sábado, 30 de novembro de 2019

CASO LULA 2

No processo judicial referente ao sítio de Atibaia/SP, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva figura como réu, a turma criminal do tribunal regional federal de Porto Alegre (TRF-4), ao julgar recurso ordinário (27/11/2019), manteve a sentença condenatória prolatada pela juíza da vara federal de Curitiba. Os desembargadores da turma, por unanimidade, rejeitaram os argumentos da defesa e aumentaram a pena para 17 anos de reclusão (reformatio in pejus).  A colagem de uma decisão proferida por outro magistrado em outro processo não foi considerada violação do princípio da identidade física do juiz com a causa. A concomitância das alegações finais do réu delator com as do réu delatado também não foi considerada vício processual, apesar do entendimento em sentido contrário do supremo tribunal federal (STF). Os desembargadores consideraram válida a delação como prova. Para tipificar a figura delituosa relatada pelo ministério público, eles entenderam desnecessário: (i) ato de ofício (ii) registro do imóvel em nome do réu. Entenderam suficientes: (i) fato indeterminado (ii) resultado futuro.       
Salvo o aumento da pena de reclusão, tudo o mais era esperado. A exasperação da pena cumpriu tríplice objetivo: contestar os juristas, irritar os partidos da esquerda e dar o troco ao irado discurso de Luiz Inácio quando saiu da prisão. Os desembargadores podem ser deficientes morais, ter caráter deformado, porém, deficientes intelectuais eles não são, com certeza. Eles são lúcidos, têm noção da natureza e da eficácia dos seus atos, sabem que a dosimetria será revista na superior instância. A motivação política partidária colocada acima do direito positivo advém do comportamento quadrilheiro dos juízes – do piso à cúpula da justiça federal – neste e em outros casos oriundos da operação lava-jato. O que mais interessa aos quadrilheiros togados é a prisão do líder político e a consequente morte política; o que menos interessa é a moral e o direito. Conforme a conveniência, eles deturpam preceitos constitucionais e legais mediante capciosa interpretação. Da independência e da relativa irresponsabilidade imprescindíveis ao exercício da judicatura, eles fazem muletas e, na certeza da impunidade, abusam do poder jurisdicional de que estão investidos.
Esse padrão de atividade judicante sem compromisso com a imparcialidade, com a impessoalidade, com a honestidade, com as regras éticas e jurídicas, poderá prevalecer no STF se as vagas que ali se abrirem forem preenchidas por bacharéis nazifascistas. Isto ocorrerá se não for instaurado, urgentemente, processo de impeachment contra o presidente da república. Se o atual presidente estiver no cargo quando as vagas se abrirem, o bloco nazifascista do STF ficará majoritário e acrescido do fundamentalismo religioso. A história dos séculos XX e XXI é testemunha dessa verdade: a vocação dos nazistas, dos fascistas e dos fundamentalistas é antidemocrática, seus instintos são contrários aos direitos e garantias individuais, tendem a flexibilizar indevida e afrontosamente, em proveito do seu grupo civil, militar e religioso, princípios e normas fundamentais contidos em cláusulas pétreas. Detestam os freios jurídicos postos por Constituição democrática e tudo fazem para rompê-los.
Com urgência e mediante o devido processo constitucional e legal (impeachment), cidadãos brasileiros, em defesa da democracia, da Constituição, dos direitos fundamentais, também devem pleitear a exoneração dos ministros componentes do bloco nazifascista do STF. Há elementos fáticos e jurídicos para instauração dos processos contra o presidente da república e contra aqueles ministros. A vigorosa reação popular, nos limites da lei, é necessária para o Brasil sair da condição de república de bananas, republiqueta sul-americana, na qual se encontra há 8 anos.
No Caso Lula, a votação unânime dos desembargadores da turma criminal do TRF-4 é artificiosa, combinada entre eles com múltiplo objetivo: (i) manter a linha do processo anterior referente ao apartamento de Guarujá para a turma não se “apequenar” (royalties para a ministra Carmen Lúcia do STF, atenciosa com o bonitão gaúcho) [ii] evitar divergência interna, pois, se tal ocorresse, o caso seria submetido ao tribunal pleno cuja maioria poderia frustrar os ignóbeis propósitos dos partidos da direita (iii) prestigiar o colega, compadre e amigo, hoje ministro da justiça, dando-lhe ferramentas para defesa em processos instaurados contra ele decorrentes dos abusos e das arbitrariedades praticados quando exercia função judicante (iv) dar resposta ao inflamado discurso de Luiz Inácio (v) cobrir a operação lava-jato com um manto de legalidade e legitimidade.
Da turma criminal gaúcha o processo irá diretamente para a turma criminal do superior tribunal de justiça em Brasília, tudo dentro da informal e ilícita organização política dos togados federais. Tal qual a gaúcha, a turma brasiliense também não irá se “apequenar”. Por unanimidade, a fim de evitar o exame do caso pelo tribunal pleno, essa turma confirmará a sentença da juíza curitibana, o acórdão do tribunal gaúcho e a condenação do político nordestino. Repetirá a bondade envergonhada manifestada no caso do apartamento de Guarujá e reduzirá a pena de 17 para 12 ou 8 anos de reclusão, permitindo que Luiz Inácio saia da prisão antes de completar 85 anos de idade. Graças aos seus aspectos constitucionais, o caso desembocará no STF. Cresce, ali, a probabilidade de se inverter a situação: o direito e a justiça colocados acima da política partidária e o processo anulado em decorrência dos seus vícios. Não se descarta a hipótese de habeas corpus concedido de ofício pela suprema corte para, desde logo, absolver o réu com base nos elementos de informação contidos nos autos.
Os excessos, a retórica falaciosa, a pobreza de espírito (com direito a brega e disparatada declamação), que se depreendem dos votos, evidenciam a parcialidade e a politicagem da turma gaúcha, rebentos do caudilhismo sul-americano. Transparece a atitude de desafio e rebeldia contra decisões do STF das quais resultou a liberdade de Luiz Inácio e poderá resultar a anulação dos processos onde figuram delator e delatado no polo passivo da relação processual, atuaram juízes e juízas suspeitos e os trâmites correram em foro incompetente.
A quem conhece a cultura dos pampas não passou despercebida a demonstração de valentia do macho gaúcho que não se intimida com adversidade, venha de onde vier. Os desembargadores passaram a impressão de que tentavam exibir colhões roxos, forte musculatura, arma branca, orgulho provinciano, soberana independência, a fim de convencer a nação brasileira de que são eles os senhores da sua querência. Refletiram bem a cultura caudilhista daquela região. Quem conhece aquelas plagas sabe que, muitas vezes, por trás da feição brava escondem-se covardes que usam bombacha como aparador da substância liberada pelo esfíncter. 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

