é o artífice
do seu próprio destino. Conforme a época e o momento histórico, os homens
preferem a igualdade à liberdade. [Segundo Napoleão, os franceses apreciavam
mais a igualdade do que a liberdade].
O
interesse e o bem-estar são os dois princípios estruturais da sociedade
democrática; a liberdade e a igualdade são os seus princípios
constitutivos. O egoísmo é amor
apaixonado e exagerado de si mesmo. Individualismo
é sentimento reflexivo e pacífico que predispõe a pessoa a separar-se da massa
de seus semelhantes, a retirar-se a um lado com sua família e seus amigos. A
sociedade democrática enseja associações particulares. As relações humanas são
movidas mais por interesses do que por idéias. As opiniões formam uma espécie
de poeira intelectual que se agita por todos os lados sem poder fixar-se nem
reunir-se. Há uma disposição geral para premiar os movimentos rápidos e as
concepções superficiais da inteligência e para depreciar a meditação, o
trabalho lento e profundo do intelecto. O interesse prático sobrepuja a
contemplação teórica. Sociedade alguma subsiste sem um núcleo de idéias comuns
e principais aceitas como dogmas (sem discussão). Sem idéias comuns não há
ações comuns. Sobre o dogma coletivo, o indivíduo ergue o edifício das suas
próprias idéias.
O sistema econômico moderno com o
seu aspecto racionalista constitui o efeito
da democracia e não a causa. A
democracia é um princípio de ordem moral e política. Nela, são mais fáceis o abuso
do governante e o mau emprego dos recursos públicos. A centralização administrativa é o principal mecanismo da tirania
travestida de democracia. Esse tipo de centralização se estriba na racionalização que também se coaduna com
o espírito democrático, o que propicia o engodo. A finalidade do Estado é
garantir a segurança, a proteção jurídica, realizar obras públicas, fomentar as
relações com os demais Estados. Quanto mais industrializada a nação, mais a
necessidade de estradas, canais, portos e serviços a cargo do Estado, o que
exige grande quantidade de engenheiros, arquitetos, mecânicos e artesãos. À
medida que se incrementa o poder do Estado e aumentam as suas necessidades,
maior é o consumo de produtos industrializados. O instinto de centralização se constituiu único ponto imóvel em meio
da singular mobilidade da existência e do pensamento dos homens. Há um poder imenso
e tutelar sobre os cidadãos, detalhista, regular, previdente e suave, que torna
menos útil e mais raro o livre arbítrio e reduz o espaço para a ação
voluntária. Despotismo e tirania são palavras inadequadas para expressar
o novo tipo de opressão sobre povos democráticos.
John
Stuart Mill (1806 a
1873) poeta, filósofo, resume no seu pensamento as tendências da filosofia
inglesa: sensualismo, ceticismo, pragmatismo e liberalismo. Seguiu os passos do
pai (James Mill), da sua talentosa esposa Harriet Taylor e de Jeremy Bentham,
sem desmerecer a influência que sofrera de Tocqueville, Carlyle, Ricardo e
Comte. Na opinião dele, a origem de todo conhecimento está na experiência. No
ensaio “Da Liberdade”, John trata da liberdade de pensamento e de palavra, da
individualidade, dos limites da autoridade e se opõe à assertiva da igreja de
ser o cristianismo a fonte de toda bondade (1859). Participou da reforma
parlamentar na Inglaterra e defendeu o sufrágio universal. Escreveu um tratado
sobre economia política. O seu livro “Sistema de Lógica” teve larga repercussão
na Europa. Ali, esta lição: a base da
argumentação indutiva está na comprovada constância da natureza que, em si
mesma, constitui a suprema indução. [A fraca confiabilidade do processo
indutivo tem sido um problema para aqueles que se dedicam à ciência.
Inarredável, entretanto, a constatação de que se trata de operação mental tão
útil quanto o processo dedutivo]. A busca do prazer e a fuga da dor não são os
únicos determinantes da conduta humana. Os hábitos e o desejo de união com os
semelhantes também são determinantes. Os prazeres diferem em qualidade; uns são
mais elevados do que os outros. [Tese de Epicuro, o primeiro hedonista
utilitarista]. O socialismo destrói a liberdade individual. A intervenção do
Estado é necessária ao bem dos menos afortunados. A sociedade não deve se
dividir entre o ocioso e o industrioso. A lei que nega comida a quem não
trabalha deve valer para todos e não só para os pobres. [“Comerás o teu pão com
o suor do teu rosto” (Bíblia, Gênesis, 3:19)]. John apoiava o controle
artificial da natalidade.
Herbert Spencer (1820 a 1903) nasceu em
modesta família de metodistas e quacres. Autodidata, filósofo evolucionista,
engenheiro civil da companhia de estrada de ferro que liga Londres a
Birmingham, produziu trabalhos nas áreas tecnológica, econômica e política. Os
seus livros principais foram: “Estática Social” e “Filosofia Sintética”. O
fulcro da sua filosofia é a idéia da evolução como lei universal, inspirada na
teoria de Darwin. Cunhou a frase “sobrevivência
do mais apto” quando se referiu à seleção natural. Sustentava que tudo
evolui: espécies animais e vegetais, planetas, sistemas planetários,
instituições, idéias religiosas e éticas. O processo evolutivo compreende
quatro etapas: (1) concentração:
massas indiferenciadas semelhantes à nebulosa geratriz de estrelas e planetas;
(2) diferenciação: entes individuais
separam-se da massa; (3) determinação:
indivíduos se desenvolvem do simples ao complexo; (4) dissolução: os entes se desintegram. Tudo no universo tende a
cumprir o ciclo completo: origem, ascensão, declínio e extinção. A força
sobrenatural desse processo não se submete à análise científica. O homem só
pode conhecer o que lhe permite a experiência sensorial. Coletivismo é resquício da sociedade primitiva, estágio inicial da
evolução social, quando o indivíduo ainda não se diferenciara da massa.