sexta-feira, 31 de julho de 2009

REMINISCENCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XVI

O desembargador corregedor-geral da justiça fazia correição em Pato Branco. Reunido com os juízes da região, ele sustentava que no Brasil não havia cientista do direito. Discordei de imediato. Os colegas silenciaram. Citei Pontes de Miranda (como citaria Pinto Ferreira) e as pesquisas de campo do ilustre jurista. O ambiente ficou pesado. Percebi a mancada. Inadvertidamente, provoquei polêmica quando a conversa era simplesmente coloquial. Despreparado em diplomacia, eu não lembrei que éramos os anfitriões e o desembargador, o hóspede. Esqueci que ele seria meu examinador no futuro concurso para juiz de direito de investidura permanente. Felizmente, não prestei tal concurso. Antes disso, fui aprovado no concurso para a magistratura da Guanabara.

Após o confronto com o juiz titular de Castro em torno das custas oriundas da cédula rural, estava eu de passagem no tribunal quando encontro aquele desembargador corregedor-geral da justiça. Nervosamente, ele me interpela sobre o ocorrido. Apesar de nervoso, o desembargador era homem correto. Relatei os fatos ali mesmo na área do tribunal onde nos encontrávamos. Ele informou que a representação formulada contra mim pelo juiz de Castro seria julgada naquela semana. Eu ignorava a existência da representação e estranhei que não me fosse dado o direito de defesa. O regime político no país era ditatorial, porém eu esperava que no âmbito do Judiciário prevalecessem os princípios de direito. O desembargador disse que aceitaria defesa desde que apresentada naquela mesma tarde. Essa pressão indicava a tendência do Conselho da Magistratura de prover a representação e me aplicar alguma penalidade.

Zé Macedo, colega da faculdade e companheiro de serestas, lotado no tribunal de justiça em cargo bem situado na hierarquia administrativa, apresentou-me a uma funcionária que cedeu folhas de papel e máquina de escrever. Redigi a defesa. Como a lei empregava a expressão juiz de direito, o juiz de Castro entendia que ao juiz substituto não cabia fazer a correição no cartório. Demonstrei que o direito do juiz titular ao recebimento das custas não era absoluto e que outro juiz poderia fazer a correição no cartório extrajudicial durante o período normal de substituição, na forma da lei. O Conselho da Magistratura acolheu a tese da defesa e baixou resolução legitimando a correição feita pelos juízes substitutos no período de férias dos titulares.

Na época desses acontecimentos eu concorria a uma vaga de magistrado no Estado da Guanabara. Quando ainda estava em Pato Branco, apareceu um advogado que pretendia cumprir carta precatória expedida por juízo de direito da Guanabara. O juiz titular estava ausente, então, o advogado bateu à minha porta. Ele me observava enquanto eu despachava. De óculos, apertando os olhos, franzindo o cenho, ele deu início a um diálogo: “Vossa Excelência por acaso morou em Ponta-Grossa?” “Sim, ali nasci e morei até 10 anos de idade”. “Vossa Excelência é o Antoninho, irmão do Tcheco?” “Sim, sou eu mesmo”. “Pois, eu sou Eros, irmão do Zico; nós morávamos defronte à tua casa e jogávamos futebol e bolinha de gude na rua”. Admirei-me do reconhecimento depois de 23 anos sem nos vermos. “Você nada mudou” disse ele. Eu não pude retribuir. Jamais o reconheceria, usando óculos, calva se insinuando, rosto redondo aparentando cansaço. Em idade, eu regulava com o Zico, irmão mais novo dele.

Trocamos abraços emocionados e recordamos os tempos de infância. Contou-me que Zico era dentista e morava em Curitiba com as irmãs. (Eu os visitei quando fui a Curitiba. A irmã mais velha gostava de falar sobre política internacional). Lá pelas tantas, Eros perguntou: “Porque você não faz concurso para a Guanabara?” “Farei, basta que você me informe e depois acompanhe os trâmites no Rio”, respondi. “Pode contar comigo”, garantiu. Cumprida a precatória, ele retorna ao Rio. Quando menos esperava, recebo correspondência dele com cópia da página do diário oficial publicando edital de abertura de concurso para juiz substituto do Estado da Guanabara. Preparei os papéis e fiz a inscrição. Eu estudava os códigos, as leis esparsas e a jurisprudência, pois tinha poucos livros de doutrina. Arrimava-me na experiência forense de 6 anos como solicitador acadêmico, advogado e juiz substituto, bem como, na anterior e intensiva dedicação ao curso de graduação em direito e ao curso de especialização. O presidente da banca examinadora adoeceu. O concurso foi suspenso por alguns meses. Para fazer provas escritas viajei 1.600 km, de Foz do Iguaçu ao Rio de Janeiro.

Em reunião social no apartamento de Pato Branco, o assunto do concurso veio à baila. O promotor de justiça, Luiz Carlos de Oliveira, disse que tinha um primo na Guanabara que era nascido em Palmas, no Paraná e fora juiz em Santa Catarina. Do telefone da minha casa, Luiz Carlos ligou para o primo e foi atendido. Identificou-se, conversaram assuntos de família até que entraram no tema do concurso. Tratava-se de Amilcar Laurindo, juiz substituto de desembargador, que se prontificou a acompanhar o processo e me avisar das etapas a tempo de eu viajar. Assim, além do Eros, fiquei com mais uma pessoa vigilante. Ele informou o meu sucesso nas provas escritas e as datas das provas orais. Viajei para o Rio e me hospedei em hotel de meia estrela no Catete, onde fiquei até a última prova oral, sofrendo forte calor em um quarto enjambrado.

Conheci pessoalmente Amilcar Laurindo. Ele se mostrou cordial, educado e atencioso. Nos dias das provas orais, no salão nobre do tribunal de justiça, lá estava ele em uma ponta e meu amigo Eros na outra. A banca situava-se em patamar alto e distante. O candidato ficava em pequena mesa no centro do salão em espaço retangular vazio. O microfone se elevava do tampo da mesa em direção à boca do candidato, como se fora uma serpente no ataque ao rosto da vítima. A parte reservada ao público, atrás dos cancelos, ficava lotada. O exame era um show para a comunidade forense. O presidente da banca (Oscar Tenório) com a fisionomia mais séria do mundo deixava rolar.

Algumas respostas provocaram o riso da platéia. Oscar Tenório formulou pergunta sobre o estado de sítio. O Brasil em plena ditadura. O chumbo ainda estava quente. Silêncio sepulcral. O ar do salão parecia ter sido sugado por poderoso exaustor. Vacilante e ganhando tempo para pensar, comecei a resposta: “Bem, aí depende”. A platéia explodiu em riso. Até cessarem as risadas, ganhei preciosos segundos. Outras respostas provocaram a mesa e o público. Exemplos: (i) ao usar o vocábulo barbaridade com sotaque paranaense, provoquei comicidade no salão, involuntariamente; (ii) quando o examinador de direito civil por três vezes pediu a definição de posse e as três vezes repeti a mesma definição (fundado em Rudolf Von Ihering) o ambiente anuviou. O examinador passou a novas perguntas. Cresci nas respostas. O ambiente desanuviou. No átrio, Amílcar Laurindo comentou: “Vendo você descer o despenhadeiro, fiquei apreensivo; depois, você retomou a subida e fiquei aliviado”.

