Na sessão do Supremo Tribunal Federal
(STF) de 16/10/2019, quando em julgamento matéria eleitoral, o ministro Barroso
interrompeu algumas vezes o ministro Moraes. O presidente do tribunal, ministro
Toffoli, admoestou o interpelante. Barroso não gostou da reprimenda e disse que
defendia a necessidade de prestação de contas do dinheiro público. Moraes não
defendia o uso de dinheiro público sem prestação de contas. A controvérsia era
outra: a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de resolução do Tribunal
Superior Eleitoral sobre a suspensão de partido político. O duelo de opiniões
protagonizado por Barroso e Moraes contrariava o regimento interno do tribunal.
Ora, se Barroso não respeita decisão da ONU e nem cláusula pétrea da
Constituição da República, por que iria respeitar norma regimental? Ele é doutor em falácias. Oriundo da
advocacia, raciocina e se comporta como advogado e não como juiz. O seu ato
falho revela bem isto quando, na sessão de 23/10, ao se referir a 3 questões por ele apresentadas e debatidas
no tribunal, ele diz que “perdeu” todas. Ora, na lide, quem perde ou ganha é a
parte e o seu advogado. No exercício da judicatura, juiz não perde e nem ganha.
Espera-se do juiz: independência, imparcialidade e honestidade.
Tribunal de justiça não é arena para juízes
lutarem entre si, cada qual em busca da vitória como se o outro juiz fosse adversário
ou inimigo. Fiel à sua consciência, ao código de ética, à ordem jurídica, à
prova produzida na instrução processual, o juiz forma a sua convicção. A sentença judicial, ainda quando injusta e
maliciosa, tem força jurídica própria. Na sentença
(voto) o juiz expõe as razões do seu convencimento – não para persuadir os
outros juízes e as partes, nem para contentar parentes, amigos ou clientes do
seu escritório de advocacia – e sim para fundamentar a sua decisão. Trata-se de
imperativo de ordem pública. Cuida-se do dever inerente à tutela jurisdicional.
Demagogia e populismo no tribunal são aberrações.
A troca de opiniões entre os juízes ocorre
nos debates durante o julgamento da causa, porém, quando está a prolatar
sentença (exposição do voto), o juiz não deve ser interrompido, salvo se
conceder aparte. O voto é a sentença individual proferida pelo juiz membro do
tribunal. Tal sentença (voto) poderá, ou não, coincidir com as sentenças (votos)
dos outros juízes. Os votos majoritários compõem a sentença final (acórdão) da
câmara, da turma, ou do tribunal pleno, redigida pelo juiz relator. Fere o
regimento interno o aparte: [i] manifestado sem a prévia anuência do juiz
sentenciante [ii] que renova o debate durante a exposição do voto do juiz sentenciante.
Se algum juiz quiser discordar, deve aguardar o sentenciante concluir o voto,
como exigem a boa ordem dos trabalhos, o decoro e a cortesia. Justa, pois, a
repreensão feita pelo presidente ao exigir de Barroso, o respeito devido ao
colega que votava.
Nas sessões do STF, nestas duas décadas
do século XXI, ocorreram violações ao regimento interno, condutas indecorosas,
cenas deprimentes, falta de compostura de alguns dos seus ministros. A
serenidade e o requinte ético desceram a ladeira. O farol da espiritualidade
cristã reduziu-se, ali, a uma pálida chama de lamparina.
Na sessão de julgamento dos dias 23 e
24/10/2019, o STF tratou da execução da sentença penal condenatória. Votaram 7
dos 11 ministros que compõem o tribunal. Em novembro será concluído o julgamento.
Até o momento, há 4 votos favoráveis à prisão do condenado antes do trânsito em
julgado da sentença e 3 votos contrários. O entendimento dos ministros manifestado
anteriormente sobre essa matéria indica as seguintes probabilidades: [i] 1 voto
favorável (Carmen Lúcia); [ii] 3 votos contrários (Gilmar, Celso e Toffoli);
[iii] maioria de votos (6 x 5) decidirá pela compatibilidade do dispositivo do
código de processo penal com a garantia constitucional da presunção de
inocência tendo como limite o trânsito em julgado da sentença. A execução da sentença
não será antecipada. Caberá prisão cautelar para preservar a paz e a ordem
públicas, nos termos da legislação em vigor.
Nos votos dos ministros Moraes, Fachin, Barroso e Fux,
transpareceram malícia, falácia, esperteza argumentativa. A matéria já fora
objeto de debates no STF. A repetição seria desnecessária se não houvesse, no seu
exame, componente ideológico, expedientes politiqueiros, interesses privados
(inclusive de emissoras de televisão). Esses ministros resolveram “interpretar”
o preceito constitucional de literal clareza que agasalha o princípio da não
culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença. Eles viram diferença onde
diferença essencial não há (presunção de inocência X presunção de não culpabilidade).
Ao invocar preceitos constitucionais e infraconstitucionais sobre a prisão em
flagrante e a prisão ordenada por autoridade judiciária competente, eles confundiram
efeito da sentença penal condenatória proferida na culminância do processo de
conhecimento com a prisão cautelar decretada no curso de inquérito policial ou
de processo judicial. Confusão intencional, diga-se de passagem, pois, os ministros
têm o galardão de notável saber jurídico. Logo, não incorreriam em erro crasso involuntariamente.
Misturaram processo de conhecimento com processo de execução. Argumentaram infantilmente
com a necessidade de proteger a sociedade contra bandidos perigosos. Serviram-se
furiosamente de argumentos “ad terrorem” citando crimes horripilantes e crimes
de corrupção que, segundo eles, ficariam impunes se não houvesse prisão antes
do trânsito em julgado. Omitiram o fato de que: [i] muitos desses criminosos foram
e continuam presos enquanto outros foram soltos beneficiados pela delação
premiada [ii] há excesso de lotação nos presídios a indicar que a impunidade é uma balela (há punibilidade em excesso, a maioria dos pacientes
é masculina, pobre e negra, numerosos aprisionamentos provisórios) [iii] os criminosos de
colarinho branco sempre receberam tratamento privilegiado, o que ficou bem
visível na seletividade da operação lava-jato (condescendência das autoridades estatais
com as ilicitudes dos tucanos, dos banqueiros, dos barões dos meios de comunicação,
dos bispos evangélicos). Sofismaram ao citar a experiência jurídica de “todos
os países do mundo” (generalização excessiva e enganosa) quando em debate
estavam: [i] a experiência jurídica brasileira (eficácia de uma norma
constitucional) [ii] o respeito à decisão do legislador constituinte brasileiro
sobre a presunção de inocência e o seu limite no trânsito em julgado da
sentença. Pretenderam, com o afastamento da exigência constitucional do
trânsito em julgado para execução da sentença penal condenatória, dar cobertura
jurisprudencial às ilegalidades e aos abusos praticados por delegados,
procuradores e juízes da operação lava-jato. Tiveram em mira o Caso Lula. Em
relação ao ex-presidente, estão ausentes os requisitos que justificam a prisão
cautelar. Destarte, para mantê-lo preso, impõe-se retrotrair o limite da
presunção de inocência para o segundo grau de jurisdição. Esta é a motivação
política do esforço e das manobras cerebrinas dos mencionados ministros.