sábado, 26 de outubro de 2019

FALÊNCIA DO DECORO

Na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 16/10/2019, quando em julgamento matéria eleitoral, o ministro Barroso interrompeu algumas vezes o ministro Moraes. O presidente do tribunal, ministro Toffoli, admoestou o interpelante. Barroso não gostou da reprimenda e disse que defendia a necessidade de prestação de contas do dinheiro público. Moraes não defendia o uso de dinheiro público sem prestação de contas. A controvérsia era outra: a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de resolução do Tribunal Superior Eleitoral sobre a suspensão de partido político. O duelo de opiniões protagonizado por Barroso e Moraes contrariava o regimento interno do tribunal. Ora, se Barroso não respeita decisão da ONU e nem cláusula pétrea da Constituição da República, por que iria respeitar norma regimental?  Ele é doutor em falácias. Oriundo da advocacia, raciocina e se comporta como advogado e não como juiz. O seu ato falho revela bem isto quando, na sessão de 23/10, ao se referir a 3 questões por ele apresentadas e debatidas no tribunal, ele diz que “perdeu” todas. Ora, na lide, quem perde ou ganha é a parte e o seu advogado. No exercício da judicatura, juiz não perde e nem ganha. Espera-se do juiz: independência, imparcialidade e honestidade.
Tribunal de justiça não é arena para juízes lutarem entre si, cada qual em busca da vitória como se o outro juiz fosse adversário ou inimigo. Fiel à sua consciência, ao código de ética, à ordem jurídica, à prova produzida na instrução processual, o juiz forma a sua convicção. A sentença judicial, ainda quando injusta e maliciosa, tem força jurídica própria. Na sentença (voto) o juiz expõe as razões do seu convencimento – não para persuadir os outros juízes e as partes, nem para contentar parentes, amigos ou clientes do seu escritório de advocacia – e sim para fundamentar a sua decisão. Trata-se de imperativo de ordem pública. Cuida-se do dever inerente à tutela jurisdicional. Demagogia e populismo no tribunal são aberrações.
A troca de opiniões entre os juízes ocorre nos debates durante o julgamento da causa, porém, quando está a prolatar sentença (exposição do voto), o juiz não deve ser interrompido, salvo se conceder aparte. O voto é a sentença individual proferida pelo juiz membro do tribunal. Tal sentença (voto) poderá, ou não, coincidir com as sentenças (votos) dos outros juízes. Os votos majoritários compõem a sentença final (acórdão) da câmara, da turma, ou do tribunal pleno, redigida pelo juiz relator. Fere o regimento interno o aparte: [i] manifestado sem a prévia anuência do juiz sentenciante [ii] que renova o debate durante a exposição do voto do juiz sentenciante. Se algum juiz quiser discordar, deve aguardar o sentenciante concluir o voto, como exigem a boa ordem dos trabalhos, o decoro e a cortesia. Justa, pois, a repreensão feita pelo presidente ao exigir de Barroso, o respeito devido ao colega que votava.
Nas sessões do STF, nestas duas décadas do século XXI, ocorreram violações ao regimento interno, condutas indecorosas, cenas deprimentes, falta de compostura de alguns dos seus ministros. A serenidade e o requinte ético desceram a ladeira. O farol da espiritualidade cristã reduziu-se, ali, a uma pálida chama de lamparina.     
Na sessão de julgamento dos dias 23 e 24/10/2019, o STF tratou da execução da sentença penal condenatória. Votaram 7 dos 11 ministros que compõem o tribunal. Em novembro será concluído o julgamento. Até o momento, há 4 votos favoráveis à prisão do condenado antes do trânsito em julgado da sentença e 3 votos contrários. O entendimento dos ministros manifestado anteriormente sobre essa matéria indica as seguintes probabilidades: [i] 1 voto favorável (Carmen Lúcia); [ii] 3 votos contrários (Gilmar, Celso e Toffoli); [iii] maioria de votos (6 x 5) decidirá pela compatibilidade do dispositivo do código de processo penal com a garantia constitucional da presunção de inocência tendo como limite o trânsito em julgado da sentença. A execução da sentença não será antecipada. Caberá prisão cautelar para preservar a paz e a ordem públicas, nos termos da legislação em vigor.