Deixei de oferecer resposta à pergunta sobre o conceito de ação formulada pelo examinador de direito penal. A filosofia me atrapalhou, porque o conceito de ação extrapola o campo do direito. A judicatura me atrapalhou, porque censurei o examinador por falta de especificidade. Esqueci que ali eu estava como candidato e não como filósofo ou juiz. Insuficiente para me reprovar, tal postura certamente prejudicou a minha classificação. Os examinadores eram monstros sagrados que eu só conhecia dos livros de doutrina: Oscar Tenório, Ebert Chamoun e Hélio Tornaghi. Dois outros eram professores que começavam a despontar como grandes juristas: José Carlos Barbosa Moreira (procurador do Estado) e João Mestieri (advogado). A maratona me deixou extenuado. Voltei a Curitiba com febre alta.

Conversávamos na sala de jantar da casa de Juarez e Vera, irmão e cunhada de Jussara, em Curitiba, quando lá chegaram minha sobrinha Vanice e o marido Estanislau com a notícia de que eu fora aprovado e deveria embarcar para o Rio a fim de tomar posse no cargo. Embarquei sem Jussara e Evandro. No Rio, providenciei a toga com o alfaiate que atendia aos aprovados. Na cerimônia de posse, quando eu me aproximava da mesa, Chagas Freitas, governador do Estado da Guanabara, olha para o desembargador Nelson Ribeiro Alves, presidente do tribunal de justiça e exclama: “Mas ele é muito moço!”. O presidente completa o comentário: “É o mais novo do concurso e do Estado”. Eu estava com 34 anos. Para os padrões da magistratura do antigo Distrito Federal, eu era moço. Os familiares acompanhavam os novos juízes na cerimônia (setembro/1973). Senti falta dos meus. Lá estavam Eros e Amilcar Laurindo. Solicitei ao presidente do tribunal licença para voltar ao Paraná a fim de buscar minha pequena família, exonerar-me do cargo de juiz substituto daquele Estado, entregar o imóvel de Castro ao locador e despachar livros e alguns pertences para a Guanabara. “Você nem começou a trabalhar e já pede licença?” motejou o presidente. Nelson Ribeiro Alves era uma pessoa generosa e concedeu a licença com um largo sorriso no rosto.

Tudo regularizado no Paraná, Ford Corcel amarelinho na estrada, cesto com Evandro no banco traseiro, sensação do início de um novo ciclo em nossas vidas, lá fomos, Jussara e eu, rumo à Guanabara. Ficamos hospedados em hotel no Flamengo enquanto eu procurava apartamento. Encontrei no Leme, zona sul do Rio de Janeiro. Ali moramos durante um ano. Adquirimos móveis, aparelho de ar-condicionado, eletrodomésticos, material de cozinha e limpeza. Recebemos aviso da chegada dos poucos volumes. A maior parte dos bens móveis nós havíamos doado em Castro. O promotor de justiça nos sucedeu na locação da casa com a mobília que lá deixamos. O agente da rede ferroviária admirou-se da via por mim escolhida. Os volumes tinham ido ao interior de São Paulo e só depois seguiram para o endereço correto.

Juízes de outros Estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Amazonas) também prestavam exames para ingressar na magistratura do Estado da Guanabara. Tratava-se de uma cidade-estado, sem divisão em comarcas. Passei a ganhar na Guanabara três vezes mais do que eu ganhava no Paraná. Em compensação, o custo de vida na Guanabara era bem mais alto. No percurso do Leme ao Castelo (centro do Rio de Janeiro onde se localiza o fórum) ainda não havia engarrafamentos. Após o túnel, passava-se pela sede do Botafogo FC, hospital psiquiátrico Pinel e enseada do Botafogo, onde se descortinava à esquerda, a estátua do Cristo Redentor no cimo do Corcovado e à direita, os morros da Urca e do Pão de Açúcar, e os barcos ancorados que as ondas do mar faziam balançar, sob o céu azul e o sol a brilhar. A seguir, o Parque do Flamengo, com edifícios à esquerda; à direita, o oceano e o imenso jardim planejado por Burle Max, com inúmeras quadras de esportes, trincheiras, passarelas, pistas para ciclistas e pedestres. Durante 17 anos contemplei diariamente essa bela paisagem e vi o crescimento de árvores e folhagens até a vegetal exuberância dos dias atuais.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XV

Ao presidente do tribunal de justiça, pedi e obtive remoção para a região nordeste do Paraná, constituída das comarcas de Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva e Sengés (divisa com o Estado de São Paulo). Em Castro, alugamos casa e nos instalamos (Jussara, Evandro e eu). Em bonito dia de domingo visitamos a colônia holandesa. As janelas das casas exibiam cortinas brancas bordadas. Através da vidraça via-se o interior ordeiro e limpo. Em torno, árvores, hortas e jardins. Os moradores encontravam-se reunidos no templo religioso e no salão de festas da comunidade holandesa onde celebrei alguns casamentos. O senso de propriedade daquela gente era muito forte e me fazia sentir estrangeiro, mesmo sendo autoridade brasileira. Fisicamente, eu parecia um pigmeu perto daqueles homens e mulheres de elevada estatura. Da criação de gado e da produção artesanal de leite e seus derivados, a colônia progrediu tecnicamente como indústria. Os seus produtos recebiam o nome Batavo.

Evandro estava com dois meses de idade e tinha de tomar três doses de vacina em meses consecutivos. Jussara o levou à farmácia de Castro. Na terceira dose, o farmacêutico insistiu na receita que Jussara esquecera em casa. De nada adiantou lembrá-lo de que a receita fora apresentada a ele próprio na aplicação das doses anteriores. Além de se negar a aplicar a terceira dose, o farmacêutico agiu de modo grosseiro e ofensivo. Jussara foi para casa, apanhou a receita, retornou à farmácia e finalmente a vacina foi aplicada. Ela inteirou-me da conduta do farmacêutico. Não tive dúvida. Chamei-o ao gabinete, dei-lhe uma espinafrada e mandei que fosse à minha casa se desculpar com minha esposa. Ele obedeceu.

Certo dia, no tribunal de justiça, fui interpelado pelo corregedor: “Você mandou prender o farmacêutico porque ele se recusou a vacinar sem receita”. Político da região, parente do farmacêutico, havia representado contra mim. Respondi ali mesmo no gabinete do desembargador: não houve prisão alguma, nem abuso; eu apenas não tolerei injúria feita à minha esposa. Não se tratava de ter ou não ter receita e sim da grosseria com que ela foi tratada. Como eu não podia agir como homem e arrebentar os cornos daquele desgraçado, uma vez que eu era juiz, a solução que melhor me pareceu foi aquela e ponto final. A representação foi arquivada.

