quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO

Na sabatina de ontem no Senado (01/12/2021), o bacharel André Mendonça, candidato ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal –STF, ao defender o seu merecimento, buscou convencer os senadores de que a sua religião não iria influir nos seus julgamentos no tribunal. Disse que na vida é a Bíblia e no tribunal, a Constituição. Certamente, pretendeu enfatizar o óbvio: o estado brasileiro é laico, embora a nação brasileira seja religiosa. Retórica oportuna e palatável com o objetivo de conquistar aprovação dos examinadores, o que realmente aconteceu. Faltam, agora, a nomeação pelo presidente da república e a posse a ser dada pelo presidente do STF marcada para o dia16/12/2021. Ante o encerramento das atividades do STF no dia seguinte, provavelmente o novo ministro entrará em exercício no próximo ano ocupando a vaga deixada pelo ministro Marco Aurélio.  
O fato de o cidadão ser filiado a uma religião não é óbice, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, ao exercício da judicatura. Nos tribunais brasileiros há cristãos católicos, cristãos protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, budistas. A composição dos tribunais reflete a liberdade religiosa assegurada na Constituição. Óbice é o candidato situar-se nas extremidades do espectro político, tanto à esquerda como à direita. Ambas, a comunista e a nazifascista, são antidemocráticas e o Brasil é um estado democrático de direito. Cabe aos representantes do povo brasileiro impedir que comunistas e nazifascistas ocupem cargos relevantes para os destinos do país e venham destruir a própria democracia. Socialistas, sim, comunistas não. Liberais, sim, nazistas não. 
A formação acadêmica, cultural, ideológica, moral, religiosa e mística do juiz influi nas suas decisões, posto não haver decisão judicial puramente normativa. A complexidade do raciocínio dos magistrados na aplicação do direito ao caso concreto tem sido tratada em nível científico por respeitáveis teóricos da ciência e da filosofia jurídicas como Perelman, Alexi, Siches, Reale. 
Basta lembrar que além de norma, o direito é fato e valor, produto do pensamento, da consciência e da experiência dos humanos no seu evolver histórico e social. A juridicidade implica esse tripé. O magistrado interpreta o fato sub judice à luz dos valores materiais e imateriais vigentes na sociedade que mais lhe tocam na alma e busca no ordenamento jurídico a norma que melhor se afeiçoa à sua compreensão e à sua vontade para fundamentar a sua decisão final. 
Nesse mister, o magistrado não está alheio às pressões de grupos ou da sociedade em geral. A elas pode sucumbir. O direito está longe de ser uma ciência exata. Caracteriza-se mais como ciência do razoável. Por vezes, ao aplicarem a norma ao caso concreto, os magistrados se afastam também do razoável e do honesto, nutrindo ideias, sentimentos e interesses próprios e/ou de outros. Isto não só no Brasil como também em outros países. Na democracia estadunidense, por exemplo, os juízes da suprema corte são tendenciosos e racistas, apesar da flexibilização quanto aos negros e indígenas a partir da segunda metade do século XX.  Se o juiz foi indicado por presidente republicano, ele não facilitará causa dos democratas; se indicado por presidente democrata, ele não facilitará causa dos republicanos. Isto em nível político. Em nível econômico, facilitam causa dos donos do capital e são rigorosos com os prestadores de serviço remunerado. Em nível religioso, facilitam causa do protestantismo e são rigorosos com os católicos e demais confissões.  
A Bíblia é livro sobre o qual se põe a mão para jurar obediência à lei e à verdade. Divide-se em duas grandes partes contraditórias entre si: a judaica (Antigo Testamento) e a cristã (Novo Testamento). O líder cristão, hebreu-israelita, revogou a escritura do líder hebreu-hebreu, embora, com astúcia política, tenha dito que viera apenas aperfeiçoá-la. Na verdade, os dogmas essenciais do judaísmo foram por ele rejeitados. Até o seu deus, amoroso e misericordioso é diferente do deus cruel e vingativo dos judeus. 
Os cristãos católicos e protestantes apegados ao Antigo Testamento, na verdade, não são cristãos e sim judeus. Os católicos e protestantes fiéis aos ensinamentos de Jesus, o Cristo, apegados ao Novo Testamento (à “boa nova” = evangelho) são os autênticos cristãos. Ainda assim, ser cristão na linha de Jesus, o Cristo, é missão quase impossível neste planeta. Daí, ele ter afirmado que o seu reino não era deste mundo. Todavia, a sua doutrina contribuiu para melhorar o pensamento e a conduta de grande parte da população mundial. Entretanto, decorridos dois mil anos, ainda prevalece a face demoníaca da natureza humana, tanto no Oriente como no Ocidente.      


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