Quando o Brasil era presidido pelo
teuto-franco-brasileiro (berlinense de nascimento, parisiense por opção,
carioca pelo registro civil, paulista pelo domicílio, nordestino pela buchada
de bode e pelo pé na cozinha), o fauno meliante incomodava-se com a
existência de cláusulas pétreas na
Constituição da República. Delas zombava. Menosprezava o direito; não assimilou
o fracasso no vestibular. Ignorava a garantia que as cláusulas pétreas
representam para a estabilidade institucional, postas pelo legislador
constituinte originário com o propósito de limitar a ação dos poderes
constituídos e assegurar as liberdades públicas e os fundamentos republicano,
federativo e democrático do Estado brasileiro (CR 60, §4º).
A Constituição expressa a vontade, idéias e interesses
dos representantes dos diversos segmentos do povo reunidos em assembléia
constituinte. Proporciona segurança jurídica. A sua eficácia depende da
estrutura moral e da maturidade política dos governantes e governados. Entretanto,
há os de caráter deficiente, insensíveis aos princípios morais e jurídicos. No
pensar e no sentir dessa grei, tais princípios vigoram apenas para a massa
popular ignara. Velhacos não respeitam limites éticos e jurídicos, ainda que
sejam cláusulas pétreas da Constituição.
“Todos compreendem como é digno de encômios um
Príncipe quando cumpre a sua palavra e vive com integridade e não com astúcia”
(Nicolau Maquiavel).
Fernando Henrique Cardoso ostentava o anacrônico e
presunçoso título de Príncipe dos Sociólogos
Brasileiros macaqueando o Príncipe
dos Barrocos Franceses [François Rabelais (1483-1553), frade, professor, cientista,
jurista, romancista satírico]. Ao presidir a república brasileira, o “príncipe”
rogou que esquecessem o que escrevera. Parcela do povo observara o descompasso
entre a conduta do político e a literatura do pernóstico sociólogo. Ao expor
idéias alheias como próprias, o escritor se arrisca a esse tipo de contradição
e a ser desmascarado publicamente.
A compra de votos de parlamentares não é invenção tupiniquim.
Houve época no parlamento britânico (século XVIII = 1701/1800) em que os
deputados vendiam seus votos e consciências aos ministros. Radicado na
Inglaterra, o brasileiro Hipólito da Costa (1774-1823) fundou, em Londres, o
“Correio Braziliense”, periódico mensal (jornal/revista), onde censurava os
hábitos imorais dos políticos luso-brasileiros. Essa compra e venda
notabilizou-se no governo Cardoso. Visava a obter apoio da maioria parlamentar
aos seus projetos, inclusive o da reeleição. O mesmo acontece agora para
aprovação do projeto do senador José Serra (PSDB) que pretende abrir o pré-sal
às petroleiras estrangeiras. Para estas companhias, 300 milhões de dólares destinados
às propinas são excelente negócio; para a maioria parlamentar, fabulosa renda
extra; para a nação brasileira, imenso infortúnio. Os vendilhões são apátridas
e amorais.
A corrupção e a hipocrisia na sociedade brasileira são
temas de obras literárias desde Bernardo Guimarães (1825-1884), de peças
teatrais, de programas humorísticos de rádio e televisão, de letras de músicas.
O povo assim expressava, jocosamente, a calamidade moral na esfera pública: “Se
gritar: pega ladrão! Não sobra um meu irmão” (expressão que o compositor Chico
Buarque aproveitou em uma das suas canções). O descalabro ao patrimônio
nacional e o desbarato do dinheiro público indispõem o brasileiro comum a pagar
tributos e incentivam a sonegação fiscal.
Sabia-se da corrupção no governo Cardoso (1995/2002),
mas desconhecia-se o tamanho da safadeza. Informação prestada por protagonistas
da compra de uma empresa de energia na Argentina, então governada por Carlos
Menem, relata que o governo Cardoso embolsou 100 milhões de dólares em propina!