Nos votos dos ministros Moraes, Fachin, Barroso e Fux, transpareceram malícia, falácia, esperteza argumentativa. A matéria já fora objeto de debates no STF. A repetição seria desnecessária se não houvesse, no seu exame, componente ideológico, expedientes politiqueiros, interesses privados (inclusive de emissoras de televisão). Esses ministros resolveram “interpretar” o preceito constitucional de literal clareza que agasalha o princípio da não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença. Eles viram diferença onde diferença essencial não há (presunção de inocência X presunção de não culpabilidade). Ao invocar preceitos constitucionais e infraconstitucionais sobre a prisão em flagrante e a prisão ordenada por autoridade judiciária competente, eles confundiram efeito da sentença penal condenatória proferida na culminância do processo de conhecimento com a prisão cautelar decretada no curso de inquérito policial ou de processo judicial. Confusão intencional, diga-se de passagem, pois, os ministros têm o galardão de notável saber jurídico. Logo, não incorreriam em erro crasso involuntariamente. Misturaram processo de conhecimento com processo de execução. Argumentaram infantilmente com a necessidade de proteger a sociedade contra bandidos perigosos. Serviram-se furiosamente de argumentos “ad terrorem” citando crimes horripilantes e crimes de corrupção que, segundo eles, ficariam impunes se não houvesse prisão antes do trânsito em julgado. Omitiram o fato de que: [i] muitos desses criminosos foram e continuam presos enquanto outros foram soltos beneficiados pela delação premiada [ii] há excesso de lotação nos presídios a indicar que a impunidade é uma balela (há punibilidade em excesso, a maioria dos pacientes é masculina, pobre e negra, numerosos aprisionamentos provisórios) [iii] os criminosos de colarinho branco sempre receberam tratamento privilegiado, o que ficou bem visível na seletividade da operação lava-jato (condescendência das autoridades estatais com as ilicitudes dos tucanos, dos banqueiros, dos barões dos meios de comunicação, dos bispos evangélicos). Sofismaram ao citar a experiência jurídica de “todos os países do mundo” (generalização excessiva e enganosa) quando em debate estavam: [i] a experiência jurídica brasileira (eficácia de uma norma constitucional) [ii] o respeito à decisão do legislador constituinte brasileiro sobre a presunção de inocência e o seu limite no trânsito em julgado da sentença. Pretenderam, com o afastamento da exigência constitucional do trânsito em julgado para execução da sentença penal condenatória, dar cobertura jurisprudencial às ilegalidades e aos abusos praticados por delegados, procuradores e juízes da operação lava-jato. Tiveram em mira o Caso Lula. Em relação ao ex-presidente, estão ausentes os requisitos que justificam a prisão cautelar. Destarte, para mantê-lo preso, impõe-se retrotrair o limite da presunção de inocência para o segundo grau de jurisdição. Esta é a motivação política do esforço e das manobras cerebrinas dos mencionados ministros.

domingo, 20 de outubro de 2019

INSTÂNCIA & JURISDIÇÃO


O Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão do dia 23/10/2019 votará matéria sobre execução penal. Decidirá se a execução de sentença penal condenatória depende, ou não, do trânsito em julgado. O resultado poderá repercutir no Caso Lula. Considerando o interesse geral da questão, recomendável e oportuna se afigura a abordagem de alguns aspectos terminológicos para facilitar a compreensão de todos aqueles que estiverem pouco familiarizados com as lides forenses.
Estância e entrância são vocábulos de conotação espacial (estar, entrar). Estância significa lugar onde pessoas param ou moram, imóvel rural onde se cria gado, vocábulo de uso comum no Rio Grande do Sul. Entrância significa classe da divisão judiciária do estado federado. Cada estado tem as suas próprias organização e divisão judiciárias segundo critérios de densidade populacional e de movimento forense. Geralmente, as comarcas do estado são agrupadas em 3 entrâncias: (i) primeira ou inicial, onde funcionam juízes no início da carreira (ii) segunda ou intermediária, onde funcionam juízes em progressão na carreira e experientes na função judicante (iii) terceira ou final, onde funcionam juízes de larga experiência. Depois da entrância final, o juiz é promovido para o tribunal de justiça, ganha o título de desembargador e encerra a carreira compulsoriamente ao completar 70 anos de idade.