Sengés faz divisa com Itararé, cidade natal do Névio, que viera morar na vizinhança da casa da minha avó, em Curitiba. Ficamos amigos, eu e ele, minha irmã mais velha e a irmã dele. Jussara e eu fizemos ronda pela cidade paulista que deu nome a uma batalha que nunca houve e cognome irônico ao jornalista e humorista gaúcho Aparício Torelly (Aporelly): “Barão de Itararé”. Almoçamos na residência da promotora de justiça de Sengés, aprazível casa de estilo colonial onde Evandro recebeu os devidos cuidados.

Estava eu despachando no fórum de Sengés quando a servente entra no gabinete. Desenvolta, ela foi logo passando o pano sobre a mesa em movimentos ondulatórios além do que exigia a quantidade de pó, curvando-se de modo a exibir seios que ameaçavam saltar do generoso decote. Viúva jovem, asseada, perfumada, bonita, cintura fina, pernas bem torneadas. Após a anatômica analise, fiquei a imaginar o motivo de a servente se apresentar daquele modo para fazer faxina. Resolvi adverti-la: “Como a senhora não está em gozo de férias ou licença, deverá: (i) comparecer diariamente ao fórum (ii) reduzir o decote um milímetro, no mínimo (iii) manter a barra da saia 18 cm acima do joelho, no máximo (iv) usar óculos de grau para não confundir o colo do juiz com a poltrona”. Ela saiu toda serelepe no bamboleio próprio das mulheres bem dotadas. Acho que eu não devia ter sido tão severo com a moça. Alguns dias depois, na comarca sede (Castro), por casualidade, inteirei-me da causa daquela desinibição da servente: o juiz titular vivia um idílio com a viúva. Posteriormente, obteve emprego para ela no tribunal de justiça. Solteiro, barrigudo, corcunda, usando óculos com lentes que pareciam fundo de garrafa sobre um nariz curvo divisor de faces macilentas, aquele juiz, não fora a toga, não pegaria nem resfriado.

Dizia Ullysses Guimarães: “O poder é afrodisíaco; tenho orgasmo de poder”. A autoridade tem força atrativa e sedutora. Os assédios, ostensivos ou disfarçados, são constantes durante a carreira do magistrado. Mulheres bonitas, perfumadas, charmosas, tentam despachar com o juiz na menor distância possível e logram o seu intento se o magistrado não solicitar à intrusa que se poste à frente, deixando a mesa entre ambos, como convém à austeridade do cargo. Cruzadas de pernas à Sharon Stone, olhares lânguidos, falas macias, gestos estudados, consultas que alimentam a vaidade intelectual seguidas de atitudes de admiração ante a sabedoria da resposta, são técnicas empregadas no jogo da sedução contra as quais o juiz deve se precaver.

Cupido também lança flechas no coração das juízas. Há homens que utilizam a sua beleza, o seu charme, o seu porte vistoso, a elegância de suas vestes, para atrair as juízas, na tentativa de encantá-las e, desse modo, obter adesão à sua causa. As mulheres percebem as intenções dos homens, mesmo quando ocultas em artifícios verbais e atitudes de fingido desinteresse. De um modo geral, elas não são iludidas; elas se deixam iludir. A insinuação mais sutil é percebida. Essa fina percepção parece atávica, desde as culturas eolítica e paleolítica. De tanto ser submetida à força, como fêmea, a mulher desenvolveu esse instinto. Apaixonados, juízes e juízas sucumbem aos propósitos dos seus amados e entram no tráfico de influência.

“Amor, invencível amor, tu que subjugas os mais poderosos; tu, que repousas nas faces mimosas das virgens; tu que reinas, tanto na vastidão dos mares, como na humilde cabana do pastor; nem os deuses imortais, nem os homens de vida transitória podem fugir a teus golpes; e quem for por ti ferido, perde o uso da razão! Tu arrastas, muita vez, o justo à prática da injustiça, e o virtuoso, ao crime; tu semeias a discórdia entre as famílias... Tudo cede à sedução de uma mulher formosa, de uma noiva ansiosamente desejada; tu, amor, te equiparas, no poder, às leis supremas do universo, porque Vênus zomba de nós!” (Sófocles, em Antígona).

No que tange às consultas, sedutoras ou não, o magistrado deve se recusar a respondê-las. Essa tarefa cabe aos advogados, privativamente. A divergência entre os operadores do direito sobre o enquadramento jurídico dos fatos é normal. Os pareceres sobre a mesma questão podem se diferenciar inclusive quanto à estratégia a ser empregada. Um juiz, por sua credibilidade e suposta cultura, ao emitir opinião diferente poderá colocar o advogado em situação embaraçosa. O advogado terá um trabalho adicional para explicar a sua opinião e a estratégia escolhida; assim mesmo, poderá perder o cliente.

Na comarca de Jaguariaíva encontrei meu conterrâneo Jarbas Martins, vereador respeitado na comunidade. A mãe dele era prima da minha mãe. Aproveitando um domingo, Jussara, Evandro e eu, fomos visitar e conhecer a família do Jarbas. Passamos uma tarde agradável. Quando solteiro, estive algumas vezes na casa do Jarbas. Ele morava com os pais em Ponta-Grossa, meus padrinhos de batismo. Jogávamos bilhar e íamos ao cinema. Flertei com Iara, a irmã caçula. Jarbas nos surpreendeu na sala quando ela acariciava o meu rosto com uma flor. Ele caçoou de ambos. Lá, fiz serenatas com meus amigos e reunião na casa da Isabel, a outra irmã dele, casada com um radialista.

Jussara, Evandro e eu, em alguns domingos, visitávamos os tios Leocádio (capitão do exército) e Leocádia (irmã mais nova da minha mãe) em Ponta-Grossa, cidade vizinha de Castro. Dona Mercedes, mãe de Leocádio e minha avó Lúcia, mãe de Leocádia, ambas espíritas kardecistas, tinham fé no espírito do doutor Leocádio. Pendurado na parede da sala da casa de vovó Lúcia, havia um quadro grande com a fotografia desse médico. Vovô Sebastião zombava dos modos e das rezas da minha avó. Quando chovia forte e trovejava, minha avó rogava: “Santa Bárbara, São Jerônimo, nos protejam”. Meu avô, aproveitando o ruído, acompanhava: “Faça a barba São Jerônimo”. Vovó não percebia a mudança na invocação e se sentia apoiada pelo marido.

Mesa farta no almoço, no lanche ou na janta, a casa dos meus tios/compadres era ponto de alegria com meus primos. Eu e Arlete, minha irmã, fomos padrinhos de batismo de um desses primos, Alexandre, na igreja do Bom Jesus, em Curitiba. Ele se empregou na usina Itaipu, em Foz do Iguaçu. Henrique, o primogênito, era caminhoneiro; um enfarte o tirou do nosso convívio, colhendo todos de surpresa. Ao escrever o romance “O Evangelho da Irmandade”, sempre que eu me referia a João Batista, a imagem física que me vinha à mente era a desse primo, embora no livro eu tenha desenhado imagem diferente para combinar com o pai carnal do apóstolo. Os outros primos: Augusto cursou a Academia das Agulhas Negras e seguiu carreira militar, Alícia e André formaram-se em diferentes cursos universitários de graduação e pós-graduação. Eu tomei a família desses tios para modelo da minha própria.