A venda das empresas estatais brasileiras também propiciou outros milhões de
dólares à súcia [“comissão pra cá, comissão pra lá” (comissão = propina), desabafo
do então ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros]. De lambujem, antes de passar
a faixa presidencial e a pretexto de fundar um instituto privado, Fernando
Henrique angariou mais alguns milhões entre os empresários que compareceram a
um jantar.
A corrupção é fenômeno natural. Ao fluir o tempo, todos
os seres da natureza corrompem-se, passam por contínua mudança física. Da
esfera natural, o conceito corrupção
estende-se para a esfera cultural, do campo biológico ao campo moral, significando
deterioração do caráter da pessoa no curso da vida social até a plena insensibilidade
ética (amoralidade). O vírus da corrupção moral penetra no espírito humano a
qualquer momento, esteja o corpo físico na infância, na adolescência ou na
maturidade. Na associação de pessoas, o vírus se oculta no ato da fundação. Enquanto
a pessoa moralmente corrupta viver, existe a possibilidade de reabilitação,
inclusive pela via religiosa. Santo Agostinho (ex-degradado) dizia que os
demônios são os desejos e as paixões em luta contra a dimensão ética do ser
humano. Padre Antonio Vieira (1608-1697) anatematizava a desonestidade e a
corrupção no âmbito administrativo da colônia portuguesa na América. Como se vê
da insuspeita e segura fonte, a podridão moral está na raiz da cultura
luso-brasileira.
Na vigente lei penal brasileira, a corrupção consta do
rol dos crimes contra a administração pública e tem como agente e paciente o
funcionário público, assim considerado aquele que exerce cargo, emprego ou
função na administração pública. O funcionário (agente) pratica o crime de
corrupção ao solicitar ou receber, para si ou para outrem, vantagem indevida,
ou aceita promessa. O particular pratica o crime de corrupção quando oferece ou
promete vantagem indevida a funcionário (paciente) para que este faça, deixe de
fazer ou retarde algo do seu ofício. (CP 317 + 333).
No Brasil, houve corrupção na primeira república
(1891/1930), que aumentou nos governos de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek
(1930/1960), amainou no governo militar (1964/1985), recrudesceu nos governos
de José Sarney e de Fernando Collor (1986/1994), subiu alturas estratosféricas
no governo de Fernando Henrique (1995/2002), baixou no governo de Luiz Inácio
(2003/2010) e havia abrandado no governo de Dilma Rousseff até acontecer o
episódio do pré-sal.
No século XX (1901/2000), a punição desse tipo de
crime no Brasil foi esporádica, restrita à arraia miúda. No século XXI (2001/2100),
a partir do governo Silva, os casos de corrupção no alto escalão da
administração pública passam a ser investigados e punidos. A iniciativa
moralizante surpreendeu alguns brasileiros, tendo em vista a notória licenciosidade
em todos os setores da vida pública brasileira e a costumeira impunidade. Contudo,
para decepção das pessoas decentes, notou-se que os casos eram selecionados
segundo cores ideológicas e partidárias, com o politiqueiro propósito de
desmoralizar o governo federal ocupado por partidos da esquerda e do centro. As
ações centralizadas em Curitiba contra indivíduos ligados a esses partidos
foram rápidas: prisões, delações, inquéritos, denúncias formalizadas, sentenças
prolatadas e recursos interpostos, com ampla e espetacular cobertura dos
jornais e das emissoras de rádio e televisão. Sepulcral silêncio em torno dos
ilícitos praticados pela canalha dos partidos da direita. A insensatez engolfou
a racionalidade e a honestidade. Ao confundir empresário e empresa, o tendencioso
juiz curitibano contribuiu para a depressão econômica do país e seus reflexos
políticos.
O governo do país ficou refém de um grupo mafioso que
se vale até do processo judicial como aríete para abrir os portões à subversão
e à corrupção.