CASO LULA

O Caso Lula fez emergir no plano dos fatos as duas linhas de pensamento, liberal e nazifascista, prevalecentes no aparelho de segurança do estado: forças armadas, força pública, presídios, polícia, ministério público, magistratura. Composta de civis e militares, ricos, remediados e pobres, uns liberais, outros nazifascistas, a direita elegeu o seu representante com 57 milhões de votos. A esquerda, cuja maioria é composta de pobres, trabalhadores e intelectuais socialistas, somou 47 milhões de votos. Quiçá desgostosos com a política e indefinidos ideologicamente, 42 milhões de eleitores votaram em branco, anularam o voto ou não compareceram às urnas.
No Caso Lula, despontaram magistrados da direita que faltaram ao dever de imparcialidade. Poder-se-ia estranhar a presença de judeus nessa malta, posto que, na Alemanha, antes e durante a segunda guerra mundial, eles foram vítimas do nazismo. Prisão, tortura, perda de bens, família desconstituída, trabalho forçado e morte nos campos de extermínio. Depois da guerra, porém, os palestinos passaram a ser vítimas do holocausto e os judeus passaram a ser os nazistas. A expressão “judeu nazista” deixou de ser absurda e passou a ser pleonástica. Concedendo algum crédito ao Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia) para fins expositivos e conveniência prática, conciliando-o com a história profana, obtém-se algo próximo à realidade. Moisés, príncipe egípcio, personagem bíblico, considerava os hebreus um povo de “cabeça dura”. Para contentar o faraó, Moisés [i] retirou do Egito e liderou mais de 3.000 hebreus [ii] outorgou-lhes regras administrativas, sociais, éticas e religiosas [iii] forçou-os a adotar o monoteísmo do faraó Akenatom (o nome é egípcio, não tem porquê grafá-lo em inglês) [iv] gravou mandamentos em pedra visando a união e a obediência daquele povo no presente e no futuro (cláusulas pétreas).
Assim como os demais povos da Antiguidade, os hebreus também eram politeístas. Eles resistiram à nova crença introduzida por Moisés. Houve luta armada e centenas de mortos. A facção mosaica sagrou-se vencedora. Depois da conversão ao monoteísmo (na realidade, monolatria), as ortodoxas tribos de Judá e Benjamin separaram-se das demais e constituíram o Reino de Judá; as dez restantes, o Reino de Israel. Os hebreus (judeus + israelitas) recaíram algumas vezes no politeísmo. No Antigo Testamento, parte hebraica da Bíblia [preferida dos evangélicos] a imagem dos hebreus é a de um povo bandido, trapaceiro, grosseiro. Quando em posição de domínio, eles se portavam de maneira arrogante, vingativa, cruel, genocida, tal qual o deus deles (Javé).
Explica-se, pois, a aproximação do atual governo brasileiro com o governo israelense. Nazistas de nações diferentes se reconhecem, entendem-se e se abraçam. Destarte, nada espantoso o fato de um judeu integrar o quinteto nazifascista do Supremo Tribunal Federal (STF). À garantia constitucional assim declarada: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, esse quinteto a interpretou como se estivesse assim redigida: “ninguém será considerado culpado até o segundo grau de jurisdição”. Fácil perceber que a expressão “até o trânsito em julgado” difere da expressão “até o segundo grau de jurisdição”. Dessa mudança surge nova regra sem o aval do legislador constituinte. Reduz a extensão da norma constitucional primitiva. O propósito dessa maliciosa interpretação tornou-se evidente: possibilitar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tirá-lo da disputa eleitoral, privá-lo dos direitos políticos.