Na comarca de Pirai do Sul, assim como nas outras comarcas, o volume de serviço era pequeno. Custas judiciais provenientes das cédulas rurais, recolhidas na correição periódica, constituíam fonte extra de receita para os juízes. Durante as férias dos juízes titulares eu as recolhia. Na comarca de Castro, o juiz titular se insurgiu contra esse procedimento. Mandou o oficial de justiça à minha casa para que eu comparecesse ao gabinete dele. O oficial retornou com o recado de que eu lá estaria no expediente do dia seguinte. O juiz titular exigiu a devolução do dinheiro, sob pena de representar contra mim. Perplexo pelo desplante, eu o mandei contar favas: “Vá ao tribunal se quiser, mas nada devolverei”. Pelo meu gesto, ele entendeu que eu o estava enviando para outros lugares, além do tribunal.

Ao contrário do que o público imagina, não há subordinação do juiz substituto ao juiz titular, embora entre ambos deva existir respeito. Da mesma forma que o titular, o juiz substituto está investido nos poderes jurisdicionais; ele não é substituto deste ou daquele indivíduo, nem subalterno; exerce atribuições próprias na região judiciária para não deixar as comarcas sem atendimento no caso de vaga ou afastamento dos titulares. A situação assemelha-se ao do Vice-Presidente da República, que não é subordinado ao Presidente, tem cargo próprio no qual é empossado com função específica de substituir ou suceder o titular. Essa distinção feita pelo jurista Afonso Arinos, em programa de televisão, quando Tancredo Neves faleceu, foi decisiva para que José Sarney, Vice-Presidente eleito, assumisse o cargo do titular em toda a extensão do mandato.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XIV

No primeiro inverno que passamos em Pato Branco, seco e dias ensolarados, Jussara e eu, apesar do frio, fomos acometidos da sede por cerveja durante a noite. Estocamos na geladeira garrafas pequenas e bojudas. À noite, estourávamos pipocas na caçarola e tomávamos cerveja bem gelada sob os cobertores. Parecia contra-senso, mas era muito bom. Algumas noites, temperatura beirando cinco a dez graus acima de zero, saíamos para comer frango a passarinho e tomar cerveja bem gelada no restaurante que ficava no subsolo de um sobrado. Agasalhados, com o nariz vermelho e os lábios roxos de frio, a tomar bebida gelada! A fina camada de gordura que ficava nos lábios passava para o copo e impedia a formação do colarinho de espuma. Isto exigia a troca do copo antes de a cerveja na garrafa chegar ao fim. Consumíamos o conteúdo de uma garrafa do tamanho comum. Foram momentos agradáveis e inesquecíveis.

No verão, recebemos a visita da minha sobrinha Vanice com o marido Estácio, nossos padrinhos de casamento. Resolvemos fazer nhoque no almoço. Preparamos a massa com farinha, ovos, sal, azeite. Enrolávamos os bolinhos, mas não encontrávamos o ponto. Buscamos mais um saco de farinha de 5 kg. A cozinha, de fórmica vermelha, ficou toda branca. Farinha no chão e para todos os lados. Almoçamos no restaurante.

Financiado pelo Banco Comercial do Paraná, adquirimos o nosso primeiro automóvel: Ford Corcel, amarelo-ouro, zero km. O velocímetro registrava 6 km rodados. Reclamei. O gerente da concessionária explicou que a rodagem era da revisão que precedia a entrega do veículo ao comprador. Aceitei a explicação, embora cabreiro; se é zero, tem que ser zero, ora pílulas! Depois, pensei: “Eles podem rodar com o veículo antes de vendê-lo sem o comprador saber; basta desligar o cabo do velocímetro”. Jussara e eu, de automóvel próprio, já podíamos acompanhar as famílias dos médicos de um dos hospitais, nos passeios pela estrada estadual em direção a Guarapuava, até o galpão à beira do rio onde guardavam esquis, salva-vidas, lancha e outros materiais. O pessoal era hospitaleiro. Sobre cavaletes, montava-se a mesa para as refeições preparadas com esmero pelas senhoras. Largo, fundo e volumoso, o rio cortava extensa área de mata virgem. Jussara e eu aprendemos a esquiar ao preço de algumas lavagens intestinais decorrentes da resistência da água à força propulsora da lancha. Esquiávamos em comunhão com a natureza. Em domingos ensolarados, lá íamos nós.

O açougue no térreo do edifício onde Jussara e eu morávamos, funcionava como termômetro social. Pela manhã, cedinho, eu tomava chimarrão com o irmão mais velho da família Viganó e me atualizava com os assuntos da região. Fiquei informado da troca de tiros entre o promotor de justiça e o dono de um bar. O corregedor do Ministério Público esteve na cidade para apurar o caso. Solicitou o meu depoimento. Concordei. Disse-lhe que não testemunhara o fato, nunca vira o promotor em bares e que ele era um excelente profissional; que certo dia Jussara e eu visitamos a família do promotor e nessa ocasião notei que a esposa dele desejava mudar-se para a cidade de Palmas e estava descontente porque o marido não obtinha remoção. Ao fim da sindicância, o procurador-geral determinou a remoção do promotor para a comarca de Palmas.

Em uma roda de truco na casa dos Viganó, quando a trucada estava em seis, estimulado por alguns copos de cerveja, subi à mesa, bati com os pés no tampo e falei alto, trazendo as cartas com as duas mãos contra o peito: “Nove, caboclo velho, nove, nove que seis é pouco”. O Viganó mais novo, cujo filho morava com a companheira em apartamento vizinho ao nosso, sem se levantar da cadeira, modulando o tom da voz em seqüência, respondeu: “É pouco mesmo doutor, quero ver se doze chega, doze doutor, doze que é pra terminar a conversa”. Era correr ou mandar ver. Correr, depois de todo aquele escarcéu, de modo algum. O meu adversário, com movimento rápido, bateu na mesa com os nós dos dedos da mão que segurava a carta, naipe voltado para cima: gato, manilha maior do truco. Coloquei o espadilha sob o maço de cartas e a viola no saco. Suportei zombaria por algum tempo. Passada a ressaca, tive a desagradável sensação de haver transgredido a ética da magistratura. Apesar do clima provocador e agitado próprio daquele jogo de cartas, censurei-me: “Você agora é juiz, temporário, mas juiz, cujo comportamento há de ser irrepreensível na vida pública e na vida particular”!

Notei, na comarca de Pato Branco, que os trâmites das reclamações trabalhistas eram mais rápidos dos que os trâmites dos processos cíveis. Além do interesse social na celeridade das causas trabalhistas, havia o interesse particular dos juízes: participação nas custas. O juiz titular da vara cível mostrou-se surpreso com os meus despachos que determinavam liquidação de sentença nos processos trabalhistas. Disse que passaria a fazer o mesmo. Julguei o mérito de dezenas de mandados de segurança que estavam parados. O juiz titular e o promotor de justiça comentaram que as minhas sentenças lembravam os ensinamentos de Pontes de Miranda (positivista, entre os maiores juristas do mundo ocidental). Repliquei, com ar blasé: “Pontes de Miranda, pelo visto, conhece direito”. Eles ficaram na dúvida se eu estava brincando ou falando sério. Anos mais tarde, visitei esse notável jurista. Morávamos na mesma quadra em Ipanema.

