terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO III

No Brasil, desde que satisfaçam os requisitos de idade, experiência, moralidade, escolaridade, conhecimento especial e cultura geral, as cidadãs e os cidadãos podem prestar concurso público para a magistratura. Se aprovados, são nomeados e empossados no cargo e, assim, ingressam na carreira. Há também ingresso direto nos tribunais por via política e livre nomeação (sem concurso público). Certa vez, o Superior Tribunal Militar negou-se a empossar no cargo de ministro cidadão nomeado pelo presidente Sarney. Diante disto, o presidente nomeou outra pessoa que foi aceita pelo tribunal e empossada no cargo. O Supremo Tribunal Federal (STF) teria a mesma coragem? Os ministros negariam posse a um pastor evangélico que apesar de mentiroso e hipócrita foi aprovado pelo Senado e nomeado por um presidente nazifascista? A mentira e a hipocrisia não são impedimentos morais ao exercício da magistratura? A mentira, o engodo, a hipocrisia, não são incompatíveis com o decoro exigido para o cargo?
Os requisitos acima citados são exigidos também ao candidato a ministro do STF. Incluem idoneidade moral, notável saber jurídico e posicionamento diante de questões relevantes. Todavia, a politicagem e a esperteza enganosa tornam todos esses requisitos irrelevantes no plano dos fatos. Abrem as porteiras para a passagem da boiada. 
Nos tribunais brasileiros exercem judicatura magistrados teístas, deístas, católicos, protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, budistas. As crenças religiosas, ideológicas e filosóficas estruturam o pensamento e a visão de mundo, entranham-se na alma e condicionam as ações humanas. Portanto, a influência delas nas decisões judiciais é inarredável. Alguns magistrados exteriorizam-nas ao vestir a toga. Lembro de dois magistrados do Estado da Guanabara que cobriam inteiramente o terno e a gravata com a toga. Assumiam postura sacerdotal. O mesmo fazia outro juiz que ingressou na magistratura do novo Estado do Rio de Janeiro pelo quinto constitucional na vaga destinada aos advogados. Nomeado depois para ministro do STF, ele conservou aquela digna postura desprovida de vaidade. Conheci colegas que observavam rigorosamente a separação entre estado e igreja. Eles seguiam o exemplo de Lavoisier. O notável cientista francês dizia deixar a bíblia na antessala do laboratório. Aqueles juízes deixavam a bíblia no vestíbulo do fórum. Nenhum desses meus colegas de toga participava de projeto de poder político. Mantinham a independência em relação à política partidária e aos poderes legislativo e executivo. Exerciam o poder jurisdicional dentro das balizas constitucionais. Cediam às pressões só quando sintonizadas com as convicções por eles construídas a partir das provas idôneas produzidas no devido processo jurídico.   
A eleição de pastores evangélicos mudou o cenário; introduziu o fundamentalismo religioso na política. Aqueles evangélicos que têm ambições políticas e afinidade formam um bloco coeso na defesa de um informal projeto de dominação. As lideranças políticas europeias na década de 1930 comportaram-se como o avestruz. O resultado foi a dominação nazista e a carnificina da segunda guerra mundial. Os brasileiros devem ficar atentos e ativos. O bloco evangélico nazifascista ocupa as chefias do governo, da câmara e do senado. Logo ocupará a chefia da suprema corte se não houver resistência contra esse movimento do qual se depreende a intenção de fazer do Brasil uma república autoritária religiosa fundamentalista. 
Dir-se-á: Luiz Inácio Lula da Silva será eleito presidente da república em 2022. A extrema direita perderá o poder e o projeto de dominação naufragará. 
Indaga-se então: Depois de terminar o mandato de Lula, a extrema direita permanecerá sob controle? Porventura os parlamentares e ministros nazifascistas deixarão de ocupar cadeiras no parlamento e na suprema corte? 
Se os socialistas e os liberais cruzarem os braços, assistirão ao enterro da democracia. A extrema direita saiu do armário e mostra as garras na Europa e na América. Nas igrejas evangélicas, nas corporações, nos bancos, nos partidos políticos, na administração pública, nos meios de comunicação social, há células da extrema direita, bases fortes que não devem ser menosprezadas.     
Concluída a sabatina no Senado (1º/12/2021), o sabatinado se vangloriou de ter enganado os examinadores. Disse que a vitória para o homem foi um passo e para os evangélicos foi um salto. Na visão de brasileiros de outras linhas cristãs, foi um assalto. Parlamentares, presidente da república, esposa e auxiliares, todos evangélicos, festejaram a proeza com abraços, gestos, pulos e urros. A fim de acalmar as bases eleitorais e o rebanho, os parlamentares evangélicos logo avisaram que as palavras ditas na sabatina contrárias à fé e à doutrina das suas igrejas visavam apenas à vitória do pastor. Portanto, não eram para valer. Assim, também, não eram para valer as palavras contrárias ao nazifascismo por ele praticado quando servia ao atual presidente da república. 
De esperteza em esperteza, navega o barco desta republiqueta de bananas. Parodiando Napoleão Bonaparte: a quem tem padrinho ou patrocínio tudo se concede e facilita; aos outros, o rigor da lei. A consequência disto, no caso em tela, é a desmoralização do tribunal. 


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