As normas que regem a prisão em flagrante e a prisão cautelar continuam em vigor. O réu cuja sentença condenatória ainda não transitou em julgado poderá ser preso – não para execução da pena que lhe foi aplicada – mas preventivamente para garantia da ordem pública, desde que presentes os requisitos legais. Esse tipo de prisão não se faz em razão da culpa e sim da periculosidade da pessoa indiciada ou processada. Consoante a vigente Constituição, a culpa estará firmada e a presunção de inocência estará afastada só depois de esgotados todos os recursos.
No Caso Lula, estão ausentes os requisitos da prisão cautelar. Contudo, há duas sentenças penais condenatórias: Guarujá + Atibaia. Se transitarem em julgado, Luiz Inácio voltará à prisão. A probabilidade de anulação dos dois processos é enorme diante de dois vícios fatais: (i) incompetência do foro de Curitiba (ii) suspeição do juiz e da juíza da vara federal. No entanto, processo judicial pode ser anulado sem que pereça o direito de ação. Aquelas duas ações podem ser propostas no foro competente (São Paulo) se o agente do Ministério Público (MP) insistir nas denúncias. Se o juiz aceita-las, instaurar-se-ão processos cujos trâmites chegarão até o STF, depois de circularem pelos tribunais regional e superior. Como se trata de causa em que a política tem se sobreposto ao direito, há probabilidade de condenação e de prisão antes de 2022, ainda que o ex-presidente esteja com 77 anos de idade. Se curada a miopia dos julgadores, Luiz Inácio poderá ser absolvido por falta ou insuficiência de prova da autoria e da materialidade dos delitos.
Há limites éticos e jurídicos à proposição de irresponsabilidade dos magistrados por suas decisões no bojo do processo judicial. Corolário da necessária independência do juiz, essa proposição excepciona o princípio geral de responsabilidade próprio do Direito e essencial ao modelo republicano de estado. Esta exceção, contudo, não autoriza o juiz a abusar do seu poder jurisdicional. O legislador constituinte exerce superior e soberano poder da nação. O aludido quinteto posicionou-se acima do legislador constituinte ao afastar a exigência do trânsito em julgado e dar espaço à execução antecipada da sentença penal condenatória. Violou intencionalmente garantia contida na cláusula pétrea (CR 60, §4º, IV). Ainda que vencido no julgamento da causa por escassa maioria, o quinteto agiu contra dispositivo expresso da Constituição da República. Se isto acontecesse na Alemanha pós-guerra, o quinteto seria processado e exonerado. Segundo a Lei Fundamental daquele país, perde o cargo o juiz que deliberadamente infringe princípios e normas constitucionais (Art. 88). Nas democracias europeias, os ordenamentos jurídicos atribuem responsabilidade criminal aos magistrados que dolosamente violam direitos fundamentais.
Violar os deveres de guardião da Constituição, proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro das suas funções, pode levar o juiz do supremo tribunal ao banco dos réus. No exercício da judicatura, a interpretação das normas jurídicas com vistas à justa aplicação ao caso concreto deve ser guiada pela lógica, pelo bom senso, pelo razoável e proporcional. Se a norma diz pedra, não se há de interpretar como água, salvo má-fé ou transtorno mental do juiz. Interpretar de modo abusivo norma que por sua literalidade e clareza dispensa interpretação, configura atentado à Constituição, gera insegurança jurídica, degrada as instituições judiciárias, debocha da inteligência dos jurisdicionados. Não se deve vilipendiar a toga com espertezas desse jaez. Todo cidadão pode denunciar perante o Senado os ministros do STF por crime de responsabilidade. [CR 5º, LVII + 52, II + 102; lei 1079/50, 39 + 41]. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