Durante as férias forenses eu despachava e decidia centenas de ações. Em uma Kombi, o escrivão da comarca de Coronel Vivida trazia pilhas de processos. Eu despachava no salão do tribunal do júri. Certo domingo, eu almoçava no hotel quando chega o escrivão de Chopinzinho com autos de um habeas corpus. Os pacientes estavam presos porque surpreendidos com madeira nos caminhões sem comprovante da origem. O delegado informa a falta de cumprimento dos requisitos legais para a prisão. Concedi a ordem. Na segunda-feira, recebo em meu gabinete o militar que efetuara a prisão, zangado porque tivera trabalho enorme para prender os ladrões. Disse que fora honesto e não aceitara propina; que, então, os ladrões pagaram ao delegado para dar aquela informação que propiciou a soltura. Colhi o depoimento e instaurei sindicância.

Os executivos fiscais, na comarca de Pato Branco, estagnavam depois que os devedores efetuavam o pagamento. Descobri que o dinheiro era depositado irregularmente na conta bancária particular da escrivã da vara cível. Procedi à correição no cartório, apurei as irregularidades e encaminhei o expediente ao Tribunal de Justiça. Resultado: fomos todos removidos. O juiz titular, para a comarca de Paranaguá, próxima à Capital do Estado; a escrivã, para Francisco Beltrão, comarca vizinha a Pato Branco; o juiz substituto, para Foz do Iguaçu, fronteira do Brasil com o Paraguai, a 400 km de Pato Branco e a 800 km da Capital, para eu deixar de ser besta e de meter-me a corregedor em vara que tem por titular genro de desembargador. Segundo me informaram à época, a remoção do juiz substituto que lá se encontrava deveu-se a dois motivos: (i) ele se desentendera com as autoridades militar e civil daquela cidade; (ii) saíra em perseguição de um réu, atravessando comarcas fora da sua jurisdição, com o propósito de efetuar prisão decretada em sentença por ele proferida. O tribunal aproveitara a vacância para me afastar de Pato Branco. Assim, não pareceria que eu estava sendo punido por haver apurado irregularidades que colocavam em má situação o juiz titular e a escrivã.

Chegando a Foz do Iguaçu, convidei o comandante do batalhão do exército, o delegado da polícia federal e o delegado da receita federal para reunião, em separado, no meu gabinete, a fim de aparar arestas, conforme me solicitara o corregedor-geral da justiça. A concórdia voltou a reinar. No jantar do dia da justiça em dezembro/1972, apoiado por colegas, pedi clemência ao desembargador corregedor para o juiz substituto que me antecedera em Foz do Iguaçu e que o tribunal pretendia exonerar. Em vão. Fiquei sabendo que esse colega prestou concurso para a magistratura de Mato Grosso, seguiu carreira e chegou à presidência do tribunal de justiça daquele Estado.

Em março de 1972, a concepção do primeiro filho. Oito meses depois, Jussara estava reunida com amigas no apartamento vizinho quando a bolsa estourou. Nessa ocasião, eu estava designado para a região oeste do Estado, cuja sede era a comarca de Foz do Iguaçu. Recebi mensagem, via rádio, do comandante do batalhão da polícia militar, avisando que minha esposa estava na maternidade. O comandante e a esposa reuniam conosco, ora em nossa casa, ora na casa deles, para jogar buraco (canastra, para alguns). O major regulava em idade comigo (33 anos); a esposa teria dois anos a mais do que a Jussara que, por sua vez, tinha dez anos menos do que eu. Ao contrário do marido, a esposa não prestava atenção ao jogo; o comandante se esforçava para disfarçar a irritação. Às vezes eu também me aborrecia com os descuidos da Jussara ao soltar cartas que completavam a canastra dos adversários. As duas não estavam nem aí para o jogo. Aproveitavam a reunião para conversar e lanchar.

Jussara, por causa da gravidez, ficara no apartamento de Pato Branco enquanto eu exercia a judicatura em Foz do Iguaçu. Contraí hepatite. Busquei tratamento em Pato Branco. O remédio aplicado pelo médico deixou meu corpo inchado e febril. Reassumi as funções após ter sido medicado com êxito por médico de outra clínica. Na iminência do nascimento do primeiro filho, saí às pressas de Foz do Iguaçu. Na serra, subi com o automóvel em um barranco e parei à borda do precipício. O afoitamento quase priva o pai de ver o filho nascer. Jussara estava sob os cuidados do Dr. Ildefonso Canto, excelente médico da maternidade de Pato Branco. No primeiro dia solar de novembro de 1972, nasce Evandro. Permaneci ao lado de Jussara, todo equipado com vestes hospitalares, vendo as tentativas do menino para sair do ventre materno. Foi uma experiência incrível. Cícero, juiz da vara criminal e sua esposa Vera, vieram na manhã seguinte. Testemunharam o nascimento no registro civil e assim tornaram-se nossos compadres. Um casal nissei (o varão era médico da clínica) presenteou o menino com manta amarelo-ouro que combinava com a cor do automóvel. Adquirimos enxoval para o bebê, óleo, talco, mamadeiras, fraldas, berço com mosquiteiro, colchão, lençóis, cobertores, travesseiros. Forramos um cesto para transportar o Evandro.

O nome do menino foi inspirado no de Evandro Lins e Silva, notável ministro do Supremo Tribunal Federal (vai longe o tempo em que esse tribunal tinha juízes notáveis). Segundo a mitologia, Evandro, rei da Arcádia, exilado na Itália, chefiava pequeno Estado, morava em cabana e auxiliou Enéias, chefe dos troianos, na luta contra os rútulos para conquista do Lácio, região italiana formada por algumas cidades, entre as quais, Roma se destacava. Pai Tibre, deus das águas, prometeu a Enéias os reinos latinos. Nova raça, que dominaria o mundo, nasceria da união de Enéias com Lavínia, filha de Latino, rei daquelas terras. A lenda combinou com a história: os romanos dominaram o mundo por 1.000 anos.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XIII

Havia duas formas de ingresso no cargo inicial da carreira de magistrado no judiciário paranaense: como juiz de direito titular ou como juiz substituto. Na primeira modalidade, o candidato prestava provas escritas e orais; se aprovado, era nomeado juiz de direito de investidura permanente. Na segunda modalidade, o candidato prestava apenas prova oral; se aprovado, era nomeado juiz substituto de investidura temporária. Para ingressar em caráter definitivo na carreira, o juiz substituto teria de prestar exames escritos e orais. O meu concurso foi para juiz substituto. A banca examinadora era de pessoas simpáticas, educadas, mais interessadas em selecionar do que em reprovar. O examinador mais antigo percebeu que eu não dominava o texto legal sobre o qual me inquiriam. Então, de modo paciente e pausado, começou a expor situações relacionadas ao texto e a me indagar a solução possível (se tal conduta tinha amparo legal, o enquadramento jurídico de tal situação, e assim por diante). Usou a maiêutica socrática. A exceção de uma, dei resposta satisfatória às demais questões. A banca me aprovou, certamente por haver notado que, embora eu não conhecesse bem aquele texto legal, eu conhecia o direito e me saíra bem nas outras matérias. Obtive boa classificação. Em virtude disso, coube-me região judiciária no próspero norte do Paraná.

