domingo, 12 de junho de 2011

DIREITO

Caso Cesare Battisti. Finalmente, o rumoroso caso foi resolvido em caráter definitivo pela suprema corte brasileira. Houve protestos dentro e fora do Brasil. Inconformismo com a negativa de extradição. O governo da Itália afirma a antijuridicidade da decisão brasileira, o descumprimento do tratado entre os dois países e ameaça recorrer à corte internacional de Haia. Afirmativas raivosas na rede de computadores sobre a diminuição do Supremo Tribunal Federal (STF) com essa decisão. A diminuição não é recente. Gilmar Mendes e Dias Tóffoli, apesar das reservas dos operadores do direito e da oposição da imprensa e dos internautas, foram nomeados pelos presidentes Fernando Henrique e Luiz Inácio. Quando o presidente Sarney nomeou para o Superior Tribunal Militar pessoa indigna para o relevante cargo, aquele tribunal se recusou a dar posse ao nomeado. Ao STF falta coragem e independência para seguir o bom exemplo. A deficiência intelectual e/ou moral nos julgamentos dos tribunais superiores deve ser debitada ao vigente modelo de preenchimento das vagas que permite ao chefe de governo nomear pessoas desqualificadas. A escolha é pessoal e política; os requisitos constitucionais e legais são simplesmente ignorados; a respectiva satisfação é presumida.

No caso Cesare Battisti, faça-se justiça ao voto do relator, ministro Gilmar Mendes. A sua bem elaborada decisão conforma-se ao direito, quer na esfera nacional, quer na esfera internacional. Manteve coerência com a decisão anterior do STF que julgou legal e procedente o pedido de extradição. Ao invés de cumpri-la, o Executivo prolatou decisão contrária, como se fosse instância jurisdicional hierarquicamente superior à corte suprema. Julgamento político inconstitucional, quiçá represália ao governo italiano por se colocar contra a participação do governo brasileiro no conselho de segurança da ONU.

Ante a gritaria dos inconformados, forçoso reconhecer, a crédito deles, a existência de fatos notórios nacional e internacionalmente: (I) o Brasil é um paraíso de bandidos nacionais (com dinheiro) e internacionais; (II) no setor público deste país, tanto na administração direta como na indireta, grassa a corrupção, a safadeza, a desonestidade, desde vereadores até senadores, desde prefeitos até presidentes da república, desde garis até ministros de Estado; (III) os políticos são eleitos pelo voto popular; isto retrata parcela do povo brasileiro, imagem e semelhança dos eleitos; (IV) os tribunais tendem a favorecer os detentores do poder econômico; bandido do colarinho branco sempre escapa das malhas da justiça (recentemente, o Superior Tribunal de Justiça destruiu todo o legal e eficiente trabalho da polícia federal e da justiça federal de primeira e segunda instância para beneficiar um milionário do setor financeiro, sob o pretexto de que as provas foram obtidas por meios ilícitos).

Hercúlea será a tarefa de mudar 500 anos de história e cultura do povo brasileiro, que inclui costumes como o do jeitinho, do levar vantagem em tudo, da esperteza enganosa, do beneficiar-se por ser amigo do rei (“vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei” – Manuel Bandeira). Cada brasileiro há de fazer exame de consciência e começar a mudança nele próprio segundo um projeto de vida moldado em princípios éticos, no firme propósito de se guiar pela verdade, justiça e honestidade, sem interpretações sibilinas.

Juristas europeus do século passado defendiam a elaboração de lei que proibisse os juízes de interpretar as leis. Estribavam-se na certeza de que a interpretação judicial serve mais à malícia do que à justiça. A cumplicidade dos juízes com os poderosos acarretou-lhes a antipatia popular, a desconfiança e a falta de apreço, que se traduziram em restrições constitucionais à atividade judicante. O controle da constitucionalidade das leis em alguns países foi confiado a um tribunal constitucional soberano e não aos juízes e tribunais ordinários. Na França esse controle é preventivo e ficou a cargo de um Conselho Constitucional. No Brasil, a desconfiança do povo em relação aos juízes e tribunais resultou na criação de um Conselho Nacional de Justiça.

No caso Battisti invocou-se a vigência dos direitos humanos. Cumpre salientar que, nas relações internacionais, o Brasil rege-se pela prevalência dos direitos humanos. Notórios são os interesses políticos e econômicos que militam contra esses direitos. Parte da doutrina estrangeira está a serviço desses interesses. Afastar a intangibilidade desses direitos interessa, por exemplo, ao Fundo Monetário Internacional, cujo receituário ficará livre de um complicador. No Brasil, não há pena de caráter perpétuo. Apesar de o princípio jurídico do devido processo legal ter sido observado pelo tribunal italiano, como reconheceu a suprema corte brasileira, Battisti foi condenado à prisão perpétua, o que não se compatibiliza com o nosso sistema jurídico constitucional.

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