Instância é vocábulo de conotação temporal (instante). Significa a ação de pedir de maneira insistente e persuasiva. Neste sentido, há instâncias em cada entrância e em cada tribunal. O autor de uma ação judicial insta o juiz a deferir a pretensão nela deduzida. O réu da ação insta o juiz a indeferir o pedido do autor. Há segunda instância quando as partes, servindo-se da regra do duplo grau de jurisdição, recorrem a um órgão de superior hierarquia pleiteando o provimento dos seus inconformismos. Isto acontece quando o vencido apela ao tribunal pedindo a reforma da decisão proferida na anterior instância. No tribunal há órgãos fracionários (câmaras, turmas). Os recursos interpostos das decisões desses órgãos ao órgão especial (plenário) constituem nova instância no âmbito do mesmo tribunal. Outra instância se inaugura, no curso do mesmo processo, com os recursos interpostos da decisão (acórdão) do tribunal de justiça ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os recursos interpostos das decisões dos órgãos fracionários do STJ ao seu órgão especial (plenário) constituem segunda instância interna. Derradeira instância nos trâmites do mesmo processo ocorre no STF. Aqui também pode haver uma segunda instância interna para exame de recursos oriundos das suas turmas.
Para evitar mais de uma instância no mesmo grau de jurisdição, os juízes de algumas câmaras ou turmas combinam decidir os recursos por unanimidade. Todos acompanham o voto do relator. Não havendo divergência não haverá recurso para o mesmo tribunal. Certa vez, o presidente de uma câmara do então tribunal de alçada, meu colega de toga do Estado da Guanabara, contou-me que adotava essa prática. Passei a observar esse conluio nos órgãos fracionários dos tribunais. Notei que se repetiu no Caso Lula. Os juízes da turma criminal do tribunal federal de Porto Alegre e os da turma criminal do STJ asseguraram a unanimidade. Todos compareceram às respectivas sessões de julgamento com os seus votos prontos, escritos e ajustados, semblantes severos, fechados, rancorosos. A falta de divergência impossibilitou uma segunda instância, ou seja: a turma impediu que a questão fosse submetida ao crivo do tribunal pleno.  
A expressão “segunda instância” tem sido usada como equivalente a “grau de jurisdição”, porém, há diferença: aquela tem conotação temporal e esta outra, conotação institucional. A instância supõe capacidade e interesse da parte para estar em juízo e instar o juiz. A jurisdição supõe a legal competência do juiz para exercer função judicante nos casos submetidos à sua apreciação.
Jurisdição significa o poder da autoridade estatal de declarar, interpretar e aplicar o direito (princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais). A gradação das coisas (temperatura, parentesco, ensino) é própria da atividade discriminatória e classificatória da inteligência humana. Assim como a transmissão do conhecimento foi classificada em primeiro, segundo e terceiro graus, a jurisdição também classifica-se em parlamentar, administrativa e judicial.  A parlamentar é exercida pelo Senado nos casos de impeachment. A administrativa é exercida pelas autoridades em matéria disciplinar, fiscal e esportiva. A judicial é exercida pelos juízes no âmbito do Poder Judiciário nos casos de lesão ou ameaça a direito. 
O ordenamento jurídico brasileiro admite quatro graus de jurisdição judicial: (i) o primeiro grau corresponde às instâncias perante os juízes de entrância (ii) o segundo grau corresponde às instâncias perante os tribunais estaduais de justiça e os regionais federais (iii) o terceiro grau corresponde às instâncias perante os tribunais superiores (iv) o quarto grau corresponde às instâncias perante o STF.
Cuida-se de distribuição hierárquica entre os diferentes órgãos da estrutura judiciária do país. A decisão do grau superior prevalece sobre a decisão do grau inferior. O processo da ação judicial comum pode percorrer todos os graus de jurisdição antes de a sentença transitar em julgado. Exemplo. O primeiro grau de jurisdição no caso que provocou as ações que serão julgadas no STF na próxima semana ocorreu numa vara criminal federal de Curitiba; o segundo grau, no tribunal federal de Porto Alegre; o terceiro grau, no STJ (Brasília); o quarto grau no STF (Brasília).