Aí aconteceu a minha primeira experiência com as injunções de bastidor. Na lista divulgada, a região nortista ao lado do meu nome foi riscada e substituída por região do sudoeste. Mal sabiam os manipuladores - e eu também - que aquela manobra para favorecer um candidato menos classificado, porém, apadrinhado, iria mudar o meu futuro para melhor em outro Estado da federação. Estava escrito nas estrelas.

Aprovado no concurso, eu viajei a São Paulo a fim de renunciar aos mandatos recebidos da minha clientela. Notifiquei os meus dois clientes e protocolei as petições de renúncia. No dia anterior, a caminho da paulicéia, a certa altura da noturna viagem de ônibus, senti dedos na minha coxa direita em direção às partes pudendas. O moço sentado ao meu lado dispunha-se, gentilmente, a me proporcionar algum prazer, de modo a tornar a viagem mais agradável. Abri os sonolentos olhos, tornei o assento à posição vertical e mostrei de modo inequívoco a minha discordância. O moço nada mais tentou. Sem dar um pio sequer, desembarcou em Pinheiros.

Em dezembro de 1970, na cerimônia de posse, no salão nobre do tribunal de justiça, lá estava o moço do ônibus, vestindo a capa de juiz, empertigado e de braço com moça esbelta, face louçã, muito bonita. Mamãe, Adília e Jussara presenciaram a cerimônia. Tiramos fotografia. Sérgio, o orador da turma, vizinho no Juvevê, surpreendeu-se com a minha presença, como se eu estivesse deslocado naquele ambiente seleto. Eu não atinava como ele fora escolhido para falar em nome dos aprovados no concurso. Proferiu um discurso chinfrim, cheio de lugares comuns, como “a divina missão de julgar” e “não julgueis para não serdes julgados”. Ele não percebeu que a mensagem bíblica lançada ao ar sem ressalva era uma trava à nossa judicatura. Anos mais tarde, ele se aposentou voluntariamente para dar vazão à veia artística. Exibia cabelos compridos presos atrás da cabeça, como rabo de cavalo.

Jussara me conhecia desde criança. O flerte no aniversário da nossa prima passou a namoro. A aniversariante era minha prima por parte de mãe e prima da Jussara por parte de pai. O noivado foi sem festa, só eu e Jussara. Colocamos as alianças nos anelares da mão direita. Ela confiou em mim, embora eu estivesse na corda bamba. Nós dois comparecemos à festa da posse no cargo de juiz substituto realizada na sede campestre do Clube Curitibano, fina flor da alta sociedade. O salão do Clube Operário recebia outro tipo de público. Começava uma vida nova do ponto de vista social e político. Ato formal e simbólico de prestar compromisso e assinar um livro perante o presidente do tribunal, testemunhado publicamente, transformara o governado pobre em governante remediado. Investido na autoridade do cargo, passara de uma pessoa insignificante a uma pessoa importante para a comunidade. Tornara-me agente político de um dos poderes do Estado. Na esfera judicial, distribuiria justiça a pessoas naturais e a pessoas jurídicas na região do Estado para a qual fora designado.

Jussara e eu combinamos casar apenas no civil, em cartório, só com duas testemunhas. No horário marcado, o juiz não apareceu (22 anos depois, ele presidiu o tribunal de justiça). Fomos aguardá-lo na casa da minha irmã Adília. Desculpas apresentadas, cerimônia realizada, os padrinhos nos levaram até o balneário de Camboriú/SC. Sob o céu azul e o sol de outono, banhos de mar, caminhadas pela praia e consumo de camarão, peixe, frutos do mar e cerveja gelada. Terminada a lua de mel, Jussara e eu viajamos a Pato Branco, sede da região judiciária que incluía as comarcas de Clevelândia, Chopinzinho e Coronél Vivida, no sudoeste do Paraná.

No período de noivado, enquanto me hospedava no Hotel Central, em Pato Branco, aluguei apartamento de 3 quartos, sala, cozinha e área de serviço, em prédio novo de três andares, sem elevador. Providenciei a mobília, os eletrodomésticos, louças, copos, talheres, panelas, panos de prato, material de limpeza, rádio e aparelho de televisão, tudo adquirido na cidade; as coisas graúdas, a crédito. Em um dos quartos montei o escritório (mesa, cadeira, estante para os códigos e poucos livros, máquina de escrever).

No quarto do hotel eu cumpria ritual rosacruz. Certo dia, joguei os tocos de velas acumulados na lixeira. Causei involuntário rebuliço. O dono do hotel e os funcionários ficaram assustados com aquilo que podia ser coisa do diabo. Acalmei a todos, informando que fora eu quem jogara aquele material na lixeira. Disse-lhes que eu era muito devoto e acendia vela para rezar. A explicação foi necessária. 90% da população eram de gaúchos descendentes de italianos, todos muito ligados à igreja católica. A influência do pároco era muito forte. As práticas estranhas à igreja eram qualificadas de coisa do demônio.

Clevelândia foi a primeira comarca onde exerci a judicatura como juiz substituto. O nome da cidade vem do presidente Grover Cleveland, dos EUA, que arbitrou a questão de limites com a Argentina, cujo laudo arbitral reconheceu o direito do Brasil sobre o território das Missões (05/02/1895). Durante o governo de Artur Bernardes, todo sob estado de sítio (1923/1926) Clevelândia serviu de presídio político para rebeldes militares e civis integrantes do movimento descentralizador e tenentista, do qual resultou a coluna Prestes.

O juiz titular estava em férias. Jussara e eu íamos a Clevelândia pela manhã e regressávamos a Pato Branco no crepúsculo. Ao ver o modo e a rapidez com que eu despachava os processos e decidia as demandas, o escrivão do cível admirou-se: “Parece que Vossa Excelência é juiz há muito tempo”. Os despachos e sentenças eram manuscritos. Eu não levava a máquina de escrever para a comarca e nem confiava rascunhos aos serventuários. Quando examinava os processos em casa, as sentenças eram datilografadas. Em pouco tempo, o serviço estava em dia. O mesmo aconteceu nas comarcas de Coronél Vivida e Chopinzinho. Eu presidia audiências nas comarcas quando os juízes titulares entravam em férias ou se licenciavam.

Os conflitos motivados pela posse da terra e pela extração de madeira eram constantes na região. O delegado de Pato Branco cedeu-me um revólver Taurus. Alegou que a delegacia não tinha condições de me dar segurança nas andanças por essas comarcas onde havia mais lugares ermos do que habitados. Guardei-o no apartamento, na prateleira superior do armário do quarto de casal, de onde nunca saiu. Eu confiava mais na proteção cósmica. Esse delegado foi assassinado em Curitiba, nas proximidades do Hospital São Vicente. Emboscaram-no em plena capital do Estado. Quando delegados, promotores e juízes são emboscados, o indício é de envolvimento dessas autoridades com o lado mafioso da sociedade. A autoridade pode se envolver ao levar o caso para o terreno pessoal; persegue o bandido de modo concentrado e exagerado, em todos os sentidos. Ocorrem, ainda, as hipóteses de cumplicidade e de conivência entre a autoridade e o bandido, em que a emboscada caracteriza um ajuste de contas fatal.

