domingo, 31 de outubro de 2021

MOROSIDADE & IMPUNIDADE

SUMÁRIO. Eleições presidenciais de 2018. Chapa Bolsonaro/Mourão. Cassação. Equívocos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Causa sem efeito. Lógica do razoável e doutrina do fato consumado mal aplicadas no caso concreto. Divórcio entre a Moral e o Direito. Bravatas inúteis ante a insensibilidade ética dos destinatários.  

Na sessão matinal do dia 28/10/2021, o TSE terminou o julgamento das duas ações que impugnavam a chapa Bolsonaro/Mourão. Ambas repelidas, por unanimidade, sob o argumento de que os autores não provaram que os disparos de mensagens pelas plataformas digitais influíram no resultado das eleições. Ficou mantida a validade dos diplomas dos eleitos e da posse nos respectivos cargos. Resta apurar na esfera (i) do Legislativo, os crimes políticos (ii) do Judiciário, os crimes comuns; todos praticados pelo presidente da república.  
A celeridade processual foi alçada ao nível de garantia constitucional. [EC 45/2004 + CR 5º, LXXVIII]. Diante das relevantes consequências do exercício das funções presidenciais para a vida nacional, a celeridade no processo eleitoral assume proporções dramáticas. A doutrina do fato consumado incidente quando há morosidade, facilita a impunidade e enseja a validade dos atos praticados pelo governante. A chefia do governo exercida por quem foi eleito mediante fraude, além de repugnante, pode causar graves prejuízos ao estado e à sociedade, como acontece atualmente. Para esse infortúnio contribuiu a morosidade do TSE. Se aquelas ações fossem apreciadas tempestiva e honestamente, novas eleições seriam realizadas. Entretanto, isto não sensibilizou o TSE (i) quer pelos gastos e trabalhos adicionais (ii) quer pelo risco de ser eleito candidato da esquerda. Historicamente, na magistratura brasileira, do piso à cúpula do Poder Judiciário, há o predomínio político da mentalidade liberal burguesa, tal como entre os oficiais militares há o predomínio da mentalidade autocrática burguesa. 
As ações foram julgadas tardiamente. Nos alvores da república, Ruy Barbosa já censurava os juízes tardinheiros. [Trocadilho do genial baiano!!??]. Certamente, os ministros entenderam inconveniente e inoportuna a cassação (i) quer pela proximidade do fim do quadriênio (ii) quer pelo risco de a chefia do governo ser assumida pelo presidente da Câmara dos Deputados, o que significaria a troca de um nazifascista por outro até a eleição indireta de novo presidente da república pelo Congresso Nacional para terminar o vigente mandato. [CR 81]. 
A lógica do razoável e a doutrina do fato consumado são aplicadas pelos juízes quando há espaço para a razoabilidade. Manter um criminoso sequencial na chefia do estado não se afigura razoável e nem sensato. Melhor seria que o TSE tivesse mantido as ações na geladeira até as eleições de 2022. Depois, então, lançaria a decisão extintiva: “Em decorrência do recente pleito eleitoral estas ações perderam o objeto. Arquive-se”. Desse modo, os ministros teriam poupado a si mesmos e ao público das longas e enganosas argumentações através das quais celebraram o divórcio entre a moral e o direito, tal como os capitalistas celebram o divórcio entre a moral e a economia. Formalmente, o raciocínio dos ministros está correto, pois, as premissas autorizam a conclusão. Materialmente, o raciocínio dos ministros peca pela falsidade, quiçá para desculpar ou encobrir a desídia e a parcialidade do tribunal.  
A ação humana é teleológica. O disparo de mensagens tem finalidade. A existência dos disparos em massa foi reconhecida pelos ministros. Esses disparos durante a campanha eleitoral viciaram a disputa, provocaram disparidade, favoreceram um dos competidores. Para tipificar a violação da lisura na competição, basta a materialidade do ato ilícito. A necessidade de realizar nova eleição era imperiosa. Apesar disto, os ministros afirmaram, com argúcia, falta de prova da influência dos disparos no resultado das eleições, como se fosse possível haver causa sem efeito. 
“Choveu granizo” (causa); “as verduras da horta foram danificadas” (efeito). Há consequências necessárias que dispensam prova; bastam a experiência e o bom senso para certificar o efeito se presente a causa. Na investigação científica, a prova é essencial à demonstração da verdade e da falsidade. Contudo, o cientista não precisa provar que o Sol gera luz e calor; nem o jurista precisa provar que o disparo de arma de fogo pode ferir ou matar alguém. 
As bravatas dos ministros são estéreis. Os destinatários delas são adultos insensíveis à ética; acostumados à lama, não temem a faxina; tentarão driblar novamente a regra da honestidade; os ministros declarar-se-ão surpreendidos; vida que segue. No mundo político, a moralidade é escassa.  Nas décadas republicanas anteriores a 1930, o Legislativo organizava e controlava as eleições. Fraudes e violência eram frequentes. Resultados manipulados para favorecer determinados concorrentes. Isto motivou o golpe de 1930. Criou-se a Justiça Eleitoral como garantia contra os maus costumes. Sob nova roupagem, as ilicitudes prosseguiram. Em 1996, adotou-se a urna eletrônica para curar a doença moral, flagelo das eleições. Para sobreviver, o vírus desenvolveu nova cepa: deslocou-se do suporte material do voto para o suporte pessoal. A mente e o coração do eleitor passaram a ser bombardeados por estímulos provocados por vasta, contínua e intensa propaganda (liminar e subliminar) disseminada pelos meios de comunicação (inclusive plataformas digitais), sem controle eficaz. Na campanha de 2018, as plataformas foram utilizadas para disseminar o ódio, a mentira, a ofensa, a fim de favorecer um dos candidatos. Abuso do poder econômico e esperteza malandra patenteados. 
A liberdade de expressão, essencial à democracia, tem balizas morais e jurídicas. Transpô-las, significa adentrar o terreno do arbítrio, da violência, da ilicitude. A consciência humana distingue o uso legítimo da liberdade, do uso ilegítimo (contrário à democracia, à ordem jurídica, aos bons costumes); o uso tolerável, do uso intolerável (criminoso, afrontoso); o útil, do nocivo (danoso). 

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