CLÁUSULA PÉTREA

No sentido comum, cláusula significa dispositivo integrante de acordos, convenções, contratos ou tratados, com objetivos explícitos e implícitos. No Direito Constitucional, a expressão cláusula pétrea tem a conotação de rigidez da pedra. Opõe-se à liquidez da água e à inconstância da biruta. Significa que os preceitos nela contidos são rígidos, não podem ser alterados por via de emenda à Constituição e nem por via de lei ordinária. Sob regime democrático, cláusula pétrea só pode ser retirada do texto constitucional, ou ter o seu conteúdo modificado, através de assembleia constituinte: (i) especial, exclusiva para tal fim, ou (ii) geral, para votar nova Constituição. Tal assembleia exerce o poder soberano da nação. Todo poder emana do povo e é exercido no seu mais alto grau (i) diretamente por iniciativa popular, plebiscito, referendo, ou (ii) indiretamente por legisladores constituintes eleitos pelo povo. Todos os poderes constituídos (legislativo, executivo, judiciário), assim como todos os cidadãos, devem acatamento às decisões da assembleia constituinte. 
O conteúdo da cláusula pétrea varia segundo o momento histórico e a vontade do legislador constituinte. Esse conteúdo pode ser: formas de estado e de governo (unitário, composto, monárquico, republicano, autocrático, democrático), direitos e garantias individuais, coletivos, sociais, políticos, econômicos. Esse tipo de cláusula tem por fim assegurar a supremacia, a permanência e a eficácia de princípios e normas de alta relevância para a sociedade e para o estado. O legislador constituinte estabelece a cláusula pétrea para manietar o legislador ordinário. A cláusula é como pedra no sapato dos descontentes, dos aventureiros, dos iconoclastas. A petrificação contribui para a estabilidade institucional necessária ao desenvolvimento econômico e social do país. Os princípios e normas petrificados pelo legislador constituinte pairam acima da vontade volúvel e interesseira de indivíduos e grupos providos de mau caráter, desprovidos de espírito público, nocivos à tranquilidade da nação. Quando presidia o Brasil, Fernando Henrique fazia cara de nojo quando alguém citava cláusula pétrea para se opor aos seus desígnios. Políticos desse naipe se dizem honestos e democratas, mas, na verdade, suas veias são ditatoriais, seus objetivos são escusos.
[Jesus, o Cristo, colocou em Simão, o pescador, apelido de “Pedro” (= pedra) como símbolo da perenidade dos seus ensinamentos. “Tu és Simão, filho de João, serás chamado Cefas (que quer dizer Pedra)”. Bíblia. Novo Testamento. João 1: 42].
Na vigente Constituição, a cláusula pétrea está assim enunciada: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais” (Art. 60, §4º).
Para contornar essa cláusula, os interessados valem-se de falácias (como a da flexibilização) e dos argumentos sofísticos. Apostam na ignorância, na irracionalidade, na conduta passional do povo. Entre os argumentos, consta essa pérola: “Se a propriedade de escravos fosse cláusula pétrea, até hoje haveria escravidão no Brasil”. Para essas pessoas, a cláusula pétrea não existe; norma constitucional pode ser alterada sempre que o “povo” (isto é, o grupo de espertalhões) entender necessário.
A escravidão era instituto de direito colonial que vigorou na América Portuguesa por 300 anos e no Estado Brasileiro por 66 anos. Fora o Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve, a primeira Constituição do Estado Brasileiro foi a imperial de 1824. Outorgada por um príncipe português, admitia o direito de propriedade sobre pessoas (escravatura). Ao revogar esse direito, Isabel, a princesa regente, descontentou os proprietários (1888). O golpe militar de 1889, que hoje completa 130 anos, insuflado pelos civis e religiosos descontentes, derrubou a monarquia, ab-rogou a constituição imperial e implantou a república. A primeira constituição republicana foi promulgada em 1891 por assembleia constituinte convocada pelo governo provisório.
Nova Constituição recepciona leis anteriores. Exemplos. As ordenações portuguesas foram recepcionadas pela Constituição de 1891; o Código Civil de 1916 foi recepcionado pela Constituição de 1934 e pelas constituições subsequentes; o Código Penal de 1940 foi recepcionado pela Constituição de 1946 e pelas constituições subsequentes. No entanto, a Lei de Imprensa (1967) e a de Segurança Nacional (1983) não foram recepcionadas pela Constituição de 1988.
Se a escravatura fosse posta em cláusula pétrea pelo legislador constituinte, ela teria de ser respeitada por todos os cidadãos até cair em desuso, ou até ser revogada pelo sujeito do poder constituinte (povo, nas democracias; ditador, nas autocracias). A forma republicana federativa foi colocada em cláusula pétrea na Constituição de 1891, recepcionada na de 1934, recuperada na Constituição de 1946, mantida na Carta de 1967. A Constituição de 1988 foi mais abrangente, quiçá por ter sido precedida de longo período ditatorial (1964-1985). Além da forma federativa de estado, o legislador constituinte incluiu, na cláusula pétrea, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, o voto direto, secreto, universal e periódico (CR  60, §4º). Essa matéria não pode ser objeto de emenda à Constituição e de lei ordinária, salvo ruptura da ordem vigente mediante golpe de estado, ou revolução. O tipo de estado republicano não constou dessa cláusula porque o legislador constituinte deferiu ao povo a escolha direta entre república e monarquia (plebiscito). Consultado, o povo brasileiro escolheu a república e o sistema presidencialista (corpo eleitoral, 1993).   
O alegado combate à criminalidade é justificativa enganosa para o descumprimento da cláusula pétrea da Constituição. Esse combate é travado todos os dias pela polícia, pelo ministério público e pela magistratura. Os presídios estão lotados. O real motivo por trás da cortina é a conquista e manutenção do poder. Mediante golpe, a direita assumiu o governo do estado. Nas eleições presidenciais de 2018, a direita unida (moderada + extremada) venceu a esquerda desunida (moderada – extremada). Se Luiz Inácio Lula da Silva recuperar os seus direitos políticos e entrar na disputa eleitoral, esse quadro pode mudar. A esquerda reassumirá a direção do estado caso esteja unida. Partido isolado, por grande que seja, perderá para a direita unida nas eleições de 2022.
Por precaução, a direita insiste na prisão e na morte do líder político da esquerda. O deputado federal, Coronel Tadeu, do PSL, partido dos milicianos, ameaçou: “Lula tem que morrer”, e dirigiu olhar significativo em determinada direção. Senha para o assassinato de Luiz Inácio, como aconteceu com Marielle Franco? Se houver investigação, bom começo é localizar o ponto da sala para o qual o deputado dirigiu aquele significativo olhar. Descobrir o que lá havia, ou quem lá estava, talvez ajude a prevenir a tragédia. Na rede de computadores, o deputado insiste: “Não vejo a hora de Lula morrer”. A Comissão de Ética da Câmara e o Ministério Público talvez já tenham tomado providências para impedir que essa grave ameaça se concretize.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