Juízes que cumprem o seu dever com austeridade, firmeza e moderação, dificilmente são alvos de violência, porque respeitados como pessoas justas. As suas sentenças condenatórias no processo criminal são recebidas sem rancor. Os condenados têm consciência dos atos que praticam e senso de proporção. Ainda que protestem por inocência, eles sabem que a condenação foi justa; o protesto é mera encenação. Os condenados se revoltam quando no processo são incluídos crimes que não praticaram acumulados com os crimes que praticaram. Essa desova se faz para livrar a autoridade policial de investigar crimes de solução difícil, ou para livrar do processo penal os verdadeiros autores pelos mais variados motivos. Negar aos réus benefícios quando presentes os requisitos legais, também pode provocar reações violentas.

No quarteirão onde morávamos em Pato Branco, estava localizada a casa de um agrimensor considerado chefe da quadrilha de grileiros. A casa era freqüentada por pistoleiros. Jamais desviei caminho para evitar passagem sob a sua janela, nem ali passava com atitude desafiadora. Quando foi preso um dos pistoleiros acusado de homicídio, eu percebi que a comunidade esperava ação concreta e positiva do judiciário para livrá-la daquele facínora. O tribunal do júri ficou lotado. Pessoas esperavam do lado de fora o revezamento para assistirem ao julgamento. Alfredo, o promotor de justiça, foi corajoso e brilhante. O juiz presidente, meu compadre, se manteve firme. Quando as luzes se apagaram no meio do julgamento, o comandante da polícia militar, que havia destacado soldados para garantir a ordem, blindou o réu, jurados, promotor e juiz, inspecionou as dependências do fórum e providenciou o restabelecimento da luz elétrica. Passado o nervosismo, a sessão continuou até o fim, sem mais incidentes. O veredicto foi condenatório. O mais importante foi o efeito social. Diminuiu o temor que aquela quadrilha infundia na comunidade. Os pistoleiros e grileiros podiam ser vencidos dentro da lei, desde que houvesse disposição e vontade das autoridades. A quadrilha ficou desmoralizada. O juiz e o promotor não sofreram qualquer tipo de violência.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

REMINISCÊNCIAS

REMINISCÊNCIAS DE UM MAGISTRADO - XII

Na década 1971/1980, alguns países buscaram poder nuclear mediante a produção da bomba atômica, como a Índia e o Paquistão (1973). Com a queda de Mohammed Reza Pahlevi, Xá da Pérsia e amigo dos EUA (1979) os religiosos muçulmanos assumiram o governo. O aiatolá Khomeini regressou do exílio, liderou a nação e estimulou o ódio contra os EUA e Israel. Por direitos territoriais a República Islâmica do Irã (novo nome da Pérsia) entra em guerra com o Iraque de Sadam Hussein, amigo dos EUA (1980). Irã e Israel dedicam-se à pesquisa nuclear a fim de produzir bomba atômica. A diplomacia desses países nega essa intenção. Na América, o Brasil e a Argentina desistiram de produzi-la, deixando os EUA como o único país a possuir arsenal atômico no continente. Na América Latina ocorreu uma série de golpes militares orquestrada pelo governo dos EUA contra governos de esquerda. No Chile, os golpistas mataram Salvador Allende, primeiro governante marxista eleito no continente (1970/1973). Na Nicarágua, cai a ditadura de direita; a revolução sandinista sai vitoriosa (1979).

Devido ao escândalo Watergate, Richard Nixon renuncia à presidência dos EUA (1974). As duas grandes potências, EUA + URSS, acertaram estratégia para congelar a guerra fria (détente) na Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, realizada em Helsinque (1975). Essa conferência abriu margem aos países da Europa Oriental para reivindicarem autonomia em relação à URSS, do que resultou o rompimento do vínculo na década seguinte. A visita do papa João Paulo II à Polônia (1979) contribuiu para esse rompimento. Multidões ouvem-no e cantam com entusiasmo em praça pública. Em pleno regime comunista, o papa coloca Deus e Jesus acima de Marx e Lênin. O efeito mesmerizador de palavras e gestos faz o povo sentir a presença divina e perder o medo. O papa, ao beijar o solo polonês, provoca um terremoto. A onda religiosa engolfa a Europa Oriental. No ano seguinte, Lech Walesa, operário polonês católico, em frente ao estaleiro Lênin, em Gdansk, anuncia a fundação do primeiro sindicato livre em solo comunista e o denomina Solidariedade (1980). O nome desperta sentimentos ao invés de argumentos. Solidariedade como altruísmo em nível ético, compaixão em nível religioso, laço de interesses recíprocos em nível jurídico.

O movimento republicano e de independência na África, iniciado na década 1951/1960 (Líbia, Egito, Argélia) continua avassalador nas décadas seguintes, modificando o mapa do continente. O mesmo ocorria na Ásia morena e amarela (Kuwait, Bangladesh, Sri Lanka, Malásia, Camboja, Laos, Vietnã). As duas grandes potências manipulavam o movimento em todos esses países, segundo interesses estratégicos e econômicos.

O Brasil passou a década 1971/1980 sob regime autocrático. As forças guerrilheiras na Bahia (MR8) e no sul do Pará (Araguaia) foram dizimadas pelas forças do governo. Em maio/1970 os guerrilheiros haviam sofrido derrota no Vale da Ribeira, local de treinamento no sul do Estado de São Paulo próximo à fronteira com o Estado do Paraná. Em 1977 é promulgada a lei do divórcio pela qual o senador Nelson Carneiro lutara muitos anos. Finalmente derrotada, a igreja católica procura convencer os fiéis a não se divorciarem. A defesa do dogma salta da tribuna para o púlpito. No mesmo ano, o presidente Geisel decreta a reforma do Poder Judiciário. Em carta publicada no Jornal do Brasil protestei contra o ato arbitrário e qualifiquei o presidente de usurpador. Depois dessa carta, o jornalista Castelo Branco começou a criticar moderadamente o governo em sua coluna no referido jornal. Como nada lhe aconteceu, outros jornalistas o imitaram. A distensão, lenta e gradual, do regime autocrático, mostrou-se efetiva ao tolerar essas manifestações; o governo afrouxou a censura à opinião pública e à opinião publicada. Nas dependências do DOI-CODI foram mortos o jornalista Wladimir Herzog e o metalúrgico Manoel Fiel Filho. O setor civil da sociedade brasileira protestou. O comandante da região militar de São Paulo foi exonerado.