Há ações judiciais específicas em que o primeiro grau de jurisdição é um tribunal e não uma vara criminal. Exemplo. Nos crimes comuns: (1) Os governadores respondem perante o STJ em primeiro grau. Nesta hipótese, o segundo grau será o STF. (2) Os juízes federais respondem perante os tribunais regionais federais em primeiro grau. Nesta hipótese, o segundo grau será o STJ. (3) O presidente da república responde perante o STF em primeiro e único grau. 
O trânsito em julgado da sentença ocorre quando exauridos todos os recursos cabíveis previstos na legislação. Todavia, o trânsito em julgado pode acontecer antes desse exaurimento, em qualquer grau de jurisdição, se a parte deixar de recorrer. A execução da sentença começa após o trânsito em julgado. Contudo, pode haver execução provisória (prisão preventiva) antes do trânsito em julgado se a liberdade do condenado ameaçar a paz e a ordem públicas. 
Até o advento da Constituição da República de 1988, o Código de Processo Penal autorizava a prisão do réu já no primeiro grau de jurisdição. Na própria sentença, o juiz determinava a expedição do mandado de prisão e o lançamento do nome do réu no rol dos culpados. A execução da pena era imediata. O réu só podia apelar ao tribunal de justiça depois de preso. Assim procedíamos, eu e os demais juízes das varas criminais, em sintonia com a lei penal vigente naquela época (1970-1988). Com a promulgação da nova Constituição esse procedimento foi alterado (1989-2019). A referência deixou de ser o primeiro grau de jurisdição e passou a ser o trânsito em julgado da sentença. Se a mudança foi boa ou má cabe ao povo decidir. A relevância política e jurídica está na decisão do legislador constituinte (eleito pelo povo) que colocou a mudança em cláusula pétrea. Isto significa que a nova disciplina da matéria não pode ser alterada, salvo por nova assembleia nacional constituinte. 
Destarte, o legislador ordinário, os juízes e os tribunais não podem modifica-la. Se o fizerem, estarão cometendo crime de responsabilidade. Isto quando vigora o estado democrático de direito. No estado de exceção e em republiqueta de bananas vale tudo. Nenhum argumento com fundamento na moral e no direito prevalece ante a caprichosa vontade de quem exerce o poder do estado de forma autocrática e abusiva. 

sábado, 12 de outubro de 2019

REGIME PENAL

O Caso Lula gerou a seguinte questão: Ao condenado em ação judicial à pena privativa de liberdade assiste o direito de recusar o regime determinado pelo juiz do processo de execução?
O condenado está obrigado a cumprir a pena que lhe foi aplicada pelo juiz da ação penal no processo de conhecimento e a obedecer o regime fixado na sentença, dentro do qual, a pena será cumprida inicialmente (fechado, semiaberto, aberto). No Caso Lula, foi cominada a pena privativa de liberdade (reclusão) e pecuniária (multa). O juiz estabeleceu o regime fechado para início do cumprimento da pena de reclusão. Luiz Inácio interpôs recursos às instâncias superiores: tribunal regional federal de Porto Alegre, superior tribunal de justiça e supremo tribunal federal. A sentença ainda não transitou em julgado. Apesar disto, razões de política criminal sustentam, na ordem jurídica, a execução provisória e a sua aplicação aos casos concretos. Cabe à judiciosa ponderação do juiz verificar se tais razões estão presentes em cada caso, tendo em vista a incerteza trazida pela falta do trânsito em julgado da sentença. 
A mudança do regime de cumprimento da pena ocorre no processo de execução da sentença (posterior ao processo de conhecimento). Ao juiz das execuções penais cabe a exclusiva competência para decidir se o condenado permanece no regime inicial, se progride para regime mais benéfico, ou se regride para regime mais severo. Depois de ouvir o ministério público e o condenado, o juiz, com base nos elementos de informação de que dispõe (antecedentes + conduta e atributos pessoais do condenado + tempo de prisão) decide se muda, ou não, o regime. Se mudar, indicará o sentido da progressão ou da regressão, conforme a situação de fato.  