LITURGIA & LIBERDADE

1. Além de se referir ao conjunto ordenado de cerimônias e orações no serviço religioso, o vocábulo liturgia é usado no mundo profano para designar ritos da burocracia estatal, cerimônias do estado, nos quais se incluem as audiências nas varas e nos tribunais judiciários. Quando, da tribuna do Supremo Tribunal Federal (STF), a advogada tratou os juízes de “vocês”, o ministro Marco Aurélio exigiu respeito à liturgia da qual fazem parte o tratamento cerimonioso (“excelência”) e o decoro. Esse tratamento não se dá em razão de virtudes e vaidades pessoais e sim da qualificação do magistrado para exercer função de suma importância ao bem comum, à eficácia dos direitos humanos, à ordem pública e ao desenvolvimento da nação.           

2. Em Curitiba, a titularidade da vara federal das execuções penais era de uma juíza. O alvará de soltura de Luiz Inácio Lula da Silva foi expedido por um juiz. A juíza, que tratava esse preso com excessivo rigor, cerceando direitos, cogitando de removê-lo para penitenciária paulista, provavelmente sentiu-se frustrada com a decisão da suprema corte. Saiu em férias. Talvez, no sentir dela, assinar o alvará seria humilhante. Condimentar deveres funcionais com ódio e preconceito resulta nisso.

3. Eleitores de Bolsonaro e setores do jornalismo e da política partidária, insatisfeitos com a decisão do STF sobre a liberdade dos réus até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, trabalham para devolver à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
3.1. Eles pretendem obter do Congresso Nacional emenda à Constituição instituindo o segundo grau de jurisdição como limite da presunção de inocência. Isto, além de caracterizar confronto com o STF, violação do princípio constitucional da harmonia entre os poderes, implicaria alterar vigente norma constitucional que coloca o limite da presunção de inocência após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Essa norma inscreve-se entre os direitos e garantias fundamentais erigidos em cláusulas pétreas, consoante dispõe o inciso II, do §4º, do artigo 60, da Constituição da República (CR). Portanto, a referida norma não pode ser objeto de emenda e nem de lei ordinária. A pretendida modificação exige decisão de uma assembleia nacional constituinte especial (alterar cláusulas pétreas) ou de uma assembleia nacional constituinte geral (elaborar nova Constituição). Caso o Congresso promulgue emenda desse jaez, certamente o STF a declarará inconstitucional. [CR 2º + 5º, LVII].     
3.2. O enquadramento na lei 7.170/83 (segurança nacional) de [i] Jair Bolsonaro, atual presidente da república, por seus arroubos e submissão à bandeira dos EUA e [ii] de Luiz Inácio, ex-presidente, por seu inflamado discurso à multidão, encontra óbice na Constituição de 1988, que limitou a jurisdição militar aos crimes militares e garantiu que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CR 5º, LIII + 124). O Congresso Nacional ainda não votou lei sobre essa matéria, compatível com a nova Constituição. Ainda que parcialmente, a lei anterior perdeu vigência.   
3.3. Enquanto se mantiver respeitada e inalterada a vigente norma constitucional, esses eleitores e setores procurarão acelerar os trâmites da ação penal sobre o tríplex de Guarujá a fim de chegar, rapidamente, ao trânsito em julgado da sentença condenatória e colocar Luiz Inácio novamente na prisão. Essa empreitada poderá se frustrar diante da viável hipótese de o STF anular o processo em decorrência dos vícios nele contidos.

4. A Netflix exibe documentário sobre o julgamento de Ivan John Demjanjuk, ucraíno nacionalizado americano, acusado de ser “Ivan, O Terrível”, soldado ucraíno a serviço do exército alemão no campo de extermínio de Treblinka (Polônia), durante a segunda guerra mundial, encarregado de executar prisioneiros na câmara de gás. Esse documentário robora o artigo intitulado “PROVA” publicado neste blog em 02/11/2019, quanto às provas falsas.
4.1. O tribunal ordinário israelense, diante da falsidade dos documentos juntados pelo órgão acusador (ministério público) aceitou como prova suficiente a versão das testemunhas de acusação e condenou o acusado a morrer na forca. Em grau de apelação, foram apresentados documentos autênticos retirados dos arquivos da KGB, provando a inocência do acusado. O soldado “Ivan, O Terrível” era outra pessoa. Ivan John nunca estivera em Treblinka. A suprema corte israelense absolveu o acusado. O povo ficou indignado e protestou contra essa decisão. O fato é que as duas principais testemunhas da acusação mentiram ao reconhecer e apontar o acusado como sendo o assassino. Uma delas se esquecera de que havia assinado declaração, após o término da guerra, confessando ter – junto com outro prisioneiro – matado o soldado “Ivan, O Terrível” durante rebelião no campo de Treblinka. No campo de Sobibór (Polônia) os prisioneiros judeus também mataram os seus carcereiros na rebelião de 1943. 
4.2. Nos trâmites do processo judicial, os judeus gesticulavam, gritavam, pediam a morte do acusado e se regozijaram com a sentença condenatória. Os judeus fizeram o mesmo com Jesus: não se contentaram com o castigo físico aplicado pela autoridade romana. Protestaram, gritaram, insistiram para que Jesus fosse morto e não apenas chicoteado. O documentário tem o condão de mostrar, a latere, os baixos instintos do povo, a irracionalidade, a cega paixão, dos quais resultam linchamentos de pessoas inocentes.   
4.3. Ivan John retornou a Cleveland/EUA, onde morava com sua família. Junto às autoridades estadunidenses, os judeus conseguiram que Ivan, com 91 anos de idade, fosse preso e deportado para a Alemanha. Lá, foi julgado e condenado por prestar serviço como praça no campo de Sobibór. Esse campo, assim como os demais, estava sob o comando e administração dos oficiais e praças alemães. Ivan não era soldado alemão. Embora decorridos 60 anos do fim da guerra até a sentença, a prescrição não foi admitida.
4.4. Em Israel, as vítimas do holocausto julgaram Ivan John. Na Alemanha, a autora do holocausto julgou Ivan John. Ecce homo!

