terça-feira, 14 de junho de 2011

DIREITO2

Caso Battisti. Continuação. Ao afirmarem que o Supremo Tribunal Federal (STF) saiu diminuído com a decisão sobre esse caso, os internautas (talvez da geração posterior a 1964) provavelmente desconhecem que a paulatina perda de qualidade desse tribunal começou com a sua mudança para Brasília e se acentuou após 1988. Juristas de porte, como o saudoso Miguel Reale, recusaram o convite para integrá-lo. Preferiam permanecer com suas bancas e cátedras em São Paulo e Rio de Janeiro. Juristas menores passaram a se candidatar; não esperam convite, oferecem-se; cavam a nomeação; devem favores.

De acordo com a Constituição brasileira, a extradição não será concedida na hipótese de crime político ou de opinião. Recepcionado pela Constituição de 1988, o estatuto do estrangeiro (leis 6.815/80, 6.964/81, decreto 86.715/81) arrola casos em que o pedido de extradição será negado, entre os quais, os seguintes: (i) não ser crime no Brasil o fato atribuído ao extraditando (ii) a punibilidade estiver extinta (iii) o requerente sujeitar o extraditando a juízo ou tribunal de exceção. Segundo o estatuto: (i) se o crime político for conexo a crime comum e este constituir o fato principal, a extradição poderá ser concedida (ii) cabe exclusivamente ao STF apreciar o caráter da infração (política ou comum). A esse tribunal o legislador constituinte brasileiro atribuiu competência originária e exclusiva para processar e julgar a extradição solicitada por Estado estrangeiro. Portanto, a decisão do STF vincula os demais poderes. Nos termos do estatuto, nenhuma extradição será concedida sem que o STF se pronuncie sobre sua legalidade e procedência.

O tribunal exerce poder político do Estado brasileiro na sua expressão jurisdicional: controla a constitucionalidade dos atos do poder público, declara o direito, resolve controvérsias, processa e julga questões postas por Estados estrangeiros e organizações internacionais. Quanto ao pedido de extradição, cabe ao STF apreciá-lo e ao Executivo agir em sintonia com a decisão judicial. O descumprimento das decisões judiciais pelo chefe de governo tipifica crime de responsabilidade. O presidente do Brasil descumpriu a decisão do STF que julgara legal e procedente o pedido de extradição. Proferiu julgamento contrário ao do tribunal quando a participação do governo strito sensu (ministério, polícia federal) limita-se à fase de execução do decisum. A Constituição Federal não outorga esse poder de julgar ao presidente da república. Apesar disto, o STF abdicou da sua competência exclusiva e delegou a palavra final ao presidente.

Para escapar ao processo por crime de responsabilidade, garantir a eleição da sua candidata, resguardá-la no início do novo governo da tarefa relativa à extradição, o então presidente da república deixou o assunto para os últimos dias do seu mandato. Como a aferição da constitucionalidade dos atos dos agentes públicos cabe ao STF, o governo italiano submeteu o ato decisório do presidente ao crivo do Judiciário. Aí, a questão jurídica da competência foi engolfada pela questão política da soberania, artificialmente chamada à balha. Venceu a corrente que misturou alhos com bugalhos. Em nome da soberania nacional, a maioria prestigiou o afrontoso ato do presidente da república.

Havia uma pedra no caminho da anterior decisão do STF que concedeu a extradição. De acordo com o estatuto, quando o STF decide pela legalidade e procedência do pedido de extradição, o fato será comunicado ao Estado requerente por intermédio do Ministério das Relações Exteriores. O Estado requerente terá o prazo de 60 dias para retirar o extraditando do território nacional. Ainda assim, a entrega do extraditando fica condicionada ao elenco de compromissos a serem assumidos pelo Estado requerente. Desses compromissos consta o de não considerar qualquer motivo político para agravar a pena. No caso Battisti, a pena aplicada foi agravada ao máximo: prisão perpétua. Isto indica provável motivação política.

O processo judicial é um esforço da inteligência humana para se aproximar da verdade, dirimir dúvida, chegar a uma justa solução das controvérsias. A realidade às vezes mostra-se rebelde ao conhecimento. Falsos documentos e depoimentos, perícia tendenciosa, argumentação capciosa, grupos de pressão, sensacionalismo da imprensa, contribuem para empanar a realidade. A falta de acesso ao conteúdo do processo gera juízos precipitados e crítica infundada. Notória a ligação de Battisti com célula terrorista que contestava o regime em vigor na Itália. O terrorista de hoje é o estadista de amanhã. Antes de Israel ser Estado (1948) terroristas judeus militavam na Palestina. Depois, tornaram-se governantes legítimos do novo Estado. Há exemplos desse tipo de sucessão política na história da Europa (Itália, Irlanda) e da América (Brasil, Chile). O desconhecimento dos fatos e a falta de fé no processo geram dúvidas: se Battisti participou dos crimes; em caso positivo, se a participação foi direta ou indireta; se a motivação foi política, social ou econômica.

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