domingo, 17 de outubro de 2021

SOBERANIA versus MINISTÉRIO PÚBLICO

Em trâmites pela Câmara dos Deputados proposta de mudança parcial na organização do Ministério Público (MP). Os agentes dessa instituição, alegando autonomia e independência funcionais, pressionam os parlamentares para que votem contra a proposta. No entanto, a mudança objeto da proposta é salutar, sintonizada com o interesse público. Sustenta-se na soberania do Poder Legislativo que detém a competência constitucional de legislar sobre a estrutura e o funcionamento do MP, inclusive a de criar e extinguir cargos e estabelecer os planos de carreira (CR 127).      
Soberania significa qualidade do que é ou de quem é soberano.  O vocábulo soberano significa [1] grau máximo (i) de uma ordem hierárquica (ii) do poder de decisão em determinado domínio [2] título de quem exerce a soberania (imperador, rei, chefe). Na Política e no Direito entende-se por soberania nacional ou popular, o poder de uma nação ou de um povo de se organizar livremente, sem subordinação a qualquer outro poder ou a qualquer norma moral ou jurídica precedente. Entende-se por soberania estatal, a supremacia do poder do estado em relação à sociedade civil, dentro dos limites traçados pelos costumes, pelas convenções, por leis e constituições jurídicas.
No Brasil, em termos de legitimidade constitucional, a soberania estatal é exercida por três órgãos distintos e independentes: o legislativo, o executivo e o judiciário (poderes constituídos). Cada órgão exerce o poder do estado segundo o sistema de competências posto pelo legislador constituinte, por escrito, na Constituição. No legítimo exercício das suas funções, o parlamentar, o chefe de governo e o magistrado personificam a soberania estatal. Os demais órgãos civis e militares, ainda que gozem de autonomia e independência no funcionamento do estado para boa, correta e efetiva aplicação dos princípios e objetivos fundamentais da república, eles não são soberanos e sim subalternos. No modelo jurídico constitucional vigente no Brasil, inexiste quarto, quinto ou sexto poder. No período imperial, havia o poder moderador ao lado (na verdade, acima) dos outros três poderes. Todavia, esse quarto poder foi suprimido pelo golpe republicano de 1889. A tarefa de moderar as relações entre os poderes da república é realizada mediante o mecanismo de freios e contrapesos adotado pelo modelo constitucional republicano que, salvo nos períodos autocráticos, vigorou em todos os períodos democráticos da nação brasileira, inclusive o atual (1988-2021). 
O MP é sujeito passivo e não sujeito ativo da soberania estatal, situado em plano inferior ao patamar dos três poderes essenciais. O MP exerce funções essenciais à Justiça tal como a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e a Advocacia Privada, todos adstritos à ordem jurídica em vigor. Destarte, a eventual pretensão do MP de se impor como órgão soberano perante os poderes da república não encontra guarida no vigente modelo constitucional brasileiro. Por exercer função de inconteste relevância social, principalmente no combate à criminalidade, não significa que o MP seja o quarto e intocável poder da república. Sobre a mudança em tela, os parlamentares não devem se intimidar com as pressões do MP. Interessante ouvir, se ainda não ouviram, a Ordem dos Advogados, representantes da Defensoria Pública e outros juristas. 
O interesse público há de prevalecer sobre interesses corporativos destoantes. O Poder Legislativo está no uso legítimo das suas atribuições ao propor, estudar e debater projeto que introduz necessárias, úteis, oportunas e convenientes modificações na organização do MP (estrutura e funcionamento administrativos), dentre as quais, constam as relativas à Corregedoria Geral, órgão interno da instituição encarregado dos procedimentos disciplinares sobre a conduta dos promotores e procuradores. A proposta visa a (i) preservar o prestígio da instituição (ii) evitar os desvios de conduta dos promotores e procuradores (iii) afastar a impunidade dos desviantes. No que tange ao Corregedor-Geral, atualmente a escolha compete ao Conselho Nacional do Ministério Público. Todavia, nada impede, tudo aconselha, que mediante emenda à Constituição ou lei complementar, essa competência seja transferida para o Congresso Nacional. Ante a corporativa conivência da atual Corregedoria com os abusos praticados por agentes do MP, como se viu da famigerada força-tarefa na operação denominada Lava-Jato, essa transferência se mostra urgente, oportuna e conveniente. Interessante também: (i) a cogitada mudança na composição do Conselho Nacional do MP (ii) formalizar a ética funcional (codificação das normas).  
Certamente, a maioria dos parlamentares esquivar-se-á das espertas manobras protelatórias dos que dizem querer a mudança, mas que, na verdade, não a querem. Os manobristas de dentro e de fora da corporação alegam que o momento não é oportuno, que mais urgente é enfrentar a crise sanitária. Buscam, assim, remeter os trabalhos para as calendas gregas até caírem no esquecimento. A crise sanitária já é objeto de inquérito parlamentar no Senado. As diversas comissões permanentes e temporárias do Congresso Nacional e de suas Casas, cuidam dos outros assuntos relevantes para a nação, inclusive este concernente à organização do MP.   


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