sábado, 9 de novembro de 2019

CRIME & DESCULPA

Ações ilícitas da família Bolsonaro trouxeram à balha, entre outras, questões sobre competência da autoridade e de foro, eficácia da norma, omissão e seletividade na persecutio criminis, idoneidade das provas. 
O presidente da república está na berlinda, mas blindado. Tem foro especial. O ministro da justiça na chefia da polícia federal e o procurador-geral da república na chefia do ministério público (MP) são subalternos, estão sob a autoridade e a influência do chefe de governo suspeito da prática delituosa. Diante disto, provavelmente o presidente livrar-se-á de inquérito policial e de processo criminal (procedimentos legais sucessivos com regras próprias).
Mediante inquérito, compete ao delegado da polícia civil (Poder Executivo) apurar a autoria e a materialidade dos crimes mesmo que o indiciado seja autoridade com foro especial. Mediante processo, compete ao juiz (Poder Judiciário) apurar a verdade dos fatos e a responsabilidade do acusado (absolver ou condenar). Nos crimes comuns atribuídos ao presidente da república, o inquérito segue sob direção do delegado e o processo sob direção de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Juiz algum, de entrância ou de tribunal, deve caçar criminosos, investigar, dirigir ou presidir inquérito. Este papel é da polícia civil e do MP. O juiz deve se manter equidistante, atuar com independência, imparcialidade, honestidade e respeitar a separação de poderes e de funções estabelecida na Constituição da República (CR). No campo da segurança pública, a polícia civil não necessita de licença para exercer a sua missão constitucional, salvo para aquelas diligências que exigem autorização ou mandado judicial. [CR 5º, LIV, LXI +102, I, b + 144, §4º; CPP 4º + 6º].
Na hipótese de o MP, por qualquer motivo, não oferecer denúncia, o cidadão eleitor poderá formular queixa-crime contra o autor do delito. Cuida-se de um direito fundamental derivado da soberania popular e da cidadania. Antes de 1988, o MP detinha o monopólio da ação penal pública e da ação sobre constitucionalidade. O legislador constituinte de 1987/1988 acabou com esse monopólio e concedeu legitimidade ativa: [i] nas ações sobre constitucionalidade, a várias entidades, desde o presidente da república até confederação sindical [ii] na ação penal pública, ao cidadão. A ação penal pública deve ser promovida privativamente pelo MP, na forma da lei, porém, se não o fizer, o cidadão poderá tomar a iniciativa. Neste caso, o cidadão exercerá o seu direito fundamental, quer no interesse próprio, quer no interesse de toda a sociedade, estribado no mandamento constitucional: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. [CR 5º, inciso LIX + 103 + 129].
Durante a minha judicatura nos estados do Paraná, da Guanabara e do Rio de Janeiro, testemunhei episódios censuráveis de agentes do MP que deixavam de oferecer denúncia contra certas pessoas por motivos estranhos ao interesse público. Alicerçado nessa experiência, apresentei duas propostas à Assembleia Nacional Constituinte (ANC) em 1987, visando a extinção do citado monopólio. Ambas foram aprovadas e incluídas na Constituição. Além destas duas, apresentei mais 14 sobre matéria diversa. Entre as aprovadas e incluídas na Constituição constaram: [i] a que extinguia os vogais na Justiça do Trabalho [ii] a que extinguia os penduricalhos na remuneração dos juízes (subsídio único = moralização + dignidade) [iii] a que obrigava o juiz a residir na comarca [iv] a que vedava juízo de exceção e não só tribunal de exceção [v] a que atribuía legitimidade ativa a qualquer cidadão para propor ação popular. Entre as que não foram incluídas constavam: [i] a que outorgava aos juízes vitalícios o direito de eleger o presidente do tribunal de justiça, chefe do poder judiciário estadual (democratização interna) [ii] a que colocava a Justiça Militar na estrutura das forças armadas (jurisdição administrativa militar) [iii] a que determinava a posição do acusador e do defensor no mesmo patamar nas varas criminais e no tribunal do júri (igualdade processual).