A resistência do réu no processo de conhecimento e a resistência do condenado no processo de execução da sentença estão amparadas nas garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Para ser aceita, a resistência deve revestir forma legal. Das decisões judiciais, as partes podem interpor recursos à superior instância previstos na lei, inclusive o habeas corpus, bem como, beneficiar-se de medidas concedidas liminarmente.
No Caso Lula, não há notícia alguma de que Luiz Inácio, nas sucessivas condições de indiciado, réu e condenado, tenha se esquivado ao cumprimento das suas obrigações. Desde a fase do inquérito policial, sabe-se que Luiz Inácio nunca deixou de comparecer perante as autoridades quando regularmente intimado. Tampouco se esquivou ao cumprimento da pena. Entregou-se pacificamente a quem cumpria o mandado judicial, contrariando parentes, amigos, correligionários, que se reuniram para defende-lo e impedir a prisão. Luiz Inácio evitou confronto violento do qual podia resultar pessoas feridas e mortas. Poderia ter obtido asilo político. Preferiu ficar, respeitar as leis e as instituições do seu país e suportar a perseguição de que estava sendo vítima.    
Esse fato e as suas circunstâncias periféricas já entraram para a história geral do Brasil. Lembram o episódio da prisão de Sócrates, filósofo grego do século IV a.C., acusado de corromper a juventude, julgado e condenado à pena de morte. Os discípulos e amigos se reuniram, prontificaram-se a defende-lo e a preparar a fuga. Ele recusou a ajuda. Prontificou-se a cumprir a pena.  Justificou-se com o dever cívico de respeitar a lei, a decisão do tribunal e as instituições atenienses. Caso fugisse, estaria contrariando os princípios que ensinara durante a sua vida como cidadão de Atenas.       
O processo judicial não dá saltos quando conduzido honestamente em sintonia com a Constituição e as leis. Há notícia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaborou cálculo e fixou a data de início do regime semiaberto no Caso Lula. Se verdadeira, estará caracterizada violação do devido processo legal. O processo teria saltado de órbita, como elétron, da esfera jurisdicional do primeiro grau para a esfera administrativa mais alta do Poder Judiciário. A competência ratione materiae do juiz da execução penal estaria usurpada por órgão incompetente. A matéria é jurisdicional e não administrativa, portanto, fora das atribuições do CNJ. Além disto, o cálculo e a data noticiados estão errados. Segundo a lei de execução penal, o sentenciado tem direito ao regime semiaberto após cumprir 1/6 da pena. Se o prisioneiro não exercer esse direito, o juiz poderá determinar, ex officio, a mudança de regime por se tratar de política penitenciária adotada pelo legislador. No Caso Lula, o tempo já foi cumprido, como reconheceu expressamente o ministério público ao requerer a mudança.
Condução coercitiva, algemas e tornozeleiras devem ser aplicadas só em caso de justificada necessidade. O direito brasileiro é generoso. Determina que se escolha: (i) para cobrança de dívida, o caminho menos oneroso ao devedor (ii) para a execução de sentença judicial, o caminho mais suave para o executado. No Caso Lula, aquelas medidas são desnecessárias. Luiz Inácio atende às intimações que recebe, não é perigoso, não revela disposição para fugir e tampouco para iludir a vigilância ou desobedecer regras e ordens das autoridades, conforme se depreende da sua conduta pública no passado e no presente. No entanto, as autoridades têm escolhido o caminho mais oneroso, mais espinhoso, mais humilhante. Aceleram o mais que podem procedimentos que causam sofrimento. Retardam o mais que podem procedimentos que geram benefício. Essa forma abusiva, imoral e anticristã de exercer autoridade é notada nacional e internacionalmente.
Felizmente, para a nação brasileira, os frutos da árvore lavajathensys curitibannaphyta estão caindo – não de maduros – e sim de podres. 
Percebem-se baixos instintos e sentimentos (ódio, rancor, vingança, inveja) nutridos por autoridades do Executivo e do Judiciário e por figuras de proa da política partidária, voltados contra Luiz Inácio Lula da Silva. Entre essas figuras, destacam-se Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes, ambos professores, inteligentes, cultos, egocêntricos, vaidosos, rancorosos e invejosos. Diferença entre eles: Ciro é franco, honesto e corajoso. Os dois têm enorme inveja da popularidade e do sucesso internacional de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil e agora como preso político.