O Ato Institucional nº 5 foi revogado em 1979. Decretada anistia geral, retornaram ao Brasil os exilados voluntários e involuntários. Entre os voluntários havia os oportunistas que lecionavam na Europa e desfrutavam o exílio dourado. Os involuntários sofriam real ameaça do sistema repressivo militar (Brizola, Arraes, Betinho, Gabeira entre outros). Foi extinto o bipartidarismo (ARENA x MDB). Houve greves no ABC paulista. Com apoio da igreja católica e dos intelectuais de esquerda, os trabalhadores fundaram um partido político sob a liderança do operário metalúrgico Luiz Inácio da Silva (1980). Esse operário foi eleito e reeleito presidente do Brasil em 2002 e 2005, respectivamente. Governistas da extrema direita praticaram atos de terrorismo contra instituições defensoras da democracia (Ordem dos Advogados do Brasil/RJ, Associação Brasileira de Imprensa/RJ, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento/SP). Além disso, tentaram explodir bomba em festa popular no Riocentro/RJ. O artefato bélico, no colo do terrorista, detonou no interior do automóvel por ele ocupado.

Para se distinguirem dos caudilhos latino-americanos, os presidentes brasileiros usavam trajes civis durante a ditadura militar. Construíram as usinas nucleares de Angra dos Reis, a hidrelétrica de Itaipu (sacrificando a beleza natural das Sete Quedas de Guaíra, no Paraná), a rodovia transamazônica e a ponte Rio-Niteroi. O mar territorial brasileiro foi ampliado para 200 milhas. A crise do petróleo provoca recessão (1973). A moeda perde poder aquisitivo. Diminuem as chances de emprego. Facilitou-se o crédito aos consumidores e aos agricultores. Incrementou-se a exportação de manufaturados e de gêneros agrícolas. A produção rural modernizou-se. Surgem empresas agropecuárias. Prevalecem a pecuária e a lavoura de exportação (soja e trigo). Cai a produção do café. Empresas estatais crescem em número e incorporaram o espírito capitalista; visam mais aos lucros em detrimento do interesse público. Cresce a informalidade (biscateiros, artesãos, contrabandistas, receptadores, falsificadores, contraventores). A camada baixa da sociedade vive em precárias condições, sem moradia própria, aluguel abusivo, escola pública de má qualidade, acesso difícil a médicos, remédios e hospitais, saneamento básico deficiente. Pesa ao inquilino taxas de administração e tributos que são obrigações do locador, imoralidade que a lei de 1991 não afastou, pois permitiu que essa obrigação legal do locador fosse invertida no contrato escrito celebrado com o locatário.

Aluguei quarto em apartamento de família, na Rua Ápia, no alto da Avenida São João, em São Paulo (1969). O aluguel consumia quase todos os meus parcos rendimentos. Havia dias em que a minha única refeição era o conteúdo de um frasco de Yakult. Em outros, era caldo verde no Largo do Arouche. A certa altura do ano, chegaram Luis Cassiano, meu amigo de boemia, mãe e padrasto, com o propósito de abrir escritório de corretagem na área dos incentivos fiscais, como fizeram em Curitiba. Atendendo ao pedido deles, o Dr. Magalhães e eu cedemos os nossos nomes para figurar no contrato social a fim de completar o número mínimo de sócios exigido por lei. O trabalho deles teve sucesso. Algumas vezes jantei com eles no Restaurante Franciscano. O padrasto de Cassiano pagava a despesa com cartão Diners, sinal de status na época. Certa ocasião, eu jantei com o engenheiro Armando Robert (compadre dos meus pais), esposa e a bonita filha do casal. Vieram a São Paulo para cuidar do transporte dos bens oriundos da Europa. Ele me procurou no escritório e eu o ajudei nessa tarefa. De vez em quando, eu tomava refeição na casa da minha prima Luzia, que morava com os pais. O pai dela e o meu não eram irmãos de sangue. O meu avô paterno, viúvo e com filhos, casara com a avó paterna de Luzia, viúva e com filhos. O tratamento de primos era convenção doméstica. Luzia, no ápice da carreira no Ministério Público, ingressou no tribunal de justiça de São Paulo como desembargadora.

Em uma das minhas visitas, quando Luzia ainda morava na Aclimação e era promotora de justiça em início de carreira, lá encontrei o namorado dela. Durante a conversa, confessei timidez ao tratar com as autoridades. Ele sugeriu a prática de arte marcial. Lembrei que na Praça João Mendes havia placa na fachada de um prédio anunciando caratê. Fui conferir. Lá estava: Nihon Karate Kyokai. Conheci o sensei Sagara, de quem me tornei discípulo. O estilo era shoto-kan. Combinei arte mística e arte marcial. A timidez sumiu. Em 1970, já em Curitiba, treinava com o nissei Júlio, meu companheiro na academia do sensei Sagara, quando viajei para o sudoeste do Paraná como juiz substituto. Só treinei em academia novamente, no Rio de Janeiro, de 1974 em diante, com o sensei Tanaka, no Botafogo e Flamengo, com o sensei Takeuchi, em Copacabana e com o sensei Inoki nas academias do Leblon e Ipanema, sem me preocupar com graduação de faixas. Prestei alguns exames para não comprometer a academia no que tange à eficiência do ensino. A faixa preta compreende 10 graus. Apto ao terceiro grau, eu fui morar em Itatiaia/RJ (Penedo), onde treino sozinho para manter a forma (2004).

Em 1970, na festa de aniversário da minha prima Maria Cristina, um amigo da família, Jorge, informou a data do concurso para juiz substituto. Eu, que estava de visita a Curitiba, viajei para São Paulo imediatamente, em companhia de Sandra, minha irmã, de Terezinha, minha amiga e do sobrinho dela, Washington. Apanhei livros, roupas e os acomodei no fusca que pertencia à Terezinha. Regressamos a Curitiba, num só ímpeto, em uma única viagem, da noite para o dia, literalmente. Terezinha comentou: “Parece que estamos fugindo”. Tranqüilizei-a: “O aluguel é adiantado, o contrato é verbal, tenho crédito de 15 dias e posso sair a qualquer momento”.

Silenciei sobre um cuidado especial. Cerca de um mês antes disso, uma senhora portuguesa, amiga do casal e que freqüentava o apartamento para jogar cartas, chamou-me à casa dela e me confidenciou que a locadora do quarto apaixonara-se por mim e que o marido estava desconfiado. Ele era policial civil e usava arma de fogo. Quando chegamos para pegar os meus pertences, o casal não estava no apartamento. Por medida de cautela, resolvi não aguardar a chegada deles. Mais prudente era arrumar as coisas e partir sem despedidas. Voltei lá no mesmo ano para apanhar a correspondência. Antes, telefonei para que a deixassem na portaria. Alguns envelopes estavam abertos.

Na mesma ocasião, fui ao escritório do Dr. Magalhães e o informei do meu regresso ao Paraná. No ano anterior, após o almoço de domingo na casa dele, fomos ao estádio do Morumby assistir ao jogo São Paulo x Corinthians. Nós dois éramos torcedores do São Paulo FC. Notei um jogador que andava no campo como se fosse o rei da cocada preta. Perguntei ao Dr. Magalhães, apontando com o dedo: “Quem é aquele jogador?” Ele respondeu como se estranhasse a minha pergunta: “É o Rivelino!”.