O senador José Richa, representante do Paraná, que também recebeu as mencionadas propostas, enviou-me exemplar autografado da nova Constituição, logo após a promulgação. Ao deputado Bernardo Cabral, representante do Amazonas, presidente da comissão de sistematização, além das propostas, também enviei carta solicitando que a expressão “juiz subordinado ao tribunal”, onde quer que constasse no projeto, fosse substituída por “juiz vinculado ao tribunal”, tendo em vista ser a ideia de subordinação incompatível com a ideia de independência do juiz. O ilustre parlamentar atendeu à solicitação e teve a gentileza de me enviar ofício comunicando. O senador Saturnino Braga e o deputado Miro Teixeira, representantes do Rio de Janeiro, silenciaram sobre as propostas (e eu era juiz desse estado!). Antes de enviar as propostas à ANC, eu as defendi no Congresso da Magistratura Nacional, realizado em Recife/PE, e na Convenção do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, realizada em Porto Alegre/RS.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o antigo relator das ações oriundas da operação lava-jato no STF, ministro Teori Zavatski, usurpando competência exclusiva do Legislativo, introduziram no direito penal brasileiro nova excludente de criminalidade: arrependimento acoplado ao pedido de desculpa. Copiaram a igreja cristã: o pecador é absolvido se mostrar arrependimento e orar (penitência). Essa excludente ainda não foi examinada pelo plenário do STF. Por enquanto, ela favorece apenas a quem se mostre merecedor aos olhos da autoridade estatal (sacerdote leigo) e abrange número limitado de tipos penais (pecados): abuso de autoridade, advocacia administrativa, apologia do crime, do criminoso e/ou da ditadura, assassinato, calúnia, concussão, condescendência, corrupção, degradação do meio ambiente, difamação, falsidade, injúria, peculato, prevaricação, tráfico de influência, violação de sigilo funcional, violência arbitrária. 
Graças a essa excludente, Moro não foi processado e condenado pelas ilicitudes praticadas quando chefiava a operação lava-jato. As representações contra ele foram tratadas como se tudo não passasse de travessura de um garoto traquinas. Ele, agora ministro da justiça, aplica a terceiros a mesma excludente que o beneficiou: declara “caso encerrado” quando o delinquente se diz arrependido e pede desculpa. O caso não é submetido ao Judiciário. Por se tratar de elemento subjetivo de difícil aferição, a sinceridade não é exigível. Suficiente fingir arrependimento. Dispensável a publicidade do pedido de desculpa. Basta apresenta-lo ao sacerdote leigo. Desde que o criminoso se arrependa e se desculpe, algumas ações ficam impunes. Exemplos: queimar floresta para criar gado ou plantar cana, grampear telefone da presidência da república, uso arbitrário das próprias razões, obstruir a justiça, apossar-se de bem da coletividade para uso próprio, matar lideranças indígenas, rurais e urbanas, invadir reservas indígenas.
As excludentes de criminalidade previstas na legislação brasileira são: (i) estado de necessidade (ii) legítima defesa (iii) estrito cumprimento do dever legal (iv) exercício regular de direito. O arrependimento não exclui a responsabilidade. A lei brasileira admite dois tipos de arrependimento e ambos devem ser voluntários: [1] Anterior à consumação do crime (execução interrompida ou resultado abortado). O executor responde apenas pelos atos já praticados. [2] Posterior à consumação do crime cometido sem violência ou grave ameaça, desde que reparado o dano ou devolvida a coisa antes do recebimento da denúncia ou da queixa pelo juiz. Permite a redução da pena.
Caso algum de exclusão do crime ou de atenuação da pena dispensa o devido processo legal. O juiz é a autoridade competente para decidir sobre a presença ou ausência desses benefícios no caso concreto. “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. [CR 5º, XXXV; CP 15/16 + 23].