Na presente conjuntura, as palavras do Papa Francisco soam verdadeiras e oportunas: “engana-se quem acha que a riqueza e o status atraem a inveja... as pessoas invejam mesmo é o sorriso fácil, a luz própria, a felicidade simples e sincera e a paz interior”.

sábado, 5 de outubro de 2019

JUÍZES VENAIS


Durante as recentes investigações sobre corrupção endêmica na administração pública brasileira, os inquéritos policiais e processos criminais sofreram infiltração de interesses políticos partidários e de projetos pessoais de ascensão na carreira jurídica e de obtenção de lucro e prestígio. Foram cometidos abusos e arbitrariedades. Neles atuaram juízes suspeitos e procuradores bandalhos, inclusive em foro incompetente. Tais anomalias desmoralizaram a justiça federal [polícia + ministério público + magistratura]. Vergonhoso capítulo da vida forense que ficará registrado na história geral do Brasil. 
Na sessão de julgamento dos dias 25/09, 26/09 e 02/10/2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu pedido de habeas corpus formulado contra decisão proferida em ação penal lastreada na operação lava-jato. O tribunal respeitou o princípio do devido processo legal. Aplicou norma que consta do arcabouço processual brasileiro segundo a qual, antes da sentença, cabe ao réu a última palavra. Resolveu o problema da norma processual incompleta gerado nas ações penais em que delatores e delatados figuram como réus no mesmo processo. Em caso anterior, o STF já havia decidido que falta legitimidade aos delatados para interferir nos acordos de delação premiada. Portanto, em relação aos delatados, tais acordos são res inter alios acta. A confissão do delator importa em acusação ao delatado. Destarte, se ambos forem réus no mesmo processo, cabe ao delatado, amparado na garantia constitucional do contraditório, argumentar contra a versão do delator que o incrimina. Das garantias constitucionais, da lógica do sistema processual e do bom senso, extrai-se o direito do delatado de apresentar suas alegações finais depois de o delator apresentar as suas. Ao negar esse direito, o juiz enseja a impetração de habeas corpus pelo delatado. [CR 5º: LIV + LV + LXVIII; CPP 403].
Os votos vencidos na referida sessão negaram o habeas corpus. Sustentaram: (i) inexistência de previsão legal que determine a precedência das alegações do réu delator (ii) incidência do princípio da legalidade estrita. Confundiram situações diferentes. O direito penal compreende: [1] a parte substantiva: definição dos delitos e cominação das penas; [2] a parte adjetiva: conjunto de regras processuais visando a apuração da responsabilidade criminal. No estado brasileiro (e na democracia), a parte substantiva é tarefa exclusiva do legislador, vedada ao chefe de governo, aos juízes e tribunais. Nesta área, incide o princípio da legalidade estrita. “Não há crime sem lei anterior que o defina”. A parte adjetiva, o legislador compartilha com o juiz. O processo é instrumental, suas normas, postas pelo legislador ou pelo juiz, têm aplicação imediata e podem retroagir se beneficiarem o réu. Como os ministros são pessoas de notável saber jurídico, lícito concluir que a confusão deles foi intencional. Prestar tutela jurisdicional honestamente não é favor e sim obrigação moral do magistrado. [CR 5º: XXXV + XXXIX + XL; CPC 139: I, III; CPP 251/254; LC 35/1979: 35, I].
As lacunas da legislação, preenchem-nas os juízes, caso a caso. “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como, o suplemento dos princípios gerais de direito”. “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. A lacuna evoca norma implícita que o juiz torna explícita ao julgar o caso concreto. O acréscimo à norma vigente, sem desvirtuá-la, feito pelo STF ao deferir o habeas corpus, permitirá vista dos autos para alegações, sucessivamente, ao defensor do réu delator e ao defensor do réu delatado. [CPP: 3º + 403; DL 4.657/1942: 4º].