sábado, 2 de novembro de 2019

PROVA

A notícia do envolvimento da família Bolsonaro na violenta morte da socióloga e vereadora carioca Marielle Franco estremeceu o país. Jair, seu filho e um policial acusado de participar do assassinato moram no mesmo condomínio residencial na Barra da Tijuca (Zona Oeste da Capital). O porteiro desse condomínio revelou que homem acusado de participar do assassinato foi admitido como visitante. No interior do imóvel, ele poderia visitar a casa de Jair, a casa do policial, ou qualquer outra. Por telefone celular, Jair teria autorizado a entrada e a circulação. A visita, registrada no livro próprio e em vídeo interno, aconteceu no mesmo dia em que a vereadora foi assassinada (14/03/2018). O laudo pericial exibido por promotora de justiça (ministério público do Rio de Janeiro) destoa da palavra do porteiro. A rapidez do exame pericial e da sua publicação desperta suspeita. O grito de Jair, ressoando no céu da Arábia, imprimiu velocidade à resposta oficial. No circo das falácias em que atuam Jair, filhos e correligionários, o grito de inocência vem acompanhado de descrédito. 
A prova, alma da investigação científica, também o é da investigação judiciária (sindicância, inquérito, processo). A prova assumiu importância central com a predominância do espírito científico em relação à metafísica e ao espírito religioso. A partir do século XVII, na Europa, os filósofos naturais passaram a utilizar a matemática não só para descrever a natureza como também para explica-la. Na busca da certeza do conhecimento, eles se valeram do método experimental. A partir do século XIX, eles passaram a ser chamados de cientistas e a filosofia natural passou a ser chamada de ciência [John Henry. A Revolução Científica – As Origens da Ciência Moderna. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1998, p. 20/52]. O filósofo inglês John Stuart Mill, imbuído desse espírito e ante a necessidade de rigor na busca da verdade, trata a Lógica como Teoria da Prova. Toda proposição implicada nessa busca deve ser provada. [Sistema de Lógica – Indutiva e Dedutiva. Madri. Daniel Jorro Editor, 1917, p. 55]. 
No estudo da natureza, fenômenos físicos são o objeto da prova. No processo judicial, o objeto da prova são pessoas, coisas e relações. Os atos necessários para levar o conhecimento dos fatos ao juiz da causa são regulados em lei. Os meios de prova legalmente previstos são fontes do conhecimento judicial. A lei brasileira admite a confissão, o testemunho, o documento, o exame pericial. Como fontes subsidiárias, admite o indício, a acareação, o reconhecimento, a busca/apreensão. A existência do crime, a autoria e a culpa do autor devem ser provadas. O domínio do fato pelo sujeito gera responsabilidade ainda que não seja ele o executor. Caracteriza-se, tal domínio, quando o sujeito consente na execução do crime e tem algum tipo de controle sobre o executor. Isto deve ser provado na instrução processual. No Caso Mensalão, a ausência de prova foi preenchida por desvirtuada aplicação da teoria do domínio do fato do alemão Claus Roxin. A lei brasileira supera essa teoria ao definir o concurso de pessoas: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade” (CP 29). 
Nenhuma prova traz certeza absoluta em país onde a corrupção moral está enraizada nos costumes. Todas as provas devem ser confrontadas entre si e submetidas a uma criteriosa análise. Não há “rainha das provas”. Outrora, a confissão tinha esse título. Perdeu-o. Ficou desmoralizada pelo modo violento com que era obtida nas delegacias, nos quartéis e em outros locais civis e militares. Além disto, verificou-se que, mesmo obtida sem coerção, a confissão pode, por diversos motivos, ocultar a verdade. Apesar de vedada pelo direito e pela moral, a tortura continua a ser utilizada no Brasil e em outros países.
A perícia técnica, com ares de cientificidade, pretendeu ocupar o trono. A vida experimentada socialmente, nas ruas e nos tribunais, mostrou que os exames periciais nem sempre espelham a verdade. Por isto e nos termos da lei brasileira, o juiz não está vinculado ao laudo pericial e pode decidir com fulcro nas outras provas, desde que idôneas. No período autocrático (1964/1985) a manipulação da prova intensificou-se. O caso emblemático do jornalista Herzog ilustra bem essa anomalia: falsidade do exame pericial. Parlamentares, chefes de governo, banqueiros, empresários, barões da média, bispos evangélicos, exercem pressão e influem na investigação judiciária. Os institutos de criminalística não estão imunes.
Agentes do ministério público e juízes atuam de modo abusivo e arbitrário, com esperteza enganosa e falta de decoro, conforme se evidenciou na operação lava-jato, principalmente depois das reportagens do site “The Intercept Brasil”.  A conduta dos indivíduos nem sempre se harmonizam com os deveres postos pela instituição a que pertencem. A cor política partidária, a parcialidade, a venalidade, no que tange à atuação dessas autoridades estatais, são antigas e conhecidas. Ante essa realidade, cabe distinguir (i) o ministério público, a magistratura e seus códigos de ética, abstratamente considerados, como instituições respeitáveis e relevantes para a nação e para o estado democrático de direito (ii) da real atividade dos promotores, procuradores, juízes, desembargadores e ministros, concretamente considerados, no exercício das suas respectivas funções. Se lhes convém, contornam as normas éticas e jurídicas. Fazem da justiça, vã palavra; do processo, picadeiro; da democracia, caricatura. 
No Caso Bolsonaro, o objeto da prova (thema probandum) está assim colocado: (i) visita do provável assassino à casa de Jair (ii) envolvimento de Jair e filhos no crime. Há prova conflitante: o depoimento do porteiro (afirmando) versus o exame pericial (negando). O pronunciamento da promotora de justiça (tiete de Jair) ao enaltecer o exame pericial, mostrou sintonia com a defesa do presidente da república. No entanto, o laudo pericial pode ser falso ou lacunoso. O porteiro pode ser o portador da verdade. Nesse contexto, investigação isenta é difícil. Em casos como este, cresce a importância do jornalismo investigativo e da imprensa em geral. A apuração da verdade ou da falsidade do que foi dito pelo porteiro e do que foi escrito pelo perito, demandará algum tempo. Fatos relevantes para a solução do problema podem não ficar provados, ou podem ser provados: (i) de modo insuficiente (ii) de modo suficiente. Qualquer dessas hipóteses poderá ocorrer.   
Sobre o envolvimento de Jair e seus filhos no crime, existem indícios (atos e fatos circunstanciais que devem ser provados). A suspeição deles decorre da conjunção de fatores, tais como: proximidade com milicianos, apego às armas, caráter mal formado, homofobia, machismo enfermiço, discurso ofensivo, atitudes agressivas em direção à letalidade dos adversários ou de quem for considerado inimigo. A competência para instaurar o inquérito é da polícia civil do Rio de Janeiro (local do crime). Se houver ação penal, o processo será instaurado no Supremo Tribunal Federal (foro especial) e Jair será suspenso do cargo até o julgamento ser concluído.