Em países americanos e europeus, a delação é vista como ato moralmente repugnante. Há pessoas que se negam a delatar mesmo sob tortura. No STF – O tempora! O mores! – a delação é tratada com carinho e afeto. Quanto ao julgamento do habeas corpus, os votos vencidos insistiram na falta de lei expressa. No entanto, lei existe, embora omissa quanto ao efeito processual da delação. O curioso é que em outro caso para o qual havia norma expressa, clara e completa, os ministros tergiversaram. Enxergaram algo inexistente. Miragem politiqueira com o propósito de afastar do pleito eleitoral um forte concorrente à presidência da república, processá-lo, condená-lo e prendê-lo sem prova idônea da autoria e materialidade de prática delituosa. No direito brasileiro, quem acusa tem o dever de provar. Na ação penal pública, o ônus da prova cabe ao ministério público. Na ausência ou insuficiência de prova (inclusive quando forjada) o réu deve ser absolvido. As autoridades, insensíveis à generosidade do direito pátrio, atingiram com frieza, cinismo e crueldade, o candidato e a sua família. “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. [CR 5º: XLV + LVII; CPP:  156 + 386].
Insatisfeitas com as desnecessárias e humilhantes medidas impostas de modo implacável ao indiciado e réu, as autoridades pretendem obriga-lo a aceitar o regime semiaberto de cumprimento de pena, incluindo mais um item humilhante: uso de tornozeleira eletrônica. Condução coercitiva, algemas e tornozeleira devem ser usadas só quando absolutamente necessárias. A antecipada e precipitada execução da pena do ex-presidente da república é provisória e ocorre em sala do prédio da polícia federal. Está esgotado o tempo do regime fechado de cumprimento de pena que, nos termos da lei, devia ser em estabelecimento de segurança máxima. Está iniciado o tempo do regime semiaberto. Depois de ouvir o ministério público e o sentenciado, de considerar a conduta e os atributos pessoais do sentenciado, o juiz da execução penal determina, segundo o seu prudente arbítrio, a permanência, a progressão ou a regressão no regime legal (fechado, semiaberto, aberto). As autoridades têm o dever constitucional e legal de respeitar os direitos e a integridade física e moral do preso. A execução definitiva da sentença depende do trânsito em julgado, o que ainda não ocorreu no caso do ex-presidente cuja situação, jurídica e política, ampara a brava e justa resistência. Entre outras probabilidades, a sentença poderá ser modificada, o processo anulado, o réu absolvido. A pena pecuniária não pode ser cobrada antes do trânsito em julgado da sentença. [CR 5º: XLIX; CP: 33 + 38; CPP: 686; Lei 7.210/1984: 40 + 105 + 164].
No que tange ao episódio da presunção de inocência, não havia lacuna alguma a ser colmatada. “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Há nessa norma constitucional alguma lacuna que permita encaixar “até decisão de segundo grau de jurisdição”? Evidente que não. Os ministros não suplementaram essa norma, substituíram-na. A norma posta pelo STF retirou a exigência do trânsito em julgado. Mediante ginástica cerebrina e intenções execráveis, os ministros derrogaram cláusula pétrea da Constituição e usurparam competência do legislador constituinte. [CR 5º: LVII + 60: §4º, III, IV].
A maliciosa interpretação dada ao preceito constitucional debita-se ao interesse dos concorrentes em afastar o candidato. Os mosqueteiros togados tinham de proteger e apoiar a rainha da corrupção. As vísceras dessa realeza foram expostas ao mundo pelo site jornalístico “The Intercept Brasil” cujas reportagens foram aprovadas no teste da autenticidade e da verdade. As gravações constituem prova documental que se agrega a outras provas. Revelam ao público a autoria e a materialidade das condutas ilegais e indecorosas dos juízes e procuradores da operação lava-jato.
Compreensível que os juízes tenham humanas fraquezas, porém, algumas delas são intoleráveis e indesculpáveis. O que dizer de juízes que não respeitam a Constituição, as leis, os princípios gerais do direito e a ética judiciária? Que não respeitam decisão da ONU? Que sofismam descaradamente? Que colocam os seus interesses e sentimentos acima dos mais preciosos valores éticos e jurídicos secretados pela civilização ocidental? Emporcalharam a toga. Enterraram a magistratura numa cloaca. Fizeram o Brasil regredir ao nível de republiqueta. Colocaram no Brasil o barrete de violador de tratado internacional. Contribuíram para rebaixá-lo da 8ª para 10ª economia do mundo.